Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2357/20.8T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO VENADE
Descritores: PROCESSOS ESPECIAIS
TUTELA DA PERSONALIDADE
FUNDAMENTOS
CÂMARAS DE VIGILÂNCIA
Nº do Documento: RP202104292357/20.8T8MAI.P1
Data do Acordão: 04/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A ação prevista no artigo 878.º, do C. P. C. exige que se prove uma ameaça ilícita a um direito de personalidade dos Autores ou a concretizada ofensa ilícita a esse mesmo direito.
II - Se duas câmaras de videovigilância, colocadas na fração autónoma onde os Réus habitam, não captam nem imagens do local onde os Autores habitam, nem som, não se mostra preenchida a necessária prova daquela ameaça ilícita ou ofensa ao direito de personalidade dos mesmos Autores.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2357/20.8T8MAI.P1
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1). Relatório.
B… e mulher, C…, residentes na Rua …, …/…, r/ch, …, Maia,
propuseram contra
D… e companheiro, E…, residentes na Rua …, …, 1.º …, Maia
Procedimento cautelar não especificado, com pedido de decretamento de inversão de contencioso alegando, em resumo, que:
. são donos de fração autónoma («A») e a requerida é dona de uma outra fração no mesmo prédio, sendo vizinhos entre si (os requerentes no r/c e os requeridos no 1.º andar);
. no dia 18/06/2020, os requerentes aperceberam-se que o requerido E… se encontrava a montar uma câmara de vigilância;
. em 19/06/2020 os requerentes constataram que haviam colocado mais três câmaras de vigilância no exterior do imóvel, direcionadas para o interior da fração dos Requerentes;
. uma das câmaras abrangia o interior de dois dos quantos dos requerentes;
. outras câmaras de vigilância foram colocadas direcionadas para o logradouro/pátio dos requerentes;
. desde que foram colocadas as referidas câmaras, as mesmas sempre se encontraram a funcionar;
. por causa da colocação das câmaras de vigilância, os requerentes estão limitados na sua casa em todos os seus atos por desconhecerem o alcance de tal vigilância, tendo deixado de abrir as janelas, tendo as persianas sempre corridas, não mais entrando o sol dentro da casa, deixaram de ter conversas importantes dentro de casa e deixaram de utilizar o logradouro;
. a filha dos requerentes, de nove anos, queixa-se que está a ser vigiada e que os requeridos lhe tiram fotografias e a filmam, desconhecendo os requerentes as intenções dos requeridos em relação a essas fotografias;
. o filho dos requerentes também está angustiado;
. a requerente mulher só consegue trabalhar e dormir à base de medicação, tendo vindo emagrecer de forma alarmante;
. os requeridos querem prejudicar os requerentes no seu património e nas suas pessoas e dos filhos, invadindo a privacidade.
Terminam pedindo que seja ordenada a notificação dos requeridos para retirem todas as câmaras de vigilância ilicitamente colocadas em locais estratégicos de forma a visualizar o exterior e interior do imóvel pertencente aos Requerentes, com a intervenção da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), as câmaras de vigilância sejam apreendidas, recolhendo-se todo o material nomeadamente a gravação de imagens e de voz, sendo disponibilizadas aos Serviços do Ministério Público da Comarca do Porto - DIAP – Secção da Maia, na queixa crime apresentada pelos Requerentes e que aguarda distribuição (nº de entrada 26369785) de forma a prosseguir o inquérito.
Pedem ainda a inversão do contencioso, com a consequente dispensa dos Requerentes na propositura de ação principal de que a providência estaria dependente.
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O tribunal proferiu então despacho a convidar os requerentes a convolarem o procedimento num processo especial, como previsto nos artigos 878.º e seguintes do C. P. C., o que os requerentes fizeram, apresentando novo articulado, com o mesmo pedido.
Essa correção foi aceite pelo tribunal, procedendo à correção da forma de processo e marcou audiência de julgamento.
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Citados os Réus, os mesmos contestaram mencionando em resumo que:
. o Réu E… é parte ilegítima por não ser proprietário da fração nem casado com a requerida que é a única dona do imóvel e das câmaras em questão;
. impugnam a matéria alegada, referindo que apenas estão colocadas duas câmaras de vigilância, uma vez que outra é uma simulação de câmara;
. as imagens captadas são exclusivamente da moradia da requerida e do acesso à mesma.
Pedem que o Réu seja absolvido da instância e a ação julgada improcedente.
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Os Autores pronunciaram-se sobre essa exceção referindo que estava em causa uma ações que tem por objeto a casa de morada de família por ser onde o Réu vive com a Ré e filhos.
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Realizou-se audiência julgamento, com inspeção ao local acompanhada por perito e foi proferida sentença onde se decidiu julgar o Réu parte legítima e julgar a ação procedente e, em conformidade:
. condenar os Réus a adaptar o funcionamento das câmaras de vigilância existentes na sua habitação, para cujo efeito se concede o prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença, por forma que as mesmas obedeçam às regras legais em vigor, designadamente:
. as câmaras não podem proceder à captação de imagens da via pública das propriedades vizinhas, designadamente da habitação dos Autores e dos locais que não sejam do domínio exclusivo dos Réus;
. as câmaras não podem proceder à captação de som;
. os Réus só podem conservar, em registo codificado, as imagens captadas até 30 dias após a sua captação e terminado o prazo de 30 dias, as imagens têm de ser destruídas nas 48 horas seguintes.
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Inconformados, os Réus interpuseram recurso da decisão, formulando as seguintes conclusões:
«DO RECURSO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO.
I. Os recorrentes, discordam quanto à sentença na apreciação de parte da prova produzida e na determinação de alguns dos factos provados e não provados.
II. Os aqui recorrentes recorrem dos factos dados como provados sob os n.ºs 6, 8 (características das câmaras), 8 (abaixo enunciado), 9, 10, 11, 12 e 13 da matéria dada como provada.
III. Conforme resulta dos autos os presentes autos não tiveram qualquer prova testemunhal.
IV. As declarações de parte, desacompanhadas de qualquer outra prova, mais não são do que uma espécie de reprodução da sua pretensão processual (manifestada na petição inicial) e, nessa medida, inquinada pelo subjetivismo e interesse na procedência das suas pretensões, sem rigor e sem uma verdade isenta.
V. Nos presentes autos a prova efetiva que resulta dos mesmos (e para os mesmos) é o relatório do perito, no que concerne à análise técnica que faz, já não (deverá ser considerado ou valorizado pelo tribunal) quanto às considerações (opiniões) pessoais ou pessoalizadas que emite.
VI. Do relatório pericial resulta inequivocamente (com relevância) o seguinte: As características das Câmaras de videovigilância; - páginas 2 e 3 do relatório do perito e junto aos autos a fls. > As localizações das Câmaras de videovigilância; - páginas 2 e 3 do relatório do perito e junto aos autos a fls. > A Câmara de videovigilância “B” que está na parte frontal ou frente da casa, diz o perito: “… Encontrava-se orientada diretamente para o solo, com um plano de captação que incidia apenas sobre a área da propriedade do requerido (cf. imagens constantes no anexo II, captadas a partir da aplicação de administração DIO Cam+).”; - página 2 do relatório do perito e junto aos autos a fls. > A Câmara de videovigilância “D” que está na parte tardoz ou traseira da casa, diz o perito: “… A câmara encontrava-se dentro de um recipiente de plástico e captava apenas área da varanda do requerido (cf. imagens constantes no anexo II, captadas a partir da aplicação de administração DIO Cam+).”; - página 3 do relatório do perito e junto aos autos a fls.
> Em relação às Câmaras de videovigilância “B” e “D”, diz o perito: “… O signatário verificou que ambas as câmaras (B e D) tinham ativa a função de gravação por movimento, apresentando gravações efetuadas na sequência da deteção de movimento, registadas desde o dia 23/06/2020”; - página 3 do relatório do perito e junto aos autos a fls.
> Em relação às gravações e registos contantes das Câmaras de videovigilância “B” e “D”, diz o perito: “… O requerido disponibilizou ao signatário as credenciais de acesso à aplicação DiO Cam+, que permitiram a análise das gravações …” - página 4 do relatório do perito e junto aos autos a fls. > “Gravações da Câmara “B”” “A câmara apresentava registos ativados por movimentos desde o dia 23.06.2020 …” - página 4 do relatório do perito e junto aos autos a fls. “O plano de captação apresentado nas gravações apresenta uma área que pertence ao requerido … não se identificaram gravações de imagens da propriedade de terceiros ou da via pública.” - página 4 do relatório do perito e junto aos autos a fls.
> “Gravações da Câmara “D”” “A câmara apresentava registos ativados por movimentos desde o dia 23.06.2020 …” - página 4 do relatório do perito e junto aos autos a fls. “O plano de captação apresentado nas gravações apresenta uma área que pertence ao requerido … não se identificaram gravações de imagens da propriedade de terceiros ou da via pública.” - página 4 do relatório do perito e junto aos autos a fls.
> Em relação aos dados armazenados nas Câmaras de videovigilância “B” e “D”, diz o perito: “… O signatário procurou verificar se tina ocorrido eliminação de gravações dos dispositivos. Relativamente à câmara “B” verificou que esta não possuía um dispositivo de armazenamento amovível …. Relativamente à câmara D, foi possível recolher o cartão Micro SD que o dispositivo usa para armazenamento. O signatário utilizou o sistema Recuva, no sentido de identificar potenciais ficheiros eliminados do cartão Micro SD. Desta operação não se identificaram ficheiros vídeo eliminados.” - página 5 do relatório do perito e junto aos autos a fls.
> Em relação à avaliação do perito, diz o próprio (perito): “Exceto em situações pontuais de ajustamento da posição das câmaras pelo requerido, não se identificaram gravações da propriedade de terceiros, nem da via publica;” - página 5 do relatório do perito e junto aos autos a fls.
> “Para além das imagens, as câmaras também captam som …” - página 5 do relatório do perito e junto aos autos a fls.
> “Durante as diligências o signatário demonstrou ser possível a reorientação da câmara “B” através da aplicação móvel Dio CAM+ para captar a propriedade de terceiros e via pública …” - página 5 do relatório do perito e junto aos autos a fls.
VII. Do exposto em III., IV., V., e VI. destas conclusões não resulta qualquer evidência ou prova que “as câmaras de vigilância iam mudando de posição, “rodando”.
VIII. ASSIM, TENDO EM CONTA O EXPOSTO QUANTO AO FACTO 6 DEVERÁ SER ELIMINADO DOS FACTOS PROVADOS, DEVENDO SER ALTERADO POR V.S EXªS PARA NÃO PROVADO.
IX. Tal como, conforme atrás (conclusões e alegações) expôs não resulta prova das características das Câmaras enunciadas no n.º 8 dos factos provados.
X. Do relatório do perito resulta claramente as características das Câmaras de videovigilância constam das páginas 2 e 3 do relatório do perito e junto aos autos a fls. e que são manifestamente diferentes das dadas como provadas pelo tribunal.
XI. O Tribunal não tinha outro meio de prova fidedigno para se socorrer quanto às características das câmaras.
XII. ASSIM, TENDO EM CONTA O EXPOSTO QUANTO AO FACTO 8 (características das câmaras) DEVERÁ SER ALTERADO POR V.S EXªS PARA AS CARACATERISTICAS QUE CONSTAM DO RELATÓRIO DO PERITO, NOMEADAMENTE ELIMINADO DOS FACTOS PROVADOS “… MESMO EM CASO DE PERDA DE LIGAÇÃO WI-FI” E “VISÃO NOTURNA POR INFRA VERMELHOS ATÉ 15M” E OS DEMAIS NÃO VERIFICADOS PELO PERITO.
XIII. Do exposto em III., IV., V., e VI. destas conclusões não resulta qualquer evidência ou prova que “Os Réus foram alterando a posição das referidas câmaras de vigilância”.
XIV. ASSIM, TENDO EM CONTA O EXPOSTO QUANTO AO FACTO 8 (segundo 8) DEVERÁ SER ELIMINADO DOS FACTOS PROVADOS, DEVENDO SER ALTERADO POR V.S EXªS PARA NÃO PROVADO.
XV. Do exposto em III., IV., V., e VI. destas conclusões não resulta qualquer evidência ou prova que “Desde que foram colocadas as referidas câmaras de vigilância e até à presente data os Autores verificaram que as mesmas sempre se encontraram a funcionar, tendo-se maior precessão disso no período da noite.”
XVI. ASSIM, TENDO EM CONTA O EXPOSTO QUANTO AO FACTO 9 DEVERÁ SER ALTERADO POR V.S EXªS PARA O SEGUINTE:
“9 - Desde que foram colocadas as referidas câmaras de vigilância e até à presente data as gravações foram direcionadas sempre e exclusivamente para a propriedade privada dos réus/requeridos e não existiam quaisquer gravações apagadas ou ficheiros eliminados e que ambas as câmaras (B e D) tinham ativa a função de gravação por movimento, assim como exceto em situações pontuais de ajustamento da posição das câmaras pelo requerido, não se identificaram gravações da propriedade de terceiros, nem da via publica.”
XVII. E, do exposto em III., IV., V., e VI. destas conclusões não resulta qualquer evidência ou prova que “Em virtude da colocação das câmaras de vigilância os Autores perderam a paz, a privacidade, liberdade, vendo-se dentro da própria casa limitados em todos os seus atos por desconhecerem o alcance de tal vigilância.”
XVIII. ASSIM, TENDO EM CONTA O EXPOSTO QUANTO AO FACTO 10 DEVERÁ SER ALTERADO POR V.S EXªS PARA O SEGUINTE:
“10 – Em virtude da colocação das câmaras de vigilância e do facto das mesmas estarem sempre e exclusivamente direcionadas para a propriedade privada dos réus e que ambas as câmaras (B e D) tinham apenas ativa a função de gravação por movimento, os Autores não perderam a paz, nem a privacidade, nem a liberdade, não estando limitados nos seus atos.”
XIX. E, do exposto em III., IV., V., e VI. destas conclusões não resulta qualquer evidência ou prova que “Deixaram de abrir as janelas, tendo as persianas sempre corridas”.
XX. ASSIM, TENDO EM CONTA O EXPOSTO QUANTO AO FACTO 11 DEVERÁ SER ELIMINADO DOS FACTOS PROVADOS, DEVENDO SER ALTERADO POR V.S EXªS PARA NÃO PROVADO.
XXI. E, do exposto em III., IV., V., e VI. destas conclusões não resulta qualquer evidência ou prova que “Deixaram de ter conversas importantes dentro de casa e deixaram de utilizar o logradouro”.
XXII. ASSIM, TENDO EM CONTA O EXPOSTO QUANTO AO FACTO 12 DEVERÁ SER ELIMINADO DOS FACTOS PROVADOS, DEVENDO SER ALTERADO POR V.S EXªS PARA NÃO PROVADO.
XXIII. E, do exposto em III., IV., V., e VI. destas conclusões não resulta qualquer evidência ou prova que “Nomeadamente a filha dos Autores que costumava andar aí de bicicleta e brincar, recusasse a permanecer no exterior do imóvel.”.
XXIV. ASSIM, TENDO EM CONTA O EXPOSTO QUANTO AO FACTO 13 DEVERÁ SER ELIMINADO DOS FACTOS PROVADOS, DEVENDO SER ALTERADO POR V.S EXªS PARA NÃO PROVADO.
XXV. A verdade é que não existe qualquer prova produzida nos autos que permita concluir pelos factos dados como provados e que aqui se recorreram.
XXVI. Pelo exposto, importa corrigir os factos constantes da matéria provada e nesta peça já mencionados e que constam dos antecedentes pontos como recorridos e a matéria de facto deverá ser fixada nos termos expressamente referidos no presente item.
DO RECURSO QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO
- DA ILEGITIMIDADE DO RÉU E… –
XXVII. Ora, dos factos provados resulta que o prédio – imóvel - é exclusivamente propriedade da ré mulher e que as câmaras estão colocadas no prédio.
XXVIII. Assim, o réu E… não sendo proprietário, nem titular do prédio, os pedidos dos autores (apesar de infundados) jamais poderiam ser contra o réu E… que nunca poderia ser condenado a retirar e a entregar ou modificar sobre um prédio que que não lhe pertence.
XXIX. Podendo, inclusive, ser uma decisão inexequível para o referido réu por falta de legitimidade e de poder “legal” para o que quer que fosse, nomeadamente para retirar ou modificar as câmaras de vigilância.
XXX. Não se tratando de nenhuma situação de litisconsórcio (nem necessário, nem voluntário), podendo ser enquadrada enquanto coligação de réus, contudo sem qualquer enquadramento legal para a existência de uma efetiva coligação processual.
XXXI. Significando tudo isto que o réu E… não é parte da relação material controvertida, nos aludidos pedidos e causa de pedir
XXXII. Do exposto, resulta, que o réu E… não é parte legítima nos presentes autos.
XXXIII. Exceção de ilegitimidade do réu E… que expressamente se invoca e aqui se recorre – artigos 576.º e 577.º do Código de Processo Civil, com custas a cargo dos autores.
- DAS CÂMARAS DE VIDEOVIGILÂNCIA –
XXXIV. Do relatório pericial resulta inequivocamente (com relevância) o seguinte: > A Câmara de videovigilância “B” que está na parte frontal ou frente da casa, diz o perito: “… Encontrava-se orientada diretamente para o solo, com um plano de captação que incidia apenas sobre a área da propriedade do requerido (cf. imagens constantes no anexo II, captadas a partir da aplicação de administração DIO Cam+).”; - página 2 do relatório do perito e junto aos autos a fls. > A Câmara de videovigilância “D” que está na parte tardoz ou traseira da casa, diz o perito: “… A câmara encontrava-se dentro de um recipiente de plástico e captava apenas área da varanda do requerido (cf. imagens constantes no anexo II, captadas a partir da aplicação de administração DIO Cam+).”; - página 3 do relatório do perito e junto aos autos a fls. > Em relação às Câmaras de videovigilância “B” e “D”, diz o perito: “… O signatário verificou que ambas as câmaras (B e D) tinham ativa a função de gravação por movimento, apresentando gravações efetuadas na sequência da deteção de movimento, registadas desde o dia 23/06/2020”; - página 3 do relatório do perito e junto aos autos a fls.
> Em relação às gravações e registos contantes das Câmaras de videovigilância “B”
e “D”, diz o perito: “… O requerido disponibilizou ao signatário as credenciais de acesso à aplicação DiO Cam+, que permitiram a análise das gravações …” - página 4 do relatório do perito e junto aos autos a fls. > “Gravações da Câmara “B””
“A câmara apresentava registos ativados por movimentos desde o dia 23.06.2020 …” - página 4 do relatório do perito e junto aos autos a fls. “O plano de captação apresentado nas gravações apresenta uma área que pertence ao requerido … não se identificaram gravações de imagens da propriedade de terceiros ou da via pública.” - página 4 do relatório do perito e junto aos autos a fls.
> “Gravações da Câmara “D””
“A câmara apresentava registos ativados por movimentos desde o dia 23.06.2020 …” - página 4 do relatório do perito e junto aos autos a fls. “O plano de captação apresentado nas gravações apresenta uma área que pertence ao requerido … não se identificaram gravações de imagens da propriedade de terceiros ou da via pública.” - página 4 do relatório do perito e junto aos autos a fls. > Em relação aos dados armazenados nas Câmaras de videovigilância “B” e “D”, diz o perito: “… O signatário procurou verificar se tina ocorrido eliminação de gravações dos dispositivos. Relativamente à câmara “B” verificou que esta não possuía um dispositivo de armazenamento amovível …. Relativamente à câmara D, foi possível recolher o cartão Micro SD que o dispositivo usa para armazenamento. O signatário utilizou o sistema Recuva, no sentido de identificar potenciais ficheiros eliminados do cartão Micro SD. Desta operação não se identificaram ficheiros vídeo eliminados.” - página 5 do relatório do perito e junto aos autos a fls. > Em relação à avaliação do perito, diz o próprio (perito): “Exceto em situações pontuais de ajustamento da posição das câmaras pelo requerido, não se identificaram gravações da propriedade de terceiros, nem da via publica;” - página 5 do relatório do perito e junto aos autos a fls. > “Para além das imagens, as câmaras também captam som …” - página 5 do relatório do perito e junto aos autos a fls. > “Durante as diligências o signatário demonstrou ser possível a reorientação da câmara “B” através da aplicação móvel Dio CAM+ para captar a propriedade de terceiros e via pública …” - página 5 do relatório do perito e junto aos autos a fls.
XXXV. Assim, inequivocamente o relatório do perito demonstra que os recorrentes (réus) têm no prédio (imóvel/habitação), câmaras de videovigilância com as quais; i. sempre fizeram gravações que foram direcionadas (sempre e exclusivamente) para a propriedade privada dos recorrentes (réus/requeridos), ii. e que não existiam quaisquer gravações apagadas ou ficheiros eliminados (o que demonstra que não existiram gravações ilícitas), iii. e que ambas as câmaras (B e D) tinham ativa a função de gravação por movimento (e não por som), iv. e, exceto em situações pontuais de ajustamento da posição das câmaras pelo requerido, não se identificaram gravações da propriedade de terceiros, nem da via publica.
XXXVI. Assim, os réus, aqui recorrentes, com as suas câmaras de videovigilância sempre cumpriram e cumprem a legislação respetiva, ou seja, não abrangem qualquer zona pública ou de terceiros [»»»»»» têm as câmaras direcionadas apenas para a sua propriedade privada e não se identificaram gravações da propriedade de terceiros, nem da via publica], não têm som ativo [»»»»» têm as câmaras ativadas apenas ao movimento e não ao som e não se identificaram gravações ativas ao som].
XXXVII. Aliás, é o perito que refere: “Durante as diligências o signatário demonstrou ser possível a reorientação da câmara “B” através da aplicação móvel Dio CAM+ para captar a propriedade de terceiros e via pública”, ou seja, foi o perito que demonstrou tal possibilidade, como uma potencialidade das câmaras, mas o que é bem diferente de uma utilização – uma ação ilícita praticada pelos recorrentes, enquanto facto voluntário e ilícito - por parte dos réus, aqui recorrentes, pois inexiste qualquer ação ou ato praticado pelos réus/recorrentes a captar som ou o mesmo (sequer) estar ativo (estava e sempre esteve ativo ao movimento) e/ou a captar propriedade de terceiros ou via pública, o que tal não sucedeu (sempre esteve centrada na captação de imagens dos espaços privados dos réus), como resultou da perícia.
XXXVIII. O que, inequivocamente, é demonstrativo da utilização lícita que os réus fazem das câmaras de vídeo vigilância.
XXXIX. E que, nenhuma ação ilícita foi praticada pelos recorrentes, enquanto facto voluntário e ilícito.
XL. Na verdade, apenas o que pode ser dito, é que existe uma regra que não foi respeitada (embora legitimamente desrespeitada porque se esteve à espera do desfecho dos autos e tinham oferecido e pretendiam oferecer como prova todos os registos), que foi o facto de não destruir as gravações nas 48 horas seguintes aos 30 dias.
XLI. Mais se dirá – ainda bem que assim foi, pois se estivessem “apagadas”, destruídas ou eliminadas (as gravações), além de não se poder verificar a licitude da utilização das câmaras – que não existe uma ação ilícita praticada pelos recorrentes, enquanto facto voluntário e ilícito -, ainda iria acrescer a insinuação (como incessantemente é feita pelos autores na sua peça processual) que as gravações apagadas ou ficheiros eliminados eram onde estavam as gravações proibidas, nomeadamente da propriedade de terceiros e os sons captados a terceiros (e ao ver a sentença (decisão) de que se recorre com risco de o tribunal acreditar em tal na proteção – injustificada – dos direitos de personalidade dos autores).
XLII. Como não foram “apagadas”, destruídas ou eliminadas (as gravações) (ainda que em desrespeito pelos 30 dias) permitiu o técnico verificar que todas as gravações feitas [mesmo as dos dias que os réus nem sabiam (e ignoravam as pretensões dos autores) que poderia vir a existir um processo judicial] foram efetuadas sem nenhuma ação ilícita praticada pelos recorrentes, enquanto facto voluntário e ilícito – não existe uma ação ilícita praticada pelos recorrentes, enquanto facto voluntário e ilícito -.
XLIII. E, mesmo as gravações existentes para além dos 30 dias (que podendo não estar a cumprir a legislação respetiva) não constituem, em si mesmo, qualquer violação ou ofensa aos direitos de personalidade dos autores, já que, nem os autores, nem a propriedade dos autores, nem a via pública, foi objeto de qualquer gravação de imagem ou som. – Ver relatório.
XLIV. A procedência da ação é injustificável (sem justificação jurídica ou legal), pois o tribunal não condena os réus, aqui recorrentes, sequer nos pedidos formulados pelos autores – diga-se que nenhum dos pedidos formulados pelos autores foi “acatado” na decisão.
XLV. A decisão do tribunal apenas deu procedência (embora sem enquadramento legal e sem razão, desde logo porque nem sequer deu procedência aos pedidos dos autores) ao pedido em c) “no pagamento das custas …” e na demais decisão do tribunal “a quo” a mesma, como se disse, é injustificável (sem justificação jurídica ou legal), pois o tribunal profere uma condenação dos réus sem que estes efetivamente e em concreto tenham praticado qualquer ação ilícita, enquanto facto voluntário (ação) e ilícito (em desrespeito pela legalidade) e que tivessem efetuado, pelos seus atos, qualquer violação ou ofensa aos direitos de personalidade dos autores, já que, nem os autores, nem a propriedade dos autores, nem a via pública, foi objeto de qualquer gravação de imagem ou som, logo os seus direitos de personalidade não foram “atingidos”.
XLVI. Mesmo o recurso a estas medidas providências preventivas e atenuantes depende do preenchimento de certos pressupostos, como a ocorrência de um facto ilícito e uma adequação entre a providência requerida e a lesão a evitar ou suster.
XLVII. Ainda a este propósito segundo CAPELO DE SOUSA, para que se possam requerer as providências preventivas, não basta a ameaça da personalidade física ou moral. É ainda de exigir, apesar de a lei não o dizer, «que seja significativo o mal cominado e ponderável o receio, o medo ou a perturbação pela sua cominação.» Caso contrário, o recurso a tal providência poderá ser considerado abusivo (artigo 334.º do Cód. Civil).
XLVIII. No caso concreto, o dos autos, as câmaras de vigilância instaladas, como já referido, além de estarem licitamente instaladas, apenas servem de proteção e segurança ao prédio, propriedade (fração autónoma designada pela letra “B”) da ré D… e às pessoas e animais que nele (prédio fração autónoma designada pela letra “B” da ré D…) ali habitam e ali circulam.
XLIX. E, não falamos ou tratamos de uma “anormalidade” que interfere na vida (personalidade) dos outros, pois como é do conhecimento publico é normalizado o uso e a utilização de câmaras de vigilância, que são de uso corrente e normal na proteção da propriedade e a sua utilização nada tem de ilegal, o que no caso concreto foi verificado pelo relatório do perito, pois nunca estão e nunca estiveram ou gravaram espaços de terceiros ou a via pública e nunca estiveram ativas ao som, mas apenas ao movimento.
L. Os réus, aqui recorrentes, respeitam na íntegra as suas obrigações no exercício do seu direito à utilização da videovigilância, nomeadamente:
> Apenas estão direcionadas e a captar imagens de partes do prédio de exclusivo uso dos réus e nenhuma parte de uso dos autores (não abrange via publica, nem propriedades vizinhas).
> As Câmaras estão ativas ao movimento e não ao som.
LI. Como resulta claramente do n.º 4, o que é proibido é a captação do som, não que as câmaras sejam desprovidas dessa potencialidade, até porque os aparelhos são fabricados ou produzidos em série e com as suas características incorporadas que depois, podem ou não ser utilizadas.
LII. As câmaras a utilizar pouco (ou nada) releva se potencialmente são ou não sofisticadas, se rodam (em características) ou se não rodam …, o que releva é o que delas se está a obter e como se está a utilizar (A AÇÃO – O ATO PRATICADO).
LIII. De natural e comum conhecimento, as reproduções e gravações fazem-se de telemóveis (se nisso houver intenção), pois os telemóveis – sabemos todos – são em potencialidade muito mais capazes de filmar, reproduzir, fotografar, gravar som e imagem e tudo mais do que as câmaras de videovigilância. E eles existem, os autores e os réus têm (certamente), como todos os nós os temos. E são uma ameaça aos direitos de outrem (incluindo os direitos de personalidade)? Potencialmente são.
LIV. Podemos proibir uma pessoa de usar um telemóvel sofisticado e com muitas potencialidades (que até grava no bolso) se a pessoa que o possui, em concreto, não o utiliza indevidamente (de forma ou em ato ilícito)? Não, parece que não.
LV. Qual é o sentido da diferença - quando tratamos da análise da eventual ofensa aos direitos de personalidade de outrem -, por exemplo, das Câmaras de videovigilância potencialmente (por mecanismo tecnológico ou mecânico) poderem rodar e uma câmara estática também, por meio humano poder, em qualquer momento, ser igualmente virada (pelos braços ou mãos humanas).
LVI. Tanto roda a câmara que o dispositivo tecnológico ou mecânico a roda como a que está “plantada” num vaso fixa e se os braços ou mãos humanas roda o vaso.
LVII. Sem esquecer e disso nada se pode fazer, pois faz parte das nossas formas de viver e do que cada um tem no seu conceito de vida, que os autores e réus vivem em andares moradias, pelo que se os autores estiverem no exterior da sua habitação (exemplo pátio) e os réus estiverem no exterior da sua habitação (exemplo varandas), ambos se visualizam na forma e no modo em que outro(s) estiver e ambos se ouvem na forma e com o conteúdo que o outro(s) proferir.
LVIII. Os réus na utilização lícita e dentro dos parâmetros que fazem da vigilância não ofendem (como resulta inequivocamente da análise às gravações que efetivamente fizeram) quaisquer direitos de personalidade de outrem, incluindo o dos autores.
LIX. Em bom rigor, nestes autos resulta que, das gravações das câmaras de videovigilância dos réus não existe qualquer registo ou gravação de som ou imagem dos autores, nem da propriedade deste, nem da via publica, mas já resulta dos mesmos autos, dezenas de fotografias que os autores tiraram à propriedade e bens dos réus, mormente da ré.
LX. Ou seja, em bom rigor, do que resulta dos autos (gravações das câmaras de videovigilância dos réus v fotografias que os autores tiraram), existe mais invasão dos autores na vida e propriedade dos réus (mormente ré) do que dos réus na dos autores.
LXI. E, aqui chegados não se percebe como possa resultar nos atos dos réus qualquer aproximação ou ensaio sobre a violação ou ofensa aos direitos de personalidade dos autores.
LXII. Resta pensar se não sendo os autores ofendidos nos seus direitos de personalidade existe uma ameaça ou receio de tal suceder.
LXIII. Alias, os autos que são inequívocos quanto à não utilização concreta de forma ilícita das câmaras de videovigilância, também mostram que os autores fotografam de forma amiúde a “vida” dos réus.
LXIV. O que leva a supor, que a existir qualquer ameaça de captação de imagens e voz, ela existe em relação aos autores poderem captar dos réus e, nessa medida, é mais séria a ameaça ou o receio de os autores captarem imagens e voz dos réus do que o contrário.
LXV. Resulta da quantidade de fotografias juntas aos autos tiradas pelos autores o justo receio (e diria o natural pensamento e pressuposição) por parte dos réus que existam muitas mais, incluindo das suas (réus) pessoas e até gravações efetuados por telemóveis.
LXVI. Não esqueçamos (o tribunal pode verificar isso nos autos) que as fotografias em número avultado e depois de selecionadas surgiam nos autos em qualquer momento e a todo momento (requerimento inicial como documentos, no dia da visita do perito e da deslocação do tribunal como cartão de visita, no dia da audiência de julgamento como complemento ….).
LXVII. Assim, a supor ameaça ou receio de utilização de máquinas ou mecanismos (máquinas fotográficas, telemóveis, câmaras de vídeo) para devassar a vida de outrem, ela só pode ser considerada no sentido dos réus – aqui recorrentes - terem o receio das suas vidas e os seus direitos de personalidade poderem ser ofendidos pelos autores (e não o contrário). –
DA DECISÃO –
LXVIII. A decisão é incompreensível!!!!
LXIX. Desde logo, é incompreensível porque pelo que atrás foi exposto nenhuma condenação poderia incidir sobre os réus.
LXX. É incompreensível porque os réus pautaram a sua atuação dentro dos parâmetros exigidos pela legislação aplicável ao caso concreto - A Lei n.º 58/2019 de 08 de Agosto.
LXXI. É incompreensível porque a prova (única verdadeiramente existente é o relatório do perito) demonstrou o que os réus exatamente alegaram na sua contestação e não demonstrou o que os autores alegaram no seu requerimento ou petição inicial – ver petição inicial e contestação e relatório.
LXXII. É incompreensível porque julga procedente o que não estava sequer pedido pelos autores e não julga improcedente (apesar de não dar acolhimento) o que foi pedido pelos autores.
LXXIII. É incompreensível porque apesar de não dar procedência (não dar acolhimento) aos pedidos dos autores (a qualquer deles) e não ter sido demonstrado, nem sequer resulta da matéria dada como provada, qualquer violação concreta dos direitos de personalidade dos autores (nem tal é dito ou resulta da sentença), mesmo assim condena os réus nas custas (e na sua totalidade).
LXXIV. É incompreensível porque apenas fixa (em termos condenatórios) as obrigações dos réus fazerem o que sempre fizeram e já fazem e na forma que fazem e fizeram, que é o que a lei (atualmente) diz.
LXXV. É incompreensível porque na prática apesar dos termos condenatórios, os réus entendem que sempre o fizeram dessa forma e nada acrescenta, medida em que não podem ser condenados.
MAIS
LXXVI. A decisão é pesada porque tem o peso de uma decisão condenatória por representar uma condenação judicial (além das custas) que irá permitir as interpretações que cada uma das partes quiser dar.
LXXVII. Mas, ao mesmo tempo, decisão é inócua e vazia, o que se traduz em mais uma razão para os réus não poderem ser condenados, nem numa procedência (de pedidos que não foram acolhidos e por isso foram improcedentes), nem em custas.
LXXVIII. Ora, a decisão refere “se concede o prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença, por forma que as mesmas obedeçam às regras legais em vigor” - O que é?
Mas não estão? Condena no quê? Existe algum requisito ou limitação na lei quanto ao tipo ou características dos mecanismos? A lei ou as regras em vigor é quanto ao modo de uso e forma de utilização ou quanto à capacidade do mecanismo? Viola ou ameaça os direitos de personalidade a existência ou a posse de aparelhos que em potencialidade possam fazer mais do que os limites da lei em determinadas circunstâncias? E os telemóveis dos autores e dos réus também é para obedecer às regras legais em vigor e que medida?
LXXIX. E, a decisão refere “as câmaras não podem proceder à captação de imagens da via pública, das propriedades vizinhas, designadamente da habitação dos Autores e dos locais que não sejam do domínio exclusivo dos Réus” - O que é? Mas não é o que sempre fizeram? Condena no quê se não existiu esta violação? Existe algum requisito ou limitação na lei quanto ao tipo ou características dos mecanismos que por si só sejam adquiridos para mecanicamente não focarem via pública e propriedades vizinhas? A lei ou as regras em vigor é quanto ao modo de uso e forma de utilização ou quanto à capacidade ou potencialidade do mecanismo? Viola ou ameaça os direitos de personalidade a existência ou a posse de aparelhos que em potencialidade o possam fazer mais do que os limites da lei em determinadas circunstâncias?
LXXX. E, a decisão refere “as câmaras não podem proceder à captação de som” - O que é? Mas não é o que sempre fizeram? Condena no quê se não existiu esta violação? Existe algum requisito ou limitação na lei quanto ao tipo ou características dos mecanismos que por si só sejam adquiridos para mecanicamente não captarem som? A lei ou as regras em vigor é quanto ao modo de uso e forma de utilização? Viola ou ameaça os direitos de personalidade a existência ou a posse de aparelhos que em potencialidade o possam fazer mais do que os limites da lei em determinadas circunstâncias?
LXXXI. E, a decisão refere “Os Réus só podem conservar, em registo codificado, as imagens captadas até 30 dias após a sua captação e terminado o prazo de 30 dias, as imagens têm de ser destruídas nas 48 horas seguintes” - O que é? Se não existirem imagens ou gravações da via pública ou de propriedade vizinhas ou de som, mesmo assim (a manutenção por mais de 30 dias) viola ou ameaça violar algum direito de personalidade ou é meramente contraordenacional? E, se a lei mudar e passar para 15 dias ou para 45 dias os réus regem-se por uma condenação judicial?
LXXXII. E, a decisão refere “Custas pelos Réus” – Porquê se os pedidos dos autores não foram procedentes? Porquê se o que os réus disseram em sede de oposição foi exatamente igual ao demonstrado? Porquê se o que o tribunal condena é igual ao que os réus sempre fizeram e nenhuma violação dos direitos dos autores foi demonstrada ou consta da sentença como violados ou ofendidos?
LXXXIII. Se atentarmos bem na lei, na doutrina e nossa jurisprudência o interesse, a punição, a condenação e aplicação dos tribunais (quer no âmbito da violação, quer no âmbito da ameaça de violação) existe nas e para as situações que em concreto se verifica um enquadramento fáctico do exercício do direito (da videovigilância) contra o direito (de personalidade) de outrem de não ser vigiado ou “captado” e tal é real, concreto e factualmente existente, isto é quando a videovigilância está a ocorrer sobre um espaço público ou privado de outrem ou privado do próprio mas de utilização por terceiros (trabalhadores, clientes, fornecedores …. que entram naquele espaço), o que não é claramente nenhuma das situações dos autos, onde e apenas a videovigilância ocorre (como demonstrado) no espaço própria o privado dos réus.
LXXXIV. Do exposto deverá a decisão da primeira instância ser revogada e substituída por outra em que os réus, aqui recorrentes, terão ou deverão ser absolvidos, os pedidos dos autores deverão ser julgados improcedentes e as custas, quer em primeira instância e quer na segunda instância deverão ser a cargo dos autores, aqui recorridos.
LXXXV. Andou mal a Meritíssima Juiz “a quo” ao julgar da forma como julgou os presentes autos, tendo feito uma errada interpretação e aplicação dos artigos 30.º, 576º, 577º, 878.º, 879.º e 880.º do Código de Processo Civil, dos artigos 70.º, 80.º e 334.º do Código Civil e do artigo 19.º da Lei 58/2019 de 08 de Agosto.».
Termina pedindo a revogada a decisão recorrida e substituída por outra no sentido dos réus, aqui recorrentes, serem absolvidos e os pedidos dos autores serem julgados improcedentes e as custas, quer em primeira instância e quer na segunda instância serem a cargo dos autores, aqui recorridos.
*
Os recorridos contra-alegaram pugnando pela manutenção do decidido.
*
As questões a decidir são:
. alteração da matéria de facto nomeadamente em relação à prova de diminuição dos direitos de personalidade dos Autores (direito a imagem e privacidade) por força da captação de imagem e som de câmaras de vigilância colocadas pelos Réus;
. aferir se os Réus violaram ou ameaçam violar de algum aqueles direitos dos Réus com a instalação e uso das câmaras de vigilância.
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2). Fundamentação.
2.1). De facto.
Resultaram provados os seguintes factos:
«1 - Os Autores são proprietários de uma fração autónoma, designada pela letra “A”, correspondente a uma habitação do tipo “T– dois”, no R/Ch, com entrada pelo número …, fazendo parte da fração uma garagem, uns arrumos e uma lavandaria, ao nível do R/Chão com entrada pelo número …, um jardim exterior a trás do prédio e um pátio de entrada de acesso à garagem e à habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, …, Maia, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial da Maia sob o número mil cento e sessenta e seis – de …, e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 1.638.
2 - A Ré por sua vez é proprietária de uma habitação, do tipo “T – dois”, no 1º andar, com entrada pelos números …, uma garagem ao nível da cave e pátio exterior, com entrada pelo número …, um jardim exterior ao nível do Rés do Chão, rampa de acesso à garagem na cave e pátio exterior da entrada da habitação, onde reside em união de facto com o Réu E….
3 – Os Autores e Réus são vizinhos há cerca de 17 anos, no mesmo prédio, composto por duas habitações, comummente designadas por “andar moradia” residindo os 1ºs no R/Chão e os segundos no 1º Andar.
4 - Durante muitos anos Autores e Réus conviveram pacificamente, podendo-se dizer, até, que tinham bom relacionamento,
5 - A 19 de junho de 2020 os Autores verificaram que os Réus haviam procedido à colocação de, pelo menos, duas câmaras de vigilância no exterior do imóvel.
6 - Verificaram os Autores que as referidas câmaras de vigilância iam mudando de posição, “rodando”.
7 - Trata-se de câmaras sofisticadas, de vigilância à distância a partir de casa, tanto de dia como de noite com visão noturna até 10m, com infravermelhos, visualização em direto e das gravações à distância a partir do smartphone ou tablet, com alta resolução (1280x720) e amplo ângulo de visão de 110º, etc..
8 - Tendo os Autores detetado dois tipos de câmaras:
• Câmara rotativa Wi-Fi interior e exterior - 1280x1080 Câmara de vigilância que assegura a gravação de todos os movimentos detetados, mesmo em caso de perda da ligação Wi-Fi.
- Memória interna de 16 GB
- Visão noturna por infravermelhos: até 15 m
- Câmara grande angular graças à objetiva motorizada
- Ângulo de visão até 350° na horizontal e 85° na vertical
- Sensor de movimento e de som ajustável em 3 níveis
- Resistência às intempéries
- Gravação manual ou automática em caso de deteção de movimento ou ruído
- Visualização das gravações à distância a partir do seu smartphone
- Proteção da vida privada: coloque a câmara em espera manualmente ou crie os seus horários para desfrutar do exterior com toda a tranquilidade
- Instalação fácil em poucos minutos
- Conteúdo: 1 câmara exterior rotativa DIOCAM-RE01 + Acessórios de fixação + Adaptador CC CARACTERISTICAS
Cor - Branco Capacidade de gravação (GB) - máx. 16 GB Índice de proteção - IP65 Microfone Utilização - Interior ou Exterior Função Listen&Talk Compatível com iOS 8.0 e superior Gravação em caso de deteção de movimento
Compatível com Android 4.1 e superior Ângulo de rotação vertical –85º Controlo por smartphone Ângulo de rotação horizontal - 350°
Aplicação para dispositivos móveis Função Vida privada
DiO Cam+ Câmara interior e exterior
Sensor de movimento
Visão noturna - 15 m
Suporte de gravação - Memória interna
• Câmaras Wi-Fi HD interior com deteção sonora – 1280x720p
Visualização à distância, tanto de dia como de noite (visão noturna por infravermelhos até 10 m)
• Design moderno e haste flexível para uma instalação facilitada em qualquer lugar
• Sensor de movimento e de som para ser avisado se o seu filho está a chorar ou de qualquer atividade suspeita
• Função microfone e intercomunicador (falar e ouvir)
• Canções de embalar pré-programadas
• Sonda de temperatura e humidade
• Gravação contínua ou em caso de deteção de movimento ou de som em cartão micro-SD (não incluído - - Máx. 128GB) e visualização das gravações a partir de qualquer lugar
Conteúdo: 1 câmara interior DIOCAM-FI01 + Acessórios de fixação na parede + Sensor de temperatura e humidade + Adaptador CC
8 - Os Réus foram alterando a posição das referidas câmaras de vigilância.
9 - Desde que foram colocadas as referidas câmaras de vigilância e até à presente data os Autores verificaram que as mesmas sempre se encontraram a funcionar, tendo-se maior precessão disso no período da noite.
10 – Em virtude da colocação das câmaras de vigilância os Autores perderam a paz, a privacidade, liberdade, vendo-se dentro da própria casa limitados em todos os seus atos por desconhecerem o alcance de tal vigilância.
11 - Deixaram de abrir as janelas, tendo as persianas sempre corridas.
12 - Deixaram de ter conversas importantes dentro de casa e deixaram de utilizar o logradouro.
13 - Nomeadamente a filha dos Autores que costumava andar aí de bicicleta e brincar, recusasse a permanecer no exterior do imóvel.»
E resultaram não provados:
«Não se provaram os factos alegados pelas partes nos respetivos articulados, sendo certo que alguns dos factos alegados, designadamente quanto aos conflitos das partes relativos às obras efectuadas e queixas apresentadas quanto às mesmas são irrelevantes para a decisão da presente causa.».
*
2.2). Do mérito do recurso.
A). Impugnação da matéria de facto.
Os recorrentes pretendem que sejam alterados os factos provados 6, 8 a 13.
Vejamos então, uma vez que foram preenchidos os requisitos legalmente necessários para poder ser apreciada tal impugnação.
O facto provado 6 tem a seguinte redação:
Verificaram os Autores que as referidas câmaras de vigilância iam mudando de posição, rodando.
Pensamos que o que aqui se menciona é que as câmaras iam tendo uma posição diferente mas no mesmo local, e não que tenham sido objeto de uma atuação exterior de mudança de posição e local (essa está referida no segundo facto oito).
Por ambos os factos estarem impugnados e estarem relacionados - movimento e mudança de posição das câmaras -, serão apreciados em conjunto.
Como se menciona na sentença, estão em causa duas reais câmaras que captam imagens que são as que são denominadas pelas letras «B» e «D», do relatório pericial junto em 24/09/2020.
Ora, como se menciona nesse relatório, a folhas 2 e 3, a câmara designada pela letra «D» - colocada na fachada traseira (tardoz) é fixa (não roda) pelo que por si não podia ir rodando e até pensamos que a alegação dos Autores se reporta à câmara designada pela letra «B» conforme sequência fotográfica junta com o artigo 20.º, do requerimento inicial.
E, por esse conjunto de fotografias, resulta que efetivamente a câmara em causa muda de orientação pelo que, se uma fotografia não mexe como dizem os recorrentes, uma sequência de fotografias, mais ou menos distanciadas no tempo, demonstram a mudança de orientação.
Assim, somente há que restringir o teor do facto provado 6 no sentido (tal como alegado) de que Os Autores aperceberam-se que a câmara designada pela letra «B» no relatório pericial surgia em momentos diferentes com orientação diversa.
*
Segundo facto 8 (que denominaremos de 8-A):
Os Réus foram alterando a posição das referidas câmaras de vigilância.
Também aqui há prova de que as câmaras designadas pelas letras «B» e «D» foram mudando de posição como consta do anexo VII do relatório pericial, onde se visiona uma mão a mexer na câmara designada pela letra «B» - primeira fotografia junta no artigo 27.º, da petição inicial -.
Assim, sabendo-se que só há duas câmaras de vigilância e sendo ambas mudadas de posição e não havendo qualquer outra possibilidade de tal ter sucedido por parte dos Réus ou alguém a seu mando/pedido, o facto mantém-se tal como consta, improcedendo este argumento.
*
Primeiro facto 8 (características das câmaras).
Os recorrentes questionam este facto por reproduzir o que foi alegado e não por elencar as características que são mencionadas pelo perito no competente relatório.
Pensamos que têm razão pois tendo o equipamento sido analisado por um perito, que revelou efetivamente conhecimentos específicos da matéria, pensamos que o que deve resultar provado é o que o mesmo perito descreve e não o que resulta de publicidade do produto, apesar de no essencial, as diferenças não serem relevantes.
Assim, o facto 8 em causa passa a ter a seguinte redação:
. Existem duas câmaras colocadas na habitação dos requeridos, com as seguintes características:
. colocada na fachada frontal (letra «B» no relatório pericial):
. marca Dio+, modelo RE01, para utilização no interior e exterior;
. equipada com motor que permite rodar a orientação da câmara em ângulos de 350º no eixo horizontal e 85º no eixo vertical;
. permite captação de vídeo e som;
. tecnologia IP, sem fios, com transmissão de vídeo através de rede Wi-Fi;
. permite gravação automática com deteção de movimento ou de som;
. administração da câmara (por exemplo, consulta de gravações, activação de deteção de movimento/som, alteração do ângulo de captação) através de aplicação em dispositivo móvel;
. memória interna de 16GB.
Colocada na fachada traseira (letra «D» do relatório pericial):
. marca DIO+, modelo FI01, para utilização no interior;
. fixa;
. permite captação de vídeo e som;
. tecnologia IP, sem fios, com transmissão de vídeo através de rede Wi-Fi;
. permite gravação automática com deteção de movimento ou de som;
. administração da câmara (por exemplo, consulta de gravações, activação de deteção de movimento/som, alteração do ângulo de captação) através de aplicação em dispositivo móvel;
. armazenamento em cartão de memória SD.
*
Quanto aos factos 9 a 13, os mesmos traduzem por um lado, o desconhecimento do alcance da captura de imagens pelos quatro aparelhos que os Réus colocaram e, por outro lado, atuações que supostamente tiveram por causa desse desconhecimento e da existência os aparelhos.
Os factos são:
9 - Desde que foram colocadas as referidas câmaras de vigilância e até à presente data os Autores verificaram que as mesmas sempre se encontraram a funcionar, tendo-se maior precessão disso no período da noite.
10 – Em virtude da colocação das câmaras de vigilância os Autores perderam a paz, a privacidade, liberdade, vendo-se dentro da própria casa limitados em todos os seus atos por desconhecerem o alcance de tal vigilância.
11 - Deixaram de abrir as janelas, tendo as persianas sempre corridas.
12 - Deixaram de ter conversas importantes dentro de casa e deixaram de utilizar o logradouro.
13 - Nomeadamente a filha dos Autores que costumava andar aí de bicicleta e brincar, recusasse a permanecer no exterior do imóvel.
Pensamos que o conhecimento da real abrangência da atuação dos Réus por parte dos Autores (e do tribunal) só ocorre com a realização do julgamento, nomeadamente com a inspeção ao local (com auto de 10/09/2020, onde se menciona que só nesse momento os Autores se apercebem de uma câmara ser fictícia) e com a junção do relatório pericial.
Assim, com supostas quatro câmaras colocadas ao pé da sua habitação, viradas para a mesma, desconhecendo-se o que estariam efetivamente a captar (com a perceção de que funcionavam por verem luz, algo que a Autora referiu no seu depoimento), é seguro poder concluir que uma pessoa ou um agregado familiar sinta insegurança pela sua intimidade e receio que a mesma esteja a ser violada.
Porém, os atos concretos em que se consubstancia esse receio e insegurança não tiveram prova nos autos. Em termos de prova subjetiva, apenas se teve o depoimento de parte da requerente mulher, depoimento esse que se manifestou totalmente exaltado, mencionando que deixaram de ter uma vida normal desde a colocação dos aparelhos.
Mas não houve menção a que vivessem sempre com as janelas corridas ou que a filha deixasse de brincar no exterior da casa ou o tipo de conversas que deixavam de ter.
E essa prova teria de resultar de depoimentos o que, no caso, não sucedeu.
O depoimento da Autora mulher permite perceber o estado de perturbação que a situação pode estar a causar mas, ainda assim, com alguma cautela pois, como se percebe desse depoimento, há outros problemas que vão igualmente perturbando as partes, nomeadamente os Autores (queixas a entidades municipais e policiais, obras realizadas sem consentimento, …).
Pensamos assim que há prova que a colocação dos quatro aparelhos pelos Réus, e seu aparente e possível funcionamento, causou desconforto[1] aos Autores por recearem que os seus atos, praticados no exterior e interior da sua habitação, pudessem ser visionados por aqueles.
No mais, não há prova dos factos em causa pelo que resulta provado o facto 9 com o seguinte teor:
A colocação dos quatro aparelhos, pelos Réus, e seu aparente e possível funcionamento, causou desconforto aos Autores por recearem que os seus atos, praticados no exterior e interior da sua habitação, pudessem ser visionados por aqueles.
E resulta não provado:
1). Os Autores, por causa da colocação dos aparelhos referidos em 9), dos factos provados, tenham deixado de abrir as janelas, tendo as persianas sempre corridas, deixado de ter conversas importantes dentro de casa e deixaram de utilizar o logradouro.
2). A filha dos Autores, por causa da referida colocação, se recuse a permanecer no exterior do imóvel.
*
Factos não provados.
Os recorrentes expressamente não se referem a estes factos; porém, se atentarmos no teor que apresentam para o facto provado 9 e a motivação para essa alteração, pensamos que é claro que questionam o elenco de factos não provados.
Na verdade, os recorrentes pedem que o facto 9) tenha a seguinte redação:
Desde que foram colocadas as referidas câmaras de vigilância e até à presente data as gravações foram direcionadas sempre e exclusivamente para a propriedade privada dos réus/requeridos e não existiam quaisquer gravações apagadas ou ficheiros eliminados e que ambas as câmaras (B e D) tinham ativa a função de gravação por movimento, assim como exceto em situações pontuais de ajustamento da posição das câmaras pelo requerido, não se identificaram gravações da propriedade de terceiros, nem da via pública.
Esta matéria não consta dos factos provados; e em relação aos factos não provados, face ao elenco genérico que consta da sentença (resultam não provados todos os factos alegados nos articulados, naturalmente com exceção dos provados), importa aferir se há matéria alegada que tenha resultado não provada e que os recorrentes pretendem que resulte provada.
Na contestação, no artigo 17.º, alega-se que só há duas câmaras de vídeo vigilância e no artigo 20.º alega-se que não estão ilicitamente colocadas, nem estão destinadas, nem tal sucede, a visualizar e/ou a gravar o exterior, nem o interior, do imóvel fração autónoma designada pela letra “A”, pertencente aos autores.
Ou seja, os Réus alegaram que só havia duas câmaras a funcionar e que as mesmas não visualizavam nem gravavam o exterior ou interior do imóvel pertencente aos Autores/recorridos.
O tribunal recorrido, não dando como provado qualquer facto relativo ao tipo de visualização e gravação obtida por aquelas duas câmaras, acaba então por considerar não provada essa factualidade.
Integrando-se aqueles dois artigos da contestação em parte da redação pretendida no facto 9 – duas câmaras que não visualizam nem gravavam para o imóvel dos Autores, só para o dos Réus -, há então que analisar se esta parte (e só esta pois a parte restante não é matéria alegada nos autos) pode ser dada como provada.
E, na nossa opinião, manifestamente o tem de ser pois resultou claro do relatório pericial que as ditas câmaras não captavam qualquer outra imagem que não fosse pertencente ao imóvel dos Réus salvo situações de ajustamento de posição das mesmas – fls. 4 e 5-.
Assim, deve resultar provado o que se numera como facto 9.1) com o seguinte teor:
As duas câmaras referidas em 8) que se encontram a funcionar, não visualizam nem gravam o exterior ou interior do imóvel pertencente aos Autores.
Note-se que em relação à captação de som, alegando-se que as câmaras permitiam a mesma, não é, desde logo, alegado que tenha ocorrido qualquer gravação sonora e do relatório pericial não resulta que existam gravações de som, acompanhando as imagens visualizadas, por exemplo.
De qualquer modo, essa matéria de facto relativa ao som não é objeto de recurso.
*
Alterados aqueles factos que, no essencial, afastam a prova de atuações dos Autores a nível comportamental e de sofrimento psicológico e assentam que as duas câmaras de vigilância não captam imagem da propriedade dos Autores, pensamos não ser necessário voltar a elencar os factos por ser facilmente percetível o seu alcance e teor.
*
B). Do direito.
B1). Da legitimidade do Réu E….
Tendo sido excecionada a legitimidade deste Réu por não ser dono do imóvel onde as câmaras estão colocadas e, por isso, também não é proprietário das mesmas, o tribunal apreciou essa questão vertendo o que se dispõe no artigo 30.º, do C. P. C. e mencionando que «assim, dúvidas não restam que tal como os Autores configuram a relação material controvertida o Réu tem interesse em contestar e por isso é parte legítima.».
Tomando como ponto de partida esta conclusão, o que importa aferir é se, face ao modo como os Autores configuram a relação material controvertida, o indicado Réu tem interesse em contradizer o que é alegado pelos Autores – citado artigo 30.º, n.º 1, parte final e n.º 3 -.
E, na presente ação, os Autores alegam que ambos os Réus colocaram as câmaras de vigilância que violavam a sua privacidade e direito a imagem pelo que ambos os Réus têm interesse em contestar a ação.
Não está em causa a propriedade da habitação onde as câmaras estão colocadas nem a propriedade dessas mesmas câmaras; o que se questiona é a alegada atuação conjunta dos Réus em lesarem aqueles direitos dos Autores com a colocação das câmaras de modo a invadirem a esfera dos seus direitos.
Se se concluísse que ambos os Réus estavam a lesar direitos dos Autores, nada obstava a que ambos fossem condenados a retirarem o que ambos colocaram, dono ou não do imóvel – se as câmaras tivessem sido colocadas pelo Réu E…, mesmo não sendo dono, certamente haveria algum facto que permitiria concluir pela possibilidade dessa atuação (consentimento da proprietária, por exemplo).
E se eventualmente o Réu quisesse cumprir a obrigação de uma eventual alteração da posição das câmaras e tal lhe fosse negado pela proprietária, restar-lhe-ia comunicar essa situação a um também eventual processo executivo para provar a impossibilidade da sua parte em cumprir a decisão.
Daí que o Réu E… é parte legítima na ação por se alegar que foi um dos autores da ofensa aos direitos dos Autores, assim lhe interessando contestar o que foi alegado contra si, o que fez.
Improcede este argumento do recurso.
*
B2). Da condenação dos recorrentes.
Os presentes autos inserem-se na categoria de um processo especial relativo à tutela de personalidade conforme artigo 878.º, do C. P. C. o qual dispõe que pode ser requerido o decretamento das providências concretamente adequadas a evitar a consumação de qualquer ameaça ilícita e direta à personalidade física e moral de ser humano ou a atenuar, ou fazer cessar, os efeitos de ofensa já cometida.
Este artigo concretiza a tutela da personalidade e dá execução ao disposto no artigo 70.º, n.º 2, do C. C.[2], artigo este onde se dispõe que:
«1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.».
Como resulta deste artigo, bem como do citado 878.º, do C. P. C. e como ainda é bem referido na sentença recorrida, para que seja concedida a tutela da personalidade tem que ser demonstrada uma conduta e que a mesma é ilícita (ameaça de ofensa ou ofensa já concretizada).[3]
No caso, teria de se provar que os Réus captavam imagens e eventualmente som dos Réus no decurso da sua vida privada, de modo que se tinha de considerar indevido, ocorrendo assim a violação de direitos subjetivos dos Autores (direito à reserva da sua vida privada, incluindo a sua imagem).
Os Autores alegaram que a reserva da sua vida privada estava a ser violada por os Réus terem colocado câmaras de vigilância através das quais aqueles podiam ver o que sucedia em locais privados onde os mesmos Autores se encontravam.
Porém, como já referimos em sede de apreciação de matéria de facto, essa situação não se verifica. Atendendo ao que resultou provado (e mesmo ao que resultava não provado antes da alteração factual que acima se procedeu), não incorreram os Réus na prática de atos que consubstanciem uma ofensa ou ameaça à reserva da vida privada dos Autores, incluindo a recolha de imagens que captassem essa vida privada ou captassem sons de aspetos da mesma (conversas, por exemplo).
As duas câmaras que os Réus colocaram não captam quaisquer imagens dos Autores nem da sua propriedade nem há qualquer facto de onde se possa retirar que captem qualquer tipo de som provindo dos Autores em qualquer ponto da sua habitação.
Assim, não se prova a prática pelos Réus de uma ofensa à reserva da vida privada dos Autores.
E, como também é referido na sentença, este mecanismo processual ínsito no artigo 878.º, do C. P. C. também permite a defesa do direito de personalidade a título preventivo, ou seja, como um meio de evitar que os Réus possam vir a praticar a dita ofensa (e afigura-se-nos que terá sido por este motivo que houve procedência parcial do pedido).
Sucede que não vemos qual seja a ameaça de lesão em que incorrem os Réus. Estes colocaram duas câmaras de videovigilância na sua habitação, as quais não violam o alegado direito de personalidade dos Autores quanto à sua vida privada e imagem.
Os simulacros de câmara naturalmente não permitem essa devassa.
Poderíamos pensar que existiria uma ameaça por parte dos Réus se resultasse provado que as câmaras em questão estavam aptas a recolher imagens dos Autores ou da sua habitação, assim estando orientadas e focadas e, por exemplo, ainda não estavam em funcionamento (se o estivessem, já não havia ameaça mas ofensa). Nesse caso, perspetivando-se que os Réus iam colocar em funcionamento as câmaras, então preventivamente pedia-se que essa ofensa não se concretizasse.
Não é o que sucede nos autos pois as câmaras não captam imagens dos Autores e da sua vida privada.
No que respeita à recolha de som, não temos dados que permitam concluir que exista uma ameaça de os Réus poderem vir a recolher esse tipo de informação da vida dos Autores.
É certo que as câmaras permitem a captação de som mas, como é referido no recurso pelos recorrentes, qualquer telemóvel o permite e não é por esse motivo que se deve permitir que alguém seja judicialmente condenado a não recolher som (ou imagem) quando nada aponta que o venha a fazer.
Tem de existir algum tipo de prova que possa levar a concluir que existe uma efetiva ameaça de lesão do direito de personalidade; ora não há notícia de qualquer registo de som nas gravações pelo que tudo aparenta que esse perigo não existe.
Não é pelo facto de as câmaras estarem ligadas que se pode concluir que há ameaça de recolha de som; primeiro é preciso saber se essa recolha sonora é automática ou pode ser desligada (estando desligada, não há qualquer ameaça).
Na situação concreta, afigura-se que essa gravação de som pode ser desactivada até porque, na análise das imagens feita pelo perito, não se detetou qualquer som; assim não podemos concluir que por os Réus terem ligadas aquelas câmaras que permitem a gravação de som, as mesmas constituam uma ameaça à reserva da vida provada dos Autores.
Em segundo lugar, teria que resultar demonstrado, com segurança, que os Réus pretendiam efetivamente recolher som (e eventualmente gravá-lo), existindo então uma real ameaça de devassa da vida privada dos Autores.
Mas essa prova não existe pois se não há quaisquer elementos de gravação de som (nem de imagem) do círculo da vida dos Autores, não se pode concluir que os Réus vão fazê-lo no futuro.
Por último, algumas notas tendo por base o mencionado no final do relatório pericial que terá sido o sustento para a decisão proferida
. a questão de haver simulacros de camaras que podem perturbar o sossego dos Autores.
Estes não colocam a tónica da ofensa (ou ameaça) dos seus direitos de personalidade por existirem câmaras fictícias que os incomodam e perturbam por parecer que estão sempre a ser vigiados, podendo limitar a sua liberdade de movimentos (ou de receber pessoas na sua habitação por se sentirem intimidadas com tais câmaras).
Nem o poderiam ter feito pois partiram compreensivelmente do pressuposto que todas as câmaras eram reais e só no decurso do processo é que se descortinou que assim não sucedia. Daí que não podemos retirar qualquer consequência nestes autos para uma eventual violação da liberdade de movimentos dos Autores por existirem aquelas câmaras falsas pois não foi essa a sustentação fáctica alegada na petição inicial.
Note-se que, a partir da notificação do relatório pericial ou pelo menos da prolação da decisão judicial recorrida, os Autores sabem que essas câmaras não devassam a sua vida privada, não tendo de criar a convicção de que estão a ser tomadas imagens da sua vida (o que afasta a preocupação mencionada no mesmo relatório pericial; e se os Réus adotarem outra atitude, violadora de direitos dos Autores - por exemplo, a reorientação de câmaras ou instalação de câmaras verdadeiras sob as falsas -, terá que ser apreciada noutra sede, eventualmente outro processo judicial por estar em causa outra factualidade).
. cumprimento de regras vertidas na Lei n.º 58/2019, de 08/08, nomeadamente no que respeita ao tratamento das imagens obtidas e gravadas (artigo 19.º). Mais uma vez, nos autos, não se deteta qualquer violação de regras e, no que é o essencial da ação, não se prova a violação de direitos de personalidade dos Autores mormente quanto à sua imagem e privacidade pelo que não há que averiguar do modo de tratamento dessas imagens nestes autos.
Essa questão de tratamento de imagens licitamente obtidas pode ser alvo de uma possível ação fiscalizadora da Comissão Nacional de Proteção de Dados que não tem cabimento neste processo.
Conclui-se assim que não há que intimar os Réus a adotar algum tipo de comportamento preventivo de acordo com a lei pois não se prova que tenham praticado algum ato que demonstre que há a ameaça da ofensa ilícita ou efetiva ofensa dos direitos dos Autores; do que se apura, a atuação dos Réus é lícita, não se preenchendo assim os pressupostos do artigo 878.º, do C. P. C., pelo que improcede a ação, procedendo o recurso.
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3). Decisão.
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso interposto pelos Réus e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, absolvendo os Réus do peticionado.
Custas da ação e recurso pelos Autores.
Registe e notifique.

Porto, 29 de abril de 2021
João Venade
Paulo Duarte Teixeira
Amaral Ferreira
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[1] O que corresponde a uma procura nossa de uma situação fáctica correspondente à alegada perda de paz.
[2] António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, II, página 313.
[3] Mesma ob. citada na nota 2, página 320 e, na sentença recorrida: «Quanto à ilicitude não restam dúvidas: exige-se que a actuação seja ilícita. É o próprio n.º 1 do art. 70.º do CC que o estabelece, exigindo que seja ilícita quer a ofensa quer a própria ameaça de ofensa à personalidade física ou moral.»,