Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2603/13.4T2AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
PRAZO DA DECISÃO
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
Nº do Documento: RP201503162603/13.4T2AVR.P1
Data do Acordão: 03/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O prazo de dez dias estabelecido no n.º 5 do artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, sendo determinado pela natureza urgente do processo, não deixa de ser um prazo meramente ordenador; na inexistência de norma que explicitamente sancione a irregularidade com nulidade e não influindo no exame ou na decisão da causa, não decorre da sua violação qualquer nulidade.
II - A cláusula no âmbito de contrato de locação financeira imobiliária que, perante o incumprimento do locatário, mesmo quando se possa qualificar como incumprimento definitivo, estabelece que “os contratos poderão ser resolvidos”, não determina a resolução automática do contrato, reconhecendo antes ao locador a possibilidade de resolução.
III - O facto dos contratos de locação financeira terem termo com uma antecedência de pouco mais de dois anos, perante o período temporal considerado no plano de revitalização, sem que se mostre que esta dilatação temporal configure uma afectação dos direitos do credor para além do razoável, incluindo os valores que lhe são devidos e a satisfazer pelo requerente, não constitui fundamento para recusar a homologação do plano de revitalização.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2603/13.4T2AVR.P1
5.ª Secção (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I- O prazo de dez dias estabelecido no n.º 5 do artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, sendo determinado pela natureza urgente do processo, não deixa de ser um prazo meramente ordenador; na inexistência de norma que explicitamente sancione a irregularidade com nulidade e não influindo no exame ou na decisão da causa, não decorre da sua violação qualquer nulidade.
II- A cláusula no âmbito de contrato de locação financeira imobiliária que, perante o incumprimento do locatário, mesmo quando se possa qualificar como incumprimento definitivo, estabelece que “os contratos poderão ser resolvidos”, não determina a resolução automática do contrato, reconhecendo antes ao locador a possibilidade de resolução.
III- O facto dos contratos de locação financeira terem termo com uma antecedência de pouco mais de dois anos, perante o período temporal considerado no plano de revitalização, sem que se mostre que esta dilatação temporal configure uma afectação dos direitos do credor para além do razoável, incluindo os valores que lhe são devidos e a satisfazer pelo requerente, não constitui fundamento para recusar a homologação do plano de revitalização.

I)
Relatório
1. B…, Lda., sociedade com sede na Rua …, n.º ., fracção Q, ….-… Vagos, freguesia e concelho de Vagos, fazendo apelo ao disposto no artigo 17.º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, instaurou o presente Processo Especial de Revitalização.
1.1 No requerimento inicial alega que é uma pessoa colectiva constituída sob a forma de sociedade comercial por quotas, anteriormente designada “C…, Lda.” e que tem por objecto “comércio a retalho de géneros alimentícios, incluindo todos os produtos agrícolas, bebidas utilidades domésticas, produtos de limpeza e manutenção; produtos e artefactos para bricolage e divertimento, brinquedos, acessórios e produtos consumíveis para automóveis, electrodomésticos, artigos de áudio-vídeo e outros produtos susceptíveis ou habitualmente vendidos em supermercados ou snack-bar”; circunstâncias várias que descreve no respectivo articulado puseram em causa a sua sustentabilidade e a manutenção dos sessenta e oito postos de trabalho que criou; no ano de 2011, para salvaguardar os postos de trabalho, cedeu os seus trabalhadores bem como a exploração dos seus espaços comerciais a uma outra empresa do ramo de actividade, permanecendo como proprietária desses espaços, auferindo as rendas daí resultantes; encontra-se em situação económica muito difícil, porquanto não dispõe de liquidez, nem consegue obter crédito com facilidade, o que lhe tem dificultado o cumprimento pontual das suas obrigações, tendo já dívidas a credores, que identifica, e estando a correr contra si acções executivas para cobrança dos créditos, que inviabilizam qualquer tentativa de planear a sua recuperação extrajudicialmente; sucede que tem intensificado esforços na manutenção da sua actividade, possuindo indicadores que demonstram a sua viabilidade económica e financeira no futuro, como o recebimento das rendas dos espaços comerciais arrendados; a empresa é detentora de um vasto património, esperando no futuro abrir novas lojas comerciais, supermercados, gerando, assim, também a criação de emprego; com uma reestruturação poderá relançar a sua actividade comercial com segurança, firmeza e viabilidade económica.
A manifestação de vontade é acompanhada por um dos respectivos credores.
1.2 Admitido o procedimento, o tribunal nomeou o administrador judicial.
Este apresentou lista provisória de créditos.
Foi entretanto deferido pedido de prorrogação do prazo de negociações.
No desenvolvimento do processo, foi apresentado nos autos, a 5 de Junho de 2014 (teor de fls. 567 e seguintes), o plano de recuperação, remetido aos credores com vista à emissão do sentido de voto.
Entre os credores inclui-se o D…, S.A., a quem entretanto sucedeu o E…, S.A., actual interveniente nos presentes autos como credor, o qual veio requerer, em 6 de Junho de 2014 (teor de fls. 600 e seguintes), a não homologação do plano, alegando para o efeito que os contratos de locação financeira imobiliária subjacentes ao seu crédito reconhecido, respeitantes a imóveis que o plano pressupõe que irão manter-se na posse da requerente do processo, já estão resolvidos desde Janeiro de 2012, na sequência da interpelação que lhe foi dirigida pelo credor, por incumprimento da devedora de rendas vencidas desde Outubro de 2011, situação que reiterou nas cartas enviadas à requerente do processo em Abril de 2014, pedindo a entrega dos imóveis.
Mais invocou que, caso se entenda que o plano implica a repristinação de tais contratos, ficaria inviabilizada a possibilidade de recuperação da quase totalidade do seu crédito em curto espaço de tempo, como é sua intenção, designadamente, através de providência cautelar de entrega judicial dos imóveis, pelo que, o plano configura uma situação previsivelmente menos favorável para o credor do que aquela que interviria na sua ausência.
Apenas a requerente, B…, Lda., veio responder, conforme requerimento de fls. 694 e seguintes, apresentado em 16 de Junho der 2014, defendendo a improcedência da pretensão formulada e a homologação do plano.
Em 7 de Julho de 2014 foi proferido despacho determinando a notificação do requerente do processo e do administrador judicial para que, em três dias, fosse junto aos autos o expediente relativo aos resultados da votação e, se fosse o caso, referente ao cumprimento do disposto no artigo 17.º-G do CIRE, sob cominação de ser declarado encerrado o processo, por aplicação do n.º 1 deste preceito legal, bem como a notificação do administrador judicial para eventual pronúncia, no mesmo prazo de três dias, quanto ao requerimento do credor D…, S.A., suscitando a não homologação do plano de recuperação.
Em 8 de Julho de 2014 foi expedida carta registada para notificação do administrador judicial.
Este, em 11 de Julho de 2014 (teor de fls. 709 e seguintes), juntou o expediente relativo à votação, revelando o mesmo que o plano foi votado favoravelmente por credores representativos de 76% dos votantes, sendo o D…, S.A., actual E…, S.A., um dos credores que votou desfavoravelmente.
Conclusos os autos em 15 de Julho de 2014, foi nessa mesma data proferido despacho nos seguintes termos: “Visto. Aguarde o prazo concedido para pronúncia ao Sr. administrador judicial nos termos do despacho antecedente e da data indicada na notificação, constante no histórico informático do processo”.
Conclusos de novo os autos, em 23 de Julho de 2014, foi proferido nessa mesma data despacho, decidindo recusar a homologação do plano de recuperação.
2.1 Inconformada com a decisão proferida, a requerente veio interpor o recurso que agora se aprecia, formulando as seguintes conclusões (transcrição integral):
«I. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido nos autos supra referidos em 23.07.2014, e que recusou a homologação do Plano de Recuperação formulado pela Requerente.
II. Terminada a votação ao plano, apresentado pela própria Apelante, veio em 11.07.2014, o Sr. Administrador Judicial Provisório juntar aos autos o expediente relativo à votação.
III. Sendo que, o despacho de recusa de homologação do plano, só veio a ser proferido em 23.07.2014.
IV. Ou seja, fora do prazo previsto no Art. 17.º-F, n.º 5 do CIRE.
V. Assim, a referida sentença de recusa de homologação do plano de recuperação de que ora se recorre, enferma de nulidade, na medida em que foi proferida fora de prazo.
VI. É que, a sentença de homologação ou recusa do plano tem que ser proferida nos 10 dias seguintes à recepção da documentação que comprova a aprovação do plano e respectivos votos.
VII. Efectivamente, nos termos do n.º 5 deste preceito, impõe-se ao Juiz que o aprecie nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, o que constitui um desvio ao estatuído no artigo 214.º do CIRE.
VIII. Resulta claro que a sentença em crise está ferida de nulidade, o que desde já se argui.
IX. Ainda assim, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá ainda que, os fundamentos que baseiam o despacho de que ora se recorre, resultam de uma análise negligente do requerimento enviado aos autos pelo credor D… em 06.06.2014.
X. Pela leitura do despacho de recusa de homologação do Plano, fácil é apurar que uma esmagadora maioria dos credores aprovou o plano.
XI. Pese embora a votação expressiva a favor da aprovação do plano efectuada pela maioria dos credores, deve ser recusada a homologação do mesmo, uma vez que o credor D…, manifestou a sua oposição à homologação nos termos previsto no Art. 216.º, n.º 1 do CIRE.
XII. Crê-se, porém que, e salvo o devido respeito por melhor opinião, a decisão recorrida peca por alguma superficialidade, notório e evidente erro na apreciação das provas e dos factos, insuficiente apreciação para a decisão da matéria de facto provada e não fez a correcta interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis, devendo, por conseguinte, ser revogada e substituídos por outra decisão que homologue o plano de recuperação apresentado.
XIII. A análise efectuada pelo douto tribunal de 1.ª instância, padece de várias lacunas.
XIV. Dá por certo que a homologação do plano colocaria, em tese, o credor D…, numa situação menos favorável, do que teria caso o plano não fosse avante.
XV. Não enuncia em que é que se baseou para chegar a essa conclusão, uma vez que dos documentos juntos aos autos pelo D…, tal não se retira.
XVI. O credor D…, junta aos autos cartas de interpelação para pagamento de mensalidades em atraso, que remetem, a título de consequência pelo não pagamento, para a cláusula 20.ª das Condições Gerais do contrato, mas ao juntar o contrato aos autos, coincidentemente ou não, faz a junção de um contrato incompleto.
XVII. O contrato junto aos autos pelo credor D…, não tem a página 18, onde consta a cláusula 20.ª das condições gerais, pelo que não se consegue apurar o que prevê tal cláusula.
XVIII. Mas ainda assim, o douto Tribunal considera que efectivamente assiste razão ao credor D…, pois que este ficaria claramente prejudicado com a homologação do plano, uma vez que sem a homologação daquele, o credor pode reclamar o imediato e integral pagamento em curto prazo e, não o obtendo, declarar a resolução do contrato e exigir a entrega dos imóveis.
XIX. O credor invoca D…, invoca a resolução dos contratos em Janeiro de 2012, mas somente em 8 de Abril de 2014, envia duas cartas à Devedora, juntas por aquele como documentos números 7 e 8, onde pela primeira vez refere que os contratos estão resolvidos, solicitando a entrega dos imóveis até 30 de Abril de 2014.
XX. E fá-lo, já os presentes autos se encontravam em curso!
XXI. A decisão de que se recorre, valoriza a possibilidade do credor poder, em tese, recuperar mais rapidamente o prejuízo causado pelo incumprimento da apelante, mas desvaloriza a jurisprudência mais recente que defende que durante a fase de negociação do plano, as resoluções invocadas pelo credor não têm qualquer validade.
XXII. A Apelante não se pode conformar com a decisão em crise, pois a mesma vai contra todos os fundamentos que serviram de base ao legislador, quando este previa a criação do Plano Especial de Revitalização!
XXIII. Pois o PER existe para permitir a recuperação financeira do devedor, o que implica necessariamente a alteração e adequação da forma de pagamento das obrigações assumidas.
XXIV. De acordo com a Proposta de Lei n.º 39/XII, de 30 de Dezembro de 2011, da Presidência do Conselho de Ministros, que deu origem à Lei n.º 16/2012, que introduziu este Processo, alterando o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o objectivo foi o da recuperação de empresas devedoras, “privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação”.
XXV. E sempre seria possível questionar a decisão de não homologação do plano, fundamentada na necessidade de defender o credor D…, que ficaria numa situação menos favorável em caso de homologação, em detrimento dos demais credores.
XXVI. É que a maioria dos credores votou favoravelmente o plano proposto pela devedora Apelante, é porque consideram que o plano os favorece.
XXVII. Assim, sempre será possível questionar se uma eventual situação menos favorável para o credor D…, em caso de homologação do plano, tem prioridade e prevalência sobre a vontade da maioria.
XXVIII. Em suma, a matéria de facto constante dos autos, não possibilita a recusa de homologação com base na oposição manifestada pelo credor, nem se justifica tal recusa, quando a grande maioria dos credores vota favoravelmente o plano, pois consideram que a Apelante tem viabilidade para se recuperar e porque consideram que desta forma existem sérias possibilidades de se verem ressarcidos do seu crédito.
XXIX. Não se justifica nem se encontra nos autos prova de que a homologação do plano coloque o credor D… numa posição mais desfavorável, do que no caso do plano ser homologado.
XXX. Ao fazê-lo na data em que o fez, actuou fora de prazo pois deveria ter procedido ao despacho nos 10 dias subsequentes à entrega da documentação com a votação entregue pelo Sr. Administrador de insolvência em 11.07.2014, ferindo assim o despacho recorrido de Nulidade que desde já se argui.
XXXI. Ao faze-lo da forma que fez, violou e fez uma errada interpretação e aplicação arts. 17.º-F/5 e 216.º/1, al. a), do CIRE., devendo ser julgado procedente o presente recurso e substituído o despacho recorrido por outro que homologue o plano votado e aprovado por maioria.»
2.2 O credor E…, S.A., veio responder, concluindo nos seguintes termos:
«1. Por douta Sentença proferida em 1.ª Instância, o Tribunal a quo considerou procedente o pedido de não homologação do plano de revitalização apresentado pelo agora Recorrido.
2. A Recorrente invoca a nulidade da sentença por considerar que esta foi proferida fora do prazo previsto no art. 17.º-F, n.º 5 do CIRE.
3. Acresce que, a ausência de sentença nunca teria valor de homologação, o que parece ser o que os Recorrentes pretendiam.
4. Se o plano tivesse sido homologado por sentença com a mesma data, também viria a Recorrente invocar a nulidade da mesma?
5. Note-se ainda que a sentença sempre foi proferida apenas dois dias depois do prazo de 10 dias que a Recorrente refere.
6. Pelo que, a natureza do processo de revitalização, nomeadamente o seu carácter urgente, em nada ficou prejudicado.
7. A Recorrente parece afirmar que na sentença recorrida se põe em questão a aprovação do plano, o que na verdade não acontece.
8. Aliás, o meritíssimo juiz afirma que “deve ter-se por aprovado o plano”, sendo que apenas não o homologa, não se podendo em nenhum momento confundir a aprovação do plano com a sua (não) homologação!
9. A circunstância de o Recorrido ficar numa situação previsivelmente menos favorável do que a que ocorreria na ausência de qualquer plano referida é uma das dispostas nos artigos 17.º-F, n.º 5 e 216.º, n.º 1, al. a), do CIRE e justifica a não homologação do plano.
10. O proposto no plano pela Recorrente é que a mesma fique na posse dos imóveis objecto dos contratos de leasing realizados com o Recorrido, contratos esses resolvidos desde 18/Janeiro/2012.
11. Em 10/Janeiro/2012 o Recorrido enviou à Recorrente e aos respectivos avalistas, as cartas de interpelação para cumprimento dos contratos de leasing, dando 8 dias úteis ao Recorrente para cumprir o contrato, caso contrário os contratos ficariam automaticamente resolvidos de acordo com a cláusula 20.ª das Condições Gerais do contrato.
12. Contudo, a devedora e os seus avalistas não pagaram qualquer quantia ao Recorrido, pelo que os contratos estão resolvidos com efeitos desde o dia 19/01/2012.
13. Uma das consequências da resolução dos contratos de leasing é a entrega, ao locador, dos imóveis objecto dos mesmos.
14. Pelo que a Recorrente se mantém ilegitimamente na posse dos imóveis.
15. Inclusivamente, já no decurso do PER, designadamente em 8/04/2014, o Recorrido interpelou a Recorrente para realizar a entrega voluntária dos imóveis o que nunca aconteceu.
16. Quanto ao facto de no requerimento enviado pelo Recorrido em 06/06/2014 faltar a página 18 das Condições Gerais do contrato de leasing, página essa onde está a redacção do artigo 20.º, o Recorrido juntou a sua reclamação de créditos, à qual estão anexos os dois contratos de leasing, como Docs. 4 e 5, e se no Doc.5 falta efectivamente a página 18 das Condições Gerais do contrato, no Doc. 4 essa página não falta e pode-se nela ler integralmente o artigo 20.º do contrato.
17. Pelo que, se o Recorrente não compreendeu o alcance dessa cláusula foi porque não quis.
18. O que aliás se confirma pela decisão do douto tribunal a quo, que decidiu tendo em consideração o disposto no artigo 20.º das Condições Gerais do contrato, que se lê integralmente na página 18 do Doc. 4 junto com a reclamação de créditos do Recorrido.
19. O Recorrido não indicou na sua reclamação de créditos que os contratos estavam resolvidos, uma vez que a reclamação de créditos no âmbito do processo de revitalização não se destina a exigir a satisfação do crédito, não estando aqui em causa o exercício do poder de execução.
20. Mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, se considere que o Recorrente apenas resolveu os contratos de leasing por meio das cartas que enviou à devedora em 08/04/2014, o que não se concede, uma vez que isso foi feito antes de aprovado e homologado o plano proposto aos credores destes autos, tais (hipotéticas) resoluções são perfeitamente válidas e já produziram os seus efeitos.
21. O plano de revitalização apresentado pela Recorrente pressupõe que a devedora se mantenha na posse dos imóveis objecto dos contratos de leasing, repristinando a validade dos referidos contratos.
22. Esta repristinação dos contratos coloca o Recorrido numa situação objectivamente mais desfavorável do que a que resultaria da não aprovação do plano, uma vez que estando resolvidos os contratos o Recorrido exigirá a imediata restituição do imóvel, liquidando de imediato grande parte do seu crédito.
23. Pelo que, independentemente de ter ocorrido ou não a resolução dos contratos de leasing (o que não se concede!), é incontestável que o incumprimento da Recorrente em relação ao pagamento das rendas inerente a tal acordo, ocorre desde Outubro de 2011!
24. O plano prevê, quanto a estas rendas, o pagamento de 50% do capital em dívida em 119 prestações e o remanescente na última prestação a seguir a essas, tudo após uma carência de 24 meses, ainda que apenas no que respeita ao capital, o que é claramente mais desfavorável para o Recorrido.
25. Acresce que basta que um credor seja colocado numa situação mais desfavorável, para que seja recusada a homologação do plano, sendo absolutamente indiferente que a maioria dos credores tenha votado a favor da aprovação do plano.
26. A sentença não padece, por isto, de qualquer vício de fundamentação de facto ou de direito.»
Termina afirmando que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.
2.3 Em primeira instância foi proferido despacho, nos termos do disposto no artigo 617.º do Código de Processo Civil, declarando não se verificar a aludida nulidade, quer porque não se ultrapassou o prazo, quer porque, mesmo que o prazo tivesse sido excedido, não se verifica qualquer um dos pressupostos que determinam a alegada nulidade.
3. Colhidos os vistos legais e na ausência de fundamento que obste ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões formuladas pela apelante definem a matéria que é objecto de recurso e que cabe aqui precisar, em face do que se impõe decidir as seguintes questões:
● A alegada nulidade da decisão recorrida.
● A alegada inexistência de fundamento para a não homologação do plano de revitalização.
II)
Fundamentação
1. Breve enquadramento legal.
Nos termos do artigo 1.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), na redacção resultante da Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização.
Este processo, cujas normas específicas são estabelecidas nos artigos 17.º-A a 17.º-I do mesmo Código, destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil (isto é, que enfrente dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito) ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização, podendo ser utilizado por todo o devedor que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação (artigos 17.º-A e 17.º-B), privilegiando-se que o devedor se mantenha na actividade comercial, na perspectiva da sua recuperação, sempre que a mesma se mostre viável, tal como resulta da exposição de motivos da proposta de lei que deu lugar à Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril [Proposta de Lei n.º 39/XII, de 30/12/2011, da Presidência do Conselho de Ministros].
É determinante a intervenção e vontade do próprio devedor e dos respectivos credores, sem prejuízo dos mecanismos de controlo que a estes são reconhecidos e da sindicância feita pelo tribunal, que culmina na decisão de homologação ou de recusa da mesma.
O processo inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, que deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação; munido desta declaração, o devedor deve, de imediato, comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, devendo este nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, e remeter ao tribunal cópias dos documentos elencados no n.º 1 do artigo 24.º, as quais ficam patentes na secretaria para consulta dos credores durante todo o processo – artigo 17.º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Na tramitação subsequente, é comunicado aos credores o início das negociações, cabendo a estes aprovar ou não o plano, nos termos enunciados nas normas subsequentes.
Concluindo-se as negociações com a aprovação unânime de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, em que intervenham todos os seus credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa da mesma pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos; concluindo-se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, mas sem observância dos elementos antes enunciados, nomeadamente no que concerne à unanimidade de aprovação, o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal, considerando-se como tal o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no n.º 1 do artigo 212.º, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17.º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida; o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º, vinculando a decisão do juiz os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal – artigo 17.º-F do mesmo diploma legal.
Durante as negociações, os intervenientes devem actuar de acordo com os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25 de Outubro, de onde de salienta que, durante todo o procedimento, as partes devem actuar de boa-fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos (2.º princípio), devendo os credores envolvidos cooperar entre si e com o devedor de modo a concederem a este um período de tempo suficiente (mas limitado) para obter e partilhar toda a informação relevante e para elaborar e apresentar propostas para resolver os seus problemas financeiros, sendo este período de tempo, designado por período de suspensão, uma concessão dos credores envolvidos, e não um direito do devedor (4.º princípio) e sendo que, durante o mesmo, os credores envolvidos não devem agir contra o devedor, comprometendo-se a abster-se de intentar novas acções judiciais e a suspender as que se encontrem pendentes, comprometendo-se o devedor a não praticar qualquer acto que prejudique os direitos e as garantias dos credores (conjuntamente ou a título individual), ou que, de algum modo, afecte negativamente as perspectivas dos credores de verem pagos os seus créditos, em comparação com a sua situação no início do período de suspensão (5.º e 6.º princípios).
O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de recuperação no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza; recusa-a ainda se tal lhe for solicitado por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido oportunamente comunicada (o que ocorre quando se verifica antes da aprovação), contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas ou que o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar – artigos 215.º e 216.º do CIRE, para os quais remete o artigo 7.º-F, antes citado.
O direito que assim se reconhece aos credores (de requererem a não homologação do plano de revitalização, nas circunstâncias descritas) resulta do reconhecimento dos riscos que para os mesmos decorrem do plano de revitalização, particularmente em relação aos credores titulares de créditos garantidos e privilegiados.
“Mesmo perante a vontade unânime dos credores, o tribunal deve recusar a homologação se se verificarem as circunstâncias do artigo 215.º, designadamente por se ter verificado «violação não negligenciável de regras procedimentais» ou de normas aplicáveis ao conteúdo do acordo” – Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2.ª edição, página 170, em anotação ao artigo 17.º-F.
Quanto à não homologação a solicitação dos interessados, a que se reporta o artigo 216.º, a procedência do pedido depende da demonstração da situação nele referenciada, o que implica que se proceda “a um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele.
Relativamente aos credores, isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele. Quanto ao devedor, sócios, associados e membros, trata-se de avaliar eventuais remanescentes conforme se opte, ou não, pela alternativa à liquidação do património.
Ora, é exatamente a concretização da comparação que muitas vezes se revelará de extrema dificuldade (…)” – autores e obra citados, página 832, em anotação ao artigo 216.º.
Importa salientar que o pressuposto enunciado no artigo 216.º, n.º 1, alínea a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, não assenta no incumprimento do plano de revitalização; a comparação de situações que aí se mencionam pressupõe o cumprimento do plano de insolvência e não a possibilidade de se verificar o respectivo incumprimento.
2. A alegada nulidade da decisão recorrida.
A recorrente afirma a este propósito que a sentença de recusa de homologação do plano de recuperação de que recorre enferma de nulidade, na medida em que foi proferida fora do prazo de dez dias previsto no artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE.
Importa aqui considerar os factos que se deixaram sumariamente enunciados no relatório inicial – de onde resulta que, tendo sido apresentada, em 11 de Julho de 2014, a documentação a que se reportam os números 1 a 4 do artigo 17.º-F do CIRE, a decisão que recusou a homologação foi proferida em 23 de Julho de 2014, isto é, no segundo dia para além do prazo de dez dias calculado a partir da data de 11 de Julho.
Em primeira instância considerou-se não ter sido ultrapassado o prazo na prolação da decisão, atendendo ao facto de ter sido entretanto proferido despacho determinando que se aguardasse o final do prazo concedido ao administrador judicial para se pronunciar sobre o requerimento do credor no sentido da não homologação (despacho de 15 de Julho, nos termos acima mencionados).
Diversamente do processo de insolvência, em que a sentença não pode ser proferida sem que tenham decorrido, pelo menos, 10 dias sobre a data da aprovação, no processo especial de revitalização, em conformidade com o que dispõe o n.º 5 do artigo 17.º-F, a sentença que homologa ou recusa a homologação deve ser proferida nos 10 dias seguintes à recepção da documentação que comprova a aprovação do plano e respectivos votos, nos termos ali previstos, de onde resulta o afastamento da disposição do artigo 214.º, apesar de se remeter genericamente para o título IX do CIRE, onde se integra esta norma.
Daí que o pedido de recusa de homologação e as respostas ao mesmo devam ocorrer antes da verificação dos pressupostos que determinam a prolação de decisão e estabelecem o início do prazo de dez dias para esse efeito.
Neste enquadramento e reportando-nos ao caso dos autos, tendo-se observado essa regra em relação ao requerimento do credor D… e em relação à resposta da requerente/devedora, B…, Lda., não havia que esperar pelo pronunciamento do administrador judicial, pelo que o despacho foi proferido dois dias para além do prazo.
O prazo em questão é determinado pela urgência do processo. A prolação de decisão para além do mesmo (no caso, dois dias) não determina no entanto a sua nulidade.
O artigo 195.º do Código de Processo Civil, na redacção actualmente em vigor, estabelecendo regras gerais sobre a nulidade dos actos, determina no seu n.º 1 que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, onde se mencionam casos específicos de nulidade que aqui não relevam, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Especificamente quanto a prazos, o artigo 139.º do mesmo diploma refere a existência de prazos dilatórios e peremptórios. É no entanto referenciada, em sede de doutrina e de jurisprudência, uma terceira modalidade, que se pode caracterizar como prazo meramente ordenador.
«Os prazos podem classificar-se de dilatórios, peremptórios e meramente ordenadores.
Os prazos dilatórios diferem para certo momento a possibilidade de realização de qualquer acto ou o início ou continuação da contagem dum outro prazo, enquanto o decurso do prazo peremptório faz extinguir o direito a praticar o acto, salvo o caso de justo impedimento. Trata-se de uma classificação fundada no sentido de limitação temporal que os prazos encerram. Assim, os dilatórios, também chamados iniciais ou suspensivos, marcam o momento a partir do qual o acto processual pode ser praticado, enquanto os prazos peremptórios, igualmente conhecidos como finais, extintivos ou resolutivos, estabelecem o momento até ao qual o acto pode ser praticado.
Os prazos meramente ordenadores estabelecem também um limite para a prática do acto, mas nem por isso os actos praticados após esse limite perdem validade.
Todos os actos processuais estão sujeitos a prazos, que se revestem da maior importância prática sobretudo quanto aos actos das partes. Quanto aos do tribunal e da secretaria, o prazo não tem como consequência a preclusão, e daí a sua menor relevância.» – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 16 de Dezembro de 2010, no processo 966/08.2GBMFR.L1-A.S1, publicado em Diário da República, 1.ª série, de 26 de Janeiro de 2011 e disponível também na base de dados do IGFEJ (www.dgsi.pt).
«No mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 8.10.2003, que qualifica tais prazos e as suas consequências, nestes termos: “… são meramente ordenadores, indicativos ou disciplinares, destinados a delimitar ou regular a tramitação procedimental, pelo que o seu eventual incumprimento não extingue o direito de praticar os respectivos actos, nem acarreta a nulidade do processo, não gerando, só por si, ilegalidade passível de afectar o acto punitivo, podendo apenas implicar efeitos disciplinares…”
Pronunciando-se sobre um prazo com natureza semelhante ao previsto no artigo 658.º do CPC [prazo de 15 dias para prolação de decisão no procedimento cautelar, previsto no art. 382/2] o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 460/2003, interpretou o referido prazo como meramente ordenador, decidindo: “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 382.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, interpretado no sentido de o prazo nele previsto ser de qualificar como meramente ordenador ou disciplinador do processo”» – acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 27 de Março de 2012, no processo 60/09.9T2SVV.C1, disponível na mesma base de dados.
Reportando-nos ao caso dos autos, evidencia-se que o prazo de dez dias estabelecido no n.º 5 do artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, sendo determinado pela natureza urgente do processo, não deixa de ser um prazo meramente ordenador, não decorrendo da sua violação a invocada nulidade, pelas razões antes mencionadas e tendo presente a inexistência de norma que explicitamente sancione a irregularidade com nulidade e que a mesma possa influir no exame ou na decisão da causa.
Assim, improcede o recurso nesta parte.
3. A alegada inexistência de fundamento para a não homologação do plano de revitalização.
3.1 Importa considerar aqui os seguintes factos, além daqueles que já foram anteriormente mencionados:
F…, S.A., depois D…, S.A., agora E…, S.A., celebrou com a requerente B…, Lda., então denominada C…, Lda., dois contratos de locação financeira imobiliária:
– Contrato n.º …..77, outorgado em 4 de Abril de 2007, nos termos do documento de fls. 642 e seguintes, reportando-se a um terreno para construção urbana e a um valor total de investimento de quatrocentos e sessenta e cinco mil trezentos e vinte e cinco euros, tendo o contrato a duração de quinze anos acrescidos do período de construção, estabelecendo-se o termo dos trabalhos de construção em 4 de Abril de 2009 (extraído das “condições particulares” do contrato, de fls. 642 a 645 dos autos, fls. 1 a 4 do documento, com um total de nove alíneas).
– Contrato n.º …..89, outorgado em 18 de Abril de 2007, nos termos do documento de fls. 614 e seguintes, reportando-se a dois terrenos para construção urbana e a um valor total de investimento de quatrocentos e setenta e dois mil trezentos e quarenta e quatro euros, tendo o contrato a duração de quinze anos acrescidos do período de construção, estabelecendo-se o termo dos trabalhos de construção em 18 de Abril de 2009 (extraído das “condições particulares” do contrato, de fls. 614 a 618 dos autos, fls. 1 a 5 do documento, com um total de dez alíneas).
Além das “condições particulares” que se deixam mencionadas, os contratos regem-se por “condições gerais”, sendo estas comuns a ambos os contratos e num total de vinte e quatro cláusulas.
A cláusula vigésima, sob a epígrafe “Resolução do contrato”, tem o seguinte teor:
«Um – Para além dos casos previstos na lei e no presente contrato, este poderá ser resolvido pela locadora, havendo incumprimento definitivo pela locatária de qualquer das suas cláusulas.
Dois – Considera-se que existe incumprimento definitivo quando a locatária se apresentar em mora no pagamento de uma prestação de renda por um prazo superior a sessenta dias.
Três – Em caso de resolução do contrato, a locadora tem direito à restituição imediata do imóvel por parte da locatária, livre de ónus ou encargos e a conservar as rendas vencidas e pagas e ainda:
a) A receber as rendas vencidas e não pagas, acrescidas dos juros de mora devidos, bem como de todos os encargos suportados pela locadora, por força da resolução do contrato;
b) A receber uma indemnização a título de perdas e danos, de montante igual a 30% (trinta por cento) das rendas vincendas e do valor residual, sem prejuízo da integral reparação de todos os prejuízos causados.
Quatro – Em alternativa aos direitos consignados no número anterior, a locadora poderá exercer os seus direitos de crédito sobre a locatária que se considerarão todos vencidos, a partir do momento do incumprimento, passando, a partir de então, a vencer juros.
Cinco – À mora na restituição do imóvel é aplicável o disposto no número seis da cláusula seguinte.»
Em 10 de Janeiro de 2012, D1…, ACE, remeteu à requerente, B…, Lda., então C…, Lda., a carta cuja cópia faz fls. 680, reportada a atraso no pagamento relativo ao contrato de locação financeira imobiliária com o n.º …..77, dando conta de estarem por pagar quatro termos de renda, vencidos entre 1 de Outubro de 2011 e 1 de Janeiro de 2012 e respectivas despesas, num total de € 5.594,24, solicitando o pagamento no prazo de oito dias, afirmando que, “se decorrido tal prazo, o pagamento solicitado não se encontrar feito, faremos valer contenciosamente os nossos direitos, aplicando o previsto na cláusula 20.ª das Condições Gerais do Contrato em causa”.
Na mesma data remeteu à requerente a carta cuja cópia faz fls. 684, reportada a atraso no pagamento relativo ao contrato de locação financeira imobiliária n.º …..89, dando conta de estarem por pagar quatro termos de renda, vencidos entre 1 de Outubro de 2011 e 1 de Janeiro de 2012 e respectivas despesas, num total de € 7.296,98, solicitando o pagamento no prazo de oito dias e afirmando também aqui que, “se decorrido tal prazo, o pagamento solicitado não se encontrar feito, faremos valer contenciosamente os nossos direitos, aplicando o previsto na cláusula 20.ª das Condições Gerais do Contrato em causa”.
No âmbito do presente processo, o D…, S.A., reclamou créditos reportados a 27 de Janeiro de 2014, nos termos documentados a fls. 607, num total de € 942.324,55, sendo € 238,53 com referência ao saldo devedor de conta à ordem, € 512.547,87 ao contrato de locação financeira imobiliária n.º …..89 e € 429.538,15 ao contrato de locação financeira imobiliária n.º …..77; relativamente a cada um dos contratos de locação financeira são reclamados os valores das rendas vencidas e não pagas entre Outubro de 2011 a Janeiro de 2014, acrescidas de juros, bem como o valor do capital vincendo até ao final do contrato.
Em 8 de Abril de 2014, D…, S.A., remeteu à requerente as cartas cujas cópias fazem fls. 688 e 689, mencionando como assunto a resolução dos contratos de locação financeira imobiliária n.º …..77 (a primeira) e n.º …..89 (a segunda carta); afirma em ambas as cartas que, encontrando-se os contratos em referência em mora por prazo superior a 60 dias, por força do não pagamento dos valores que mencionam, consideram “o contrato resolvido ao abrigo da Cláusula 20.ª das Condições Gerais do supracitado contrato”, reclamando a entrega dos imóveis até ao dia 30 de Abril de 2014, sob pena de recurso ao Tribunal competente, “para solicitar a sua entrega judicial”.
No plano de revitalização apresentado e no que especificamente diz respeito ao D…, afirmando-se como “objecto de crédito: Locação Financeira e Conta à ordem” e considerando-se para o efeito o montante de € 942.324,55, consta:
«D…, S.A.
Objeto do crédito – Locação Financeira; Conta à ordem
Montante em dívida – 942.324,55 €
Proposta:
- Englobar os contratos de Leasing num Mútuo de Médio e Longo Prazo;
- Pagamento de 50% do Capital em dívida em 119 prestações;
- Pagamento dos restantes 50% do Capital em dívida na 120.ª prestação;
- Pagamento de 100% de Juros Vencidos em 120 prestações;
- Carência de 24 meses de Capital;
- Periodicidade prestação mensal;
- Taxa Euribor 6M+3%;
- Manutenção de garantias pessoais e reais;
- Contagem do prazo a partir do trânsito em julgado.»
Este plano de revitalização é comum aos restantes credores incluídos na denominação “Credores Garantidos – Instituições Financeiras” (Banco G…, S.A., cujo crédito ascende a € 800.024,38, e H…, com crédito no montante de € 640.860,01).
O D…, S.A., votou desfavoravelmente o plano de revitalização, não sendo acompanhado pelos dois credores antes referidos, que votaram favoravelmente.
Nos termos documentados a fls. 709 e seguintes (resultado da votação do plano especial de revitalização apresentado pelo administrador nomeado), votaram a favor do aludido plano cinco dos credores, representando 76% dos votantes, aí se incluindo a “Fazenda Nacional”, através do Serviço de Finanças de Aveiro, e o Instituto de Segurança Social, e votaram contra dois credores, representando 24% dos votantes, sendo que 23,75% correspondem ao credor D…, S.A.
3.2 Perante os factos que se deixam enunciados importa abordar desde já a questão suscitada pela recorrente a propósito da documentação nos autos dos contratos de locação financeira imobiliária e da omissão de uma página relativamente a um dos contratos, constituindo uma das alegadas lacunas da decisão recorrida.
A recorrente afirma a este propósito que o “credor D… junta aos autos cartas de interpelação para pagamento de mensalidades em atraso, que remetem, a título de consequência pelo não pagamento, para a cláusula 20.ª das Condições Gerais do contrato, mas ao juntar o contrato aos autos, coincidentemente ou não, faz a junção de um contrato incompleto. (…) O contrato junto aos autos pelo credor D…, não tem a página 18, onde consta a cláusula 20.ª das condições gerais, pelo que não se consegue apurar o que prevê tal cláusula. (…) Mas ainda assim, o douto Tribunal considera que efectivamente assiste razão ao credor D…, pois que este ficaria claramente prejudicado com a homologação do plano (…)”.
A simples leitura dos documentos que constam dos autos, apresentados pelo credor então denominado D…, S.A., a acompanhar o requerimento em que veio requerer a não homologação do plano de revitalização, confirma que aí constam cópias dos dois contratos de locação financeira imobiliária referenciados nos autos e que, na cópia de um dos contratos, especificamente aquela que se reporta ao contrato n.º …..77, se omite a página 18, onde consta parte das cláusulas vigésima e vigésima primeira das “condições gerais” do aludido contrato.
Esta omissão, no entanto, não impede a exacta percepção do teor dos documentos em discussão e não vicia o seu valor probatório nem a decisão recorrida na parte em que remete para os mesmos, pelas razões que se enunciam de seguida.
O confronto dos documentos relativos a ambos os contratos de locação evidencia que os mesmos se dividem em duas partes distintas: “condições particulares” e “condições gerais”, contendo as primeiras (“condições particulares”) as cláusulas que são específicas de cada um dos contratos (um total de nove cláusulas no contrato n.º …..77 e de doze cláusulas no contrato n.º …..89) e as segundas (“condições gerais”) as regras comuns a ambos (num total de vinte e quatro cláusulas em cada um dos contratos).
A leitura das “cláusulas gerais” de ambos os contratos evidencia a total identidade das mesmas, não havendo qualquer razão consistente para afirmar que a parte final da cláusula vigésima (parágrafos “três” a “cinco”) e a parte inicial da cláusula vigésima primeira (parágrafos “um” a “três”) – que estão contidas na página 18 do contrato de locação n.º …..77 e cuja junção foi omitida – seriam as únicas com alteração de redacção.
Acresce que o que está em causa são as missivas remetidas pelo banco à requerente e onde dá conta da existência de prestações em atraso, afirmando que, se o pagamento solicitado não se encontrar feito decorrido o prazo de oito dias que concede, fará valer contenciosamente os respectivos direitos, aplicando o previsto na cláusula 20.ª das Condições Gerais do Contrato em causa. Mesmo no documento onde falta a página 18 (que se reporta ao contrato n.º …..77) a omissão da cláusula vigésima é apenas parcial, constando na página 17 os parágrafos “um” e “dois” da mencionada cláusula, para onde remetem as aludidas cartas e com o teor antes transcrito (“Um – Para além dos casos previstos na lei e no presente contrato, este poderá ser resolvido pela locadora, havendo incumprimento definitivo pela locatária de qualquer das suas cláusulas. Dois – Considera-se que existe incumprimento definitivo quando a locatária se apresentar em mora no pagamento de uma prestação de renda por um prazo superior a sessenta dias”).
Perante o que se deixa exposto, a omissão da página é inócua, não havendo razão para questionar a decisão recorrida por essa via e de nela afirmar a existência de lacuna, que tenha dado razão ao credor D… sem ter acesso ao que está previsto na cláusula 20.ª das condições gerais do Contrato de Locação Financeira em causa.
Improcede por isso este argumento da recorrente.
3.3 No caso em apreço não vem invocada nem é reconhecida na decisão recorrida a violação de qualquer regra procedimental ou de norma aplicável ao seu conteúdo, pelo que não está em causa a não homologação oficiosa, em conformidade com o disposto no artigo 215.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Considerou-se no entanto, perante os factos que se deixaram acima enunciados e em relação ao credor reclamante, D…, S.A., que ficou demonstrado que a sua situação ao abrigo do plano de revitalização é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano – e por isso foi recusada a homologação do plano, ao abrigo do disposto no artigo 216.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma.
As razões que sustentam esta decisão são as seguintes:
«Independentemente de ter ocorrido, como defende o credor, ou não, como entende a devedora, a resolução do contrato de locação financeira imobiliária, é incontestado que o incumprimento da requerente do processo em relação ao pagamento das rendas inerente a tal acordo ocorre desde Outubro de 2011.
Prevendo o plano, quanto a essas rendas, o pagamento de 50% do capital em dívida em 119 prestações e o remanescente na última prestação a seguir a essas, tudo após uma carência de 24 meses (cfr. fls. 587).
Ora, qualquer plano de recuperação em processo de revitalização implica, ou pode validamente implicar, uma compressão dos direitos dos credores, pois que dele as mais das vezes resulta a diminuição dos valores a pagar e o prolongamento dos prazos de pagamento, face aos inicialmente acordados.
Trata-se, porém, de uma compressão que acaba por satisfazer os interesses dos credores, visto que dessa forma podem aspirar a receber pelo menos uma parte dos seus créditos quando, sem o plano, correriam o risco de nada ou quase nada receber.
A situação do D…, SA – Sociedade Aberta, todavia, é claramente diversa. O seu direito resulta de contratos de locação financeira respeitante a imóveis que, estando na posse da devedora, continuam a pertencer ao credor. E por isso que o seu crédito é especialmente garantido: sem o pagamento, tem o direito à restituição dos imóveis a que respeita, após resolução do contrato, o que é inclusivamente tutelado mediante providência cautelar especificada (arts. 17.º e 21.º do DL n.º 149/95, de 24-6).
Assim, o D…, SA – Sociedade Aberta, face ao concreto acordo de locação financeira em causa nos autos, tem direito, nos termos gerais, a exigir o pagamento imediato de todas as rendas vencidas ou, caso isso não ocorra, a reclamar a pronta entrega do imóvel. Diferentemente dos credores comuns, o seu direito está salvaguardado, não correndo o risco de pouco ou nada receber sem o plano, encontrando-se garantido, ao contrário daqueles, face às contingências financeiras futuras da empresa devedora, pelo menos pelo valor de mercado dos imóveis objecto da locação.
Por isso, a nosso ver, mesmo que as missivas endereçadas em Janeiro de 2012 não traduzam resolução do contrato, e ainda que as cartas enviadas em Abril de 2014 sejam ineficazes para tal desiderato, nada impedia o credor locatário, caso não existisse o plano, de reclamar o imediato e integral pagamento em curto prazo e, não o obtendo, declarar a resolução do contrato e exigir a entrega dos imóveis.
De modo que, em nossa perspectiva, é manifesto que a sua situação ao abrigo do plano, impondo a manutenção do contrato com o pagamento prolongado dos valores [e]m dívida e ainda com uma carência de dois anos, é previsivelmente menos favorável do que a que interviria sem qualquer plano, circunstância que justifica decisão de não homologação, ao abrigo do disposto nos arts. 17.º-F/5 e 216.º/1, al. a), do CIRE.»
Importa então verificar se os fundamentos que baseiam o despacho que se deixa parcialmente transcrito resultam de uma análise negligente do requerimento enviado aos autos pelo credor D…, pedindo a não homologação, como pretende a recorrente.
3.4 Esta questiona a decisão de não homologação do plano, fundamentada na necessidade de defender o credor D…, que ficaria numa situação menos favorável em caso de homologação, em detrimento dos demais credores, dado que a maioria dos credores votou favoravelmente o plano proposto, em face do que se extrai que consideram que o plano os favorece; questiona se uma eventual situação menos favorável para o credor D…, em caso de homologação do plano, tem prioridade e prevalência sobre a vontade da maioria, defendendo que a matéria de facto constante dos autos não possibilita a recusa de homologação com base na oposição manifestada pelo credor, nem se justifica tal recusa, quando a grande maioria dos credores vota favoravelmente o plano, pois consideram que a apelante tem viabilidade para se recuperar e porque consideram que desta forma existem sérias possibilidades de se verem ressarcidos do seu crédito.
Na decisão recorrida é incontroverso que se reconhece e considera que a grande maioria dos credores votou favoravelmente o plano. Aí se afirma a este propósito:
«(…) [D]o confronto entre o expediente relativo à votação (fls. 709ss) e a lista provisória rectificada (fls. 505ss e 562), é possível constatar que o plano foi objecto de votação por credores representativos de uma esmagadora maioria dos créditos (provisoriamente reconhecidos), claramente superior ao mínimo legal de 1/3 dos credores.
Denunciando aquele expediente, para além disso, que votaram favoravelmente o plano, credores representativos de 76% dos votantes, é de concluir que, para além do quórum deliberativo, também está verificada a maioria qualificada exigida para o efeito nas disposições conjugadas dos arts. 17.º-F/3 e 212.º/3 do CIRE, devendo, pois, ter-se por aprovado o dito plano.»
Apesar deste reconhecimento, considera-se na decisão recorrida que não deixa de se verificar o pressuposto da não homologação previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º.
Nos termos desta norma, o juiz recusa a homologação se tal lhe for solicitado pelo credor, desde que se demonstre o pressuposto aí enunciado, que se reporta à situação do próprio requerente, sem que se exija que haja uma maioria de intervenientes a acompanhar esse entendimento ou que deixe de operar perante o facto de ser apenas um dos credores e o entendimento da maioria dos credores quanto à existência de sérias possibilidades de se verem ressarcidos do seu crédito.
Dos termos peremptórios da norma resulta que, tal como no processo de insolvência, um único credor poderá impedir a homologação do plano de revitalização aprovado pela maioria dos credores e verificados os restantes pressupostos legais, desde que demonstre que a sua posição se tornará mais gravosa com as medidas aprovadas nesse plano e na medida em que, verificando-se os pressupostos legalmente estabelecidos, se impõe ao juiz a prolação de decisão de não homologação.
Este entendimento não é prejudicado pelo facto do objectivo do processo especial em causa, introduzido pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, ser o da recuperação de empresas devedoras, “privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação”, nos termos da Proposta de Lei n.º 39/XII, de 30 de Dezembro de 2011, da Presidência do Conselho de Ministros, que deu origem à aludida lei, como aliás a própria recorrente parece reconhecer na motivação a que se reportam as conclusões que formulou em X. e XI.
Importará então ver se há ou não fundamento para a não homologação e se a decisão recorrida padece dos vícios que lhe aponta a recorrente, em termos que justifiquem a alteração pretendida.
3.5 Discute-se se operou a resolução dos contratos de locação financeira imobiliária a que se reportam os autos, como defende o credor, ou se tal não se verifica, como afirma o recorrente.
Na decisão recorrida não se assume posição a este respeito, por se entender que, independentemente de ter ocorrido ou não a resolução dos contratos, é incontestado que a recorrente omitiu o pagamento das rendas inerentes a tais acordos em Outubro de 2011 e que, em qualquer dos casos, se verifica o pressuposto enunciado com referência à alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º.
Importa no entanto realçar que, contrariando a leitura feita pelo credor/recorrido, não se vê que tenha operado a alegada resolução do contrato, na sequência das missivas remetidas pelo credor à recorrente, em Janeiro de 2012. Nos termos da cláusula vigésima dos contratos a que se reportam os autos e na parte que aqui interessa, para além dos casos previstos na lei, os contratos poderão ser resolvidos pela locadora, havendo incumprimento definitivo pela locatária de qualquer das suas cláusulas (n.º 1), considerando-se que existe incumprimento definitivo quando a locatária se apresentar em mora no pagamento de uma prestação de renda por um prazo superior a sessenta dias (n.º 2). Resulta do teor destas cláusulas que não se estabelece aí a resolução automática dos contratos, perante o incumprimento do locatário, mesmo quando se possa qualificar como incumprimento definitivo, reconhecendo-se antes ao locador a possibilidade de resolução (“os contratos poderão ser resolvidos”). As cartas remetidas pelo credor, nesse enquadramento, reclamam o pagamento das prestações em falta, sob pena de fazer valer contenciosamente os respectivos direitos, incluindo o previsto na cláusula vigésima, isto é, incluindo a possibilidade de resolver o contrato. Daqui não resulta a afirmação da efectiva resolução do contrato, mas antes a possibilidade de o vir a fazer, com recurso à aludida cláusula e caso não se concretizem os pagamentos em falta.
Acresce que o ulterior comportamento do credor não pressupõe a resolução dos contratos. Na verdade, ao reclamar os respectivos créditos no âmbito do presente processo, o D…, S.A., reporta os mesmos à data em que o faz, liquidando um total de € 942.324,55, sendo € 238,53 com referência ao saldo devedor de uma conta à ordem, € 512.547,87 ao contrato de locação financeira imobiliária n.º …..89 e € 429.538,15 ao contrato de locação financeira imobiliária com o n.º …..77, sendo que, relativamente a ambos os contratos de locação financeira, reclamou os valores das rendas vencidas e não pagas de Outubro de 2011 a Janeiro de 2014, acrescidas de juros, bem como o valor do capital vincendo até ao final dos contratos – o que é contraditório com a pretendida resolução dos contratos.
É certo que, posteriormente, em Abril de 2014, o credor remeteu à requerente as cartas cujas cópias fazem fls. 688 e 689, mencionando como assunto a resolução dos contratos de locação financeira imobiliária n.º …..77 (a primeira) e n.º …..89 (a segunda carta) e afirmando em ambas as cartas que, encontrando-se os contratos em referência em mora por prazo superior a 60 dias, por força do não pagamento dos valores que mencionam, consideram “o contrato resolvido ao abrigo da Cláusula 20.ª das Condições Gerais do supracitado contrato”, reclamando a entrega dos imóveis até ao dia 30 de Abril de 2014, sob pena de recurso ao Tribunal competente, “para solicitar a sua entrega judicial”. Estas missivas, anteriores à elaboração definitiva e à apresentação do plano de revitalização, traduzem a resolução dos contratos; importa no entanto ter em conta que nesta data já decorriam as negociações para aprovação do plano, com a suspensão enquanto efeito determinado pelo artigo 17.º-E, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, impondo-se aos credores envolvidos que se abstenham de agir contra o devedor, nos termos que antes se deixaram sumariamente referenciados, com a observância do princípio da boa-fé vertido na Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, para que remete o n.º 10 do artigo 17.º-D do referido código. Neste enquadramento, a ter-se como válida a pretendida resolução do contrato, seria a mesma contrária ao princípio da boa-fé, nos termos antes enunciados.
Importa então ver se, neste enquadramento e com esta condicionante, se evidencia que a situação do credor D…, S.A., ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.
Como antes se salientou, o pressuposto enunciado no artigo 216.º, n.º 1, alínea a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, não assenta no incumprimento do plano de revitalização, sendo que a comparação das situações que aí se mencionam pressupõe o cumprimento do plano de insolvência e não a possibilidade de se verificar o respectivo incumprimento.
No caso em apreciação, ponderadas as razões que são enunciadas na decisão recorrida, evidencia-se que foi essencialmente relevada a garantia do credor perante o eventual incumprimento da recorrente e a possibilidade que tem, no caso de omissão de pagamento e no âmbito dos contratos de locação, de exigir o pagamento imediato de todas as rendas vencidas ou, caso isso não ocorra, proceder à imediata resolução do contrato e a reclamar a pronta entrega dos imóveis.
Os factos que se deixaram indicados em sede própria não evidenciam que seja previsível o incumprimento do plano que mereceu a aprovação da maioria dos credores.
No confronto dos termos dos contratos de locação com os do plano de revitalização proposto não se evidencia que ocorra uma manifesta e intolerável perda para o recorrente. É certo que a recorrente tinha pagamentos em falta desde Outubro de 2011; este facto determinou a cedência da exploração das lojas a outra empresa, tendo como contrapartida as rendas que aufere; determinou ainda a instauração do presente processo, no sentido de criar as condições necessárias para ultrapassar as dificuldades de liquidez e solver os respectivos compromissos.
Na certeza de que o recurso a planos de revitalização determina, necessariamente, condicionantes em relação aos credores, a não homologação legitima-se perante a previsível afectação para além do razoável.
No caso dos autos, o plano aprovado prevê uma carência de 24 meses, restrita ao capital, posto o que é este pago num total de 120 prestações mensais, sendo metade do mesmo pago em 119 prestações mensais e a restante metade na 120.ª prestação; o pagamento dos juros é repartido em 120 prestações mensais, considerando-se como referência a taxa Euribor a seis meses com sobretaxa de 3%.
O total de prestações previstas e do período de carência determina um total de doze anos para a liquidação dos valores em causa.
Importa no entanto considerar que estes valores – com excepção da quantia de € 238,53 com referência ao saldo devedor de conta à ordem e praticamente insignificante perante os restantes valores – resultam de contratos de locação financeira outorgados em Abril de 2007, prevendo um prazo de quinze anos, acrescidos do período de construção, cujo termo previsto foi fixado em Abril de 2009.
Perante a estipulação destes períodos temporais, os contratos teriam o seu termo no ano de 2024 – o que divergia pouco mais de dois anos, perante o período temporal considerado no plano de revitalização, sem que se mostre que esta dilatação temporal configure uma afectação dos direitos do credor para além do razoável, incluindo os valores que lhe são devidos e a satisfazer pelo requerente, o que mais se acentua perante o facto de não ficar afectada a natureza da relação contratual em causa e as implicações daí decorrentes.
Conclui-se por isso que não há fundamento para considerar que a situação do credor D…, S.A., actualmente denominado E…, S.A., ao abrigo do plano de revitalização a que se reportam os autos é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.
III)
Decisão:
Pelas razões expostas e dando provimento ao recurso:
a) Revoga-se a decisão recorrida.
b) Nos termos do disposto no artigo 17.º-F, n.º 5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, homologa-se o referido plano de revitalização da requerente B…, Lda.
c) A decisão será notificada, publicitada e registada nos termos do artigo 17.º-F, n.º 6, do CIRE).
d) Custas do processo de homologação a cargo da requerente (artigo 17.º-F, n.º 7, do CIRE).
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Custas do recurso a cargo do recorrido.
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Porto, 16 de Março de 2015.
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
Rita Romeira