Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1614/13.4TJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MÁRCIA PORTELA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
DENÚNCIA DOS DEFEITOS
CADUCIDADE
GARANTIA ON FIRST DEMAND
Nº do Documento: RP201705161614/13.4TJPRT.P1
Data do Acordão: 05/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 768, FLS 132-161)
Área Temática: .
Sumário: I - Uma garantia bancária em que o banco garante assumir o compromisso irrevogável de pagar, logo à primeira solicitação e sem direito de protesto ou reclamação, e até à concorrência do montante garantido, qualquer verba que o beneficiário lhe venha a exigir constitui uma garantia bancária on first demand.
II - Com a cláusula penal as partes fixam antecipadamente a indemnização devida pelo incumprimento, independentemente de o prejuízo ser superior, inferior ou mesmo inexistente, assim evitando litígio quanto ao montante dos danos.
III - A garantia bancária on first demand é uma garantia pessoal que reforça a garantia geral das obrigações, que é o património do credor, não configurando uma fixação antecipada do dano.
IV - Garantia bancária e cláusula penal são institutos distintos.
V - Ao honrar a garantia, pagando a quantia reclamada pelo beneficiário, dentro dos limites da garantia, o banco garante está a cumprir uma obrigação própria, emergente do contrato celebrado com o devedor, assegurando o interesse do beneficiário da garantia.
VI - A existência de uma garantia bancária on first demand a garantir a boa execução da obra não dispensa o cumprimento do regime legal da empreitada, designadamente a denúncia dos defeitos e a instauração da respectiva acção se os defeitos não forem voluntariamente eliminados.
VII - A jurisprudência do STJ, em homenagem ao princípio da boa fé, tem considerado não ser exigível a instauração da acção para eliminação dos defeitos por forma a obviar à caducidade do direito, quando o empreiteiro se compromete a eliminar os defeitos procedendo a intervenções nesse sentido, ainda que sem sucesso.
VIII - Este entendimento não dispensa uma ponderação cuidada das circunstâncias peculiares do caso concreto, de modo a avaliar da seriedade e consistência das expectativas de resolução amigável do litígio acerca dos vícios da coisa.
IX - Não se enquadra nessa situação a actuação do empreiteiro que começa por negar a sua responsabilidade nos defeitos e só acede a realizar testes para a sua correcção mediante a ameaça de accionamento da garantia bancária, não demonstrando qualquer propósito serio de eliminar os defeitos voluntariamente.
X - Assim, para obviar à caducidade do direito o credor deveria ter intentado a acção no prazo de um ano a contar da denúncia do defeito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1614/13.4TJPRT.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

B..., S.A., com sede no Porto, intentou acção comum, precedida de procedimento cautelar, contra Condomínio C..., lote ., sito na Rua ... n.º .., no Porto, e D..., S.A., com sede em Lisboa, pedindo que se reconheça que a A. não está obrigada a reparar os defeitos/anomalias denunciados pelo 1.º R., pois que os mesmos não são consequência da execução da obra levada a cabo por esta; que se reconheça que o 1.º R. não tem direito de accionar a garantia bancária prestada e cujo garante é o 2.º R., uma vez que tal accionamento é abusivo e de má fé e, consequentemente, se condene o 2.º R. a abster-se de efectuar o pagamento ao 1.º.

Subsidiariamente, para o caso de improceder algum dos pedidos formulados, que se reconheça que o direito inerente à garantia bancária prestada pelo 2.º R., a pedido da A. e a favor do 1.º R., só pode ser exercido depois de estarem definitivamente fixados os defeitos/anomalias do prédio que sejam inequivocamente da responsabilidade da A., enquanto empreiteira da obra, e apenas se esta não cumprir a sua obrigação de reparação e, por fim, que se condene o 1.º R., até que esteja definitivamente fixada a responsabilidade da A. em relação aos defeitos/anomalias do empreendimento e ao não cumprimento do contrato de empreitada, a abster-se de accionar a garantia bancária junta sob o n.º 3.

Alegou, em síntese, que se dedica à actividade de prestação de serviços na área da reabilitação e manutenção de edifícios e que celebrou com o 1.º R. um contrato de empreitada para a reabilitação do edifício por esta administrado, pelo preço de € 229.000,00, acrescido de IVA, e por um prazo de 210 dias, contados do efectivo início dos trabalhos, tendo no dia 3 de Junho entregue uma garantia bancária no valor de 10%, para garantia inerente à boa execução da obra.

Mais alegou que, logo após a conclusão da obra, foi detectada fissuração generalizada nos muretes exteriores de betão que materializam as guardas dos terraços, tendo-se contudo concluído que tal decorria de um erro de concepção do projecto, o que foi assumido pelo projectista, que accionou o seu seguro de responsabilidade civil por forma a indemnizar os lesados e desresponsabilizando a A. de qualquer defeito de execução da obra.

E que, em Dezembro de 2012, o 1.º R. efectuou a denúncia de manchas de humidade na fracção com entrada pelo n.º .., 2.º dt.º, do prédio, tendo a A., no mesmo mês, enviado um técnico ao local, com o objectivo de proceder ao levantamento da ocorrência/reclamação, cujo resultado foi registado em relatório, no qual concluiu que a situação denunciada não era da sua responsabilidade, por não estar relacionada com a empreitada realizada.

Disse que, em 26 de Abril de 2013, foi interpelada por um condómino, o Prof. Doutor E... que, depois de analisar o relatório, demonstrou a sua indignação por não concordar com o conteúdo do mesmo, chegando a ameaçar com o accionamento da garantia bancária caso não fosse feita outra avaliação, que a A. se disponibilizou a realizar.

Realizada nova vistoria, no dia 8 de Maio de 2013, foi à A. reportada que as infiltrações da fracção do Prof. Dr. E... (2.º dt.º, entrada ..) e da entrada abundante de água no escritório imediatamente abaixo do terraço da fracção deste resultariam de uma fissura no interior da guarda. Depois de realizados os testes, no dia 28 de Maio de 2013 foi enviado um relatório contendo o resultado, ficando a A. a aguardar autorização para montagem da torre de andaime, assim como para ter acesso à fracção adjacente, ficando a aguardar resposta desde 28 de Junho/Agosto, sendo que é nesse intervalo accionada a garantia bancária, sem que lhe fosse dada oportunidade de proceder à reparação.

Contestou o R. Condomínio C..., Lote ., representado pela sua administradora, F..., Ld.ª, a fls. 77, para se defender por impugnação e deduzir pedido reconvencional.

No essencial, aceitou a celebração do contrato de empreitada para a reabilitação do edifício e o bom relacionamento entre todas as entidades envolvidas, quer na negociação, quer na execução da obra, atitude que a A. alterou a partir de finais de 2009 e início de 2010, o que coincidiu com o aparecimento de novos interlocutores da parte desta última. Admitiu que foi detectada a existência de fissurações verticais nos muretes exteriores do betão das varandas, que já existiam anteriormente à obra e que nunca foram responsáveis pela entrada de águas em nenhum dos apartamentos, anomalia mais de carácter visual e estético, questão que ainda se encontra em análise, mas que em nada se relaciona com as infiltrações de água ocorridas nas fracções do 4.º dt.º, da entrada n.º .. e 2.º dt.º, e 1.º dt.º, da entrada n.º .., do lote ..

Mais alegou que durante o ano de 2011 denunciou algumas anomalias, sendo que algumas foram resolvidas pela A., outras não, como as detectadas no 4.º dt.º da entrada .. do lote .. Contudo, no dia 14 de Dezembro de 2012, após chuvas intensas, entrou água num dos quartos do 2.º andar dt.º, apresentando uma película de água em toda a sua extensão, sendo que no mesmo dia se detectou que nos escritórios do andar de baixo, no 1.º dt.º, a água pingava do tecto, dando origem ao aparecimento de poças de água nas mesas de trabalho e no soalho.

Nessa sequência, denunciou à A. o ocorrido, tendo esta feito deslocar ao local um funcionário para constatação das identificadas infiltrações, que elaborou um relatório cujo conteúdo não foi dado a conhecer ao R., o que apenas veio a suceder em Abril de 2013, após insistência e interpelação do proprietário do 2.º andar dt.º, que manifestou a sua indignação.

Após tais contactos, e perante a insistência do proprietário da fracção do 2.º dt.º, a A. agendou nova visita ao local, em inícios de Maio de 2013, a qual, por não se ter revelado conclusiva, levou à realização de ensaios, nos termos que descreve e também estes inconclusivos. Contudo, a A. dispôs-se a resolver o problema do tubo de queda, obra que nunca chegou a realizar. Seguidamente, a A. agendava deslocações ao local e o início da realização de obras, que depois incumpria, o que se protelou até Junho de 2013, o que determinou o accionamento da garantia no dia 29 daquele mês.

Alegou ainda que as infiltrações em todas as fracções identificadas se agravaram, tornando-se hoje visíveis numa área mais alargada. E que a garantia bancária caducará proximamente e o não pagamento pela entidade bancária irá impedir que o 1.º R. veja assegurada a execução dos defeitos detectados.

Em sede reconvencional, elencou os defeitos e suas consequências, os danos causados no interior das fracções autónomas atingidas, as reparações necessárias e medidas inerentes à efectivação de tais reparações, e o custo estimado.

Conclui pedindo a improcedência da acção e, em consequência, que seja o 1.º R. autorizado a levantar a garantia bancária, devendo o 2.º R. ser condenado a entregar o valor da garantia ao 1.º, e, em alternativa, a condenação da A. a executar as obras de reparação das varandas e das fracções do 1.º, 2.º e 4º dt.º, designadamente as identificadas nos artigos 129.º A), B) e C) da sua contestação e, ainda as necessárias, conforme o resultado da peritagem, bem como a suportar os custos inerentes ao realojamento do proprietário do 2.º dt.º, e família consigo residente, e de um local alternativo para o exercício da actividade da sociedade
G..., Ld.ª, que labora na fracção correspondente ao 1.º dt.º, durante o período das obras, que se estima em pelo menos duas semanas e, cumulativamente, que a garantia bancária já accionada fique suspensa até à finalização das obras e respectivo período de garantia da obra de reparação/reabilitação.

A A., a fls. 197, pronunciou-se sobre o pedido reconvencional deduzido excepcionando a caducidade do direito do R. a exigir a eliminação dos defeitos, pelo decurso do prazo de um ano após a denúncia.

Alegou que tendo a obra sido dada como pronta em Junho de 2009, o R. denunciado defeitos em 19.12.2012, cuja responsabilidade a A. declinou, aquele nada mais fez no sentido de exigir a sua reparação, para além de accionar a garantia bancária. E por que o pedido de eliminação de defeitos apenas foi deduzido, em sede reconvencional, em 7 de Maio de 2014, e notificado à A. em 1 de Julho do mesmo ano, mostra-se decorrido o prazo de um ano, após a denúncia, de que gozava o R. para exigir à A. a eliminação dos defeitos.

No mais, defendeu-se por impugnação, concluindo pela improcedência do pedido reconvencional deduzido.

O 1.º R., a fls. 224, pronunciou-se sobre a excepcionada caducidade, concluindo pela sua improcedência.

A fls. 349 foi fixado o valor à acção, determinou-se que o processo seguiria a forma simplificada, pelos fundamentos aí invocados, foi o processo saneado, relegando-se para final o conhecimento da excepcionada caducidade.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Inconformada, apelou a A., apresentando as seguintes conclusões:

I. A sentença proferida pelo tribunal a quo deverá ser alterada por julgar incorrectamente os factos dos autos, não valorar de forma correcta a prova documental, o relatório pericial e a prova testemunhal e fazer uma errada aplicação do direito;

II. O Tribunal a quo fundamenta a decisão proferida em matéria de facto resultante dos factos provados por acordo das partes, do conjunto da prova produzida devidamente analisada e ponderada segundo as regras da experiência comum, do relatório pericial;

III. Os factos provados sob os n.ºs 31, 35, 36, 37, 45, 63, 64, 65, 67, 73, 81 e 89 deverão ser dados por não provados e transitar para os factos não provados;

IV. O facto provado sob o n.º 60 deverá ser alterado e receber a seguinte redacção: “A Autora obteve da administração do primeiro Réu autorização para a montagem dos andaimes, o que ocorreu em 9 de Julho de 2013;

V. O facto provado sob o n.º 89 deverá ser alterado e receber a seguinte redacção: “Na fracção correspondente ao 4.º andar direito o tempo de obra deverá ser de dois dias úteis”

VI. O facto não provado sob o n.º 8 deverá transitar para os factos provados e com a seguinte redacção: “O condómino proprietário do segundo andar direito acompanhado da fiscalização realizou ensaios de estanquicidade na varanda da sua fracção”

VII. Os factos não provados n.ºs 12 e 15 deverão ser considerados provados e transitar para os factos provados;

VIII. A alteração dos factos preconizada pela Apelante assentam na análise concatenada da prova documental existentes nos autos e da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, conforme detalhadamente se deixou exposto;

IX. A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo considerou fundamental o testemunho prestado pela testemunha M... e na sua exposição demonstra claramente o quanto foi este testemunho acolhido para espinha dorsal da decisão proferida, no entanto, não valorou o tribunal, que esta testemunha apenas avançou hipóteses e só para a origem da entrada de água, tal como todas as outras testemunhas e peritos questionados sobre tal matéria;

X. Perante uma obra terminada em 2008, com pequenas anomalias detectadas em 2011 e só uma não reparada pela Apelante, conclui o tribunal a quo, unicamente com base na convicção, que infiltrações ocorridas em Dez 2012 sem origem determinada e que no caso do 2.º Direito não mais se repetiram, são consequência da má execução dos trabalhos da Apelante;

XI. O tribunal a quo perante um acção onde se discute a existência ou não de alegados defeitos de obra que legitimem o acionamento de uma garantia bancária on first demand, decide apenas com base na convicção criada;

XII. Dado o primeiro passo, o de considerar provada a existência dos defeitos nas três fracções em crise nos autos, entendeu a Meritíssima Juiz que em nada mais teria o instituto jurídico da empreitada contribuição para a presente decisão, por força da existência de garantia bancária prestada aquando da celebração do contrato de empreitada;

XIII. Entendendo o tribunal a quo que as partes fixaram previamente uma cláusula penal para o incumprimento do contrato, cláusula essa no valor € 22.900,00 cuja execução ficou garantida através da constituição de uma garantia bancária on firs demand;

XIV. Resulta desde logo evidente da leitura do texto aposto na garantia bancária que não foi essa a intenção das partes;

XV. Se, como entende o Tribunal a quo, pretendessem as partes fixar previamente o montante de € 22.900,00 como adequado à reparação de eventuais defeitos e consequentemente renunciar ao direito e dever de eliminação de defeitos, porque razão iria expressamente afirmado na garantia que o banco pagará ao beneficiário até à concorrência do montante garantido, qualquer verba que o beneficiário lhe venha a exigir? Resulta, e em sentido oposto, do texto da garantia bancária que as partes previram a possibilidade de o beneficiário acionar a garantia por um qualquer montante até aquele limite máximo;

XVI. O estipulado na garantia bancária dos autos enquadra-se perfeitamente na denominada garantia de boa execução e pelo prazo ai estipulado;

XVII. A cláusula penal, enquanto cláusula acessória típica geral, consiste na definição plasmada do artigo 810º, nº 1, do Código Civil, na faculdade que as partes gozam de “fixar, por acordo, o montante da indemnização exigível”, ou, na estipulação, através da qual as partes fixam, antecipadamente, uma determinada prestação, o montante da indemnização, que o devedor terá de satisfazer ao credor, em caso de não cumprimento, ou de não cumprimento perfeito da obrigação contratual, tal como refere Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2005, 589; Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, revista e actualizada, 1997, 437;

XVIII. As partes não pretenderam com a constituição da garantia bancária estabelecer nenhuma cláusula penal, não pretenderam fixar por acordo o montante da indemnização exigível caso se viesse a verificar algum dano imputável ao 1.ª Réu decorrente do não cumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de empreitada. A Apelante apenas mandatou o 2.º Réu “D..., S.A.” para prestar a favor do 1.º Réu garantia bancária autónoma, de boa execução das obras de reabilitação, a pagar à primeira solicitação, pelo valor de € 22.900,00, correspondente a 10% do valor do contrato de empreitada celebrado entre as partes e pelo prazo de 5 anos e 7 meses após a sua emissão;

XIX. Se as partes pretendessem fixar por acordo a indemnização devida, tal seria expressamente referido no contrato e não prestada uma garantia, por tempo determinado e limitado e correspondente à respectiva percentagem do valor total pago pela obra;

XX. Entende a Apelante não merecer colhimento a posição adoptada pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo que pretende ver na garantia bancária prestada pela Apelante uma prévia fixação do valor que o 1.º Réu receberia para eliminação de defeitos surgidos, renunciando as partes ao direito e ao dever de eliminação de defeitos;

XXI. A garantia bancária dos autos pretende apenas garantir a boa execução da obra, impondo-se ao credor da indemnização, o 1.º Réu provar, com vista à sua validade e eficácia, a existência dos danos e o seu montante;

XXII. O acionamento da garantia bancária por parte do 1.º Réu foi abusivo;

XXIII. A garantia bancária é prestada em ordem a garantir a boa execução do contrato, apenas sendo legítimo o acionamento por parte do beneficiário ocorrido que seja o comprovado incumprimento por parte de quem a prestou;

XXIV. O 1.º Réu, sem nunca ter sequer interpelado a Apelante para fixação de um incumprimento definitivo, e bem sabendo que esta estava ainda a diligenciar no sentido de chegar à origem da infiltração, face aos resultados inconclusivos dos testes até ai levados a cabo, decide acionar a garantia bancária e pela totalidade do valor;

XXV. O 1.º Réu fez tábua rasa de todo o instituto jurídico aplicável ao contrato de empreitada e demitindo-se de exercer os seus direitos após denuncia, atalhou pelo caminho mais simples - acionar a garantia bancária e ficar com € 22.900,00;

XXVI. Reconhecer a legitimidade do 1.º Réu no accionamento da garantia bancária dos presentes autos será emitir um forte sinal aos donos de obra no sentido de que tendo uma garantia bancária prestada sempre podem optar pelo acionamento daquela em detrimento do normal processo de denúncia e reparação de defeitos pelo empreiteiro, obstando ao direito daquele à reparação e sem sequer ter a necessidade de fazer prova da correspondência do valor accionado com a reparação do defeito;

XXVII. No momento em que a garantia bancária é accionada, finais de Junho de 2013, já o direito do 1º Réu a exigir a reparação do defeito existente no 4.º andar direito, entrada .., estava extinto por caducidade do direito de agir.

XXVIII. A decisão recorrida procede a uma errada aplicação da norma ínsita no artigo 810º do Código Civil, qualificando a garantia prestada como um cláusula penal, não resultando quer do texto daquela, quer da economia do contrato celebrado entre as partes que fosse essa a sua intenção;
XXIX. Como faz igualmente uma errada aplicação do regime jurídico da empreitada plasmados nos artigos 1207.º e segs do Código Civil.

XXX. Razão pela qual deverá ser alterada a decisão proferida nos presentes autos, proferindo-se decisão que julgue ilegítimo o accionamento pelo 1.º réu da garantia bancária dos presentes autos, porquanto não constitui a mesma uma cláusula penal que fosse convencionada pelas partes, nem o Réu logrou fazer prova do valor necessário para eliminar os defeitos.

Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas mui
doutamente suprirão, deverá ser julgado procedente o
presente recurso alterando-se a sentença recorrida nos termos expostos assim se fazendo Inteira e Sã Justiça.

Contra-alegou o 1.º R., assim concluindo:

I. A sentença do Tribunal a quo não merece qualquer reparo, ao contrário do que alega a recorrente, pois raras vezes uma peça jurídica espelha tão fiel e rigorosamente a prova de facto produzida em audiência de julgamento. Recorrente e recorrido foram brindados com um documento de excelente qualidade jurídica, resultado de aturada investigação, fundamentação e análise, que merece o maior louvor e, por isso, inatacável do ponto de vista jurídico-material.

II. No essencial a matéria dada como provada não merece qualquer reparo, com excepção de uns pequenos lapsos cuja alteração em nada influencia a decisão preconizada pelo Tribunal a quo, representando antes uma grande mais-valia para a decisão.

III. Da mesma forma a aplicação do direito à matéria dada como provada em audiência é inquestionável, por representar absoluto respeito pela legislação que determina o cumprimento das normas relativas aos contratos de empreitada e às regras de uso comum neste tipo de contratação bem como a matéria relativa às garantias bancárias autónomas à primeira solicitação.

IV. A postura da recorrente mantém-se inalterável ao longo do presente processo sendo visível a sua vontade de nada fazer, perante a alegação pura e simples de que os pedidos do recorrido afinal estão caducados pois foram, alegadamente, ultrapassadas as datas da denuncia dos defeitos e consequente direito de agir, comprovando-se assim que se o recorrido não tivesse accionado a garantia, teria perdido qualquer direito de ver reposta a situação relativa ao contrato de empreitada em causa.

V. Os factos provados nºs 31, 35, 36, 45, 63, 64, 65, 67, 73, 87 e 89 não merecem qualquer alteração por estarem de acordo com a matéria dada como provada em audiência, com o relatório e esclarecimentos dos Senhores Peritos e demais documentação junta aos autos.

VI. O requerido não se opõe à retirada do facto nº 81 dos factos dados como provados.

VII. O facto não provado nº 8, poderá constar dos factos provados com a seguinte redação «O condómino proprietário do segundo direito acompanhado da fiscalização realizou ensaios de estanquicidade na varanda da sua fracção», sem que isto implique qualquer modificação da decisão pois não tem qualquer influência. Devendo constar dos factos não provados que «Tais ensaios tenham prejudicado o resultado dos testes».

VIII. O facto não provado nº 12 e nº 15 não merecem qualquer alteração.

IX. Muito bem andou o Tribunal a quo quando formou a sua convicção e decidiu no sentido em que o fez, porque a lei lhe atribui essa premissa, com base no que ouviu das testemunhas, dos peritos, dos diversos engenheiros civis ouvidos no processo, nos documentos e demais prova. A Mmª Juiz a quo valorou a prova da forma que entendeu, segundo o princípio da livre convicção do julgador, sendo que a apreciação das provas resolve-se na formação de juízos, em elaboração de raciocínios, juízos e raciocínios estes que surgem no espírito do julgador, segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da actividade intelectual e, portanto, segundo as máximas de experiência e as regras da lógica

X. O Tribunal a quo percebeu e muito bem que ainda hoje a recorrente não tem qualquer vontade em resolver o problema por considerar que os problemas de infiltrações e humidades existentes não derivam de má execução dos trabalhos por si realizados, razão pela qual não se compreende toda uma alegação contraditória de que afinal não deixaram à recorrente a oportunidade de descobrir a origem dos problemas.

XI. Não teria sido uma atitude mais correcta por parte do recorrido, e já que tinha em seu poder uma garantia on first demand, que a tivesse accionado logo que se verificaram as infiltrações/inundações/humidades e a falta de resposta de Dezembro de 2012 a Abril de 2013? Ainda assim, ao invés, insistiu junto da recorrente para resolver o problema, sujeitou-se aos seus prazos e (falta de) marcações e esperou até onde achou contratualmente suportável.

XII. Outra argumentação que não colhe por parte da recorrente é a de que o facto de não se saber a origem das infiltrações a iliba da responsabilidade. O que pretende a recorrente?
Que o recorrido faça os testes destrutivos, parta as paredes e chão para descobrir por onde entra a água e depois notifique a recorrente da origem do problema para que esta o resolva? Será isto razoável?

XIII. Entra água nas fracções, há humidade e continua a haver, ao contrário do que se pretende fazer crer mas parece que cabe aos proprietários saber de onde ela vem, por onde entra e onde sai e o que supostamente está mal para aí sim a recorrente ter oportunidade de calmamente, quando entender, efectuar as reparações, isto se concordar com as averiguações que os proprietários vão ter que fazer!

XIV. Independentemente de se concordar ou não com a interpretação efectuada pelo Tribunal a quo e com a opção por um determinado regime jurídico, parece não haver dúvidas quanto a uma questão incontornável: o recorrido tem em seu poder uma garantia bancária on first demand, que a recorrente aceitou sem quaisquer condições, acordo prévio ou reserva, pretendendo agora acrescentar cláusulas e condições ao accionamento da mesma que nunca antes foram discutidas ou foram manifestação da vontade das partes.

XV. Não obstante qualquer justificação legal ou interpretativa que se dê ao contrato de garantia bancária em causa nos autos não podemos deixar de ter em consideração ao que as partes pretenderam fazer quando assinaram o contrato de empreitada, com uma garantia bancária à primeira solicitação associada, e que se estendia pelo prazo de execução da obra (7 meses), não cumprido pela B... e mais cinco anos da garantia legal da obra de reabilitação realizada no edifício C....

XVI. Se a recorrente pretendia que fossem cumpridos pelo recorrido uma série de pressupostos prévios para que se pudesse accionar a garantia, tal deveria estar especificado na mesma, o que não aconteceu, sendo que a recorrente aceitou e sujeitou-se às condições inerentes a uma garantia on first demand, sem mais.

XVII. A simples alegação de que o recorrido deveria ter dado oportunidade de reparar os defeitos e deveria ter fixado um prazo para se considerar o incumprimento definitivo, tais situações não foram especificadas na garantia nem negociadas entre as partes, nem sequer fazem parte do texto da garantia.

XVIII. Sucede, no entanto, que o recorrido fez tudo isso e muito mais, comunicou os defeitos à recorrente, atempadamente, esperou pelos resultados e pior do isso, insistiu para que realizassem mais testes e ensaios, esperou (6) seis meses para obter uma “não resposta” da recorrente! Isto não é tempo suficiente?

XIX. Não seria legítimo ao recorrido accionar a garantia mal aconteceu o incidente mais grave, uma vez que a recorrente simplesmente ignorou as reclamações, os pedidos de verificação e deu simplesmente os ensaios como inconclusivos, sem se dignar comunicar tal facto aos proprietários.

XX. Limitou-se a recorrente a enviar comunicações, via correio electrónico, insistindo constantemente nas mesmas marcações e agendamentos e pedidos de autorização já fornecidos, ou seja, após agendamento das alegadas reparações a recorrente volta a enviar comunicações como se nada se tivesse passado antes para agendar novamente o que estava agendado e, ainda assim, não cumpriram, sem dar qualquer tipo de satisfação ou informação, tentando passar a ideia de que se foi mantendo interessada em resolver parte da situação no edifico em questão, sendo que a própria confirma que iam apenas resolver o problema num tudo de queda e fazer mais ensaios.

XXI. Em nenhum momento a recorrente se disponibilizou para resolver efectivamente os problemas nas fracções do 4º direito, do 2º direito e do 1º direito onde cai água em permanência, quando chove, vinda do andar de cima, desde a realização das obras de reabilitação!

XXII. Pergunta-se por que razão a atitude do recorrido perante este comportamento é abusiva?
Não será antes abusivo o comportamento da recorrente que simplesmente ignorou os apelos dos proprietários sobre as infiltrações que estavam a ter, que continuam até hoje, com prejuízos e incómodos imensos para a sua vida?

XXIII. O recorrido aquando da assinatura do contrato de empreitada exigiu uma garantia on first demand à recorrente, que a aceitou incondicionalmente, para assegurar a boa execução da obra, o que se constatou não veio a acontecer, dados os problemas evidentes e comunicados atempadamente à recorrente, que deles tomou conhecimento quando se deslocou, por diversas vezes a todas as fracções, para verificação.

XXIV. Em que parte da garantia está escrito que deveria o recorrido ter cumprido os procedimentos relativos à denúncia dos defeitos que legitime a alegação da recorrente de que os mesmos foram ultrapassados?

XXV. A decisão do Tribunal a quo deve por isso manter-se inalterada por estar conforme à prova produzida.
Assim se fazendo justiça!

2. Fundamentos de facto

1. A A. é uma empresa que se dedica à actividade de prestação de serviços na área de reabilitação e manutenção de edifícios;

2. Nesse âmbito, celebrou, com o 1.º R., a 6 de Junho de 2008, um contrato de empreitada para a reabilitação da envolvente exterior de um edifício de habitação colectiva e serviços, C..., Lote ., sito na Rua ... n.ºs ..-.., no Porto, cujo conteúdo e trabalhos são os constantes do documento de fls. 109 a 125, sendo o seu o teor aqui dado por integralmente reproduzido;

3. Pelo preço de € 229.000,00, acrescido de I.V.A. à taxa legal, e por um prazo de duzentos e dez dias contados do efectivo início dos trabalhos (teor do documento referido no número anterior);

4. No dia 3 de Junho de 2008, a A. entregou ao 1.º R. uma garantia bancária no valor de 10% do preço total fixado, ou seja, € 22.900,00, para garantia inerente à boa execução da obra (doc. de fls. 27, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

5. Nos termos de tal garantia, emitida em 3 de Junho de 2008 e válida por cinco anos e sete meses, o 2.º R. "garante assumir o compromisso irrevogável de pagar, logo à primeira solicitação e sem direito de protesto ou reclamação, e até à concorrência do montante garantido, qualquer verba que o beneficiário lhe venha a exigir" (teor do documento referido no número anterior);

6. Do contratualizado entre A. e 1.º R. resulta que o pagamento se faria mensalmente de acordo com os trabalhos realizados e após a emissão da respectiva factura, com pagamento a dez dias após tal emissão;

7. A A. iniciou os trabalhos relativos à empreitada adjudicada em Junho de 2008 e foram concluídos na sua maioria em Junho de 2009;

8. O caderno de encargos da obra foi elaborado pelo conceituado projectista H..., Ld., e a obra foi fiscalizada pelo também reconhecido gabinete I...;

9. Logo após a conclusão da obra, foi detectada fissuração vertical generalizada nos muretes exteriores de betão que materializam as guardas dos terraços;

10. Estando a ser averiguado se o projecto padece de um erro de concepção;

11. Durante o ano de 2011, o 1.º R. reportou à A. anomalias, que na sua maioria foram resolvidas;

12. Já no final de 2012, o 1.º R. efectuou uma denúncia de existência de uma inundação na fracção com entrada pelo n.º .., 2.º dt.º, do prédio do 1.º R.;

13. Tendo em Dezembro de 2012, a A. enviado um funcionário ao local com o objectivo de proceder ao levantamento da ocorrência/reclamação, tendo a mesma sido registada no relatório constante de fls. 28 a 31, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

14. No relatório a que se alude no número anterior, o funcionário consignou que “Foi verificado no local, que existia falta de manutenção na saída das águas do terraço, causa esta que origina o nível da água do terraço transbordar a cota das soleiras” e concluiu que “as causas da reclamação existente, são alheias de responsabilidade da B..., uma vez que a B... respeitou as cotas existentes no edifício” (teor do documento referido no número anterior”;

15. Em 26 de Abril de 2013, foi a A. interpelada telefonicamente pelo Prof. Doutor E..., que depois de ter analisado o relatório, quis mostrar a sua indignação por não concordar com o conteúdo do mesmo, chegando mesmo a ameaçar o accionamento da garantia bancária caso não fosse feita outra avaliação;

16. Disponibilizou-se então a A. a enviar nova equipa técnica de forma a fazer uma segunda avaliação (doc. de fls. 32, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

17. Foi efectuada então uma visita, no início do mês de Maio de 2013, pelo Eng. J... e o Encarregado K..., representantes da A., na presença do Prof. E..., do Sr. L... e da Eng. M..., na condição de Fiscalização;

18. Em final de Maio, a A. deu início a testes, que se repetiram por dois dias, de forma a aferir a possível entrada de água;

19. No dia 29 de Maio foi enviado um relatório do resultado dos testes, cujo teor é o constante do documento de fls. 36, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

20. A A. constatou que se indiciava a existência de problemas na ligação do tubo de queda disponibilizando-se, caso fosse necessário, para proceder à respectiva reparação;

21. Ficando a A. a aguardar autorização para montagem da torre de andaime, assim como para acesso à fracção adjacente;

22. Nesta data, constatou a A. que ainda se verificavam os problemas a que se alude no facto 9.º;

23. Nos dias 11 e 21 de Junho, A. insistiu junto da N..., Ld.ª, para que lhe fosse enviada ”comunicação escrita sobre a sua posição sobre a reclamação do defeito apresentado na Obra em questão” (doc.s de fls. 41 e 42, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

24. Na comunicação remetida no dia 21 de Junho foi concedido àquela sociedade o prazo de cinco dias para a resposta por escrito “ou seremos forçados a tomar medidas para o efeito” (doc. de fls. 42);

25. A fachada em causa é voltada a Sul;

26. Em finais de Junho de 2013, o 1.º R. solicita ao 2.º o accionamento da totalidade do valor de € 22.900,00;

27. O 1.º R. foi representado até início de 2010 por dois condóminos, um dos quais E...;

28. Em 2010 assumiu funções de gestão do condomínio a sociedade F..., Ld.ª, que se mantem actualmente;

29. Durante a execução da obra, os funcionários da A. estiveram sempre disponíveis para, juntamente com a Fiscalização e o Gabinete do Professor O..., analisar e encontrar as melhores soluções técnicas;

30. A negociação e a execução da obra de reabilitação sempre se pautaram pelo cumprimento das melhores práticas de gestão de obra além do respeito mútuo entre todas as entidades e pessoas envolvidas;

31. A atitude da A. alterou-se a partir de finais de 2009, inícios de 2010, concomitantemente com o aparecimento de novos interlocutores por parte desta, que pareciam desconhecer os termos da execução da obra e do contrato, manifestando um nível de experiência inferior ao dos seus predecessores;

32. A empreitada contemplava a execução dos trabalhos de tratamento das fachadas, incluindo a remoção dos azulejos e a colocação de novos revestimentos, a substituição da cobertura de fibrocimento por uma cobertura em painel do tipo “sanduiche”, a revisão das impermeabilizações existentes e a rectificação de elementos que se encontravam deteriorados nos edifícios;

33. Em 11 de Junho de 2008 foi assinado entre as partes contratantes o auto de consignação dos trabalhos;

34. A obra em questão decorreu maioritariamente sem grandes constrangimentos, com excepção das situações ocorridas já no pós-obra;

35. A patologia referida no facto 9.º em nada está relacionada com as infiltrações de água ocorridas nas fracções do 4.º dt.º, da entrada n.º .. e 1.º e 2.º dt.º, da entrada .., do lote .;

36. A patologia em causa, fissuração vertical, existia anteriormente à obra e nunca foi responsável pela entrada de águas em nenhum dos apartamentos com varanda, nem antes, nem depois da obra;

37. Se assim fosse, haveria problemas em todas as fracções com varandas existentes em todo o edifício;

38. Durante o ano de 2011, o 1.º R. denunciou algumas anomalias, que foram sendo reparadas, sendo que as detectadas no 4.º dt.º, da entrada .. do lote . não o foram;

39. Na madrugada do dia 14 de Dezembro de 2012, após chuvas intensas, entrou água num dos quartos, mais concretamente no quarto assinalado com a letra “C” do esquema constante de fls. 143 e 144, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, apresentando uma película de água em grande parte da sua extensão;

40. No mesmo dia, detectou-se que nos escritórios do andar de baixo, 1.º dt.º, a água pingava do tecto, praticamente no ponto correspondente à zona do quarto C do 2.º andar dt.º;

41. Após denúncia destes factos, em 19 de Dezembro de 2012, a A. fez deslocar ao local um funcionário, de nome P..., a que se alude no facto 13.º, para constatação das identificadas infiltrações;

42. De tal visita foi elaborado um relatório, o constante de fls. 28 a 31, sem que contudo, fosse o mesmo dado a conhecer ao 1.º R.;

43. Só após a insistência e interpelação do proprietário do 2.º andar dt.º, a A. deu a conhecer, em Abril de 2013, o resultado da visita ao local efectuada em 19.12.2012;

44. Foi o proprietário do 2.º andar dt.ª, Prof. Dr. E..., que teve a iniciativa de entrar em contacto telefónico com a A., no sentido de saber dos resultados da visita/vistoria à sua fracção, tendo conversado com a Dr.ª Q..., que se identificou como jurista da A.;

45. Tal insistência particular deveu-se ao facto de os sinais das infiltrações estarem a ser detectadas em todos os quartos do 2.º andar dt.º, o que era visível pelo estado dos pavimentos;

46. Naquela conversa telefónica ocorrida entre o proprietário do 2.º dt.º e a funcionária da A., esta informa da existência de um relatório em que a A. declina as suas responsabilidades no incidente, nada justificando quanto à razão pela qual não tinham dado, até àquela data, conhecimento do relatório nem aos proprietários afectados, nem ao 1.º R., nem à Fiscalização, nem ao gabinete do Prof. O...;

47. Neste primeiro contacto, o proprietário do 2.º dt.º reclama ser informado do relatório para se poder pronunciar sobre a argumentação invocada pela A.;

48. E manifesta a sua indignação por não ter ainda sido informado do mesmo;

49. Depois de ter acesso ao teor do relatório, esclareceu que perante a conclusão apresentada, de que a infiltração se devia a entupimento na extremidade oposta da varanda, considerava não ter a mesma qualquer fundamento;

50. Aproveitou ainda para informar a interlocutora de que a obra tinha sido executada com garantia de cinco anos e que o condomínio se reservava o direito accionar a garantia bancária prestada para o efeito;

51. Na sequência da situação descrita, e perante a insistência do proprietário da fracção do 2.º dt.º, a A. agendou uma nova visita ao local, em inícios de Maio, na qual estiveram presentes o Eng. J..., pela A., e também a Eng. M... e Sr. L..., pela Fiscalização, nos termos referidos no facto 17.º;

52. Desta reunião com a A. não se chegou a conclusão nenhuma sobre os motivos das infiltrações, tendo sido aventadas várias hipóteses por todos os presentes;

53. Não tendo sido possível a determinação da causa das infiltrações nas varandas, estabeleceu-se com o Eng. J... a execução de alguns ensaios a realizar com água à vista, ou seja, enchimento de água em toda a varanda, de modo a repetir a ocorrência de 14 de Dezembro de 2012;

54. Na esperança de ainda conseguir reproduzir exactamente a ocorrência do incidente, manteve-se em contínuo uma mangueira a incidir, durante horas, na fachada e murete correspondente ao 2.º dt.º;

55. Todavia, e apesar de todos os esforços, e de não ter ocorrido qualquer infiltração de água no interior do 2.º dt.º, constatou-se que pingava água no tecto do 1.º dt.º;

56. Antes dos testes, foi medido o nível de humidade nas paredes e solo dos quartos e o resultado foi de teores de humidade elevados ou acima da gama de funcionamento do próprio aparelho, com a indicação de saturado;

57. Sobre o resultado destas medições e dos testes realizados, declarou a A. não serem conclusivos, por não ter sido reproduzida integralmente a situação ocorrida anteriormente, em 14 de Dezembro;

58. A A. nunca chegou a realizar a obra relativa ao tubo de queda;

59. A A. comprometeu-se a iniciar as reparações relativas ao tubo de queda a partir de 5 de Junho de 2013, tendo-lhe sido dada autorização para montagem dos andaimes pelo proprietário do 2.º andar dt.º;

60. A A. obteve da administração do 1.º R. autorização para a montagem dos andaimes, o que ocorreu em 8 de Julho de 2013;

61. A A. intentou o procedimento cautelar apenso aos presentes autos no dia 1 de Julho de 2013;

62. O 1.º R. foi citado no âmbito do procedimento cautelar no dia 23 de Agosto de 2013 (certidão de fls. 60 do procedimento cautelar apenso);

63. Foi porque a A. agendou as obras e não cumpriu que o 1.º R. accionou a garantia;

64. Com o decurso do tempo, as infiltrações nos 1.º e 2.º andares agravaram-se, tornando-se hoje mais visíveis numa área mais alargada;

65. A fracção correspondente ao 1.º andar dt.º continua a ter até hoje infiltrações permanentes, no tecto e pavimentos, o que indicia a existência de água e humidade na laje do 2.º dt.º e justifica o empenamento dos tactos/pavimento, agora nos três quartos do 2.º dt.º, ou seja, em toda a extensão da varanda;

66. O quarto central, correspondente ao quarto B do esquema de fls. 143 e 144, é o único com soleira, sendo o que apresenta menores sinais de infiltrações;

67. É ainda visível actualmente a existência de uma mancha de humidade no tecto do quarto assinalado com a letra C do esquema de fls. 143 e 144;

68. O 1.º R. não foi informado pela A. que estavam a ser pedidas responsabilidades ao subempreiteiro;

69. Na altura das infiltrações ocorridas em Dezembro de 2012, na fracção do 2.º dt.º, apenas foi afectado um dos quartos e nos escritórios houve igualmente uma entrada de água no tecto na zona correspondente ao quarto C;

70. Entretanto os problemas das infiltrações alargaram-se aos restantes quartos da habitação do 2.º dt.º e a mais zonas (tecto) na fracção do 1.º dt.º;

71. São também visíveis fissuras horizontais e verticais nas varandas;

72. Na fracção do 4.º dt.º da entrada n.º .., há entrada de humidade por baixo da janela de um dos quartos, o que faz esquina, o que provoca o empolamento da tinta;

73. Nunca antes da obra se tinha verificado qualquer tipo de infiltração de água ou sequer verificação de humidade relevante em nenhuma das fracções do edifício;

74. Todas as varandas destas fracções apresentam fissuração horizontal;

75. A fissuração vertical dos muretes exteriores das varandas é anterior à própria reabilitação e comum a todas as varandas do loteamento;

76. Na fracção correspondente ao 2.º andar dt.º, entrada .., será necessário proceder à remoção dos tacos danificados nos três quartos;

77. Sendo ainda necessário adquirir e recolocar tacos novos;

78. E remover a parte dos rodapés afectada em todos os quartos para raspagem e lixagem uniforme de toda a superfície;

79. Será ainda necessário proceder à raspagem e lixagem mecânica de toda a área dos quartos;

80. E aplicar verniz em todos os quartos, com eliminação das diferenças de tonalidade entre os tacos novos e os restantes nos três quartos;

81. Sendo ainda necessário proceder à reparação e pintura do tecto do quarto assinalado pela letra “C” porque foi afectado pela mancha de humidade;

82. Na fracção correspondente ao 1.º andar dt.º (entrada ..) será necessário proceder à remoção dos tactos danificados e à aquisição e recolocação de novos tacos;

83. Será ainda necessário proceder à raspagem e lixagem mecânica de toda a área afectada;

84. Sendo ainda necessário aplicar verniz, com eliminação das diferenças de tonalidade entre os tacos novos e os restantes;

85. E proceder à reparação e pintura das paredes e tecto;

86. Na fracção correspondente ao 4.º dt.º, entrada .., será necessário proceder à reparação e pintura da totalidade das paredes do quarto afectado;

87. Estima-se que para a realização destes trabalhos e secagem de materiais na fracção correspondente ao 2.º dt.º sejam necessários, pelo menos, duas semanas, durante as quais os proprietários, casal e dois filhos, terão que ser realojados;

88. Quanto à fracção correspondente ao 1.º dt.º, uma vez que não é possível exercer qualquer actividade profissional durante a realização das obras, será necessário encontrar um local alternativo para o exercício da actividade da sociedade G..., Ld.ª, durante, pelo menos, cinco dias úteis;

89. O mesmo sucede com a fracção correspondente ao 4º dt.º, cujo tempo de obra deverá ser de dois dias úteis;

90. O pedido deduzido em sede reconvencional deu entrada em juízo no dia 7 de Maio de 2014;
*
Não se provaram quaisquer factos que se não compaginem com os anteriormente, nomeadamente que:

1) O Prof. O... vistoriou os trabalhos, tendo comprovado que os mesmos foram executados de acordo com o previsto no projecto, nomeadamente no que respeita à intervenção das guardas dos terraços;

2) O erro a que se alude no facto 10.º resulta da execução do barramento do betão das guardas da falta de incorporação de uma armadura de fibra de vidro;

3) O projectista assumiu o erro na elaboração do projecto e accionou o seu seguro de responsabilidade civil, de forma a indemnizar os lesados;

4) Desrespeitando a A. de qualquer defeito na execução da obra;

5) Muito embora tal accionamento da apólice, não reparou o 1.º R. os defeitos de concepção detectados, não tendo realizado as reparações necessárias a tal eliminação;

6) A denúncia a que se alude no facto 12.º fosse relativa a manchas de humidade;

7) Na visita a que se alude no facto 17.º foi reportado pela A. que as infiltrações da fracção do Prof. E... e da entrada de água no escritório situado imediatamente abaixo do terraço da fracção resultariam de uma fissura no interior da guarda daquela fracção (2.º dto, entrada ..);

8) Não se podendo chegar a uma conclusão mais precisa, uma vez que o condómino, por sua iniciativa e na ausência da A., levou a cabo ensaios de estanquidade na fracção afectada, prejudicando os resultados dos testes;
9) Não podendo a A. excluir a hipótese de que os defeitos denunciados pelo 1.º R. tenham origem no erro de concepção nunca eliminado;

10) Porque a fachada é voltada a Sul, torna fácil a entrada de água com a força do vento, por percolação através do betão, que apresenta graves patologias na face exterior da guarda voltada para esse lado;

11) O que se torna difícil de reproduzir com uma mangueira por escoamento;

12) A A. tivesse ficado desde 28 de Agosto a aguardar resposta para o agendamento do mencionado no facto 21.º;

13) No dia 13 de Junho a A. foi contactada telefonicamente pelo 1.º R., pedindo informações sobre os assuntos pendentes e afirmando que na sua maioria eram “questões mínimas, excepto as relativas à entrada 21 que seriam um pouco mais complicadas”;

14) Ao que a A., na pessoa da Dr.ª Q..., informou que os assuntos estavam a ser tratados pelo Departamento de Produção, mas que daria informação para entrarem em contacto;

15) Aquando do referido no facto 26.º não tenha sido dada à A. oportunidade de proceder à reparação;

16) O único e pequeno defeito denunciado “manchas de humidade na fracção com entrada pelo n.º .., 2.º dt.º, do edifício do 1.º R., tem origem, muito provavelmente, ou na falta de manutenção na saída de águas no terraço sobrejacente à fracção;

17) Ou na execução do barramento do betão das guardar sem a incorporação de uma armadura de fibra de vidro;

18) Aquando do referido no facto 47.º, o proprietário do 2.º dt.º tenha manifestado a sua indignação por não ter havido qualquer iniciativa da A. conducente à resolução do problema;

19) A A. chegou a agendar diversas deslocações, às quais não compareceu ou não deu resposta, durante o mês de Junho de 2013, enviando depois correspondência electrónica na tentativa de sanar tais falhas e dar a entender que estava a resolver o assunto;

20) É visível actualmente a existência de água no tecto do quarto assinalado com a letra C no esquema de fls. 143 e 144, bem como de humidade, manchas ou água nos tectos dos demais quartos do 2.º dt.º;

21) São cada vez mais graves as infiltrações num dos quartos do 4.º andar dt.º, deixando a parede com bolhas e a madeira do revestimento da parede completamente empenada, o que indicia ser infiltração proveniente da varanda devido a fissuras horizontais detectadas, à semelhança das outras varandas do mesmo lote .;

22) O valor da garantia será suficiente para proceder às reparações nas varandas que originam a entrada de água nas três fracções;

23) Na sequência das infiltrações ocorridas no dia 14 de Dezembro de 2012, no 1.º dt.º foram afectados um computador e uma secretária de trabalho, que ficaram irremediavelmente sem utilização, e cujo prejuízo é estimado em € 1.500,00;

24) O revestimento de madeira do quarto sito no 4.º dt.º a que se alude na factualidade provada esteja empenado;

25) A origem das infiltrações de água no 1.º andar dt.º deve-se à má execução da obra no piso das varandas do 2.º dt.º;

26) A origem das infiltrações existentes no 4.º andar deve-se à má execução da obra no piso da respectiva varanda;

27) No 2.º andar dt.º, entrada .., será ainda necessário eliminar as diferenças entre os tacos dos três quartos e restantes divisões da casa, no mesmo piso;

28) No 2.º andar dt.º, entrada .., será necessário proceder à pintura da totalidade das paredes e dos tectos dos quartos assinalados pelas letras “A” e “B” porque afectados pelas manchas de humidades;

29) Das operações de reabilitação do revestimento do solo resultarão sujidades e danos nas paredes e tectos da totalidade dos quartos do 2.º andar dt.º, entrada 21;

30) Será ainda necessário proceder à remoção das camadas de tinta seca e estalada por efeito das infiltrações e à uniformização das superfícies por aplicação de betumes e posterior lixagem;

31) No 1.º andar dt.º, entrada .., será necessário proceder à remoção do rodapé para raspagem e lixagem uniforme de toda a superfície;

32) Na fracção correspondente ao 4.º dt.º, entrada .., será necessário proceder à remoção dos tacos danificados, à aquisição e recolocação de tacos novos, à remoção do rodapé para raspagem e lixagem mecânica em toda a área afectada;
*
O tribunal não se pronuncia sobre o demais alegado por conter matéria de direito, e como tal conclusiva, ou irrelevante para a decisão da causa.

3. Do mérito do recurso

O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC ), consubstancia-se nas seguintes questões:

─ saber se a garantia bancária consubstancia uma cláusula penal;
─ caducidade dos direitos da apelante;
─ abuso do direito na invocaçãio da caducidade.

Porque o conhecimento da execpção de caducidade precede a apreciação das demais questões suscitadas, designadamete do pedido reconvencional, consuidera-se prejudicada a impugnação da matéria de facto deduzida pela apelante por não contender com a apreciação da excepção, com ressalva de um ponto que se abordará no momento próprio.

3.1. Garantia bancária e cláusula penal

A sentença recorrida considerou prejudicada a apreciação da excepção de caducidade por ter entendido que a garantia bancária consubstanciava uma cláusula penal.

Escreveu-se na sentença recorrida:

Temos assim por provados os defeitos da empreitada, sendo certo que a prova do defeito não se confunde com a sua causa ou origem que, aliás, será a Autora a parte melhor posicionada para o detectar.
Contudo, as partes, no momento da celebração do contrato, e ao abrigo da liberdade contratual, acordaram que, para garantir a boa execução das obras de reabilitação, o segundo Réu obrigar-se-ia a pagar ao primeiro Réu, à primeira solicitação, a quantia correspondente a 10% do preço global fixado, ou seja, de €22.900,00.
Estamos, claramente, perante um contrato de garantia bancária autónoma, à primeira solicitação.
O contrato de garantia bancária autónoma é um contrato inominado em que normalmente um banco assegura perante o beneficiário o correcto cumprimento das obrigações assumidas pelo outro contraente que garante (mandante).
Este tipo de contratos aparece normalmente relacionado com contratos comerciais internacionais, quando, designadamente, o importador de determinada mercadoria – devedor da obrigação pecuniária -, solicita a um banco que garanta o compromisso de pagamento de determinada quantia à contraparte do negócio. Por outro lado, o credor, no caso de importação de mercadoria, o exportador, é aquele em benefício de quem o crédito é aberto, tomando a designação de beneficiário.
“Mas a garantia autónoma tem sido mais frequentemente usada como caução de uma eventual indemnização derivada do incumprimento contratual, em especial para o caso de não cumprimento do contrato de empreitada” (cfr. Dr.s Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte in “Garantias do Cumprimento”, pág. 51), como aliás o demonstram os presentes autos.
A obrigação assumida pelo banco é autónoma relativamente ao contrato que está na sua origem, bem como relativamente ao contrato entre o cliente do banco e o próprio banco, em execução do qual este último se vincula perante o credor.
Para o que ora interessa, o mandante da garantia não pode opor ao banco quaisquer excepções que resultem das suas relações com o beneficiário, havendo uma total autonomia das relações entre os diferentes intervenientes, o que significa que, em princípio aquele não pode impedir o pagamento.
Tal significa que o mesmo não pode ser objecto de nenhum acto jurídico que, unilateralmente, faça cessar os seus efeitos ou alterar o seu conteúdo e vincula quer o banco que o emitiu, quer o que o tenha confirmado.
Contudo, existem limites aceites pela jurisprudência e doutrina os quais, para além do mais, se prendem com a assumpção de comportamentos abusivos por parte do beneficiário que possam ser enquadradas como situações de fraude (cfr. Ac. do S.T.J. de 30.10.2002, publicado na R.L.J. n.º 2818/02, 2ª Sumários, 10/2002).
Face a este elemento, é de concluir que as partes pretenderam, na economia do contrato que outorgaram, garantir a hipótese da execução pontual da obra pela disponibilização ao primeiro Réu de um montante, que consideraram ser o adequado para a eliminação de eventuais defeitos surgidos.
Temos assim que através de tal garantia, atento o seu regime, renunciaram as partes, respectivamente, ao direito e ao correspondente dever de eliminação dos defeitos, que acautelaram pela entrega de um valor certo e determinado.
Pelo que, provados os defeitos e não se vislumbrando qualquer posição abusiva no exercício do direito do primeiro Réu a accionar a garantia autónoma prestada, nem provado que está o seu excesso relativamente aos defeitos invocados, nem estando, pela sua natureza, aquela dependente do efectivo apuramento dos valores necessários à sua eliminação, terá a acção que improceder, quer no que tange aos pedidos principais, quer aos pedidos subsidiários.
E, assim sendo, fica prejudicada a apreciação quer do pedido reconvencional deduzido, quer da caducidade invocada e a este oposta.

Apreciando:

Segundo os pontos 4 e 5 da matéria de facto provada, no dia 3 de Junho de 2008, a A. entregou ao 1.º R. uma garantia bancária no valor de 10% do preço total fixado, ou seja, € 22.900,00, para garantia inerente à boa execução da obra, e, nos termos de tal garantia, emitida em 3 de Junho de 2008 e válida por cinco anos e sete meses, o 2.º R. garante assumir o compromisso irrevogável de pagar, logo à primeira solicitação e sem direito de protesto ou reclamação, e até à concorrência do montante garantido, qualquer verba que o beneficiário lhe venha a exigir.

Acompanhamos a sentença quando refere que estamos perante uma garantia bancária on first demand.

Com efeito, a interpretação do texto da garantia, ao referir que o pagamento é feito à primeira solicitação, e sem direito de protesto ou reclamação, remete-nos para a garantia bancária à primeira solicitação, em que o banco garante não pode recusar o pagamento com fundamento quer na relação que está na base da garantia (entre devedor e beneficiário), quer na relação de mandato (entre o garante e o devedor).

Como se sublinha no acórdão do STJ, de 2010.04.21, Maria dos Prazeres Beleza, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 458/09.2YFLSB, a interpretação literal reveste-se de particular importância na determinação do sentido em que a garantia bancária deve ser interpretada, atenta a finalidade deste instrumento: obviar a discussões acerca da existência e dos contornos do direito do credor, beneficiário da garantia, sob pena de se comprometer a eficácia de um instrumento que se pretende célere.

É precisamente por que está, em princípio, vedada a discussão acerca a relação entre credor e beneficiário que esteve na base da garantia que Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, Almedina, 3.ª ed., pg.643, afirma que “a função da garantia autónoma não é, tanto, assegurar o cumprimento dum determinado contrato. Ela visa, antes, assegurar que o beneficiário receberá, nas condições previstas no próprio texto da garantia, uma determinada quantia em dinheiro”.

Assim, como refere Mónica Jardim, A garantia autónoma, Almedina, pg. 115-6, A obrigação do garante de entregar uma determinada quantia pecuniária ao beneficiário depende exclusivamente da verificação das condições definidas no contrato de garantia. Não há, em princípio, interferência da convenção que liga o dador da ordem ao beneficiário da garantia.

Por outras palavras, ao honrar a garantia, pagando a quantia reclamada pelo beneficiário, dentro dos limites da garantia, o banco garante está a cumprir uma obrigação própria, emergente do contrato celebrado com o devedor, assegurando o interesse do beneficiário da garantia.

Já não podemos acompanhar a sentença recorrida quando afirma que as partes pretenderam, na economia do contrato que outorgaram, garantir a hipótese da execução pontual da obra pela disponibilização ao primeiro Réu de um montante, que consideraram ser o adequado para a eliminação de eventuais defeitos surgidos.

As partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível ─ é o que se chama cláusula penal (artigo 810.º CC ).

Nas palavras de Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão da Responsabilidade Civil, Almedina, pg. 136,
"Cláusula penal é a estipulação mediante a qual as partes convencionam antecipadamente - isto é, antes de ocorrer o facto constitutivo de responsabilidade - uma determinada prestação, normalmente uma quantia em dinheiro, que o devedor deverá satisfazer ao credor em caso de não cumprimento, ou de não cumprimento perfeito (maxime em tempo) da obrigação".

Com a cláusula penal as partes fixam antecipadamente a indemnização devida pelo incumprimento, independentemente de o prejuízo ser superior, inferior ou mesmo inexistente, assim evitando litígio quanto ao montante dos danos.

A garantia bancária on first demand é uma garantia pessoal que reforça a garantia geral das obrigações, que é o património do credor, não configurando uma fixação antecipada do dano.

Basta atentar no texto da garantia: o banco compromete-se a pagar até à concorrência do montante garantido, qualquer verba que o beneficiário lhe venha a exigir.

Não se trata, pois, de uma quantia fixa, mas de um montante máximo, que pode ser reclamado em função dos danos que se pretende ressarcir.

Se atentarmos no funcionamento da garantia on first demand na vertente das relações que se estabelecem entre o banco garante e o credor, por um lado, e entre o credor e o devedor, por outro.
Recorremos ao ensinamento de Professor Galvão Telles, O Direito, Ano 120, pg. 275 e ss.:
“A garantia autónoma é a garantia pela qual o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de alegada inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato-base), sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato.
Estamos a pensar na hipótese, de longe a mais frequente, de a garantia autónoma se reportar a obrigações contratuais, mas nada obsta a que verse sobre obrigação de diversa índole.
O garante paga ao credor sem discutir; depois o devedor tem de reembolsar o garante, também sem discutir.
E será, por último, entre o devedor e o credor que se estabelecerá controvérsia, se a ela houver lugar, cabendo ao devedor o ónus de demandar judicialmente o credor para reaver o que houver desembolsado, caso a dívida não existisse e ele portanto não fosse, afinal, verdadeiro devedor.”
Não se exclui que a garantia on first demand possa garantir uma cláusula penal. No entanto, para que isso sucedesse, necessário seria que o montante garantido fosse fixo, e não variável, e ainda que tal cláusula estivesse prevista no contrato, o que não sucede.

Significa isto que a garantia em causa não configura uma cláusula penal, mas tão só uma garantia da boa execução da obra.

A garantia bancária não dispensa que, no confronto do devedor e credor (apelante e apelada) se discutam os direitos que assistem à apelada na qualidade de dona da obra.

E, para que tal suceda, é necessário apreciar a questão da caducidade, suscitada pela apelante na resposta ao pedido reconvencional deduzido pela apelada.

Por força do princípio da substituição consagrado no artigo 665.º CPC, passa-se a conhecer da excepção de caducidade.

3.2. Da caducidade

Nos termos do artigo 1225.º, n.º 1, CC, o prazo de garantia para reparação de edifícios é de cinco anos a contar da entrega, se outro não for convencionado.

A denúncia deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização e o direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221.º devem ser pedidos no ano seguinte à denúncia (n.ºs 2 e 3).

O que se discute aqui é se a apelada exerceu os direitos que se arroga tempestivamente.

Não está em causa a existência de defeitos na execução da obra, nem a sua denúncia, mas tão só se os direitos que a apelada se arroga se arroga foram tempestivamente exercidos.

Recorde-se que a apelada, depois da denúncia dos defeitos accionou a garantia bancária, entretanto paralisada pela apelante em sede cautelar.

A existência de uma garantia bancária on first demand a garantir a boa execução da obra não dispensa o cumprimento do regime legal da empreitada, designadamente a denúncia dos defeitos e a instauração da respectiva acção se os defeitos não forem voluntariamente eliminados. Nem a apelada o questiona, pois veio exercer os direitos que se arroga em sede reconvencional.

Estão em causa os defeitos existentes nas varandas e fracções dos 1.º, 2.º e 4.º andares direitos.

São os seguintes os factos relevantes para a apreciação da excepção de caducidade:

7. A A. iniciou os trabalhos relativos à empreitada adjudicada em Junho de 2008 e foram concluídos na sua maioria em Junho de 2009;

38. Durante o ano de 2011, o 1.º R. denunciou algumas anomalias, que foram sendo reparadas, sendo que as detectadas no 4.º dt.º, da entrada .. do lote . não o foram;

39. Na madrugada do dia 14 de Dezembro de 2012, após chuvas intensas, entrou água num dos quartos, mais concretamente no quarto assinalado com a letra “C” do esquema constante de fls. 143 e 144, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, apresentando uma película de água em grande parte da sua extensão;

40. No mesmo dia, detectou-se que nos escritórios do andar de baixo, 1.º dt.º, a água pingava do tecto, praticamente no ponto correspondente à zona do quarto C do 2.º andar dt.º;

12. Já no final de 2012, o 1.º R. efectuou uma denúncia de existência de uma inundação na fracção com entrada pelo n.º 21, 2.º dt.º, do prédio do 1.º R.;

41. Após denúncia destes factos, em 19 de Dezembro de 2012, a A. fez deslocar ao local um funcionário, de nome P..., a que se alude no facto 13.º, para constatação das identificadas infiltrações;

90. O pedido deduzido em sede reconvencional deu entrada em juízo no dia 7 de Maio de 2014;

O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine (artigo 328.º CC).

Não tendo havido reconhecimento do direito da apelada, a caducidade apenas poderia ser impedida pela instauração da acção (dedução do pedido reconvencional no caso dos autos ─ artigo 331.º CC).

Da conjugação dos factos supra enunciados resulta que o pedido reconvencional foi deduzido muito para além do prazo de um ano previsto no artigo 1225.º , n.ºs 2 e 3, CC, concluindo-se, assim, pela caducidade do direito da apelada.

3.3. Do abuso do direito na invocação da caducidade

Sustenta a apelada que a apelante incorre em abuso do direito, na modalidade do venire contra factum proprium, ao invocar a caducidade, por contrariar a abertura manifestada pela apelante para a verificação das anomalias verificada nas fracções.

Afirma que a apelante teve um comportamento que induziu a apelada em erro, de forma propositada e consciente, pois afinal não pretendia efectuar qualquer intervenção, esperando ser accionada judicialmente.

Importa, assim, começar por precisar os contornos do instituto do abuso do direito nesta específica vertente.

Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, vol. II, pg.746-7, faz uma primeira delimitação do instituto:

«O âmbito extenso de que o venire contra factum proprium se pode revestir requer uma delimitação prévia, ainda que empírica e provisória, do alcance figurativo da fórmula. Desse modo, só se considera como venire contra factum proprium a contradição directa entre a situação jurídica originada pelo factum proprium e o segundo comportamento do autor. Por outro lado, afasta-se também, à partida, a hipótese de o factum proprium, por integrar pressupostos de autonomia privada, surgir como acto jurídico que vincule o autor em termos de o segundo comportamento representar a violação desse dever específico; accionar-se-iam então os pressupostos da chamada responsabilidade obrigacional e não os do exercício inadmissível das posições jurídicas. Feitas essas precisões, há venire contra factum proprium, em primeira linha, numa de duas situações: quando uma pessoa em termos que, especificamente, não a vinculem, manifeste a intenção de não ir praticar determinado acto e, depois, o pratique, e quando uma pessoa, de modo, também, a não fica especificamente adstrita, declare pretender avançar com certa actuação e, depois, se negue.»

Batista Machado, num estudo intitulado Tutela da Confiança e Venire Contra Factum Proprium, in Obra Dispersa, I, Coimbra Editora, pg. 416, também sublinha que o factum proprium subjacente à figura em análise não vincula juridicamente o sujeito:
«O ponto de partida é, pois, uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira. Pode tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico.»

O mesmo autor, em anotação publicada na Revista da Ordem dos Advogados, n.º 58, pg. 964, também aborda esta problemática:

«O venire traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. (…) No plano dogmático, o venire aparece hoje ligado fundamentalmente à doutrina (da protecção) da confiança: um comportamento não pode ser contraditado quando tenha suscitado a confiança dos sujeitos envolvidos. Por isso, o critério básico do venire é o da exigência da tutela da confiança. E sabido que a protecção da confiança não é absoluta. De outro modo, as soluções jurídicas acabariam por espelhar apenas aquilo em que, por uma razão ou por outra, as pessoas acreditassem. Por isso, ela requer a verificação de condições particulares, que se podem apurar a partir da análise do Direito positivo.
Resumidamente, podem apontar-se quatro pressupostos da protecção da confiança através do venire:
1.° uma situação de confiança, traduzida na boa fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no factum proprium);
2.° uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis;
3.° um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade na base do factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara;
4.° uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no factum proprium) lhe seja de algum modo recondutível».

São, efectivamente, frequentes as situações em que os empreiteiros prometem que vão resolver o problema sem o recurso a tribunal e vão arrastando as promessas até se esgotar o prazo de caducidade, e quando são confrontados com uma acção judicial invocam a caducidade (cfr., v.g., o acórdão do STJ, de 2007.11.27, Mário Cruz, www.dgsi.pt.jstj, proc. 07A3581: Age com abuso de direito o construtor - vendedor de imóvel que, depois de lhe terem sido denunciados defeitos da obra em tempo oportuno e que se compromete a repará-los sem ter colocado restrição alguma, vem depois invocar a caducidade da acção alegando não ter esta sido interposta no prazo legal, quando a sua actuação paulatina, espaçada e parcial fora conduzida por forma a fazer acreditar os compradores que os eliminaria independentemente do prazo de caducidade da acção, sem haver necessidade de recurso a actuação judicial).

A jurisprudência do STJ tem sido sensível a estas situações em homenagem ao princípio da boa fé, considerando não ser exigível a instauração da acção para eliminação dos defeitos por forma a obviar à caducidade do direito, quando o empreiteiro se compromete a eliminar os defeitos procedendo a intervenções nesse sentido, ainda que sem sucesso.

No acórdão do STJ, de 2009.09.24, Lopes do Rego, www.dgsi.pt, jstj, proc. n.º 2210/06.8TVPRT.S1 [reportado à compra e venda, mas é igualmente aplicável à empreitada por identidade de regime neste aspecto], sublinha-se não ser aceitável obrigar o credor a intentar uma acção quando está em curso uma tentativa de resolução extrajudicial da questão, o que configuraria falta de interesse em agir, situação que só se inverterá quando houver recursa da existência de defeito e dever de sua reparação. Só nesse momento começa a correr o prazo de caducidade por até aí o direito não poder ser exercido (cfr. artigo 329.º CC).

No mesmo sentido, acórdão do STJ, de 2015.10.01, Abrantes Geraldes, www.dgsi.pt jstj, proc. n.º 279/10.0TBSTR.E1.S1.

No entanto, o acórdão de 2014.09.18, do mesmo Relator, www.dgsi.pt, jstj, proc. n.º 1857/09.9TJVNF.S1.P1, adverte, com inteira pertinência:

No entanto, esta tese geral – que, como se viu, tem tido acolhimento ao nível da jurisprudência, nomeadamente do STJ – não dispensa uma ponderação cuidada das circunstâncias peculiares do caso concreto, de modo a avaliar da seriedade e consistência das expectativas de resolução amigável do litígio acerca dos vícios da coisa, dispensando o recurso à via judiciária enquanto se não revelar plenamente o resultado das tentativas do vendedor de eliminar os defeitos da coisa vendida, que admite como eventualmente existentes: na realidade, neste, como em muitos outros casos, estando em causa a densificação e concretização de cláusulas gerais – boa fé, abuso de direito – a actividade do intérprete e aplicador do direito passa necessariamente por uma cuidada avaliação e ponderação casuísticas do significado a atribuir às condutas das partes, face às circunstâncias peculiares de cada situação litigiosa.

Vejamos então se os factos apurados foram de molde a incutir na apelada a convicção fundada de que os problemas seriam resolvidos sem necessidade de recurso à via judicial.

7. A A. iniciou os trabalhos relativos à empreitada adjudicada em Junho de 2008 e foram concluídos na sua maioria em Junho de 2009;

29. Durante a execução da obra, os funcionários da A. estiveram sempre disponíveis para, juntamente com a Fiscalização e o Gabinete do Professor O..., analisar e encontrar as melhores soluções técnicas;

30. A negociação e a execução da obra de reabilitação sempre se pautaram pelo cumprimento das melhores práticas de gestão de obra além do respeito mútuo entre todas as entidades e pessoas envolvidas;

31. A atitude da A. alterou-se a partir de finais de 2009, inícios de 2010, concomitantemente com o aparecimento de novos interlocutores por parte desta, que pareciam desconhecer os termos da execução da obra e do contrato, manifestando um nível de experiência inferior ao dos seus predecessores;

11. Durante o ano de 2011, o 1.º R. reportou à A. anomalias, que na sua maioria foram resolvidas;

38. Durante o ano de 2011, o 1.º R. denunciou algumas anomalias, que foram sendo reparadas, sendo que as detectadas no 4.º dt.º, da entrada .. do lote . não o foram;

39. Na madrugada do dia 14 de Dezembro de 2012, após chuvas intensas, entrou água num dos quartos, mais concretamente no quarto assinalado com a letra “C” do esquema constante de fls. 143 e 144, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, apresentando uma película de água em grande parte da sua extensão;

40. No mesmo dia, detectou-se que nos escritórios do andar de baixo, 1.º dt.º, a água pingava do tecto, praticamente no ponto correspondente à zona do quarto C do 2.º andar dt.º;

12. Já no final de 2012, o 1.º R. efectuou uma denúncia de existência de uma inundação na fracção com entrada pelo n.º 21, 2.º dt.º, do prédio do 1.º R.;

41. Após denúncia destes factos, em 19 de Dezembro de 2012, a A. fez deslocar ao local um funcionário, de nome P..., a que se alude no facto 13.º, para constatação das identificadas infiltrações;

13. Tendo em Dezembro de 2012, a A. enviado um funcionário ao local com o objectivo de proceder ao levantamento da ocorrência/reclamação, tendo a mesma sido registada no relatório constante de fls. 28 a 31, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

14. No relatório a que se alude no número anterior, o funcionário consignou que “Foi verificado no local, que existia falta de manutenção na saída das águas do terraço, causa esta que origina o nível da água do terraço transbordar a cota das soleiras” e concluiu que “as causas da reclamação existente, são alheias de responsabilidade da B..., uma vez que a B... respeitou as cotas existentes no edifício” (teor do documento referido no número anterior”;

42. De tal visita foi elaborado um relatório, o constante de fls. 28 a 31, sem que contudo, fosse o mesmo dado a conhecer ao 1.º R.;

43. Só após a insistência e interpelação do proprietário do 2.º andar dt.º, a A. deu a conhecer, em Abril de 2013, o resultado da visita ao local efectuada em 19.12.2012;

44. Foi o proprietário do 2.º andar dt.ª, Prof. Dr. E..., que teve a iniciativa de entrar em contacto telefónico com a A., no sentido de saber dos resultados da visita/vistoria à sua fracção, tendo conversado com a Dr.ª Q..., que se identificou como jurista da A.;

46. Naquela conversa telefónica ocorrida entre o proprietário do 2.º dt.º e a funcionária da A., esta informa da existência de um relatório em que a A. declina as suas responsabilidades no incidente, nada justificando quanto à razão pela qual não tinham dado, até àquela data, conhecimento do relatório nem aos proprietários afectados, nem ao 1.º R., nem à Fiscalização, nem ao gabinete do Prof. O...;

47. Neste primeiro contacto, o proprietário do 2.º dt.º reclama ser informado do relatório para se poder pronunciar sobre a argumentação invocada pela A.;

48. E manifesta a sua indignação por não ter ainda sido informado do mesmo;

15. Em 26 de Abril de 2013, foi a A. interpelada telefonicamente pelo Prof. Doutor E..., que depois de ter analisado o relatório, quis mostrar a sua indignação por não concordar com o conteúdo do mesmo, chegando mesmo a ameaçar o accionamento da garantia bancária caso não fosse feita outra avaliação;

49. Depois de ter acesso ao teor do relatório, esclareceu que perante a conclusão apresentada, de que a infiltração se devia a entupimento na extremidade oposta da varanda, considerava não ter a mesma qualquer fundamento;

50. Aproveitou ainda para informar a interlocutora de que a obra tinha sido executada com garantia de cinco anos e que o condomínio se reservava o direito de accionar a garantia bancária prestada para o efeito;

16. Disponibilizou-se então a A. a enviar nova equipa técnica de forma a fazer uma segunda avaliação (doc. de fls. 32, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

51. Na sequência da situação descrita, e perante a insistência do proprietário da fracção do 2.º dt.º, a A. agendou uma nova visita ao local, em inícios de Maio, na qual estiveram presentes o Eng. J..., pela A., e também a Eng. M... e Sr. L..., pela Fiscalização, nos termos referidos no facto 17.º;

17. Foi efectuada então uma visita, no início do mês de Maio de 2013, pelo Eng. J... e o Encarregado K..., representantes da A., na presença do Prof. E..., do Sr. L... e da Eng. M..., na condição de Fiscalização;

52. Desta reunião com a A. não se chegou a conclusão nenhuma sobre os motivos das infiltrações, tendo sido aventadas várias hipóteses por todos os presentes;

53. Não tendo sido possível a determinação da causa das infiltrações nas varandas, estabeleceu-se com o Eng. J... a execução de alguns ensaios a realizar com água à vista, ou seja, enchimento de água em toda a varanda, de modo a repetir a ocorrência de 14 de Dezembro de 2012;

18. Em final de Maio, a A. deu início a testes, que se repetiram por dois dias, de forma a aferir a possível entrada de água;

56. Antes dos testes, foi medido o nível de humidade nas paredes e solo dos quartos e o resultado foi de teores de humidade elevados ou acima da gama de funcionamento do próprio aparelho, com a indicação de saturado;

54. Na esperança de ainda conseguir reproduzir exactamente a ocorrência do incidente, manteve-se em contínuo uma mangueira a incidir, durante horas, na fachada e murete correspondente ao 2.º dt.º;

55. Todavia, e apesar de todos os esforços, e de não ter ocorrido qualquer infiltração de água no interior do 2.º dt.º, constatou-se que pingava água no tecto do 1.º dt.º;

19. No dia 29 de Maio foi enviado um relatório do resultado dos testes, cujo teor é o constante do documento de fls. 36, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

57. Sobre o resultado destas medições e dos testes realizados, declarou a A. não serem conclusivos, por não ter sido reproduzida integralmente a situação ocorrida anteriormente, em 14 de Dezembro;

20. A A. constatou que se indiciava a existência de problemas na ligação do tubo de queda disponibilizando-se, caso fosse necessário, para proceder à respectiva reparação;

Consigna-se, nos termos do artigo 607.º, n.º 4, ex vi artigo 663.º, n.º 2, CPC) que a constatação de que havia problemas no tubo de queda surgiu na sequência dos
testes realizados, de resultado inconclusivo, quando se procedeu ao vazamento do terraço, conforme consta do relatório de fls. 36.

21. Ficando a A. a aguardar autorização para montagem da torre de andaime, assim como para acesso à fracção adjacente;

59. A A. comprometeu-se a iniciar as reparações relativas ao tubo de queda a partir de 5 de Junho de 2013, tendo-lhe sido dada autorização para montagem dos andaimes pelo proprietário do 2.º andar dt.º;

60. A A. obteve da administração do 1.º R. autorização para a montagem dos andaimes, o que ocorreu em 8 de Julho de 2013;

58. A A. nunca chegou a realizar a obra relativa ao tubo de queda;

26. Em finais de Junho de 2013, o 1.º R. solicita ao 2.º o accionamento da totalidade do valor de € 22.900,00;

63. Foi porque a A. agendou as obras e não cumpriu que o 1.º R. accionou a garantia.

90. O pedido deduzido em sede reconvencional deu entrada em juízo no dia 7 de Maio de 2014.

É neste quadro factual que temos de aferir se existe intenção séria da apelante em reparar os defeitos denunciados e se a boa fé da apelada merece tutela.

Adiantemos já que a resposta é negativa.

Resultou provada a atitude colaborante da apelante durante a execução das obras, mas também a alteração dessa atitude em momento anterior à denúncia dos defeitos aqui em discussão.

A questão do 4.º andar direito não suscita qualquer dúvida: a denúncia foi feita pelo menos em 2011, não foi resolvida nem foi objecto de qualquer referência posterior, designadamente quanto à realização de testes.

Assim, no dia 7 de Maio de 2014, quando foi apresentada em juízo a reconvenção onde a apelada exerceu os direitos que se arroga, já se encontrava verificada a excepção de caducidade.

Passemos a analisar então a situação dos 1.º e 2.º andares direitos.

Relativamente aos defeitos denunciados em Dezembro de 2012, a apelante, apesar de ter feito lá deslocar um trabalhador para apreciar a situação, concluiu que o problema radicava na falta de manutenção na saída das águas do terraço, não dando sequer conhecimento desse relatório à apelada, nem apresentando qualquer justificação para o efeito.

A partir deste momento a apelada tinha de perceber que não havia vontade séria de resolver o problema.

A apelante anuiu a fazer testes para apurar das razões da infiltrações, mas apenas porque foi ameaçada com a possibilidade de ser accionada a garantia, o que demonstra a sua pouca abertura para resolver o problema.

O resultado dos testes foi inconclusivo: Sobre o resultado destas medições e dos testes realizados, declarou a A. não serem conclusivos, por não ter sido reproduzida integralmente a situação ocorrida anteriormente, em 14 de Dezembro.

Afigura-se pouco sério fazer depender a resolução de um problema de se conseguir reproduzir integralmente uma situação anteriormente ocorrida (forte tempestade)!

Mais: a apelante faz os testes por que pressionada pela apelada, sob ameaça de accionamento da garantia, não demonstrando qualquer propósito de eliminar os defeitos voluntariamente.

E a prova de que a apelada não confiou na apelante é que acabou por accionar a garantia bancária. A apelada confiou na garantia bancária, não na apelante, que, recorde-se, começou logo por declinar a responsabilidade, só actuando mediante a ameaça de accionamento da garantia bancária.

O que, aliás, fez, com o argumento de que a apelante não executou as obras a que se comprometeu.

No entanto, alinhada a matéria de facto, verifica-se que a obra a que a apelante se comprometeu, e não realizou, foi a reparação do tubo de queda, que nada tem a ver com os defeitos que aqui se discutem.

Por isso, contrariamente ao que consta da matéria de facto, aliás impugnada neste ponto, nunca poderia ser essa a razão do accionamento da garantia, tanto mais que quando ela foi accionada a apelante ainda não dispunha da autorização do condomínio para instalar os andaimes.

Seja como for, o accionamento da garantia bancária não é sucedâneo para a instauração da acção destinada a exercer os direitos emergentes do cumprimento defeituoso.

O accionamento da garantia dispensa a discussão do litígio no confronto entre o beneficiário e o garante; mas não no confronto com o devedor.

Por outras palavras, contrariamente ao assumido na sentença, o accionamento da garantia não encerra o litígio entre o beneficiário e o devedor.

Daí que a apelante tenha intentado a acção cuja decisão é objecto de recurso, e a apelada não tenha deixado de deduzir o pedido de eliminação do defeitos, embora em sede subsidiária, em reconvenção.

A existência de uma garantia bancária para garantir a boa execução do contrato não afasta o regime legal da empreitada.

Não se pode concluir que a apelante tenha criado uma situação de confiança que justificasse a inércia da apelada.

Recorde-se que a apelante limitou-se a fazer os testes exigidos pela apelada mediante ameaça de accionamento da garantia bancária, nunca assumindo a iniciativa, nunca demonstrando um efectivo emprenho na resolução do problema.

Aliás, ainda que tivesse fundamento para acreditar nas boas intenções da apelante, mandam as regras da prudência que, nada havendo de concreto, como não havia, que a acção fosse intentada antes de concluído o prazo de um ano a contra dos defeitos.

Da mesma forma que accionou a garantia, deveria ter intentado a acção por forma a respeitar o prazo de um ano.

Não se olvida que ainda se apurou que:

23. Nos dias 11 e 21 de Junho, A. insistiu junto da N..., Ld.ª, para que lhe fosse enviada “comunicação escrita sobre a sua posição sobre a reclamação do defeito apresentado na Obra em questão” (doc.s de fls. 41 e 42, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

24. Na comunicação remetida no dia 21 de Junho foi concedido àquela sociedade o prazo de cinco dias para a resposta por escrito “ou seremos forçados a tomar medidas para o efeito” (doc. de fls. 42);

Tais factos, no entanto, não são idóneos para alicerçar uma convicção legítima na apelada de que a apelante pretendia assumir a responsabilidade porquanto também resultou provado que:

68. O 1.º R. não foi informado pela A. que estavam a ser pedidas responsabilidades ao subempreiteiro;

Por outro lado, o tubo de queda que a apelante se propôs reparar nada tem a ver com a situação em causa nos autos: a constatação de que havia problemas no tubo de queda surgiu na sequência dos testes realizados, de resultado inconclusivo, quando se procedeu ao vazamento do terraço, conforme consta do relatório de fls. 36.

Finalmente, os problemas a que se alude no ponto 9 da matéria de facto nada têm a ver com a questão aqui em discussão, como resulta dos pontos 35 e 36 da matéria de facto provada.

O instituto do venire contra factum proprium destina-se a tutelar a confiança legítima, não a ingenuidade, credulidade, excesso de confiança da contraparte, ou a sua inércia.

4. Decisão

Termos em que julgando a apelação procedente, declara-se a caducidade dos direitos reclamados pela apelada em sede reconvencional, absolvendo a apelante do pedido reconvencional, e, consequentemente, que a apelada não tem direito a accionar a garantia bancária, condenando-.se o 2.º R., o D..., S.A., a não proceder ao seu pagamento à beneficiária.

Custas pela apelada.

Porto, 16 de Maio de 2017
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
José Igreja Matos
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Sumário
1. Uma garantia bancária em que o banco garante assumir o compromisso irrevogável de pagar, logo à primeira solicitação e sem direito de protesto ou reclamação, e até à concorrência do montante garantido, qualquer verba que o beneficiário lhe venha a exigir constitui uma garantia bancária on first demand.
2. Com a cláusula penal as partes fixam antecipadamente a indemnização devida pelo incumprimento, independentemente de o prejuízo ser superior, inferior ou mesmo inexistente, assim evitando litígio quanto ao montante dos danos.
3. A garantia bancária on first demand é uma garantia pessoal que reforça a garantia geral das obrigações, que é o património do credor, não configurando uma fixação antecipada do dano.
4. Garantia bancária e cláusula penal são institutos distintos.
5. Ao honrar a garantia, pagando a quantia reclamada pelo beneficiário, dentro dos limites da garantia, o banco garante está a cumprir uma obrigação própria, emergente do contrato celebrado com o devedor, assegurando o interesse do beneficiário da garantia.
6. A existência de uma garantia bancária on first demand a garantir a boa execução da obra não dispensa o cumprimento do regime legal da empreitada, designadamente a denúncia dos defeitos e a instauração da respectiva acção se os defeitos não forem voluntariamente eliminados.
7. A jurisprudência do STJ, em homenagem ao princípio da boa fé, tem considerado não ser exigível a instauração da acção para eliminação dos defeitos por forma a obviar à caducidade do direito, quando o empreiteiro se compromete a eliminar os defeitos procedendo a intervenções nesse sentido, ainda que sem sucesso.
8. Este entendimento não dispensa uma ponderação cuidada das circunstâncias peculiares do caso concreto, de modo a avaliar da seriedade e consistência das expectativas de resolução amigável do litígio acerca dos vícios da coisa.
9. Não se enquadra nessa situação a actuação do empreiteiro que começa por negar a sua responsabilidade nos defeitos e só acede a realizar testes para a sua correcção mediante a ameaça de accionamento da garantia bancária, não demonstrando qualquer propósito serio de eliminar os defeitos voluntariamente.
10. Assim, para obviar à caducidade do direito o credor deveria ter intentado a acção no prazo de um ano a contar da denúncia do defeito.

Márcia Portela