Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3024/19.0T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: PRESTAÇÕES DEVIDAS POR ACIDENTE DE TRABALHO
CONCEITO DE RETRIBUIÇÃO
CUSTOS ALEATÓRIOS
AJUDAS DE CUSTO
Nº do Documento: RP202301233024/19.0T8PNF.P1
Data do Acordão: 01/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O conceito de retribuição para efeitos do cálculo das prestações devidas ao sinistrado ou beneficiários no âmbito da reparação devida por acidente de trabalho, sendo mais amplo que o consagrado no Código do Trabalho, abrange todas as prestações recebidas com carácter de regularidade, desde que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
II - Na noção da n.º2, do art.º 71.º, da Lei 98/09, assume preponderância a regularidade no pagamento. Não pressupõe necessariamente a existência de correspectividade entre as prestações do empregador e a disponibilidade do trabalhador, antes abrangendo também quaisquer outras prestações que tenham causa específica e individualizável diversa da remuneração do trabalho, desde que recebidas com carácter de regularidade e não destinadas a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
III - São custos aleatórios os que tenham subjacente um acontecimento incerto, sujeito às incertezas do acaso, casual, fortuito, imprevisível. O que vale por dizer que não só o montante deve ser susceptível de variar, como também a causa que lhe está subjacente deve ter alguma incerteza ou imprevisibilidade.
IV - O facto de serem pagas ao sinistrado ajudas de custo nos termos previstos no Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transporte de Pessoal da Administração Pública não significa, só por si, que os valores pagos a esse título se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
V - Atenta a noção estabelecida no n.º 2, do art.º 71.º da LAT, sobre a Ré recaía o ónus de alegação e prova de factos de onde resultasse demonstrado que aquele pagamento se destinava a compensar custos aleatórios, nos termos referidos na parte final da norma, isto é, custos de natureza acidental e meramente compensatória.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 3024/19.0T8PNF.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 Na presente acção especial, emergente de acidente de trabalho, que correu termos na Comarca do Porto Este – Juízo do Trabalho de Valongo – J1, AA, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, apresentou petição inicial, dando início à fase litigiosa para demandar X...- Companhia de Seguros, S.A. e a sua entidade empregadora Infraestruturas de Portugal, S.A., pedindo a condenação das Rés no pagamento do seguinte:
a) capital de remição da pensão anual de € 1.018,54 que resulta da IPP de 7,5% que lhe foi fixada pelo INML e calculada com base no salário mensal auferido de € 1.012,00 x 14 meses, acrescido de € 6,41 x 22 dias x 11 meses de subsídio de alimentação, ajudas de custo a 50% de € 183,61 x 11 meses, ajudas de custo a 25% de € 97,65 x 11 meses, horas extra de € 30,43 x 11 meses e ainda de subsídio de integração de € 23,00 x 11 meses; sendo,
- pensão a cargo da Ré Seguradora, quanto ao salário transferido de € 1.035,00 x 14 meses e ao subsídio de alimentação transferido de € 6,41 x 22 dias x 11 meses, na quota parte respetiva (82,68324%) de € 842,16; e,
- pensão a cargo da Ré Entidade Patronal, quanto a ajudas de custo a 50% de € 183,61 x 11 meses, ajudas de custo a 25% de € 97,65 x 11 meses, horas extra de € 30,43 x 11 meses e ainda subsídio de integração de € 23,00 x 11 meses, não transferidos para a 1ª Ré, na quota parte de responsabilidade remanescente (17,31676%) de € 176,38;
b) pagamento pela Ré Seguradora da quantia de € 652,98, a título de diferenças de indemnização pelo período de 185 dias que esteve em ITA (desde 13/03/2019 a 13/09/2019) e pelo período de 47 dias de ITP de 15% (desde 14/09/2019 até 30/10/2019), referente ao subsídio de alimentação transferido;
c) pagamento pela Ré Entidade Patronal da quantia de € 393,36 l, a título de diferenças de indemnização pelo período de 185 dias que esteve em ITA (desde 13/03/2019 a 13/09/2019) e pelo período de 47 dias de ITP de 15% (desde 14/09/2019 até 30/10/2019), referente às ajudas de custo a 50%, ajudas de custo a 25%, horas extra e subsídio de integração não transferidos para a Ré Seguradora;
d) pagamento da quantia de € 15,00, a título de compensação pelas despesas de deslocação ao INML e a este Tribunal para a realização de atos médicos e judiciais (artº 39º, nºs 1 e 2 da Lei nº 98/2009, de 04/09);
e) juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias em dívida, desde os respetivos vencimentos e até integral pagamento (artºs 559º, 804º a 806º do Código Civil e 135º do CPT).
I.1.1 Na fase conciliatória realizou-se a tentativa de conciliação com intervenção do Autor e das entidades responsáveis X...- Companhia de Seguros, S.A. e Infraestruturas de Portugal, S.A.. As partes aceitaram a ocorrência e caracterização do acidente dos autos como de trabalho, o nexo de causal entre as lesões sofridas e o acidente, as lesões, sequelas, períodos de incapacidades temporárias e grau de incapacidade permanente descritas no relatório de avaliação corporal do INML e as despesas de deslocação a Tribunal e ao INML do Porto.
Pela Ré seguradora foi ainda dito apenas aceitar a transferência da responsabilidade pelo salário seguro à data do acidente de €1.035,00 x 14 meses, acrescido de €6,41 x 22 dias x 11 meses de subsídio de alimentação.
Por sua vez, pela Ré entidade patronal foi dito não aceitar a responsabilidade pelas ajudas de custo a 50% de €183,61 x 11 meses e ajudas de custo a 25% de €97,65 x 11 meses, por não constituírem retribuição, dado que esses pagamentos se destinavam a compensar o sinistrado por custos aleatórios; não aceita, também, quanto às horas extra 30,43€ x 11 meses e ainda quanto ao subsídio de integração de 23,00€ x 11 meses, por entender estarem transferidos para a seguradora. Nesses pressupostos, não aceitou pagar ao sinistrado qualquer verba a título de pensão ou indemnização reclamadas por aquele.
I.1.2 Frustrada a conciliação, o Autor apresentou petição inicial dado início à fase litigiosa, demandando as Rés e contra elas formulando os pedidos acima enunciados, alegando, em síntese, que no dia 12 de Março de 2019, pelas 15h00 sofreu um acidente de trabalho de que lhe resultaram períodos de ITA e de ITP e uma IPP de 7,5%. Estando parcialmente transferida (pela retribuição anual de €16041,22) a responsabilidade da sua entidade empregadora para a seguradora, a retribuição por si anual auferida era de € 19.400,81.
As Rés apresentaram contestações.
A seguradora mantém a posição já assumida na tentativa de conciliação, aceitando a ocorrência e caracterização de acidente de trabalho, nas circunstâncias de tempo lugar e modo descritos pelo sinistrado no dito auto, que do mesmo resultaram as lesões, sequelas, períodos de incapacidades temporárias e grau de incapacidade permanente descritas no relatório de avaliação corporal do INML e que a responsabilidade infortunística estava para si transferida pelo vencimento anual de € 16.041,22 - decomposto em € 1035,00 x 14 (base), acrescido de subsídio de alimentação de € 6,41 x 22 x 11. Mais refere que já pagou ao autor a quantia de €6.099,27 a título de indemnizações por incapacidades temporárias, mas de acordo com o vencimento transferido. Reconhece, ainda, dever ao autor a título de indemnizações por incapacidades temporárias, a quantia de €652,98, assim como aceita pagar-lhe, a título de reembolso de despesas de transportes obrigatórios, a quantia de €15,00; e, ainda, de acordo com o vencimento para si transferido e a IPP de 7,5% (factor de bonificação incluído) de que ficou a padecer, aceitará pagar-lhe, a partir da data da alta (31/10/2019) a pensão infortunística de € 842.16.
Conclui que deverá ser condenada em pensões e indemnizações por incapacidades temporárias, com base no resultado do exame médico dos autos e na sua quota-parte de responsabilidade, decorrente do salário anual para si transferido de €16.041,22.
A entidade patronal questiona o montante da remuneração efectiva do sinistrado recusando que as “ajudas de custo” e as “horas extras” possam, no que aqui releva, integrar a contrapartida salarial, concluindo pela sua absolvição dos pedidos formulados pelo A.
Foi proferido despacho saneador, especificada a matéria de facto assente e enunciados os temas da prova.
I.2 Realizou-se audiência de discussão e julgamento e, subsequentemente, o Tribunal a quo proferiu sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
Por todo o atrás exposto, julgo a presente ação procedente por provada e em consequência:
I) – Decido que o sinistrado AA, no dia 12 de Março de 2019 sofreu um acidente de trabalho, em consequência do qual sofreu uma desvalorização permanente parcial para o trabalho de 7,5% (IPP de 7,5%).
II) Condenam-se as responsáveis “X...- Companhia de Seguros, S.A.” e “Infraestruturas de Portugal, S.A.”, a pagar ao sinistrado, na medida das respectivas responsabilidades, o capital de remição correspondente a uma pensão anual de €1.013,43, devida desde 31/10/2019, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a referida data de vencimento até integral e efectivo pagamento, sendo da responsabilidade da Seguradora “X...- Companhia de Seguros, S.A.” o capital de remição da pensão anual de €842,16 e da responsabilidade da entidade empregadora “Infraestruturas de Portugal, S.A.” o capital de remição da pensão anual de €171,27;
III) Condeno a responsável “X...- Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao sinistrado a quantia de 652,98€ relativa a diferenças de indemnização pelo período de incapacidades temporárias, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a respectiva data de vencimento até integral e efectivo pagamento;
IV) Condeno a responsável “Infraestruturas de Portugal, S.A.” a pagar ao sinistrado a quantia de 348,56€ relativa a diferenças de indemnização pelo período de incapacidades temporárias, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a respectiva data de vencimento até integral e efectivo pagamento;
V) Condeno a responsável “X...- Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao sinistrado a quantia de €15,00, a título de despesas com deslocações a Tribunal e ao INMLCF do Porto, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 04-06-2020 até integral e efectivo pagamento.
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Valor da causa: €12.431,82 (artigo 120º do Código do Processo do Trabalho).
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Custas pelas entidades responsáveis, na proporção do respectivo decaimento (respectivamente, de 83,10% quanto á Seguradora “X...” e de 16,90% quanto á sociedade “Infraestruturas de Portugal”) -artigo 527º do CPC ex vi do artº1º, nº2, al.a) do CPT e artigo 17º, nº8, do RCP.
[..]».
I.3 Inconformada com esta sentença a ré empregadora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
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Conclui, pedindo que julgado procedente o recurso e, consequentemente, revogada a decisão que determinou as ajudas de custo integrarem a retribuição do A. e, assim, excluí-las do cálculo das prestações reparatórias.
I.4 O Recorrido autor, com o patrocínio do Ministério Público, veio apresentar contra alegações, finalizando-as com as conclusões seguintes:
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Conclui pugnando pela improcedência do recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
I.5 Sendo o Autor Patrocinado pelo Ministério Público, não houve lugar à emissão do parecer a que alude o art.º 87.º 3, do CPT.
I.6 Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 657.º n.º2, CPC e determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas para apreciação consistem em saber se o Tribunal a quo errou quanto ao que o seguinte:
i) Na decisão sobre a matéria de facto, na redacção conferida ao ponto 8 dos factos provados; e, por não ter considerado provado que “… as ajudas de custo sejam auferidas pelo A. em montante contingente,” e que as “as ajudas de custo pagas ao A. apenas visem ressarcir o trabalhador do dispêndio com despesas de alimentação”, devendo ser aditados dois factos, para deles constar que “Se a deslocação abranger, ainda que parcialmente, o período de almoço compreendido entre as 13 e as 14 horas abona-se a percentagem de 25% da ajuda de custo diária.” e “Se a deslocação abranger, ainda que parcialmente, o período de jantar compreendido entre as 20 e as 21 horas abona-se a percentagem de 25% da ajuda de custo diária.”.
ii) Na aplicação do direito aos factos, por não ter entendido que as ajudas de custo visavam o pagamento de custos aleatórios, antes considerando que integravam a retribuição auferida pelo sinistrado à data do acidente de trabalho, relevando para o cálculo das prestações reparatórias.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual seguinte:
1. O Autor nasceu no dia .../.../1959, [A)].
2. A sua entidade empregadora tinha celebrado com a “X...- Companhia de Seguros, S.A.” um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, titulado pela apólice nº ..., nos termos do qual estava transferido o vencimento de € 1.035,00 x 14 meses e € 6,41 x 22 dias x 11 meses de subsídio de refeição [E].
3. No dia 12 de março de 2019, pelas 15h00, o Autor quando se encontrava a exercer as suas funções de fiscal auxiliar de obras públicas, sob as ordens, direção e fiscalização da sua empregadora “Infraestruturas de Portugal, S.A.”, na E. N. ..., Km 19530, em Paredes, sofreu um acidente na altura em que fiscalizava as obras de manutenção do pavimento, passeios e drenagem, na Estrada Nacional nº ..., ao descer um talude, torceu o pé esquerdo, sentindo de imediato um “estalo” [B)].
4. E, em consequência, sofreu rotura completa do tendão de Aquiles no seu terço proximal com retração dos topos do tendão com um gap de cerca de 5 cm, muito expressivo edema do tecido celular subcutâneo circunferencial no terço distal da perna, tornozelo e retro-pé esquerdos, cicatriz de tipo cirúrgico, acastanhada, de morfologia em “L”, na face posterior do terço distal da perna esquerda, com 11 cm de comprimento total e alguma fibrose subjacente palpável, sem retrações a planos profundos, espessamento moderado do contorno dos calcanhares, com ligeiro adelgaçamento do contorno posterior da perna esquerda, sem amiotrofias significativas relativamente ao lado contralateral em repouso, e marcha ligeiramente claudicante em piso plano e sobre os calcanhares, com ligeira instabilidade na marcha sobre antepés e em assumir a posição ortostática com apoio sobre os antepés [C)].
5. Lesões essas que lhe demandaram direta e necessariamente uma situação de incapacidade temporária absoluta (I.T.A.) desde 13/03/2019 a 13/09/2019, a que se seguiu uma incapacidade temporária parcial (I.T.P.) de 15%, desde 14/09/2019 até 30/10/2019, data da alta clínica por consolidação médico-legal das lesões, ficando afetado de uma incapacidade permanente parcial (I.P.P.) de 7,5%, [D)].
6. À data do referido acidente, o Autor auferia pelo menos a quantia de € 1.012,00 x 14 meses de vencimento base mensal, € 6,41 x 22 dias x 11 meses de subsídio de refeição e € 23,00 x 14 meses de subsídio de integração, [E)].
7. À data do acidente o Autor também auferia ao serviço da Ré empregadora a quantia de ajudas de custo a 50% de €198,92 x 11 meses e ajudas de custo a 25% de €97,65 x 11 meses, (cfr. tema da prova 1).
8. As ajudas de custo são pagas ao sinistrado ora A. pelas deslocações ao serviço da sua empregadora, ora 2ª Ré, realizadas no âmbito das funções de fiscalização atribuídas ao A. que incidem, essencialmente, na verificação do cumprimento e implementação do projecto de execução e do caderno de encargos, nomeadamente a verificação geométrica da obra, dos normativos e/ou normas de boa execução aplicáveis e conformidade dos materiais, bem como a verificação do cumprimento dos procedimentos construtivos em obediência aos procedimentos de segurança no trabalho aprovados através de vistorias e inspecções de rotina a Obras de Artes e Vias, (cfr. artºs 8º e 9º da contestação da ré entidade empregadora).
9. O desempenho da categoria profissional do A. implica as frequentes deslocações, (cfr. artº15º da contestação da ré entidade empregadora).
10. Para tanto o A. preenchia e entregava um relatório descritivo das deslocações realizadas para receber o pagamento das ajudas de custo respectivas, (cfr. artº8º da contestação da ré entidade empregadora).
11. O A. é detentor de um contrato de trabalho em funções públicas e subscritor da Caixa Geral de Aposentações e integra o designado Quadro de Pessoal Transitório (QPT) da Infraestruturas de Portugal, S.A., (cfr. artºs 10º, 11º e 12º da contestação da ré entidade empregadora).
12. O regime de deslocações em serviço aplicado ao A. é o Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transporte de Pessoal da Administração Pública, aprovado pelo Decreto-Lei nº106/98, de 24 de Abril, (cfr. artº13º da contestação da ré entidade empregadora).
13. Ascende a € 15,00 a quantia relativa a despesas de transporte do Autor ao INMLCF e a tribunal, [F)].
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Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contrário dos anteriormente referidos, designadamente que:
- à data do acidente o Autor também auferisse ao serviço da Ré empregadora horas extra de €30,43 x 11 meses, (cfr. tema da prova 1);
- à data do acidente o Autor auferisse ao serviço da Ré empregadora a quantia de ajudas de custo a 50% de apenas €183,61 x 11 meses, (cfr. tema da prova 1);
- as ajudas de custo sejam auferidas pelo A. em montante contingente, (cfr. artº15º da contestação da ré entidade empregadora);
- as ajudas de custo pagas ao A. apenas visem ressarcir o trabalhador do dispêndio com despesas de alimentação, (cfr. artº17º da contestação da ré entidade empregadora).
II.2 IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Insurge-se a recorrente contra a decisão sobre a matéria de facto, alegando que o Tribunal a quo errou quanto ao seguinte:
i) Na redacção conferida ao ponto 8 dos factos provados [conclusões C a H];
ii) Por não ter considerado provado que “… as ajudas de custo sejam auferidas pelo A. em montante contingente,” [conclusões I a K];
iii) Por não ter considerado provado que as “as ajudas de custo pagas ao A. apenas visem ressarcir o trabalhador do dispêndio com despesas de alimentação”, devendo ser aditados dois factos, para deles constar que “Se a deslocação abranger, ainda que parcialmente, o período de almoço compreendido entre as 13 e as 14 horas abona-se a percentagem de 25% da ajuda de custo diária.” e “Se a deslocação abranger, ainda que parcialmente, o período de jantar compreendido entre as 20 e as 21 horas abona-se a percentagem de 25% da ajuda de custo diária.” [conclusões L a O].
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
O mesmo autor, após observar que a possibilidade de alteração da matéria de facto deixou de ter carácter excepcional, acabando “por ser assumida como uma função normal do Tribunal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra”, logo prossegue advertindo que “Nesta operação foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente“ [Op. cit., p. 123/124].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
No que concerne ao que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
É também entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do STJ, que o recorrente não cumpre o ónus de especificação imposto no art.º 640º, nº 1, al b), do CPC, quando procede a uma mera indicação genérica da prova que, na sua perspetiva, justifica uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal de 1.ª Instância, em relação a um conjunto de factos, sem especificar quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, fazendo a apreciação crítica das mesmas. Nesse sentido, acompanhando o entendimento afirmado nos acórdãos do STJ de 20-12-2017 e 5-09-2018 [respectivamente, nos processos n.ºs 299/13.2TTVRL.C1.S2 e 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponíveis em www.dgsi.pt], no acórdão de 20-02-2019, daquela mesma instância [proc.º 1338/15.8T8PNF.P1.S2, Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt], consignou-se no respectivo sumário o seguinte:
- I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos.
Ainda a este propósito, o recente Acórdão do STJ de 06-07-2022 [Proc.º 3683/20.1T8VNG.P1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt], após enunciar a “jurisprudência do STJ, norteada por critérios de proporcionalidade e de razoabilidade e rejeitando abordagens desta problemática de raiz essencialmente formal” – como nele se refere, consolidada, entre outros, nos acórdãos de 13.01.2022 [Proc. nº 417/18.4T8PNF.P1.S1], 27.10.2021 [Proc. n.º 1372/19.9T8VFR.P1-A.S1], de 14.07.2021 [Proc. n.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1], de 19-05-2021 [Proc. n.º 4925/17.6T8OAZ.P1.S1] e de 14.01.2021 [Proc. nº 1121/13.5TVLSB.L2.S1] – sintetiza no respectivo sumário o entendimento seguinte:
I - As implicações das falhas evidenciadas no plano do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º, do CPC, avaliam-se em função das circunstâncias de cada caso concreto, tendo em conta, nomeadamente, o número de factos impugnados, o número e a conexão existente entre os factos integrantes de cada “bloco”, o número e a extensão dos meios de prova, a maior ou menor precisão na indicação dos meios de prova e na formulação das pretendidas alternativas decisórias e o grau de clareza com que tenham sido expostas as razões subjacentes ao peticionado, razões que devem ser nitidamente percecionáveis, pois não é suposto que o tribunal da Relação se dedique à descoberta de motivos e raciocínio não explicitados claramente.
II - Impugnar uma decisão significa refutar as premissas e os motivos que lhe subjazem, contrapondo-lhe um pensamento (racionalidade) alternativo, que não dispensa a justificação das afirmações e a expressão de argumentos (tendentes a demonstrar a bondade dos motivos apresentados como sendo “bons motivos”).
III - Independentemente das exigências especificamente contidas no art. 640.º, do CPC, o recorrente – em qualquer recurso – não pode dispensar-se de claramente explicitar os “fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão” (art. 639.º, n.º 1, do mesmo diploma), resultando da articulação destas disposições legais que o recorrente é onerado com imposições (de motivação) situadas em dois planos que, sendo complementares, têm natureza diversa: i) por um lado, impõe-se-lhe a precisa delimitação do objeto do recurso; ii) por outro lado, exige-se-lhe a efetiva e clara compreensibilidade das razões em que assenta o recurso, por forma a que na sua apreciação o tribunal não se confronte com dificuldades desmesuradas, nem demore tempo excessivo.
Para encerrar estas notas, acresce dizer, que conforme o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, quando o recorrente não cumpra o ónus imposto no art.º 640.º do Código de Processo Civil não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, que está reservado para os recursos da matéria de direito [Cfr. acórdãos de 7-7-2016, processo n.º 220/13.8TTBCL.G1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha; e, de 27-10-2016, processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; (ambos disponíveis em www.dgsi.pt)].
Atentos os princípios enunciados, compulsadas as conclusões, verifica-se mostrar-se observado o que se entende exigível. Delas resultam os factos impugnados e o sentido pretendido em alternativa.
No que concerne aos demais ónus, como meios de prova a recorrente invoca documentos e os testemunhos de BB e CC. Porém, cabe assinalar que a recorrente invoca o conteúdo daqueles testemunhos, mas sem que esteja a referir-se a extractos em concreto dos mesmos. O que refere, como menciona no início das alegações, é literalmente parte da súmula feita pelo Tribunal a quo na decisão sobre a matéria de facto, quando se pronuncia sobre esses meios de prova.
Dito de outro modo, a recorrente serve-se da própria fundamentação do Tribunal a quo na súmula que efectua dos testemunhos, daí não ter indicado pontos da gravação onde constam as declarações no sentido que invoca, defendendo que face ao que foi considerado resultar daqueles testemunhos, a decisão deveria ter sido no sentido que propugna. A referir, ainda, que apresenta argumentos para procurar justificar as pretendidas alterações da matéria de facto.
Cremos, pois, que nada obsta à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II.2.1 A recorrente impugna a redacção conferida ao ponto 8 dos factos provados [conclusões C a H], no qual consta o seguinte:
[8] As ajudas de custo são pagas ao sinistrado ora A. pelas deslocações ao serviço da sua empregadora, ora 2ª Ré, realizadas no âmbito das funções de fiscalização atribuídas ao A. que incidem, essencialmente, na verificação do cumprimento e implementação do projecto de execução e do caderno de encargos, nomeadamente a verificação geométrica da obra, dos normativos e/ou normas de boa execução aplicáveis e conformidade dos materiais, bem como a verificação do cumprimento dos procedimentos construtivos em obediência aos procedimentos de segurança no trabalho aprovados através de vistorias e inspecções de rotina a Obras de Artes e Vias, (cfr. artºs 8º e 9º da contestação da ré entidade empregadora).
Pretende que a redacção seja alterada, quanto ao segmento “… são pagas (…) pelas deslocações …”, passar a constar “As ajudas de custo são pagas ao sinistrado ora A. por ocasião de deslocações ao serviço da sua empregadora realizadas a mais de 20 Km da sede do centro operacional do Porto [..]”.
Impugna, ainda, os dois últimos pontos dos factos não provados, nos quais consta, respectivamente, o seguinte:
- as ajudas de custo sejam auferidas pelo A. em montante contingente, (cfr. artº15º da contestação da ré entidade empregadora);
- as ajudas de custo pagas ao A. apenas visem ressarcir o trabalhador do dispêndio com despesas de alimentação, (cfr. artº17º da contestação da ré entidade empregadora).
Quanto ao primeiro deles, pretende que seja considerado provado naqueles termos; e, quanto ao segundo, pretende que se passem a considerar provados dois factos, com o teor seguinte:
i)“Se a deslocação abranger, ainda que parcialmente, o período de almoço compreendido entre as 13 e as 14 horas abona-se a percentagem de 25% da ajuda de custo diária.
ii) “Se a deslocação abranger, ainda que parcialmente, o período de jantar compreendido entre as 20 e as 21 horas abona-se a percentagem de 25% da ajuda de custo diária.
O recorrido pronuncia-se quanto às pretendidas alterações, mas para contrapor argumentos ao alegado pela recorrente na impugnação de direito quando a elas se refere.
Sobre esta matéria, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo deixou consignado o seguinte:
[..]
…tendo em conta que os factos provados 1), 2), 3), 4), 5), 6) e 13) constituem matéria de facto assente (correspondendo aos Factos Assentes sob as alíneas A) a F) - fls.211 e v.), a convicção do Tribunal quanto à determinação da demais matéria de facto provada atrás descrita, fundou-se na análise e apreciação crítica, à luz das regras da lógica e da experiência comum, da globalidade da prova produzida, analisada e contraditada em audiência de discussão e julgamento, designadamente [..]com os depoimentos credíveis e convincentes das testemunhas DD (presidente da junta de freguesia ..., Paredes, decorrendo do exercício dessas suas funções a razão de ciência da testemunha), BB (engenheiro civil, tendo entrado nas Estradas de Portugal em 1997 e sendo o director do centro operacional do Grande Porto das Infraestruturas de Portugal há 11 anos, decorrendo dessas suas funções a razão de ciência da testemunha) e CC (engenheiro civil, funcionário da Infraestruturas de Portugal desde 1994, daí decorrendo a razão de ciência da testemunha).
[..]
No seu depoimento credível e convincente a testemunha BB referiu num depoimento claro e consistente que não é responsável directo do autor; que o autor é fiscal de obras, acompanhando as empreitadas nos distritos do Porto e de Aveiro que corresponde ao centro operacional do Porto; que o autor desloca-se às obras; que ele faz o acompanhamento físico e geométrico dos trabalhos, realização dos trabalhos, verifica questões que possam ter a ver com a segurança dos trabalhos e das instalações naquela obra; que o autor vai verificar se está a ser feito o previamente previsto; que o centro operacional do Porto abrange os distritos do Porto e de Aveiro e as obras que possa haver num desses distritos; que o autor tem uma viatura de serviço que lhe é atribuída e é nessa viatura que faz as deslocações; que se não houver obras as deslocações são menos; se houver obras as deslocações são diárias; que há sempre deslocações ao longo do mês; que há ajudas de custo a 50% e ajudas de custo a 25%; que as ajudas de custo é um abono a que os trabalhadores têm direito se tiverem deslocações superiores a 20kms da sede do centro operacional do Porto e se o período de deslocação incluir o período de almoço ou do jantar ou ambos; que se a deslocação for só de manhã ou até meio da manhã essa deslocação não dá direito a ajudas de custo; que o valor de ajudas de custo está fixado pela empresa; que tem a ver com uma tabela de deslocações que abrange estas empresas públicas; que há um boletim mensal que o trabalhador apresenta que é efectuado pelo serviço e validado pelo responsável directo; que se incluírem o almoço as ajudas de custo são de 25% e se incluírem o almoço e o jantar as ajudas de custo são de 50%; que a viatura das deslocações é de serviço; que para os distritos do Porto e de Aveiro a Infraestruturas de Portugal têm 5 pessoas com funções de fiscalização; que a Infraestruturas de Portugal tem várias obras; que a unidade de obras onde o autor se insere tem 10 ou 12 obras por ano e que o autor recebe todos os meses ajudas de custo.
Da mesma forma, no seu depoimento credível e convincente a testemunha CC referiu, duma forma clara e consistente, que é chefe hierárquico do autor, que tem chefes directos que são os chefes de equipa, engenheiros ligados à obra; que o relatório de deslocação é mensal não inclui as deslocações todas feitas pelo autor, havendo deslocações que não estão aí vertidas; que o relatório destina-se ao pagamento das ajudas de custo e são as deslocações superiores a 20 kms e que abranjam o período de almoço ou o período de jantar que dão origem às ajudas de custo; que é em função disto que o autor vai receber o valor de tais ajudas de custo; que quase todos os dias há deslocações do autor e de toda a equipa; que possivelmente o autor fazia deslocações diárias; que “a nossa vida é a vida de obras” (sic); que quando não têm obras há sempre trabalho para fazer, os fiscais têm uma vida mais de trabalho de campo; que o valor das ajudas de custo é de 25%, 50% ou 100% e que é normal que todos os meses o autor tenha ajudas de custo.
*
A factualidade não provada supra discriminada não resultou provada por não ter sido feita qualquer prova a esse respeito que permitisse ao Tribunal tomar uma posição diversa acerca de tal factualidade».
II.2.2 Para sustentar a impugnação dirigida à redacção do ponto 8 provado, alega a recorrente que a formulação de que as ajudas de custo “… são pagas (…) pelas deslocações …” é deficiente, até conclusiva, porque se confunde com o tema a decidir, ou seja, se esse abono pago pelas deslocações é, ou não, para ressarcir despesas do sinistrado, pelo que tal juízo de facto encerra em si mesmo a decisão da lide. Diz que «(..]alegou no artigo 8.º da sua contestação (…) foi que “… as ajudas de custo apenas são pagas ao sinistrado, ora A., quando este efetivamente realiza deslocações ao serviço da sua empregadora, ora 2.ª R., ficando obrigado a preencher e entregar um relatório descritivo das deslocações realizadas para receber o pagamento …”».
Mais refere - servindo-se da síntese efectuada pelo Tribunal a quo -, que a testemunha BB referiu que “… as ajudas de custo é um abono a que os trabalhadores têm direito se tiverem deslocações superiores a 20kms da sede do centro operacional do Porto e se o período de deslocação incluir o período de almoço ou do jantar ou ambos; que se a deslocação for só de manhã ou até meio da manhã essa deslocação não dá direito a ajudas de custo …” e “… que se incluírem o almoço as ajudas de custo são de 25% e se incluírem o almoço e o jantar as ajudas de custo são de 50%; …”; e, a testemunha CC, esclareceu que “… o relatório destina-se ao pagamento das ajudas de custo e são as deslocações superiores a 20 kms e que abranjam o período de almoço ou o período de jantar que dão origem às ajudas de custo; que é em função disto que o autor vai receber o valor de tais ajudas de custo; …”.
Pretende a alteração do ponto 8 nos termos que acima referimos, “por deficiente e conclusivo […] em consonância com a prova realizada”.
Começando por repor o rigor das coisas, se bem atentarmos no conjunto da matéria de facto provada, verifica-se que o alegado pela Recorrente no art.º 8.º da contestação consta provado em três factos, em concreto, na parte impugnada do facto 8 e nos factos 9 e 10, nestes últimos constando:
- 9. O desempenho da categoria profissional do A. implica as frequentes deslocações, (cfr. artº15º da contestação da ré entidade empregadora).
- 10. Para tanto o A. preenchia e entregava um relatório descritivo das deslocações realizadas para receber o pagamento das ajudas de custo respectivas, (cfr. artº8º da contestação da ré entidade empregadora).
Vale isto por dizer, que a recorrente não teve o cuidado de alegar o que agora quer ver provado, ou seja, que as ajudas de custo são pagas “por ocasião de deslocações ao serviço da sua empregadora realizadas a mais de 20 Km da sede do centro operacional do Porto”.
Feitas estas notas e avançando, não reconhecemos razão à recorrente quando alega que a formulação do facto é conclusiva.
Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc .º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Segundo elucida Anselmo de Castro “são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos”, depois acrescentando que “, (…), acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objecto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos), o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste” [Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, p. 268/269].
Em linha com esse entendimento, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirma-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
No recente Acórdão do STJ de 14 de Julho de 2021, citando-se Helena Cabrita [A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pp. 106-107], afirma-se que “[o]s factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta” [Proc.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1. Conselheiro Júlio Gomes, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que deve ser desconsiderado um facto controvertido cuja enunciação se revele conclusiva, desde que o mesmo se reconduza ao thema decidendum, não podendo esquecer-se que o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes e que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (..)” [art.º 5.º 1 do CPC].
Tendo em conta estes princípios, não vimos que a parte do ponto 8, onde se lê que as ajudas de custo “… são pagas (…) pelas deslocações”, seja conclusiva. Pode ficar é mais completa, se acrescentada do esclarecimento “a mais de 20 Km da sede do centro operacional do Porto”, mas como se disse, se tal não consta da matéria provada, nomeadamente, deste ponto impugnado, deve-se também à própria Recorrente, por não o ter alegado na contestação.
Diga-se, ainda, estar provado que [12] O regime de deslocações em serviço aplicado ao A. é o Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transporte de Pessoal da Administração Pública, aprovado pelo Decreto-Lei nº106/98, de 24 de Abril. Ora, o art.º 6.º do aludido diploma, estabelece, no que aqui releva, que “Só há direito ao abono de ajudas de custo nas deslocações diárias que se realizem para além de 20 km do domicílio necessário [..]”, pelo que a jusante, na aplicação do direito aos factos, sempre haveria que considerar o que consta nesta norma.
Não obstante, certo é que da súmula feita pelo Tribunal a quo daqueles testemunhos retira-se que no caso concreto do autor, as ajudas de custo eram pagas em caso de deslocações superiores a 20 kms da sede do centro operacional do Porto da Ré, ou seja, em consonância como fixado naquele normativo. E, logo, tratando-se de um facto instrumental, atento o disposto no art.º 5.º n.º2, al. a), do CPC, não só nada obstava, como até deveria o Tribunal a quo ter feito aquela menção no ponto 8 (ou noutro ponto). Com efeito, entende-se por factos instrumentais, aqueles “cuja função é apenas probatória e não substanciam ou preenchem as pretensões jurídico-materiais do autor ou réu. Da prova dos factos instrumentais infere-se a existência dos factos principais” [J.P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2011, nota 1, a p. 217].
Assim, altera-se a redacção do ponto 8, para passar a ser a seguinte:
[8] As ajudas de custo são pagas ao sinistrado ora A. pelas deslocações ao serviço da sua empregadora, ora 2ª Ré, realizadas a mais de 20 Km da sede do centro operacional do Porto, no âmbito das funções de fiscalização atribuídas ao A. que incidem, essencialmente, na verificação do cumprimento e implementação do projecto de execução e do caderno de encargos, nomeadamente a verificação geométrica da obra, dos normativos e/ou normas de boa execução aplicáveis e conformidade dos materiais, bem como a verificação do cumprimento dos procedimentos construtivos em obediência aos procedimentos de segurança no trabalho aprovados através de vistorias e inspecções de rotina a Obras de Artes e Vias”.
Prosseguindo, discorda a recorrente da decisão sobre a matéria de facto em razão de não ter sido dado como provado que “as ajudas de custo sejam auferidas pelo A. em montante contingente”. Diz a recorrente não compreender que tal não tenha sido considerado provado, dado que dos recibos de vencimento relativos aos 12 meses anteriores aos do acidente (juntos aos autos em 11.02.2012, com a ref.ª 38004852), emerge que os montantes mensais dos abonos de ajudas de custo não eram regulares mensalmente, podendo ser maiores ou menores ou até, por vezes, iguais, mas sempre contingentes. Nessa consideração, pretende que passe a considerar-se provado, como alegou, que “as ajudas de custo sejam auferidas pelo A. em montante contingente”.
No que aqui releva, contingente, enquanto “adjetivo de 2 géneros”, significa: “1.que é incerto suceder ou não; duvidoso; eventual; 2.que não é essencial; secundário” [https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/contingente].
Pois bem, valem aqui as considerações que deixámos acima sobre a insusceptibilidade de se considerarem provadas alegações conclusivas que se reconduzam ao thema decidendum. A alegação que a Recorrente pretende ver provada - constante do art.º 15.º da sua contestação -, é vaga, imprecisa e conclusiva, acrescendo que respeita ao ponto fulcral em discussão, nomeadamente, a questão de saber se as quantias pagas ao sinistrado A. a título de ajudas de custo eram destinadas, ou não, a compensá-lo por custos aleatórios.
Assim sendo, nesta parte não pode pretensão ser atendida.
Por último, discorda a recorrente por não ter sido considerado provado que “as ajudas de custo pagas ao A. apenas visem ressarcir o trabalhador do dispêndio com despesas de alimentação”, conforme alegou no art.º 17.º da sua contestação. Como acima se mencionou, pretende que se dê como provado o seguinte:
i) “Se a deslocação abranger, ainda que parcialmente, o período de almoço compreendido entre as 13 e as 14 horas abona-se a percentagem de 25% da ajuda de custo diária.
ii) “Se a deslocação abranger, ainda que parcialmente, o período de jantar compreendido entre as 20 e as 21 horas abona-se a percentagem de 25% da ajuda de custo diária.
Alega que tal emerge dos depoimentos das testemunhos que invocou – servindo-se da súmula feita pelo Tribunal a quo -, do teor dos relatórios de deslocação do A. aludidos no ponto 10 dos factos provados e das disposições legais contidas nos artigos 6.º a 8.º, do regime jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transporte de Pessoal da Administração Pública aplicável a caso, como assente no ponto 12, dos factos provados.
Dizemos já, que os pontos que a recorrente quer ver provados não podem ser uma alternativa à alegação impugnada. Nesta afirma-se que as ajudas de custo pagas ao A. apenas visam ressarci-lo do dispêndio com despesas de alimentação, o que é diferente de considerar provado que são pagas em determinada percentagem atendendo ao período temporal a que respeitam, ou seja, durante o qual decorreu a deslocação em serviço, caso abranjam o período de almoço ou o período de jantar; não é exactamente a mesma coisa, pois embora sejam pagas atendendo a esse período, o trabalhador pode, ou não, realizar despesas com a alimentação.
Por outro lado, como a recorrente reconhece, está provado, diga-se, conforme alegou, que [12] “ O regime de deslocações em serviço aplicado ao A. é o Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transporte de Pessoal da Administração Pública, aprovado pelo Decreto-Lei nº106/98, de 24 de Abril”, dele constando, no que aqui interessa, no art.º 8.º , n.º2, alíneas a) e b), o seguinte:
1 – [..]
2 - Nas deslocações diárias, abonam-se as seguintes percentagens da ajuda de custo diária:
a) Se a deslocação abranger, ainda que parcialmente, o período compreendido entre as 13 e as 14 horas - 25%;
b) Se a deslocação abranger, ainda que parcialmente, o período compreendido entre as 20 e as 21 horas - 25%;
Como bem se vê, o que a recorrente pretende ver provado é exactamente o que está estabelecido nestas disposições. Ora, decorrendo do facto 12.º que a Ré aplica ao Autor o regime jurídico de deslocações em serviço estabelecido naquele diploma, esta pretensão da recorrente não tem igualmente utilidade.
Assim, por ambas as razões, também nesta parte improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II.3MOTIVAÇÃO de DIREITO
A recorrente entidade empregadora impugna a sentença na vertente da aplicação do direito aos factos, vindo defender que o tribunal a quo errou por não ter entendido que as ajudas de custo visavam o pagamento de custos aleatórios, antes tendo considerado que integravam a retribuição auferida pelo sinistrado à data do acidente de trabalho, relevando para o cálculo das prestações reparatórias.
No essencial, a recorrente defende que é errada a conclusão do Tribunal a quo de que as ajudas de custo “… correspondiam a valores fixos e diários – logo, independentes de quaisquer custos ou despesas aleatórias – devidos por cada dia de trabalho – no que se evidencia a sua correspectividade com o trabalho desenvolvido pelo trabalhador, seguramente mais penoso por estar deslocado sem necessidade de qualquer documento comprovativo.”.
Argumenta que face aos pressupostos decorrentes do regime legal aplicável - distância da deslocação e a sua duração compreender o período de almoço ou de jantar -, é manifesto que o pagamento das ajudas de custo ao A. não é automática decorrência da realização do seu trabalho em deslocação e sua contrapartida. A causa do pagamento dos abonos de ajudas de custo não é a contrapartida da disponibilidade do trabalho, mas a circunstância das deslocações distantes em mais de 20 km da sede de trabalho, ocorrerem durante o período de almoço ou jantar, tornarem incertos os custos que o trabalhador suportará por ocasião da toma dessas refeições. Mais refere, que o valor dos custos das refeições é por natureza aleatório, pois, o trabalhador deslocado para distâncias e destinos diversos não pode, antecipadamente, programar os locais de toma das suas refeições e, consequentemente, não pode prever o seu custo e com ele contar.
Contrapõe o recorrido que a retribuição complementar de ajudas de custo que recebia da Ré decorria única e exclusivamente da prestação de trabalho relativa à categoria profissional e funções que desempenhava, que implicava frequentes deslocações, tendo assim caracter fixo, regular e correspectividade com as suas tarefas profissionais. Defende que as ajudas de custo em causa tem de ser consideradas prestações de caráter retributivo por estar excluído que se destinassem a compensar custos aleatórios, fazendo parte integrante da retribuição que auferia à data do acidente.
II.3.1 Na sentença recorrida, na parte em que se pronuncia sobre a questão de saber se as quantias que eram recebidas pelo sinistrado a título de ajudas de custo “não se integram na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente, por se destinarem a compensar o sinistrado por custos aleatórios ou se, pelo contrário, assumem in casu a natureza de prestações de carácter retributivo e como tal devem ser consideradas no cálculo da pensão e das indemnizações temporárias devidas ao autor no presente acidente de trabalho”, o Tribunal a quo começa por proceder ao enquadramento jurídico sobre a noção de retribuição para efeitos da LAT, para tanto apoiando-se na jurisprudência dos tribunais superiores, citando vários arestos que se pronunciaram sobre esta temática, vindo a concluir como segue:
[..]
Ora, resulta do facto provado 7 que à data do acidente o Autor também auferia ao serviço da Ré empregadora a quantia de ajudas de custo a 50% de €198,92 x 11 meses e ajudas de custo a 25% de €97,65 x 11 meses, resultando, assim, provado que as ajudas de custo a 50% e a 25% foram auferidas pelo sinistrado durante 11 meses no ano anterior ao do acidente, (cfr. fls.68 a 79).
Mais resultou provado que as ajudas de custo são pagas ao sinistrado ora A. pelas deslocações ao serviço da sua empregadora, ora 2ª Ré, realizadas no âmbito das funções de fiscalização atribuídas ao A. que incidem, essencialmente, na verificação do cumprimento e implementação do projecto de execução e do caderno de encargos, nomeadamente a verificação geométrica da obra, dos normativos e/ou normas de boa execução aplicáveis e conformidade dos materiais, bem como a verificação do cumprimento dos procedimentos construtivos em obediência aos procedimentos de segurança no trabalho aprovados através de vistorias e inspecções de rotina a Obras de Artes e Vias, (facto provado 8.), implicando o desempenho da categoria profissional do A. as frequentes deslocações, (cfr. facto provado 9.).
Para tanto o A. preenchia e entregava um relatório descritivo das deslocações realizadas para receber o pagamento das ajudas de custo respectivas, (facto provado 10.).
O A. é detentor de um contrato de trabalho em funções públicas e subscritor da Caixa Geral de Aposentações e integra o designado Quadro de Pessoal Transitório (QPT) da Infraestruturas de Portugal, S.A., (facto provado 11.) e o regime de deslocações em serviço aplicado ao A. é o Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transporte de Pessoal da Administração Pública, aprovado pelo Decreto-Lei nº106/98, de 24 de Abril, (facto provado 12.).
Assim, da factualidade provada resulta manifesto o carácter regular do pagamento das referidas “ajudas custo” ao autor e “a regularidade do pagamento destas prestações determina a sua inclusão na hipótese do artigo 71.º, n.º 3, da LAT, a despeito de o seu montante ter sofrido alguma variação ao longo dos (…) meses que precederam o acidente, havendo constância na sua atribuição ao sinistrado.
E, assim, constituindo prestações recebidas com carácter de regularidade e periodicidade, integram-se no "padrão retributivo" enunciado na previsão da primeira parte do artigo 71.º, n.º 3 da LAT (sem necessidade, sequer, de lançar mão da presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 258.º do Código do Trabalho).
A questão que se coloca consiste em saber se se verifica a excepção a esta regra que se retira da 2.ª parte do indicado n.º 3 do artigo 71.º da LAT: destinarem-se aqueles valores a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
Com efeito, constituindo a LAT lei especial face ao regime geral da retribuição que emerge dos artigos 258.º e ss. do Código do Trabalho (incluindo o que prescreve o seu artigo 260.º) é aos seus preceitos que deve o intérprete recorrer em primeira linha, sem prejuízo do contributo da lei geral naquilo que não tiver regulação expressa na lei especial.
É ao empregador que cabe o ónus da prova dos factos integrantes da excepção enunciada na parte final do artigo 71.º, n.º 3 da LAT, nos termos prescritos no artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil. Com efeito, não se trata já aqui de ilidir uma presunção como ocorre à face da lei geral (pois que a primeira parte da norma afirma a qualificação retributiva, não indicando que a mesma se presume como ocorre com o n.º 3 do artigo 258.º do CT) pelo que não cabe lançar mão do artigo 350.º do Código Civil, mas de provar o facto impeditivo da natureza retributiva que é enunciado na segunda parte do n.º 3 do artigo 71.º da LAT.
É aliás pacífica a jurisprudência no sentido de que cabe ao empregador o ónus de provar a natureza compensatória de custos aleatórios dos valores pagos, bem como de que o que é determinante para aferir a natureza das atribuições patrimoniais não é a sua denominação ou o modo como o empregador as classifica nos recibos emitidos, mas o fim a que se destinam.
Ora, no caso em análise não logrou a recorrente empregadora provar que qualquer destas quantias que pagava ao sinistrado tivesse concretamente a finalidade de compensar custos aleatórios”, (Ac. RL de 09-05-2018 cit.).
Com efeito, a Ré entidade empregadora não logrou provar, que as ajudas de custo visassem compensar custos aleatórios do autor.
Sendo certo que a circunstância de tais quantias serem qualificadas pela 2ª Ré entidade empregadora como «ajudas de custo» não significa exactamente que as mesmas visam tal compensação.
É diferente dar como provado que as prestações em causa constituem ajudas de custo e que as mesmas visam compensar concretas despesas acrescidas com alimentação, deslocação e alojamento, ou que a empregadora as qualifica “como ajudas de custo”.
Aliás, a circunstância das aludidas ajudas de custo serem pagas ao autor pelas deslocações efectuadas ao serviço da sua empregadora no âmbito das suas funções de fiscalização do cumprimento e implementação do projecto de execução e do caderno de encargos, da verificação geométrica da obra, das normas de boa execução aplicáveis e conformidade dos materiais e verificação do cumprimento dos procedimentos construtivos em obediência aos procedimentos de segurança não consubstancia qualquer despesa aleatória mas, antes, uma compensação pela prestação de trabalho nessas mesmas condições, que implicam constantes deslocações do autor.
E, isso, integra a retribuição.
Deste modo, impõe-se reconhecer ao sinistrado o direito à reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho sofrido através de prestações calculadas com base na retribuição apurada no facto provado 7: a quantia de ajudas de custo a 50% de €198,92 x 11 meses e ajudas de custo a 25% de €97,65 x 11 meses.
O que necessariamente implica que as questionadas prestações a título de “ajudas de custo” integram o conceito de retribuição e, nessa medida, hão-de integrar o cálculo das prestações reparatórias.
[..]».
A questão que se coloca é, pois, a de saber se o Tribunal a quo decidiu bem ao concluir que “que as questionadas prestações a título de “ajudas de custo” integram o conceito de retribuição e, nessa medida, hão-de integrar o cálculo das prestações reparatórias”.
II.2.2 Embora concordemos, no essencial, com a fundamentação de direito do tribunal a quo no que concerne a esta questão, para melhor compreensão, afigura-se-nos útil deixar as considerações gerais necessárias ao enquadramento jurídico da questão.
O trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos previstos na Lei 98/2009, de 4 de Setembro (art.º2.º).
No caso concreto, em consequência do acidente de trabalho sofrido no dia 12 de Março de 2019, quando se encontrava a exercer as suas funções de fiscal auxiliar de obras públicas, sob as ordens, direção e fiscalização da sua empregadora “Infraestruturas de Portugal, S.A.”, na E. N. ..., Km 19530, em Paredes, o sinistrado sofreu lesões “que lhe demandaram direta e necessariamente uma situação de incapacidade temporária absoluta (I.T.A.) desde 13/03/2019 a 13/09/2019, a que se seguiu uma incapacidade temporária parcial (I.T.P.) de 15%, desde 14/09/2019 até 30/10/2019, data da alta clínica por consolidação médico-legal das lesões, ficando afetado de uma incapacidade permanente parcial (I.P.P.) de 7,5%,” [factos 3 a 5]
O direito à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho compreende as prestações mencionadas no art.º 23.º da Lei 98/2009, entre elas, [al.b)] “Em dinheiro - indemnizações, pensões, prestações e subsídios previstos na presente lei.”.
No caso, estão em causa as indemnizações pelos períodos de incapacidade temporária e a pensão anual devida em razão da IPP de 7,5%.
Estando o empregador obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na lei para entidades legalmente autorizadas a realizar esse seguro, quando se verifique que a retribuição declarada é inferior à real, a seguradora só é responsável em função da que lhe foi declarada, recaindo sobre aquele a responsabilidade restante aferida em termos proporcionais (art.º 79.º1 e 4, da Lei 98/2009).
Discordando do Tribunal a quo, a recorrente defende que as prestações pagas ao sinistrado a título de ajudas de custo [facto 7], não integram o conceito de retribuição e, logo, não recai sobre si qualquer responsabilidade pelo pagamento em que foi condenada, dado não ter transferido a sua responsabilidade infortunística também em função daqueles quantitativos.
A noção de retribuição dada pelo Código do Trabalho, nomeadamente, no art.º 258.º, “compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie” (n.º2), presumindo-se “constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador” (n.º3).
Mas como se sabe, para efeitos de cálculo das prestações em dinheiro devidas para reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho cabe atender ao conceito dado pela própria lei que regulamenta os acidentes de trabalho, na actual Lei 98/2009, de 04 de Setembro, aqui aplicável, o n.º2, do art.º 71.º. Solução que não diverge da já consagrada nos anteriores regimes jurídicos dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, os quais continham igualmente uma noção própria de retribuição a considerar para efeitos de cálculo das prestações devidas para reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho.
Atentemos, pois, nas normas em causa.
O n.º2, do art.º 71.º, do actual regime, dispõe:
-«[2] Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios».
Na precedente Lei 100/97, de 13 de Setembro, estabelecia o n.º3, do art.º 26.º, o seguinte: “Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considera como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”.
E, na Lei 2127, de 3 de Agosto, que antecedeu este último diploma, dispunha o n.º2 da Base XXIII, o seguinte: “Entende-se por retribuição tudo o que a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade”.
Confrontando as sucessivas normas entre si, constata-se o seguinte:
i) As três normas atribuem especial relevância à regularidade no pagamento, para considerarem, como regra, que as prestações recebidas com carácter de regularidade integram o conceito de retribuição para efeitos do regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais;
ii) Com a lei 100/97 o legislador passou a exigir expressamente, para que as prestações recebidas com “carácter de regularidade” integrem a noção de retribuição -para efeitos dessa lei - que “não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”.
iii) Esta exigência, excluindo da noção de retribuição as prestações que se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, mantém-se na actual norma e com a mesma formulação;
iv) A norma actual não remete para os critérios da retribuição da lei geral, como acontecia com as que a precederam, ambas essas iniciando-se dizendo “Entende-se por retribuição (mensal) tudo o que a lei considera como seu elemento integrante…”.
Ao longo da vigência dos sucessivos regimes jurídicos de reparação dos acidentes de trabalho os Tribunais superiores foram inúmeras vezes confrontados com questões similares a esta, ou seja, para definirem se determinada prestação integra, ou não, o conceito de retribuição, existindo vasta jurisprudência sobre esta problemática.
De acordo com a noção legal dada pelo art.º 258.º do actual CT/09 – que não diverge da que resultava dos antecedentes art.º 82.º da LCT e 249.º do CT/03 -, a retribuição consiste no conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida) [Monteiro Fernandes Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 479].
Parafraseando o Ac. do STJ de 19-02-2004 [proc.º 03S3478, Conselheiro Fernandes Cadilha, disponível em www.dgsi.pt] “[E]m primeira linha, a retribuição é determinada pelo clausulado do contrato e pelos usos laborais, e eventualmente por certos critérios normativos (o salário mínimo, a igualdade retributiva, etc.). No entanto, num segundo momento, ao montante global da retribuição poderão acrescer certas prestações que preencham os requisitos e periodicidade e regularidade”.
De acordo com o critério legal, a retribuição assenta na exigência de correspectividade ou contrapartida negocial: “é necessário que exista correspectividade entre as prestações do empregador e a situação de disponibilidade do trabalhador – ou seja, noutros termos que essas prestações não tenham causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho”. Mas de outro passo, o critério legal requer uma certa periodicidade e regularidade no pagamento e assenta numa presunção legal, considerando-se que as prestações que sejam realizadas regular e periodicamente constituem retribuição, “característica que tem um duplo sentido indiciário: por um lado, sugere a existência de uma vinculação prévia (quando se não ache expressamente consignada) e, por conseguinte de uma prática vinculativa; por outro, assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele” [cfr. Monteiro Fernandes, Op. cit., p. 480/481].
Mas como é entendimento pacífico e transversal aos sucessivos regimes jurídicos acima enunciados, o conceito de retribuição para efeitos do cálculo das prestações devidas ao sinistrado ou beneficiários no âmbito da reparação devida por acidente de trabalho não coincide e é mais amplo que o consagrado no Código do Trabalho. Daí que o legislador tenha sempre inserido uma noção própria de retribuição, mesmo quando remetia para os critérios da retribuição da lei geral, com o propósito de abranger outras prestações pagas regularmente que não integrariam esta última noção. Exemplificam o afirmado os sumários dos acórdãos do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt) que seguem:
- Ac. de 23-09-1992, Proc.º 003423, Conselheiro Sousa Macedo:
I - Para efeito de cálculo de indemnização ou de pensão por acidente de trabalho o n. 2 da Base XXIII da Lei n. 2127 utiliza o termo retribuição em sentido mais amplo do que o perfilhado pela L.C.T., compreendendo todas as prestações de carácter regular.
II - Por isso, o subsídio de refeição, quer seja pago em dinheiro, quer seja satisfeito em espécie, integra a retribuição para efeitos de cálculo de pensões devidas por acidentes de trabalho.
- Ac. de 12-07-2001, Proc.º 01S1202, Conselheiro José Mesquita:
I - O n. 2, da Base XXII da LAT acolheu um conceito de retribuição não perfeitamente coincidente com o constante do art. 82.º da LCT.
II - Assim, é tido por razoável para efeitos da noção de retribuição a que se reporta aquela Base, o auferimento de remuneração por horas extraordinárias durante o período de um ano.
Contudo, embora reconhecendo que a Lei 2127 ao receber o conceito de retribuição da LCT, enfatizava o elemento regularidade - ao acrescentar “(..) e todas as prestações que revistam carácter de regularidade – a jurisprudência do STJ afirmou-se no sentido de que “A ideia de regularidade não pode ser entendida tão linearmente”, devendo a expressão "todas as prestações" ser interpretada no sentido de nela somente se integrarem as atribuições patrimoniais que constituíssem para o trabalhador uma vantagem económica representativa do rendimento da sua actividade laborativa. Assim o elucida o Acórdão de 17-10-2001 [proc.º 01S166, Conselheiro José Mesquita, disponível em www.dgsi.pt,], onde se lê o seguinte:
-«(..)
A ideia de regularidade não pode ser entendida tão linearmente.
Em primeiro lugar, não é a LAT que a acrescenta ao conceito de retribuição da LCT.
A cronologia dos diplomas - 1965, a LAT e 1969, a LCT - logo evidencia que a LAT não tomou o conceito de retribuição da LCT enfatizando, tanto logicamente, a ideia de regularidade. Antes faz uma primeira afirmação de tal ideia, que depois foi retomada pela LCT no seu art. 82º.
Daí que os demais elementos neste preceito contidos - contrapartida da prestação de trabalho e periodicidade - ganhem relevância interpretativa do conceito de retribuição vasado naquela Base XXIII da LAT.
Em segundo lugar, terão sido considerações desta natureza que inspiraram a nova lei dos Acidentes de Trabalho - Lei nº 100/97, de 13-9 - que no seu art. 26º, nº 3, veio fazer ajustamentos ao conceito de retribuição, preceituando:
"3. Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado, por custos aleatórios".
É aqui, na compensação de despesas, que volta a ganhar relevo a ideia de contrapartida da prestação de trabalho, fazendo sobressair a ideia de rendimento ou de vantagem económica, com exclusão das prestações que visem compensar custos adicionais.
Nesta linha de pensamento, se escreveu no acórdão deste STJ, de 8.3.95, no BMJ, 445º, pi. 379:
"Ora, tendo a pensão por acidente de trabalho por finalidade compensar, ainda que parcialmente o trabalhador, ou os seus familiares, pela falta ou redução do rendimento do trabalho, em resultado do sinistro, que limitou ou aniquilou a sua aptidão para o trabalho, não seria compreensível nem razoável que, no cômputo desse rendimento, se incluíssem valores não lucrativos, mas apenas compensatórios de despesas realizadas pelo trabalhador com deslocações ou novas instalações em serviço da entidade patronal - (cfr. base IX, alínea b), da LAT; Tomás de Resende, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed. pi. 30)-
Por isso, considerando os indicados cânones hermenêuticos, deve interpretar-se a expressão "todas as prestações", inserida no nº2 da referida base XXIII, por forma a nela somente se integrarem as atribuições patrimoniais que constituam para o trabalhador uma vantagem económica, representativa do rendimento da sua actividade laborativa. Essas prestações pecuniárias hão-de traduzir um valor material com repercussão positiva na economia do trabalhador, significando para este uma fonte de rendimento"-
Esta ideia de rendimento ou de vantagem económica com repercussão positiva na economia do trabalhador é a única que, respeitando a filosofia da reparação pelos acidentes de trabalho, nos fornece uma harmonia consistente do conceito de retribuição, que começa naturalmente, na ideia de correspectividade da prestação de trabalho.
(..)».
No mesmo sentido, entre outros, pronunciou-se igualmente o Ac. de 06-12-2001 [proc.º 01S1313, Conselheiro Diniz Nunes, disponível em www.dgsi.pt], conforme sintetiza o respectivo sumário:
IV - O conceito de retribuição para efeitos de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho não é coincidente com o estabelecido pela LCT, sendo mais amplo, nele se englobando todas as prestações que revistam carácter de regularidade.
V - Tendo a pensão por acidente de trabalho por finalidade compensar, ainda que parcialmente, o sinistrado ou os seus familiares pela falta ou redução do rendimento de trabalho, em resultado do sinistro, a expressão "todas as prestações" deve ser interpretada no sentido de nela somente se integrarem as atribuições patrimoniais que constituam para o trabalhador uma vantagem económica representativa do rendimento da sua actividade laborativa.
VI - Assim, sempre que as importâncias recebidas pelo sinistrado a título de ajudas de custo, ainda que provada a regularidade do seu pagamento, não representem para ele qualquer ganho efectivo, essas importâncias não se integram no conceito de retribuição para efeitos do cálculo da pensão que lhe for atribuída.
A talhe de foice, releva assinalar que em qualquer desses acórdãos a questão colocava-se a propósito de quantias pagas com carácter de regularidade pelas entidades empregadoras (e não cobertas pelo seguro de acidentes de trabalho) a título de “ajudas de custo”. De resto, como uma busca pela jurisprudência a este propósito evidencia, a questão relativa à qualificação para os efeitos em causa de quantias pagas com caracter de regularidade a título de “ajudas de custo” é recorrente e transversal aos sucessivos regimes jurídicos de reparação dos acidentes de trabalho [cfr. Ac. do STJ de 19-02- 2004, proc.º 03S3478, Conselheiro Fernandes Cadilha; Ac. STJ de 23-11-2005, proc.º 05S2260, Conselheiro Pinto Hespanhol; Ac. STJ de 02-05-2007, proc.º 07S362, Conselheiro Mário Pereira; Ac. de 8-10-2008, proc.º 08S1984, Conselheiro Mário Pereira; Ac. STJ de 18-12-2008, proc.º 08S2277, Conselheiro Sousa Peixoto; AC. STJ de 17-03-2010, proc.º 436/09.1YFLSB, SOUSA GRANDÃO; Ac. STJ 13-04-2011, 216/07.9TTCBR.C1.S1, GONÇALVES ROCHA; (todos disponíveis em www.dgsi.pt].
É também entendimento reafirmado pela jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do STJ, que o facto de entidade empregadora denominar nos recibos da retribuição determinado pagamento como “ajudas de custo”, não é suficiente para as considerar como tal. À partida, desde que pagas regular e periodicamente, na medida em que pressupõem uma vinculação prévia do empregador e são susceptíveis de gerar uma expectativa de ganha para o trabalhador, essas quantias presumem-se retribuição, nos termos previstos no n.º3, do art.º 258.º do CT, recaindo sobre a entidade empregadora, de acordo com o disposto nos arts. 344.º, n.º 1 e 350.º, n.º 1 do CC, o ónus de provar que essa atribuição patrimonial reveste a natureza de ajudas de custo (o mesmo valendo para outras atribuições, tais como abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes) [Cfr. Ac. STJ de 02-05-2007, proc.º 07S362, Conselheiro Mário Pereira; Ac. de 8-10-2008, proc.º 08S1984, Conselheiro Mário Pereira; Ac. STJ de 18-12-2008, proc.º 08S2277, Conselheiro Sousa Peixoto (disponíveis em www.dgsi.pt)].
É altura de enfocarmos esta análise na norma aqui aplicável, em concreto o n.º2, do art.º 71.º da Lei 98/2009.
Como assinalado inicialmente, com a Lei 100/97 o legislador passou a exigir expressamente, para que as prestações recebidas com “carácter de regularidade” integrem a noção de retribuição -para efeitos do regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais - que “não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”. Cremos que com esta inovação o legislador procurou ir ao encontro do entendimento que vinha sendo afirmado pela jurisprudência, interpretando a expressão "todas as prestações" no sentido de nela somente se integrarem as atribuições patrimoniais que constituíssem para o trabalhador uma vantagem económica representativa do rendimento da sua actividade laborativa.
Importa que nos detenhamos sobre o sentido da expressão “custos aleatórios”. Aleatório significa:
- “Que depende de acontecimento incerto”, “Sujeito às incertezas do acaso” [in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org].
- Que depende do acaso ou de circunstâncias imprevisíveis; sujeito a contingências; casual; fortuito [in https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa].
Portanto, serão custos aleatórios os que tenham subjacente um acontecimento incerto, sujeito às incertezas do acaso, casual, fortuito, imprevisível. O que vale por dizer que não só o montante deve ser susceptível de variar, como também a causa que lhe está subjacente deve ter alguma incerteza ou imprevisibilidade.
Esta é a ideia que está subjacente ao acórdão do STJ de 17-03-2010 [proc.º 436/09.1YFLSB, Conselheiro Sousa Grandão], em cuja fundamentação se encontra o extracto que segue:
-«(..)
Por seu turno, o n.º 3 do falado artigo 26.º prescreve deste modo:
“Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considera como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”.
Se este normativo começa por apelar ao critério geral de retribuição – que já alude, ele próprio, à regularidade da prestação – para depois adicionar aquelas prestações regulares que não se destinem a compensar custos aleatórios, é forçoso reconhecer que perfilha um conceito mais abrangente, apenas aludindo, para efeitos de exclusão retributiva, à variabilidade e contingência das prestações.
No domínio da sinistralidade laboral, o que o legislador pretende é compensar o sinistrado pela falta ou diminuição dos rendimentos provenientes do trabalho: assim se compreende que as prestações reparatórias atendam ao “salário médio”, onde se integram todos os valores que a entidade patronal satisfazia regularmente e em função das quais o trabalhador programava regularmente a sua vida.
A matéria de facto provada – ponto n.º 13 – demonstra que as prestações em causa correspondiam a valores fixos e diários – logo, independentes de quaisquer custos ou despesas aleatórias – devidos por cada dia de trabalho – no que se evidencia a sua correspectividade com o trabalho desenvolvido pelo trabalhador, seguramente mais penoso por estar deslocado – sem necessidade de qualquer documento comprovativo.
A aludida factualidade – devendo aqui anotar-se que era ónus da Recorrente provar a natureza aleatória dos valores pagos – consequência que as questionadas prestações integram o conceito de retribuição e, nessa medida, hão-de integrar o cálculo das prestações reparatórias».
Nesta linha de entendimento, pode assim afirmar-se que o conceito de retribuição para efeitos do cálculo das prestações devidas ao sinistrado ou beneficiários no âmbito da reparação devida por acidente de trabalho, sendo mais amplo que o consagrado no Código do Trabalho, abrange todas as prestações recebidas com carácter de regularidade, desde que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, isto é, “custos de natureza acidental e meramente compensatória” [AC. TR Lisboa de 26 de Março de 2014, proc.º 1837/12.3TTLSB.L1-4, Desembargadora Paula Sá Fernandes, disponível em www.dgsi.pt].
Em contraponto, não são considerados como retribuição os pagamentos que são destinados a reembolsar o trabalhador por despesas já realizadas ou a realizar no cumprimento ou execução da prestação do trabalho em razão de alguma incerteza ou imprevisibilidade, que não são mais do que uma simples compensação de uma diminuição patrimonial, real ou presumida, que nem traz ao trabalhador uma efectiva utilidade ou acréscimo de rendimento do trabalho, nem é sequer susceptível de lhe criar, em termos de razoabilidade, expectativas de ganho.
Como deixámos afirmado ao confrontarmos o n.º2, do art.º 71.º da Lei 98/2009, com as normas correspondentes dos sucessivos regimes jurídicos de reparação dos acidentes de trabalho, continua a dar-se especial relevância ao elemento regularidade, exclui-se da noção de retribuição as prestações que se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios (em termos similares ao n.º3, do art.º 26.º da Lei 100/97) e, para além disso, desapareceu a remissão para os critérios da retribuição da lei geral, aos quais apelavam ambas as normas que precederam a actual.
Esta última inovação não contende com qualquer das considerações que deixámos atrás. Antes pelo contrário, cremos que o legislador visou deixar bem claro estar-se perante uma noção de retribuição não coincidente com a da lei geral, mais ampla que aquela e na qual assume preponderância a regularidade no pagamento. Dito de outro modo, uma noção de retribuição que não pressupõe necessariamente a existência de correspectividade entre as prestações do empregador e a disponibilidade do trabalhador, antes abrangendo também quaisquer outras prestações que tenham causa específica e individualizável diversa da remuneração do trabalho, desde que recebidas com carácter de regularidade e não destinadas a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
Fazendo nossas as palavras do recentíssimo Ac. do STJ de 31-10-2018 [proc.º 359/15.5T8STR.L1.S1, Conselheiro António Leones Dantas, disponível em www.dgsi.pt], escreve-se no mesmo o seguinte:
Para os efeitos daquele artigo 71.º, são retribuição «todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios».
Não se faz apelo à contrapartida da efetiva prestação de trabalho, estando-se antes perante uma noção mais ampla onde cabem todas as prestações recebidas pelo sinistrado que não se destinem a compensar custos aleatórios.
Outro dos elementos que permitem incluir estas prestações na base de cálculo das reparações é o conceito de regularidade.
O conceito de regularidade tem aqui implícita uma dimensão temporal que aponta para a repetição dos pagamentos e a partir daí a dimensão dos rendimentos normalmente auferidos pelo sinistrado.
Importa que na ponderação deste conceito não se esqueça que o que está em causa é a perda da capacidade para o futuro do sinistrado e não a fixação da dimensão de rendimentos devidos ao sinistrado.
(..)».
Para encerrar estas considerações, acompanhando-se o Ac. do TRL de 09-05-2018 [Proc.º n.º 743/16.7T8TVD.L1 -4, Desembargadora Maria José Costa Pinto, disponível em www.dgsi.pt], importa também assinalar que «[..] constituindo a LAT lei especial face ao regime geral da retribuição que emerge dos artigos 258.º e ss. do Código do Trabalho (incluindo o que prescreve o seu artigo 260.º) é aos seus preceitos que deve o intérprete recorrer em primeira linha, sem prejuízo do contributo da lei geral naquilo que não tiver regulação expressa na lei especial.
É ao empregador que cabe o ónus da prova dos factos integrantes da excepção enunciada na parte final do artigo 71.º, n.º 3 da LAT, nos termos prescritos no artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil. Com efeito, não se trata já aqui de ilidir uma presunção como ocorre à face da lei geral (pois que a primeira parte da norma afirma a qualificação retributiva, não indicando que a mesma se presume como ocorre com o n.º 3 do artigo 258.º do CT) pelo que não cabe lançar mão do artigo 350.º do Código Civil, mas de provar o facto impeditivo da natureza retributiva que é enunciado na segunda parte do n.º 2 do artigo 71.º da LAT.
É aliás pacífica a jurisprudência no sentido de que cabe ao empregador o ónus de provar a natureza compensatória de custos aleatórios dos valores pagos[9], bem como de que o que é determinante para aferir a natureza das atribuições patrimoniais não é a sua denominação ou o modo como o empregador as classifica nos recibos emitidos, mas o fim a que se destinam[10]».
II.2.3 Revertendo ao caso, dos factos assentes relevam para esta questão os que constam sob os pontos seguintes:
7. À data do acidente o Autor também auferia ao serviço da Ré empregadora a quantia de ajudas de custo a 50% de €198,92 x 11 meses e ajudas de custo a 25% de €97,65 x 11 meses.
8. [com a redacção que introduzimos] As ajudas de custo são pagas ao sinistrado ora A. pelas deslocações ao serviço da sua empregadora, ora 2ª Ré, realizadas a mais de 20 Km da sede do centro operacional do Porto, no âmbito das funções de fiscalização atribuídas ao A. que incidem, essencialmente, na verificação do cumprimento e implementação do projecto de execução e do caderno de encargos, nomeadamente a verificação geométrica da obra, dos normativos e/ou normas de boa execução aplicáveis e conformidade dos materiais, bem como a verificação do cumprimento dos procedimentos construtivos em obediência aos procedimentos de segurança no trabalho aprovados através de vistorias e inspecções de rotina a Obras de Artes e Vias”..
9. O desempenho da categoria profissional do A. implica as frequentes deslocações.
10. Para tanto o A. preenchia e entregava um relatório descritivo das deslocações realizadas para receber o pagamento das ajudas de custo respectivas.
11. O A. é detentor de um contrato de trabalho em funções públicas e subscritor da Caixa Geral de Aposentações e integra o designado Quadro de Pessoal Transitório (QPT) da Infraestruturas de Portugal, S.A..
12. O regime de deslocações em serviço aplicado ao A. é o Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transporte de Pessoal da Administração Pública, aprovado pelo Decreto-Lei nº106/98, de 24 de Abril, (cfr. artº13º da contestação da ré entidade empregadora).
Em causa estão, pois, os pagamentos referidos no ponto 7, relativamente aos quais a Ré empregadora não tinha transferida a responsabilidade infortunística pelo seguro de acidentes de trabalho celebrado com a Ré seguradora.
Como ponto de partida, é sabido que a jurisprudência esteve dividida quanto à questão de saber quando deve considerar-se que uma prestação é regular e periódica. Contudo, na esteira do acórdão do STJ de 1 de Outubro de 2015 [publicado no Diário da República, 1.ª série — N.º 212 — 29 de outubro de 2015], - proferido em julgamento ampliado da revista, em processo civil, nos termos do artigo 186.º do CPT – que embora se tenha debruçado sobre a cláusula de um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho (cláusula 12.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, integrado no AE entre a T..., S.A. e o Sindicato ..., publicado no BTE 1.ª série n.º 8, de 28 de Fevereiro de 2006), no percurso lógico para chegar à sua interpretação passou pela questão de saber quando é que se deve entender que há “regularidade e periodicidade” na atribuição de uma determinada prestação pecuniária, vem sendo maioritariamente entendido que esse carácter regular só se verifica se a prestação for paga durante 11 dos 12 meses que se tiverem por referência temporal.
Assim, no caso nem se coloca qualquer dúvida, dado que mesmo a entender-se que aquele critério afirmado pelo STJ tem aplicação para efeitos do n.º2, do art.º 71.º da Lei 98/2009, sempre é de concluir estar-se inequivocamente perante uma prestação recebida com carácter de regularidade, como tal integrando a noção de retribuição prevista nesse normativo, a menos que se destine a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
Não basta a R. denominar aquela prestação nos recibos de vencimento como ajudas de custo, para que fique excluída do conceito de retribuição. Mais, também não é suficiente estar provado que [12] “O regime de deslocações em serviço aplicado ao A. é o Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transporte de Pessoal da Administração Pública, aprovado pelo Decreto-Lei nº106/98, de 24 de Abril”.
O facto de serem pagas ao sinistrado ajudas de custo nos termos previstos nesse regime jurídico não significa, só por si, que os valores pagos a esse título se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios. Atenta a noção estabelecida no n.º 2, do art.º 71.º da LAT, sobre a Ré recaía o ónus de alegação e prova de factos de onde resultasse demonstrado que aquele pagamento se destinava a compensar custos aleatórios, nos termos referidos na parte final da norma, isto é, custos de natureza acidental e meramente compensatória.
O DL n.º 106/98, de 24 de Abril, estabelece normas relativas ao abono de ajudas de custo e de transporte pelas deslocações em serviço público, dispondo o art.º 1.º no seu n.º1, que “Os trabalhadores que exercem funções públicas, em qualquer modalidade de relação jurídica de emprego público dos órgãos e serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação objectivo da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, quando deslocados do seu domicílio necessário por motivo de serviço público, têm direito ao abono de ajudas de custo e transporte, conforme as tabelas em vigor e de acordo com o disposto no presente diploma”.
No que aqui releva, estabelece o diploma o seguinte:
Artigo 3.º Tipos de deslocação
As deslocações em território nacional classificam-se em diárias e por dias sucessivos.
Artigo 4.º Deslocações diárias
Consideram-se deslocações diárias as que se realizam num período de vinte e quatro horas e, bem assim, as que, embora ultrapassando este período, não impliquem a necessidade de realização de novas despesas.
Artigo 6.º Direito ao abono
Só há direito ao abono de ajudas de custo nas deslocações diárias que se realizem para além de 20 km do domicílio necessário e nas deslocações por dias sucessivos que se realizem para além de 50 km do mesmo domicílio.
Artigo 8.º Condições de atribuição
1 - O abono da ajuda de custo corresponde ao pagamento de uma parte da importância diária que estiver fixada ou da sua totalidade, conforme o disposto nos números seguintes.
2 - Nas deslocações diárias, abonam-se as seguintes percentagens da ajuda de custo diária:
a) Se a deslocação abranger, ainda que parcialmente, o período compreendido entre as 13 e as 14 horas - 25%;
b) Se a deslocação abranger, ainda que parcialmente, o período compreendido entre as 20 e as 21 horas - 25%;
c) Se a deslocação implicar alojamento - 50%.
3 - As despesas de alojamento só são consideradas nas deslocações diárias que se não prolonguem para o dia seguinte, quando o funcionário não dispuser de transportes colectivos regulares que lhe permitam regressar à sua residência até às 22 horas.
[..].
Artigo 37.º Subsídio de refeição
O quantitativo correspondente ao abono diário do subsídio de refeição é deduzido nas ajudas de custo, quando as despesas sujeitas a compensação incluírem o custo do almoço.
Com o devido respeito pela posição defendida pela Ré, entende-se que não foram alegados factos nem feita a prova necessária para que se possa ter como demonstrado, com a certeza e o rigor que nos parece exigível, que aquele pagamento cobria ou destinava a compensar o sinistrado por “custos aleatórios”. Passamos a explicar esta asserção.
Como defendemos acima, serão custos aleatórios os que tenham subjacente um acontecimento incerto, sujeito às incertezas do acaso, casual, fortuito, imprevisível. O que vale por dizer que não só o montante deve ser susceptível de variar, como também a causa que lhe está subjacente deve ter alguma incerteza ou imprevisibilidade.
Argumenta a recorrente que face aos pressupostos decorrentes do regime legal aplicável - distância da deslocação e a sua duração compreender o período de almoço ou de jantar -, é manifesto que o pagamento das ajudas de custo ao A. não é automática decorrência da realização do seu trabalho em deslocação e sua contrapartida. A causa do pagamento dos abonos de ajudas de custo não é a contrapartida da disponibilidade do trabalho, mas a circunstância das deslocações distantes em mais de 20 km da sede de trabalho, ocorrerem durante o período de almoço ou jantar, tornarem incertos os custos que o trabalhador suportará por ocasião da toma dessas refeições, pois deslocado para distâncias e destinos diversos não pode, antecipadamente, programar os locais de toma das suas refeições e, consequentemente, não pode prever o seu custo e com ele contar.
É certo que o diploma em causa estabelece a atribuição de ajudas de custos nas deslocações diárias que se realizem para além de 20 km do domicílio necessário [art.º 6.º], bem assim que, nos termos do art.º 8.º, n.º2, as percentagens da ajuda de custo diária a abonar nas deslocações diárias, serão de 25%, se a deslocação abranger, ainda que parcialmente, o período compreendido entre as 13 e as 14 horas, ou o período compreendido entre as 20 e as 21 horas.
Porém, dos factos provados não se retira quais as horas em que o sinistrado estava deslocado, mas apenas [8] que “As ajudas de custo são pagas ao sinistrado ora A. pelas deslocações ao serviço da sua empregadora, ora 2ª Ré, realizadas a mais de 20 Km da sede do centro operacional do Porto, no âmbito das funções de fiscalização atribuídas ao A. que incidem, essencialmente, na verificação do cumprimento e implementação do projecto de execução e do caderno de encargos, nomeadamente a verificação geométrica da obra, dos normativos e/ou normas de boa execução aplicáveis e conformidade dos materiais, bem como a verificação do cumprimento dos procedimentos construtivos em obediência aos procedimentos de segurança no trabalho aprovados através de vistorias e inspecções de rotina a Obras de Artes e Vias”. Para além disso, muito menos se retira que essas deslocações tornassem incertos os custos que o sinistrado eventualmente suportava com refeições quando estava deslocado.
De resto, releva assinalar que embora no artigo 37.º, do DL n.º 106/98, de 24 de Abril, conste estabelecido que “O quantitativo correspondente ao abono diário do subsídio de refeição é deduzido nas ajudas de custo, quando as despesas sujeitas a compensação incluírem o custo do almoço”, pela recorrente não foi sequer alegado que essa regra fosse observada relativamente ao sinistrado, antes estando demonstrado que para além de lhe serem pagas as ajudas de custo referidas no facto provado 8, à data do acidente este auferia ainda subsídio de refeição, nomeadamente, € 6,41 x 22 dias x 11 meses [facto 6].
Salvo o devido respeito, se o pagamento das ajudas de custo visasse compensar o sinistrado pelos custos aleatórios com refeições, em virtude do trabalhador não poder antecipadamente programar os locais de toma das suas refeições e, consequentemente, não pode prever o seu custo e com ele contar, manter-lhe igualmente o pagamento do subsídio de refeição é, pelo menos, incoerente.
Por outro lado, se é certo que as funções do autor implicavam frequentes deslocações realizadas a mais de 20 Km da sede do centro operacional do Porto, isso não significa, só por si, que tivesse que tomar sempre refeições fora, pois não podem excluir-se as hipóteses de vir a casa tomá-las ou fazer-se acompanhar da refeição. Mais, nem tão pouco significa, como se fosse uma consequência necessária, que tivesse custos para além dos que sempre teria que suportar para tomar diariamente essas refeições, não fora estar deslocado.
Mais ainda, como decorre do facto 7, o sinistrado recebia ajudas de custo fixadas com a percentagem de 50%, 11 meses por ano. Ora, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º2, do art.º 8.º do DL n.º 106/98, o pagamento de ajudas de custo com a percentagem de 50%, só tem lugar quando a deslocação implicar alojamento.
Acontece que nada foi alegado pela recorrente para demonstrar que na realidade os pagamentos das ajudas de custo fixadas com a percentagem de 50%, efectuados 11 meses por ano, se destinavam a compensar o sinistrado por custos aleatórios decorrentes da necessidade de alojamento, quando se deslocava no exercício das funções referidas no facto 8.
Como se deixou dito, sendo esse o ponto fulcral da questão, o ónus de prova recai sobre a Ré e não sobre o trabalhador sinistrado. Ora, pelas razões enunciadas, só pode concluir-se que a Recorrente Ré não provou, tanto mais que nem tão pouco alegou os factos necessários, a natureza compensatória de custos aleatórios dos valores pagos a título de ajudas de custo.
Concluindo, improcede o recurso, não existindo fundamento para alterar a sentença na parte recorrida.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso nos termos seguintes:
-Parcialmente procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- Improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas do recurso a cargo da Ré empregadora, atento o decaimento [art.º 527.º do CPC]:

Porto, 23 de Janeiro de 2023
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira