Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3032/22.4T8FNC-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
DECISÃO PROVISÓRIA
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RP202306053032/22.4T8FNC-C.P1
Data do Acordão: 06/05/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; DECISÃO ALTERADA.
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O Regime Geral do Processo Tutelar Cível consagra a possibilidade de o juiz, no âmbito de um processo tutelar cível pendente, decidir, fundamentadamente, a título provisório, questões, a demandar uma regulação urgente, que devam ser apreciadas a final (bem como ordenar diligências essenciais para assegurar a execução efetiva da decisão), viabilizando, com estas providências cautelares em matéria tutelar cível, a proteção e defesa do superior interesse da criança.
II - No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, a falta de acordo dos progenitores, na conferência, demanda decisão provisória, obrigatória.
III - O critério orientador na decisão do tribunal é o interesse superior da criança (e não o interesse de qualquer dos pais, que apenas deve ser considerado na justa medida em que se mostre conforme àquele). O superior interesse do menor é um conceito vago e indeterminado, uma orientação para o julgador perante o caso concreto, com a primazia da criança como sujeito de direitos, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor.
IV - É de primordial interesse para a criança poder crescer e formar a sua personalidade na convivência, o mais igualitária possível, com a mãe e com o pai.
V - Os princípios basilares a observar, no que respeita à determinação da residência são: o superior interesse da criança, a igualdade entre os progenitores e a disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover relações habituais do filho com o outro progenitor, prevalecendo, sempre, o primeiro.
VI - Da interpretação sistemática das normas vigentes resulta a consagração legal do direito da criança à preservação das suas ligações psicológicas profundas, nomeadamente no que concerne à continuidade das relações afetivas estruturantes e de seu interesse;
VII - É do superior interesse da criança continuar a residir com a mãe, com quem vem residindo, pelo menos, há quase um ano, juntamente com um irmão uterino de cerca de seis meses, mantendo as relações familiares, sociais e dando início dos estudos, com preservação da relação afetiva e da ligação ao pai, por forma a minimizar a separação até à regulação definitiva (onde a situação e os seus contornos fácticos já se encontrem definidos), através da estrita observância de um regime de visitas e de férias o mais abrangente possível, no sentido de permitir que o menor tenha um convívio regular e de proximidade com o pai, não obstante residirem um no continente outro na Ilha da Madeira, ficando as despesas de deslocação, para o efeito (seja as do menor seja as do progenitor) a cargo de ambos os pais, em partes iguais.
VIII - Os alimentos a fixar têm de respeitar a proporcionalidade entre os meios daquele que houver de os prestar e as necessidades daquele que houver de os receber (art. 2004º, do Código Civil), tendo a definição da medida dos alimentos, de conter a equitativa ponderação das reais possibilidades, atuais, dos progenitores, que sempre têm de adequar as despesas às suas possibilidades económicas (designadamente com o estabelecimento de ensino e, se for o caso, recorrer ao ensino público).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 3032/22.4T8FNC-C.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo de Família e Menores do Porto - Juiz 1

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Manuel Fernandes
2º Adjunto: Augusto Carvalho


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: AA
Recorrido: BB

AA, requerido nos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais da criança CC, em que é Requerente BB, não se conformando com o Regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais decidido na Conferência de Pais realizada em 15 de março de 2023, dele vem interpor recurso de apelação, com vista à alteração de tal decisão.
É o seguinte o teor da
DECISÃO RECORRIDA:
Não havendo acordo entre os progenitores, e nos termos do artigo 38.º do mesmo RGPTC, cumpre fixar regime provisoriamente relativo à criança, CC, nascido em .../.../2017, o que se faz nos seguintes termos:
1– No que se refere á residência da criança, não obstante a decisão unilateral da progenitora no sentido de alterar a residência do filho para a Madeira, não pode neste momento o Tribunal ignorar que o CC reside com a progenitora na Madeira há já nove meses, sendo que, entretanto, nasceu um irmão uterino que já tem cinco meses de idade.
Mal ou bem, a situação do CC, de alguma forma se cristalizou, sendo certo que, o tempo para as crianças não coincide com o dos adultos e nove meses na vida de uma criança de cinco anos é um período de tempo muito longo.
Assim, ainda que provisoriamente, determina-se que o CC deve residir com a progenitora.
2 – O exercício das responsabilidades parentais da criança, caberá conjuntamente a ambos os progenitores nas questões de particular importância e, caberá ao progenitor que tiver a criança consigo, nas questões da vida corrente.
Decorrendo das declarações proferidas por ambos, que neste momento o pai desconhece em absoluto da vida do filho e que não tem havido comunicação entre os progenitores, desde já se determina que, no prazo de 10 dias e por escrito, a mãe deverá informar o pai qual o nome do estabelecimento de ensino que o menor frequenta a sua localização e meio de contacto.
Deve ainda informar o pai de qual o médico assistente do CC, a sua identificação e meio de contacto.
3 – Relativamente aos convívios, determina-se que, diariamente, entre as 20 horas e as 20:30 horas, a progenitora deverá diligenciar e garantir o contacto telefónico entre o CC e o pai, preferencialmente por videochamada;
3a – Além disso, o menor de quinze em quinze dias, passará o fim-de-semana com o progenitor, sendo que, enquanto não for para o primeiro ano de escolaridade, esse fim-de-semana iniciar-se-á na quinta-feira e terminará no Domingo;
3b – A marcação e toda a logística inerente ás viagens caberá ao pai, sendo os custos inerentes às viagens do CC repartidos igualmente por ambos os progenitores;
3c – Aproximando-se o período de Páscoa, determino que o CC passará com o pai o período de 03 de Abril a 10 de Abril, cabendo ao pai a marcação das viagens e sendo o preço das viagens do CC repartido entre ambos;
3d – Além disso, sempre que o pai se possa deslocar á Madeira, deverá avisar a mãe com pelo menos três dias de antecedência e poderá conviver com o filho livremente;
3e – Nas férias escolares de verão o CC estará com os pais em períodos alternados de 15 dias com cada um, iniciando com o pai
4 - A título de alimentos, o progenitor deverá prestar a quantia mensal de 500,00€ (quinhentos euros), englobando já todas as despesas inerentes á frequência do estabelecimento de ensino privado que o filho atualmente frequenta, a remeter à mãe até ao final do mês a que respeitar, por transferência bancária para a conta com o IBAN que a progenitora lhe indicará por escrito no prazo de 10 dias;
4a – Alem disso, serão suportadas em partes iguais por ambos os progenitores, todas as despesas da criança com consultas médicas, tratamentos e aparelhos dentários, óculos, internamentos, operações e meios auxiliares de diagnóstico;
4b – Para o efeito o progenitor que efetuar a despesas, enviará ao outro o documento comprovativo da mesma até ao final desse mês e o outro, procederá ao seu reembolso, na parte não comparticipada, no prazo de 10 dias após a receção do documento.
O regime de fins-de-semana terá inicio já no próximo fim-de-semana, caso o pai consiga diligenciar pela marcação de viagem, caso contrario, terá inicio no fim-de semana seguinte.
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Face à inexistência de acordo, suspende-se a presente conferência por 60 dias, remetendo os progenitores para a Audição Técnica Especializada prevista nos art.ºs 23.º e 38.º, alínea b), todos do RGPTC”
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O progenitor apelante pugna por que seja revogada/alterada a decisão e substituída por outra que, a título provisório e cautelar, determine:
i)- seja a residência da criança com o pai, fixando-se um regime de visitas com a mãe, nos termos que refere;
ii)- seja, caso se mantenha o decidido relativamente à residência da criança, determinado:
a) em acréscimo aos períodos de visita fixados:
- o CC passe com o pai a totalidade das suas férias escolares do Carnaval, da Páscoa e do Verão, estas com exceção de quinze dias, a passar com a mãe;
- e em caso de o início ou o termo dos fins-de-semana quinzenais com o pai ser precedido ou sucedido de um feriado, os períodos de visitas se iniciem e terminem, respetivamente, na véspera (quarta-feira ou, a partir da frequência do ensino básico, quinta-feira) e no dia do feriado, e, em caso de possibilidade de ponte, se estendam por todo o tempo que abranja essa ponte.
b) a alteração do decidido quanto a alimentos ou a comparticipação do progenitor nas despesas com as viagens do filho entre o Porto e o Funchal, por forma a ser a progenitora a suportar na totalidade as despesas referentes às viagens da criança ou, em alternativa, que a pensão de alimentos seja reduzida para montante não superior a €300,00, continuando estes a englobar a sua comparticipação nos custos com o estabelecimento de educação.
Formula, para tanto, as seguintes
CONCLUSÕES:
1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido na Conferência de Pais realizada a 15 de Março de 2023 nos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais referentes ao filho menor do recorrente e da recorrida, CC (nascido em .../.../2017 e actualmente com 5 anos e 10 meses de idade), quer no que concerne à decisão relativa à residência da criança, quer também no que respeita ao regime de visitas e pensão de alimentos, despacho com o qual o progenitor discorda profundamente, por entender que a salvaguarda da situação da criança, a defesa intransigente da sua estabilidade e equilíbrio emocional, a promoção do relacionamento saudável e estável entre pais e filho e o cumprimento da lei, exigia, face aos elementos constantes nos autos e tendo em consideração o superior interesse do CC, solução diversa da proferida, que, a título provisório, fixasse a sua residência com o pai.
2. Face ao nosso quadro legislativo, nenhum dos pais – seja o pai, seja a mãe – tem o direito de, sem fundamento e/ou decisão judicial que o permita, afastar o filho do outro, nem de se sobrepor a ele no exercício das responsabilidades parentais, especialmente no que diz respeito às questões de particular importância para a vida da criança e, por conseguinte, se, como in casu sucedeu com a mãe, algum dos pais praticar, sem o acordo ou consentimento do outro (ou decisão judicial que o supra), algum acto enquadrável no conceito de particular importância para a vida da criança, como o é a determinação do local onde ela deverá residir, fá-lo-á de forma ilícita, sendo esse nomeadamente o caso quando um dos progenitores altera essa residência à revelia do outro progenitor, maxime quando tal alteração é efectuada para local geograficamente longínquo daquele que era o da residência habitual do filho, assim alterando o seu centro de vida estável, como sucede quando, como aconteceu na situação concreta que nos ocupa, tal residência é deslocada de Portugal Continental para a região autónoma da Madeira.
3. Actualmente está também adquirida a importância que, para o saudável desenvolvimento da criança, têm ambas as figuras parentais, pai e mãe, e, por isso, salvo quando um dos pais não cumpre os seus deveres fundamentais, uma postura parental que desconsidera a importância do outro progenitor na vida do filho e na tomada de decisões a ele atinentes, tomando atitudes injustificadas (ou seja, não alicerçadas em qualquer efectiva necessidade de protecção do filho, face a algum concreto perigo que o outro progenitor represente para a sua integridade física ou emocional) de afastamento da criança desse progenitor e tendentes à quebra dos vínculos que os unem, como in casu se verifica ter existido da parte da mãe, traduz-se num perigo real para a criança e num verdadeiro mau trato psicológico, susceptível de comprometer o seu desenvolvimento saudável, pela quebra de um vínculo afectivo tão essencial como o é o que o liga a uma das suas duas figuras parentais.
4. Está assente nos autos, decorrendo tal do alegado pelos progenitores e dos documentos aí juntos, assim como das declarações prestadas por ambos na Conferência de Pais e exaradas na respectiva acta, que, descontado o período de tempo em que os progenitores viveram juntos–durante o qual a criança viveu logicamente com ambos-, o CC, até ser ilicitamente deslocalizado para o Funchal, em Junho de 2022, dividiu praticamente toda a sua curta vida, durante os seus cinco anos de idade, em semanas alternadas com ambos os pais, entre a residência da mãe, na cidade do Porto, e a residência do pai, no concelho de Vila do Conde.
5. Tal como resulta também da análise dos autos e das declarações prestadas pela progenitora na Conferência de Pais, desde o momento em que, em Junho de 2022, deslocalizou ilicitamente a residência da criança para o Funchal, esta mãe, na linha de quem, como ela, se arroga a detentora de um poder absoluto sobre o filho, passou a impedi-lo de estar com o pai, que, desse modo, de uma realidade que lhe permitia passar semanas alternadas com o progenitor, viu-se subitamente dele afastado ao longo de nove meses consecutivos, permitindo-lhe a progenitora, tal como declarou também na Conferência de Pais, apenas contactos via chamada normal ou videochamada(o que, diga-se, sequer é verdade, conforme declarado pelo progenitor e indiciado pela documentação existente nos autos), pretendendo que tal era suficiente e conforme ao que deveria ser, isto numa criança com apenas cinco anos, que sequer tem capacidade e maturidade para perceber e processar a súbita ausência de um pai que antes disso esteve sempre presente e próximo na sua vida, com quem sempre contou e que era, como é – pois tal não é afastado por nove meses de ausência forçada -, uma das suas duas figuras de referência afectivas.
6. Por conseguinte, a verdade que deveria ter sido relevada pelo Tribunal, e não foi, apesar de resultar da prova documental junta aos autos e da conjugação do que neles foi alegado pelos pais, mais o declarado na Conferência de Pais, é que a progenitora, agindo à mais completa revelia do progenitor e demonstrando um absoluto desrespeito pelo papel e pela importância deste na vida do CC, que com ele sempre viveu e manteve uma relação de grande proximidade desde que nasceu, por razões que nada têm a ver com a defesa do interesse da criança desenraizou-a do ambiente onde estava inserida e, como se isso não bastasse, durante nove meses consecutivos, sem qualquer fundamento válido impediu-a de conviver com o pai, que, por seu turno, foi completamente apartado por ela da vida do filho e das decisões que lhe diziam respeito.
7. Tal modus operandi da progenitora, tendente à destruição dos vínculos paterno/filiais e que introduziu na vida da criança um inadmissível foco de disrupção, traduziu-se num verdadeiro mau-trato infligido por ela ao filho e numa clamorosa desconsideração pelas suas necessidades psicoafectivas, sendo revelador, não só da sua indisponibilidade para promover o saudável relacionamento do CC com o pai, mas também de uma postura parental auto centrada e desfasada das reais necessidades do filho, com reflexos nas suas competências parentais.
8. A separação parental e a mudança de contexto, nomeadamente a deslocalização para outra área geográfica que implique a rutura no dia a dia da criança e nas suas actividades, tem um impacto significativo em idades como as do CC, relacionado com o afastamento de um dos pais, com o esforço de adaptação às novas rotinas e com a incapacidade de uma criança com essa idade se projectar no futuro e, por isso, agudizar os sentimentos de separação, tendo de mobilizar recursos cognitivos e emocionais para gerir mudanças que não lhe trazem mais estabilidade, o que pode ser altamente desorganizador para a criança se os pais não forem capazes de a tranquilizar, tendo um comportamento facilitador e promotor da manutenção da relação da criança com ambos e sendo, pois, também por isso, fundamental perceber qual dos progenitores apresenta melhores competências para proporcionar estabilidade e condições de inclusão do outro progenitor na vida da criança.
9. Perante tudo o que os autos revelam, não se pode, de todo, dizer que, dos dois progenitores, é a mãe quem mais evidencia disponibilidade para permitir um amplo relacionamento do CC com o pai, nem que é ela que se encontra nas melhores condições e reúne maiores competências para educar o filho e garantir o seu desenvolvimento integral, aos mais diversos níveis.
10. Pelo contrário, toda actuação da progenitora, de desenraizamento da criança e de impedimento ao convívio dela com o pai, revela da parte dela uma total e absoluta desconsideração, quer pela estabilidade vivencial e emocional do CC, quer pelo papel e envolvimento do pai na vida do filho e pelo interesse deste a relacionar-se com o progenitor e a tê-lo presente e participativo no seu quotidiano, na sua educação e nas decisões que lhe dizem respeito, desconsideração essa que, na defesa do interesse da criança, da sua estabilidade e do seu desenvolvimento saudável, não poderia ter sido desconsiderada pelo Tribunal, como o foi no despacho subjudice, ao decidir manter o status quo ilicitamente criado e instalado pela mãe de forma abrupta na vida do filho.
11. O que, face ao alegado nos autos e aos elementos de que dispunha, se exigia do Tribunal era, não só que pusesse cobro ao impedimento do relacionamento entre pai e filho que vinha sendo promovido pela mãe, mas também que extraísse do comportamento desta as devidas ilações, quer quanto à(in)disponibilidade evidenciada por ela para propiciar ao CC amplas oportunidades de convívio com o progenitor, quer para lhe assegurar a estabilidade relacional, afectiva e vivencial de que necessita em prol do seu saudável desenvolvimento, tomando a decisão mais consentânea com a defesa do seu superior interesse e que se afigurava a mais conforme a garantir-lhe as melhores condições de vida, tendo em conta o seu contexto, a sua realidade familiar e social e as concretas idiossincrasias que o envolvem, avaliação essa que, no entanto, não foi feita no despacho sub judice, assim se decidindo em sentido desconforme ao que impunha a defesa do superior interesse o CC.
12. Se é certo que nos últimos nove meses o CC residiu exclusivamente com a mãe na Madeira, certo é também que passou esses nove meses em inegável sofrimento, promovido por ela, pois ninguém duvidará o mal que, para o bem-estar e equilíbrio da criança, terá causado o abrupto e inexplicável afastamento do pai.
13. Nos cinco anos que precederam a deslocalização ilícita da criança para a Madeira e tudo aquilo que se lhe seguiu, o CC viveu sempre no Porto e em Vila do Conde, onde estava integrado e vinha frequentando estabelecimento de ensino escolhido por acordo de ambos os pais, beneficiando, ademais, de um regime informal de residência alternada, que lhe propiciava um amplo relacionamento com os dois progenitores, de quem gosta e a quem está, sem distinção, afectivamente ligado, sendo essa a sua realidade ao longo dos primeiros cinco anos de vida, em torno da qual criou raízes e referências, que não foram apagadas pelo facto de nos últimos nove meses ter residido com a mãe na Madeira.
14. Se é verdade que o CC tem agora um irmão uterino, com cinco meses, e que é importante que com ele tenha uma convivência próxima, na faixa etária em que se encontra tal não se sobrepõe ao seu interesse em sentir-se seguro de que as suas principais figuras de vinculação, pai e a mãe, estarão sempre presentes na sua vida, sendo tal fundamental para o seu desenvolvimento e crescimento saudável.
15. Tendo em linha de conta o que se extrai do comportamento materno, dos dois progenitores aquele que revela maior capacidade de entender e respeitar o papel do outro na vida do filho e promover o seu desenvolvimento estável e equilibrado é, indiscutivelmente, o progenitor e, por conseguinte, num juízo de prognose assente naquilo que se mostra já suficientemente indiciado nos autos, é de prever ser o pai quem melhores condições reúne para que nele se confie de que não levantará quaisquer obstáculos ao amplo relacionamento do CC com a mãe e demais familiares maternos, incluindo o irmão uterino.
16. Entre alterar o local de residência da criança, de modo a acompanhar a mãe e pondo assim em perigo um processo de desenvolvimento que se quer estável e equilibrado, ou confiá-la ao pai, com quem tem também uma relação de vinculação segura e que, além de reunir todas as condições necessárias ao exercício responsável da parentalidade, é, dos dois, aquele que se mostra mais capaz de assegurar o relacionamento do filho com ambos os pais e demais familiares, maternos e paternos, e, simultaneamente, de lhe garantir um continuum vivencial, afectivo e sócio/educativo, afigura-se ser esta última solução aquela que mais se adequa à finalidade que nesta sede cabe promover.
17. Face ao exposto, ao decidir fixar, a título provisório, a residência do CC com a mãe, fez o Tribunal incorrecta interpretação do interesse desta criança, adoptando solução desconforme a esse superior interesse devendo por isso ser o despacho recorrido revogado e substituído por decisão que estabeleça, a título provisório e cautelar, a residência da criança com o pai, fixando-se um regime de visitas com a mãe, conforme ao já decidido pelo Tribunal e àquele que infra se propõe.
18. Por outro lado, tendo em linha de conta, não só o tempo que o CC passou involuntariamente afastado do pai, mas também, e fundamentalmente, que desde que nasceu e ao longo da larga maioria da sua vida, viveu com ele numa primeira fase em permanência e, depois da separação dos pais, em semanas alternadas, assim construindo com o progenitor, nessa fase de desenvolvimento crucial para a criação e sedimentação de vínculos, uma relação de estreita e forte vinculação, que, em benefício dele e do seu percurso de desenvolvimento, é de preservar e fortalecer, o regime de convívios paterno/filiais definido pelo Tribunal é também pouco consentâneo com o interesse da criança, pois reconduz o seu relacionamento com o pai a fins-de-semana alternados que, por enquanto, ainda abrangerão o período de quinta-feira a domingo, mas que, a breve trecho, assim que acriança ingresse no primeiro ano de escolaridade, em Setembro de 2023, passarão a ficar reduzidos a cerca de dois dias – grosso modo, quatro dias num mês -, de sexta-feira (se tanto, pois será necessário conciliar os horários escolares com os dos voos) a domingo.
19. Pelo que, a manter-se o provisoriamente decidido quanto à residência da criança – no que, todavia, não se concede –, tendo ademais em consideração que, por norma, os regimes provisórios, apesar do nome, acabam por prolongar-se e perdurar no tempo, deve o decidido em primeira instância ser alterado no sentido de, em acréscimo aos períodos de visita ali fixados, o CC passar com o pai a totalidade das férias escolares de Carnaval e Páscoa, e também a totalidade das férias de Verão, até ingressar no primeiro ano do ensino básico, altura em que deverá passar com o progenitor a maior parte dessas férias de Verão, com excepção de quinze dias, que deverá passar com a mãe.
20. Mais devendo ficar estabelecido que, caso o início ou termo dos fins-de-semana quinzenais com o pai seja precedido ou sucedido de um feriado, iniciar-se-ão e terminarão os mesmos, respectivamente, na véspera (quarta-feira ou, a partir da frequência do ensino básico, quinta-feira) e no dia do feriado, e, em caso de possibilidade de ponte, estender-se-ão por todo o tempo que abrange essa ponte.
21. Acresce que o encargo, decidido também no despacho sub judice, de o progenitor suportar metade das viagens quinzenais, e nas férias, que o CC terá de fazer entre o Funchal e o Porto para conviver consigo, e em simultâneo a prestação de alimentos de € 500,00 (que engloba as despesas inerentes à frequência do estabelecimento de ensino privado que o filho actualmente frequenta e no qual foi inscrito pela mãe sem o seu conhecimento nem consentimento), acrescida de metade das despesas de saúde da criança, afigura-se desajustado e desproporcional, sendo incomportável e impossível de manter para ele, que tem como único rendimento o subsídio de doutoramento que recebe, no valor de € 1.144,64 (doze meses por ano).
22. Não obstante a progenitora não tenha juntado aos autos qualquer documento comprovativo dos rendimentos que verdadeiramente aufere, tendo em conta a profissão, de médica, que exerce, em nome individual e através da empresa que para o efeito criou, e as regras da experiência comum, forçoso é que se conclua que tais rendimentos serão largamente superiores aos auferidos pelo progenitor.
23. Tomando em consideração que os pais deverão contribuir para a necessidade da criança na proporção das suas possibilidades e que foi a mãe quem, ao decidir passar a residir na Madeira, deu azo a que o CC tenha de viajar regularmente entre esse arquipélago e o continente, fazendo, ademais, o filho frequentar estabelecimento de ensino privado no Funchal relativamente ao qual o progenitor não foi tido nem achado, não só mas também com respeito aos custos inerentes, afigura-se justo e equitativo que, pelo menos, seja ela a suportar na totalidade as despesas referentes às viagens da criança ou, em alternativa, para que o progenitor consiga pagar a metade desses custos, que a pensão de alimentos seja reduzida para montante não superior a € 300,00, continuando a englobar a sua comparticipação nos custos com o estabelecimento educativo.
24. Pelo que, caso se mantenha o decidido relativamente à residência da criança, sempre deverá então ser revogado o decidido no despacho recorrido quanto a alimentos ou à comparticipação do progenitor nas despesas com as viagens do filho entre o Porto e o Funchal, nos termos supra propugnados.
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Apresentou a progenitora contra-alegações a pugnar por que seja julgado improcedente o recurso e se mantenha o decidido pelo Tribunal a quo na Regulação das Responsabilidades Parentais fixadas a título provisório, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
A) A sentença ora em recurso, não é censurável e fez uma clara assunção dos factos ao direito, protegeu acima de tudo o superior interesse da criança.
B) O recorrente não tem razão nos motivos que alega para pedir a alteração da regulação das responsabilidades Parentais fixadas provisoriamente, pelo Tribunal A QUO.
C) A requerente antes de mudar de residência dentro do território nacional, abordou essa alteração com o recorrente, tendo este reagido mal, não aceitando, pelo que apesar da requerente já anteriormente, trabalhar e ter casa na Madeira, decidiu no final de Maio, inicio de Junho de 2020 mudar-se para a Madeira com o seu filho, tendo iniciado o processo de regulação das responsabilidades parentais, dias depois, na cidade do Funchal.
D) Aquando da marcação da primeira conferência o recorrente decidiu antes dessa diligência, invocar a incompetência do Tribunal o que fez arrastar o processo desde Julho de 2020 até Março de 2023 e que se pode tirar da conclusão da conflitualidade das partes na excessiva litigância. Podendo a regulação das responsabilidades parentais estar decidida, pelo menos provisoriamente desde Julho de 2022, o que não aconteceu.
E) Bem ou mal, a vida da criança, não se compadece com a litigância referida, e para além do facto de que quando vivia no Porto residia com a mãe. A criança vive pelo menos desde o final de Maio, início de Junho de 2020, na Madeira no agregado familiar da progenitora mãe, tendo já um irmão de 6 meses de idade. A vida da criança cristalizou-se ao longo destes 10 meses, para não se falar daí para trás, pois o que na verdade importa é o presente.
F) A criança está feliz, na cidade onde vive, está integrada socialmente, tem amigos com quem brinca e ainda o seu núcleo familiar é composto pela progenitora mãe, pelo marido da mãe e um irmão de 6 meses de idade, que lhe dá estabilidade, amor, paz e segurança.
G) A pensão de alimentos que incluí as despesas escolares, não merece qualquer tipo de censura atendendo a que a requerente paga mensalmente a quantia de €600,00 a título de despesas escolares e o recorrente disse que auferia um subsídio de €1.164,00 tendo como única despesa o pagamento que ainda faz desde Junho de 2020 de uma escola no Porto onde o CC andava, apesar de ele não frequentar esses estabelecimento de ensino. Pelo que se tem essa despesa é porque quer e não porque é obrigado.
H) A requerente até concordaria com a proposta do recorrente em se reduzir a pensão de alimentos à criança, para €300,00 desde que todas as despesas, escolares, extracurriculares, material escolar, farda obrigatória imposta pela escola, despesas médicas e medicamentosas e dentista, fossem pagas por ambos os progenitores na proporção de 50% o recorrente é que não iria concordar porque teria de pagar muito mais do que os €500,00 doutamente fixados pelo tribunal A QUO. Quanto ao pagamento das viagens em 50% considera-se que é equilibrado atendendo ao valor das viagens que são fixadas por decreto lei n° 28/2022 de 24 de Março, em €86,00 ida e volta até a criança se matricular no primeiro ano do ensino básico, pelo que querer-se atribuir o pagamento em 100% à requerente nas viagens que a criança tem de fazer para conviver com o pai, é tudo menos justo e equilibrado.
I) O recorrente mentiu em audiência de conferência de pais, quando disse que tinha como única despesa €500,00 que pagava a uma escola do Porto pela reserva de lugar do seu filho, vindo agora juntar documentos que atesta que afinal o pagamento que faz são €243,75
J) Sentença ora em recurso não merece qualquer tipo de censura, é equilibrada e acima de tudo acautelou o superior interesse da criança.
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O Ministério Público respondeu, apresentando as seguintes
CONCLUSÕES:
I. A decisão recorrida foi tomada a título meramente provisório, podendo a mesma ser alterada a todo o tempo, sendo este um processo com natureza de jurisdição voluntária.
II. Nesta senda, e na falta de acordo entre os progenitores, impunha-se ao tribunal a decisão provisória no que concerne ao exercício das responsabilidades parentais, com base nos elementos que constavam dos autos e com base nas declarações dos progenitores.
III. O Tribunal a quo ponderou convenientemente todos os fatores em juízo, tomando a decisão que melhor salvaguarda o superior interesse da criança.
IV. Não merecendo o despacho recorrido reparos quanto à sua fundamentação e decisão.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
- Saber qual o melhor regime das responsabilidades parentais (a decretar provisoriamente) para o menor, CC, de quase seis anos de idade.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
Os factos provados com relevância para a decisão constam do relatório supra, acrescentando-se, ainda, o seguinte:
1. Realizou-se no dia 15 de março de 2023 conferência de pais, não tendo os mesmos chegado a acordo quanto à regulação do exercício do poder paternal relativamente à criança, CC, que nasceu a .../.../2017 (cfr certidão do assento de nascimento junta com a petição inicial);
2. Foram os progenitores de CC, BB e AA, ouvidos em declarações e:
- pela progenitora/requerente, foi dito que:
- “ pretende que a residência da criança seja fixada consigo, uma vez que reside, com o menor, na Madeira há cerca de 09 meses, ele frequenta uma creche onde está perfeitamente integrado”;
- “inicialmente, após a separação (ocorrida quando o CC tinha cerca de um ano de idade), durante cerca de quatro anos e com o objetivo de não criar conflitos fazia viagens entre a Madeira e o Porto e o CC estava tanto com a mãe como com o pai, mas que, depois de ter engravidado e de se ter declarado como gravidez de risco, deixou de fazer essas viagens”;
- “o progenitor pode contactar diariamente o menor via chamada normal ou videochamada, reconhecendo que, o progenitor já se deslocou á Madeira, por três vezes para conviver com o filho, sendo que, uma delas foi no dia da diligencia no Tribunal e referiu que queria trazer a criança para o Porto; outra foi no dia da cesariana do seu filho mais novo e uma ultima vez em que o pai lhe apareceu na porta, ela teve receio de lhe entregar a criança com medo que ele lha retirasse, pois tinha ameaçado fazê-lo”.
- “está na disposição que seja fixado um regime mais alargado de convívios com o progenitor, atenta a distância que os separa, propondo fins-de-semana quinzenais na Madeira ou no Porto e férias a dividir entre ambos, mais concretizando que, relativamente á pensão de alimentos, propõe uma pensão de 200€ mensais a prestar pelo progenitor mais metade das despesas com a creche que o menor frequenta e metade das despesas de saúde e escolares”.
- “quanto à sua situação pessoal esclareceu que vive com o atual marido, o filho de ambos (de cinco meses de idade) e o menor CC. É médica e tem uma empresa, auferindo mensalmente cerca de 800€; o seu atual marido aufere sensivelmente o mesmo salário. O CC frequenta estabelecimento de ensino privado pagando mensalmente a quantia total de cerca de 600€”.
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- pelo progenitor/requerido foi dito que:
-“já não vê o seu filho há cerca de nove meses, sendo que, sempre foi um pai presente e participativo na vida do CC e, de um momento para o outro a progenitora lhe retirou essa possibilidade.
A separação dos progenitores ocorreu quando o CC tinha cerca de um ano de idade e até há nove meses atrás vivia em regime de guarda alternada com ambos os progenitores.
Esclarece o progenitor que apesar do que a mãe diz, não consegue falar com o menor via telefone há cerca de duas semanas e, anteriormente, quando acontecia, as conversas com o filho eram monitorizadas pela mãe e pelo seu atual companheiro, ficando o menor constrangido para falar consigo.
Mais refere o progenitor que, efetivamente já se deslocou à Madeira, por três vezes, para estar com o filho e a mãe nunca permitiu que tal acontecesse, negando-se sempre a entregar-lhe a criança para que pudesse conviver com ele, sendo que, nem sabe o nome da escola /creche que o menor frequenta e não tem quaisquer noticias da vida escolar e do acompanhamento médico que o menor tem.
Relativamente á proposta da mãe, o progenitor refere que não concorda com a mesma, pretendendo que a residência da criança seja fixada consigo, sendo certo que, aqui no Porto o menor tem toda a família paterna e materna que lhe pode prestar todo o apoio e retaguarda e a mãe está sozinha na Madeira, sem qualquer família junto de si.
Quanto à sua situação pessoal esclarece que vive com os seus pais e aufere mensalmente cerca de 1164€
Reconhece que não tem enviado à progenitora qualquer quantia para as despesas do menor mas continua a pagar a quantia mensal de 500€ pelo estabelecimento de ensino que o CC frequentava no Porto, de forma a garantir o lugar” (referida ata da conferência de pais).
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Regime das responsabilidades parentais (a decretar provisoriamente)
O Regime Geral do Processo Tutelar Cível, abreviadamente RGPTC, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, consagra no nº1, do art. 28º, a possibilidade de o juiz, no âmbito de um processo tutelar cível pendente, oficiosamente ou a requerimento, decidir, fundamentadamente, a título provisório, caso o entenda conveniente, questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar diligências essenciais para assegurar a execução efetiva da decisão, viabilizando a proteção e defesa do superior interesse da criança, de modo a adequar a decisão à sua situação atual.
No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais é obrigatória a decisão provisória, não havendo acordo entre os progenitores na conferência a que alude o art.º 35º, nos termos do art. 38º, decisão essa que é tomada sobre o pedido em função dos elementos já obtidos. Impõe o referido preceito que o juiz decida provisoriamente sobre o pedido, em função dos elementos já processualmente adquiridos, não tendo que aguardar por outras diligências de prova, nem pela audição de técnicos especializados, sem prejuízo de, posteriormente, ainda antes da decisão final, logo que ouvidos esses técnicos ou produzida mais prova, poder ser alterado o inicialmente decidido, como previsto no art.º 28º nº 2, a fortiori. Tratando-se de uma decisão provisória, fundada nos poucos elementos até essa data recolhidos, normalmente apenas nas declarações dos progenitores, o julgador deve nortear-se por princípios de razoabilidade, atuando com bom senso, prudência e moderação, protegendo os interesses dos menores e só depois os dos progenitores, evitando que a decisão agudize o conflito e assim impeça um acordo, que ainda poderá vir a ser obtido na segunda fase da conferência (Cfr. art.º 39º nº 1 do RGPTC)[1].
No âmbito do processo de regulação do exercício do poder paternal a lei faculta ao tribunal a tomada de medidas provisórias que constituem autênticas providências cautelares específicas dos processos tutelares cíveis. Tem, pois, a decisão natureza provisória e caduca quando for revogada, alterada ou quando for proferida a decisão final[2].
Embora se trate de um regime provisório e sejam escassos os elementos constantes do processo, em função dos já existentes e dada a urgência de acautelar a situação deve, em função deles, tomar-se a decisão (provisória) mais conforme aos interesses do menor, que sempre estão subjacentes a estas decisões, sendo que nos processos de jurisdição voluntária relativos à regulação das responsabilidades parentais o interesse do menor, a regular, aparece no topo, acima do interesse de qualquer dos pais, sendo, aliás, até, aquele o único interesse a regular em tal processo de jurisdição voluntária.
Cumpre analisar e decidir qual o melhor regime (provisório) das responsabilidades parentais para a criança, CC, de quase seis anos de idade.
Decorre de imposição constitucional, enunciada em vários preceitos, entre eles o art. 69º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que consagra que “as crianças têm direito a proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”, que o critério norteador que deve presidir a toda e qualquer decisão do tribunal em matéria de regulação de responsabilidades parentais é o interesse superior da criança, critério este que deve estar acima dos direitos e interesses dos pais quando estes sejam conflituantes com os daquela.
Também a lei ordinária, no seguimento do constitucionalmente consagrado - v. art. 1878º, n.º 1, do Código Civil, abreviadamente CC -, estabelece que o poder paternal é um poder-dever dos pais funcionalizado pelo interesse dos seus filhos, competindo aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros e administrar os seus bens, tendo de o exercer, altruisticamente, no interesse da criança.
Nos diversos casos de rutura da relação entre os progenitores, a lei estabelece - cfr. art. 1906º, do CC - a regra do exercício conjunto das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância.
Somente em casos excecionais, e mediante decisão fundamentada, poderá esta regra ser afastada pelo tribunal, face à conclusão, não meramente de que a mesma não é adequada, mas que se revela contrária aos interesses do menor (juízo conclusivo que pode advir de fatores de diversa etiologia)[3] (negrito e sublinhado nosso).
O nº7, do artigo 1906º, determina que, no exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, o tribunal decidirá sempre de harmonia com os interesses do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam, amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
Este tipo de processo é de jurisdição voluntária, pelo que nele o julgador não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo, antes, adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, no exercício do poder-dever a que se encontra adstrito, (art. 12º, do RGPTC e 987º, do CPC) efetuando as diligências de averiguação e de instrução necessárias à prolação da decisão mais adequada ao caso concreto.
Dúvidas não existem de que o critério orientador e que terá necessariamente de presidir à decisão do tribunal é o interesse superior da criança e não os dos progenitores, os quais, apenas, terão de ser considerados, até por imposição constitucional (arts. 36º, n.ºs 3 a 6, 67º, 68º e 69º da CRP), na medida em que se mostrem conformes ao interesse superior da criança, não colocando em crise esse interesse[4].
A Jurisprudência dos Tribunais, designadamente a do STJ, vai no sentido de, “por mais que aceitemos a existência de um “direito subjetivo” dos pais a terem os filhos consigo, é no entanto o denominado “interesse superior da criança” - conceito abstrato a preencher face a cada caso concreto - que deve estar acima de tudo. Se esse “interesse subjetivo” dos pais não coincide com o “interesse superior do menor” não há outro remédio senão seguir este último interesse”[5].
A lei não define o que deve entender-se por “interesse superior da criança”, estando-se na presença de um conceito aberto, a concretizar atentando nas necessidades físicas, intelectuais, religiosas e materiais da criança, na sua idade, sexo, grau de desenvolvimento físico e psíquico, na continuidade das relações daquela, a sua adaptação ao ambiente escolar e familiar, bem como as relações que vai estabelecendo com a comunidade em que se integra.
Assente que está qual o superior interesse que deve presidir à decisão do tribunal e que, em caso de incompatibilidade entre os direitos e os interesses dos progenitores e os da criança, é o interesse desta última que há-de impreterivelmente prevalecer, cumpre apreciar qual o melhor regime das responsabilidades parentais para a criança, que satisfaça, de modo mais eficaz, esse seu interesse.
E, para além da decisão quanto ao exercício das responsabilidades parentais em questões importantes para o menor, há que estabelecer a residência do filho.
Face à lei vigente, e embora a questão continue a ser muito discutida e, até, com entendimentos dispares, quer na doutrina quer na jurisprudência, verifica-se como possibilidades, quanto a tal, de a residência habitual ser com um dos progenitores, com um terceiro ou, ainda, por períodos alternados com um e outro dos progenitores (residência alternada).
A fixação da residência do filho reveste-se de primordial importância, constituindo o elemento determinante do regime de exercício das responsabilidades parentais, uma vez que cabe ao progenitor com quem o filho resida habitualmente o exercício de tais responsabilidades quanto aos atos da vida corrente, competindo a cada um dos progenitores, pelo período em que o filho consigo resida, nos casos de residência alternada.
Quanto á determinação da residência da criança, deve continuar a entender-se que deverá residir com o progenitor que seja a principal referência afetiva e securizante da criança, aquela com quem mantém uma relação de maior proximidade, aquele que no dia-a-dia, enquanto os pais viviam juntos, lhe prestava os cuidados, ao progenitor que se mostre mais capaz de lhe garantir um adequado desenvolvimento físico e psíquico, a sua segurança e saúde, a formação da sua personalidade, a sua educação, o seu bem-estar, o seu desenvolvimento integral e harmonioso, em clima de tranquilidade, atenção e afeto, como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência e doutrina, no respeito pelo superior interesse da criança e sem abdicar do princípio da igualdade entre os progenitores.[6].
Assim, os princípios basilares a observar, no que respeita à determinação da residência são:
- o superior interesse da criança;
- a igualdade entre os progenitores;
- e a disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover relações habituais do filho com o outro progenitor,
prevalecendo, contudo, sempre, o primeiro.
Entendemos que, não o desaconselhando os outros dois princípios, o regime da residência alternada será o regime de regulação do exercício do poder paternal mais conforme ao interesse da criança porque lhe possibilita contactos em igual proporção com o pai, a mãe e respetivas famílias, não se devendo exagerar o facto de a mudança de residência criar instabilidade e, por isso, representar inconveniente para a criança, pois que a instabilidade é uma realidade na vida de uma criança com pais separados, que, sempre, terão de se integrar em duas residências, sendo essa mais uma adaptação a fazer nas suas vidas, sendo certo que as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas. Contudo, sendo as residências dos pais muito distantes entre si fica, desde logo, inviabilizada a praticabilidade de tal regime.
Vejamos, agora, os fundamentos da decisão recorrida e o caso concreto.
O critério da preferência maternal - princípio esse segundo o qual as crianças, sobretudo na chamada primeira infância, devem ficar com as mães (que assentava em razões históricas, sociológicas e culturais e, até, em razões de ordem biológica, designadamente as relacionadas com a gestação, o parto, a amamentação, propiciadoras de grande proximidade física entre a mulher e os filhos) - perdeu atualidade, sendo ambos os progenitores considerados numa posição de igualdade (cfr. Convenção dos Direitos da Criança e a lei fundamental - cfr. art.º 36.º da Constituição da República Portuguesa), e foi sendo substituído pelo critério da figura de referência (primary caretaker), ou seja, aquele progenitor que tem a primeira responsabilidade pelo desempenho dos deveres de cuidado e sustento da criança. É, contudo, um facto notório que, na maior parte dos casos, esta figura de referência coincide com a mãe, mas vamos assistindo a que, cada vez mais, esta figura é, também, desempenhada pelo pai, sendo que, até, no competitivo quotidiano dos nossos tempos, com frequência, não existe, apenas, uma figura de referência para as crianças mas sim duas, sendo ambos os progenitores chamados a essas tarefas dados os afazeres profissionais que lhes tomam parte de grande parte do tempo diário.
Mesmo este critério da figura primária de referência não tem consagração legal.
O único, relevante e decisivo critério com consagração legal (cfr. a parte final do n.º 5 do art.º 1906.º do Código Civil) é o da proximidade, ou seja, deverá ser escolhido o progenitor que fornece indícios de mais facilmente permitir à criança ter contactos com o outro progenitor, por isso se revelar do interesse da criança[7].
Ora, no caso, verificamos que, apesar de esses contactos, pelo menos no último ano, não serem favorecidos pela mãe, que até, mesmo, os impediu, em prejuízo da criança, como bem conclui o apelante, a progenitora tem o CC consigo há perto de 1 ano, parecendo, por isso, apesar do supra referido, ser de considerar verificado o interesse da criança em se manter consigo e com o seu irmão uterino, mais novo, pelo menos até à decisão definitiva (então, já, na presença de um maior aprofundamento das circunstâncias do caso).
A decisão recorrida atendeu ao superior interesse do menor, uma vez que decidiu pela entrega da guarda da criança ao progenitor que, no momento, se revela estar em melhores condições de lhe assegurar um desenvolvimento sadio, a nível físico, psíquico, afetivo, moral, familiar e social, bem como uma correta estruturação da personalidade, em continuidade com o que vem sendo a orientação tomada nos últimos meses e, por isso, sem, provisória, quebra radical no percurso já iniciado há muitos meses (quase um ano) e com que a criança conta.
E interessando preservar essa continuidade e não, mais uma vez, provisoriamente, introduzir alterações na vida do menor, só razões muito fortes, que aqui, de momento, se não verificam, seriam de levar à sua mudança.
A consagração legal do direito da criança à preservação das suas ligações psicológicas profundas, nomeadamente no que concerne à continuidade das relações afetivas estruturantes e de seu interesse tem sido, há mais de duas décadas, reconhecida com base na interpretação sistemática das normas vigentes[8].
A residência da criança deve ser confiada ao progenitor que promove o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, que tem mais disponibilidade para satisfazer as necessidades do menor e que tem com este uma relação afetiva mais profunda[9].
É, pois, necessário ter em atenção a relação afetiva da criança com cada um dos pais, a disponibilidade de cada um para prestar ao filho os cuidados necessários à sua saúde, alimentação e educação, social, cultural e moral, o grau de desenvolvimento da criança e as suas necessidades, a preferência do menor, a continuidade das relações afetivas e do ambiente em que tem vivido a criança.
O interesse do menor está, assim, ligado às relações afetivas que este vinha mantendo de facto, devendo promover-se a continuidade do caminho traçado - da educação e das relações afetivas da criança -, atribuindo-se a guarda do filho ao progenitor que se revele mais capaz de dele cuidar e a quem se mostra mais ligado sentimentalmente.
O objetivo do Tribunal é conseguir a melhor solução possível face às circunstâncias concretas do caso, é encontrar a solução geradora da menor desestabilização e descontinuidade da vida do menor, já abalada pela separação dos pais[10]. Deste modo, a atribuição da residência do filho à figura primária de referência, se a houver, constitui a solução mais conforme ao interesse da criança, pois permite promover a continuidade relação afetiva primordial da criança, correspondendo, por isso, à real e efetiva preferência desta, desde que indícios dê de permitir os contactos da criança com o outro progenitor.
Bem entendeu o MP e o Tribunal a quo ser, apesar de tudo, de fixar um regime provisório, que não altere radicalmente a atual situação, sem um conhecimento mais aprofundado e imparcial da situação controvertida.
Assim, sendo do superior interesse da criança continuar a residir com a mãe, mantendo as relações familiares, sociais e dando continuidade ao que se iniciou já com relação aos estudos a começar no próximo ano letivo, não sendo, na verdade, de fixar um regime provisório a alterar radicalmente a situação atual sem um conhecimento, ainda a desenvolver, não é de fixar, provisoriamente, a residência do menor na área do Porto/Vila do Conde, residindo a mãe e o irmão uterino no Funchal.
E nunca devendo a mudança de residência ter sido efetuada pela mãe sem o acordo do progenitor, a continuação da residência da criança com a mãe no Funchal, a decretar a título provisório, não significa que a mudança para o continente se não venha a revelar, até, a solução de maior interesse para o menor, o que será objeto de maior aprofundamento.
Certo é, contudo, que a melhor solução, no momento, por preservar o que já se iniciou - sem quebras com mudanças, designadamente de estabelecimento educativo - é continuar onde está. Nenhum interesse existe, para o menor, em mudar, mais uma vez, de colégio neste momento, já próximo do final do ano letivo, com nova alteração de colegas, professores e auxiliares de educação.
Outrossim, é necessário preservar a relação afetiva e a ligação do menor ao pai, por forma a minimizar a separação até à regulação definitiva, também no interesse do menor, pela escrupulosa observância do regime de visitas e férias, no sentido de permitir que o menor tenha um mais regular convívio, e de proximidade, com o pai (o que permitirá, também, a ulterior análise dos contornos do caso, inclusive à atuação da progenitora na salvaguarda do superior interesse da criança).
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Assim, sendo de manter, provisoriamente apenas, o decidido relativamente à residência da criança, cabe, no assegurar do necessário equilíbrio, regular, do modo mais amplo possível, o regime de visitas. Nesta sequência, fixa-se, em acréscimo, e como muito bem conclui o apelante, os períodos de visita por forma a para permitir que o CC permaneça com o pai a totalidade das férias escolares do Carnaval, da Páscoa e do Verão, nestas com exceção de quinze dias, a passar com a mãe. Acresce, ainda, que, em caso de início ou termo dos fins-de-semana quinzenais com o pai precedido ou sucedido de um feriado, os períodos de visitas terão, ainda, de ter começar e terminar, respetivamente, na véspera (quarta-feira ou, a partir da frequência do ensino básico, quinta-feira) e no dia do feriado, e, em caso de possibilidade de ponte, se estendam por todo o tempo que essa ponte abranja.
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Relativamente a alimentos, de acordo com o disposto no art. 2004º, do Código Civil, os alimentos são proporcionais aos meios daquele que houver de os prestar e às necessidades daquele que houver de os receber[11] e, resultando dos art. 36º, 5 e 69º da Constituição da República Portuguesa (CRP) não apenas um dever dos pais de sustentar os filhos, como o direito das crianças à proteção da sociedade e do Estado, bem como ao seu são e normal desenvolvimento, deve ser seguido “o entendimento jurisprudencial maioritário que este princípio constitucional do direito das crianças ao seu são e normal desenvolvimento assume primazia sobre qualquer dificuldade que os pais possam ter no cumprimento do dever de prestar alimentos, pelo que este só será afastado em casos extremos de absoluta incapacidade física de os prestar (v. Acórdão da Relação de Lisboa de 26.03.2015, proferido no âmbito do Processo nº 5542/13.5T2SNT.L1-6, disponível em www.dgsi.pt).
Efetivamente, não obstante o tribunal ter de atender à capacidade económica do devedor de alimentos na fixação do quantum da pensão, impõe-se-lhe que na ponderação dos dois fatores a considerar que dê preponderância às reais necessidades do credor de alimentos, necessidades essas que vão aumentando com o seu crescimento (v. Acórdão da Relação de Coimbra, de 10.06.2015, proferido no âmbito do processo nº 3079/12.9TBCSC, relator: Carlos Moreira, disponível em www.dgsi.pt).
Com efeito, “como decorre do disposto nos citados art. 36º, 5 e 69º da CRP, é inerente ao exercício das responsabilidades parentais o dever dos pais de proverem à manutenção dos seus filhos, devendo as pensões de alimentos espelhar primacialmente as necessidades dos menores, sendo o seu quantum fixado não tanto em função dos meios de que o progenitor devedor dos alimentos dispõe, mas daqueles que, por ter capacidade para o trabalho, tem possibilidade de dispor”, cabendo-lhe diligenciar por ele e pela obtenção dos proventos que dele advêm.
São “critérios avançados pelo art. 2004º do CC: os meios de quem haja de prover pelos alimentos e a necessidade de quem haja de recebê-los – um juízo de proporcionalidade, portanto, que poderá implicar que um dos progenitores seja obrigado a contribuir com montantes mais elevados do que o outro”[12].
Na verdade, a ideia de proporcionalidade a que alude o nº1, do art° 2004°, inculca a ideia:
- por um lado que o vinculado a alimentos não deve apenas entregar ao alimentando o indispensável, mas, mais do que isso, deve ver diminuído o seu nível de vida para assegurar a esse alimentando nível de vida idêntico ao seu, o que constitui o conceito de alimentos paritários, sendo que o “sustento” a que alude o art° 1878° n°1 ex vi art° 1880° C.Civ. se interpreta como abrangendo não só a alimentação, mas ainda as despesas com assistência médica e medicamentosa, deslocações, divertimentos e outras quaisquer (“dinheiro de bolso”), desde que inerentes à satisfação das necessidades da vida quotidiana, correspondentes à condição social do alimentado[13],
- por outro lado que a prestação de alimentos deve ser proporcional aos rendimentos dos progenitores e necessidades do filho e, em caso de desproporção dos rendimentos dos progenitores a quota - parte da prestação de alimentos por cada um deverá ser aferida em concreto de acordo com as reais possibilidades[14], e não de acordo com critérios padronizados [15] [16].
Neste conspecto, quanto a alimentos, justifica-se, também, a alteração do, provisoriamente, decidido e, mantendo-se a comparticipação, igualitária, dos progenitores nas despesas com as viagens do filho entre o Porto e o Funchal e com consultas médicas, tratamentos e aparelhos dentários, óculos, internamentos, operações e meios auxiliares de diagnóstico, cabe, em função dos rendimentos dos progenitores (alegadamente pouco superiores ao salário mínimo nacional) e, mesmo, do prolongamento, estabelecido, no período de estadia da criança com o pai, reduzir a pensão de alimentos, de 500,00€, para montante o montante de €350,00, continuando, nela, a mostrar-se englobada a sua comparticipação nos custos com o estabelecimento de educação (a existirem), valor este que se nos afigura proporcional e equitativo.
Com efeito, tendo os alimentos a fixar de respeitar a proporcionalidade entre os meios daquele que houver de os prestar e as necessidades daquele que houver de os receber, tendo a definição da medida dos alimentos de conter a equitativa ponderação das reais possibilidades, atuais, dos progenitores, sempre têm estes de adequar as despesas em causa às suas possibilidades económicas (designadamente na escolha do estabelecimento de ensino da criança e, se for o caso, recorrer ao ensino público).
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Atendendo a que nos movemos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, em que cabe salvaguardar, primordialmente, o superior interesse da criança, e como a deslocação quinzenal da criança do Funchal para o Porto representa um grande esforço para esta, sempre que o pai o pretenda evitar e opte, no interesse do menor, por se deslocar, ele mesmo, ao Funchal, as despesas da sua deslocação, para efeito de assegurar as visitas (em vez das da deslocação do menor), serão suportadas, em partes iguais, por ambos os progenitores.
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Procedem, por conseguinte, parcialmente, e nos referidos termos, as conclusões da apelação, devendo, por isso, a decisão recorrida ser alterada, por forma a, estabelecendo-se que o menor resida com a mãe, no Funchal, se fixe, contudo, o supra referido regime de visitas mais abrangente e os alimentos na supra mencionada importância, suportando, ainda, ambos os progenitores, em partes iguais, as despesas de deslocação do menor ou as do progenitor, caso este opte por evitar a deslocação da criança.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto, acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, alterando, parcialmente, a decisão recorrida, regulam, a título provisório, o exercício das responsabilidades parentais do menor CC, mantendo a residência do mesmo com a progenitora no Funchal, determinado, outrossim:
a) em acréscimo aos períodos de visita fixados, que:
- o CC passe com o pai a totalidade das férias escolares de Carnaval, da Páscoa e do Verão, estas com exceção de quinze dias, a passar com a mãe, em altura por esta escolhida, dentro das férias de Verão do menor;
- em caso de o início ou o termo dos fins-de-semana quinzenais com o pai ser precedido ou sucedido de um feriado, os períodos de visitas se iniciem e terminem, respetivamente, na véspera (quarta-feira ou, a partir da frequência do ensino básico, quinta-feira) e no dia do feriado, e, em caso de possibilidade de ponte, se estendam por todo o tempo que abranja essa ponte.
b) a redução do quantum fixado de alimentos provisórios (de €500,00) para o montante de €350,00/mês, nele se englobando a comparticipação do progenitor nos custos com o estabelecimento de ensino que o menor frequente.
c) sempre que o pai opte por se deslocar, ele mesmo, ao Funchal, por forma a assegurar as visitas (quinzenais) ao CC, as despesas da sua deslocação, para efeito, serão suportadas, em partes iguais, por ambos os progenitores.
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Custas, em partes iguais, pelos progenitores – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.
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Oportunamente, cumpra o disposto no artigo 78.º, do Código do Registo Civil.
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Porto, 5 de junho de 2023
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Manuel Domingos Fernandes
Augusto Carvalho
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[1] Ac. da RG de 12/1/2017, processo 996/16.0T8BCL-D.G1, in base de dados da dgsi
[2] Ac. da RP de 20/2/2017, processo, 1530/14.2TMPRT-A.P1, in base de dados da dgsi
[3] Ana Prata e outros, Código Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2017, pag 817
[4] Ac. RG. de 04/12/2012, Proc. 72/04.1TBBNC-D.G1, in base de dados da DGSI.
[5] Ac. STJ., de 04/02/2010, Proc. 1110/05.3TBSCD.C2,P1, in base de dados da DGSI.
[6] Tomé d´Almeida Ramião, Regime do Processo Tutelar Cível Anotado e comentado, Quid Juris Sociedade Editora, 2017, pag. 129
[7] Cfr. Ac. da RP de 20/2/2017, processo, 1530/14.2TMPRT-A.P1 in base de dados da dgsi, “… É o interesse do menor que deverá estar sempre subjacente a qualquer decisão que o tribunal tenha que tomar em relação ao seu projecto de vida (artigo 1906.º do CCivil). VI - A figura primária de referência (primary caretaker), não obstante seja tida como referente no meio jurídico e seguida pelos nossos tribunais, cremos ser insuficiente para estribar uma decisão sobre o projecto de vida de uma criança, pois que limita todo um manancial de experiências a um momento (aquele em que criança é mais dependente) e a uma única figura, desvalorizando outros aspectos vivenciais da criança que são fundamentais para que ela se desenvolva de forma harmoniosa e autónoma.
VII - A investigação científica tem posto em evidência a importância de a criança manter o relacionamento e os vínculos com ambos os progenitores, desde que estes revelem competências parentais adequadas, desmontando a ideia de que a figura que esteve mais presente nos primeiros meses/anos de vida é a única figura de vinculação importante para a criança ou a figura de vinculação exclusiva. VIII - Daí que nas acções de regulação das responsabilidades parentais, a melhor decisão resultará sempre da análise séria e sensível dos elementos da matéria de facto, do conhecimento imediato dos magistrados relativamente às pessoas envolvidas, e do empenho na procura da satisfação do melhor interesse da criança”.
[8] Cfr. Armando Leandro in "Infância e Juventude" 90/1 Pág.9-34 e número especial 91 Pág. 263- 284). http://www.oa.pt/cd/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?sidc=31634&idc=1&idsc=21852&ida=75761
[9] Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divorcio.
[10] Maria de Fátima Duarte, O Poder Paternal: Contributo para o Estudo do seu Actual Regime, AAFDL, pág.176
[11] Cfr. Ac. RG de 14/1/2021, proc. 802/17.9T8VCT.G1, in dgsi.pt, onde se sumaria “Os elementos constitutivos da obrigação de alimentos são, por um lado, a necessidade de alimentos do alimentando e, por outro, a possibilidade de prestação por parte do alimentante (art. 2004º do Código Civil)”.
[12] Beatriz de Macedo Vitorino, Providências relativas aos filhos e aos cônjuges, in Rui Pinto e Ana Alves Leal, coordenação, Processos Especiais, vol. II, 2021, AAFDL Editora, pág. 11
[13] Ac. RP de 26/5/2009, proc. 8114/07.0TBVNG.P1, in dgsi.pt
[14] Cfr. Ac. do STJ de 19/5/2021, proc. 648/08.5TBEPS.G1.S1, in dgsi.pt, onde se decidiu que a prestação a fixar deve ter em conta todos os custos inerentes a um crescimento saudável e harmónico, a uma educação adequada, sendo que na fixação dos alimentos e no que diz respeito às necessidades do menor, deve ser ponderado nomeadamente a sua idade, estado de saúde, aptidões, estrato social e o nível social dos progenitores e se ambos os progenitores devem participar nas despesas relativas ao sustento (em sentido amplo) e à educação do menor, de modo algum tal participação tem de ser, necessariamente, em montantes iguais, participando os mesmos igualmente quando participam de acordo com as suas reais possibilidades.
[15] Ac. da RL de 20/1/2011, proc. 7880/08.0TBALM.L1-2, in dgsi.pt
[16] Como se decidiu no Ac. da RC de 8/7/2021, proc. 661/17.8T8LMG-A.C1, in dgsi.net a “determinação da prestação de alimentos a filho menor a cargo do progenitor não guardião e a fixação da sua medida far-se-á por meio da ponderação cumulativa do binómio necessidade (de quem requer os alimentos) / possibilidade (de quem os deve prestar), em conformidade com o disposto no artigo 2004º do Código Civil. IV – O que não dispensa um momento de equidade no juízo final de ponderação, nomeadamente em função da objetiva desproporção dos rendimentos/encargos de cada um dos progenitores. V – Assim, a contribuição dos pais para alimentos dos filhos – artigo 1878º, nº 1, do Código Civil – deve estabelecer entre eles um patamar de igualdade, de proporcionalidade, o qual passa por fixar as despesas mensais dos filhos; verificar o que sobra a cada progenitor, depois de deduzidas as despesas fixas de cada um e estabelecer, de seguida, uma contribuição proporcional às disponibilidades de cada progenitor, sem abstrair do mínimo necessário à sobrevivência dos progenitores”(negrito nosso).