Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
776/05.9TDPRT.P4
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
CONDIÇÃO DE PAGAMENTO
INCUMPRIMENTO
REVOGAÇÃO
Nº do Documento: RP20190116776/05.9TDPRT.P4
Data do Acordão: 01/16/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: PROVIDOS OS RECURSOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO ASSISTENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º1/2019, FLS.142-149)
Área Temática: .
Sumário: I - Para apurar da razoabilidade, proporcionalidade e exigibilidade do cumprimento de um determinado dever imposto como condição da suspensão da execução de uma pena de prisão importa ter em conta a gravidade do crime em apreço e os prejuízos deste decorrentes que devem ser reparados.
II - É óbvio que a gravidade desse crime e prejuízos tornam exigíveis razoáveis e proporcionais sacrifícios a que não estão sujeitas pessoas que não cometeram esses crimes nem causaram prejuízos, os quais são um corolário da própria pena e das suas finalidades.
III - Nestes casos, e em atenção a essa gravidade, justifica-se que o condenado reduza significativamente o trem de vida a que estava habituado e que corresponde ao seu estatuto social, sem que seja atingido o nível mínimo imposto pelo respeito pela dignidade humana.
IV - Assim sendo, não pode aceitar-se que o pagamento da indemnização dos danos causados pelo crime só se torne exigível depois de satisfeitas as despesas habituais do condenado, sejam elas quais forem.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 776/05.9TDPRT.P4

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – O Ministério Público veio interpor recurso do douto despacho do Juiz 1 do do Juízo Central Criminal do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que determinou a não revogação da suspensão de execução da pena de três anos e seis meses de prisão em que foi condenado B….
Da motivação deste recurso constam as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto da decisão/despacho judicial de 04/09/2018, que continuou a entender que o comportamento do arguido não era passível de condenação, mantendo a anterior decisão que julgou extinta a pena de prisão, por efeito do decurso do prazo de suspensão (o qual já havia sido alvo de prorrogação);
2. A sustentar tal decisão invocou não ter o arguido incorrido numa violação grosseira (apenas culposa), das condições de pagamento e que a condição estabelecida no acórdão ser demasiado onerosa em face das suas condições económicas auferidas pelo próprio e que poderia pagar, quer a título de danos patrimoniais como não patrimoniais, já que o montante declarado em sede de IRS, justificam tal incumprimento;
3. Relatando a decisão condenatória deste Tribunal foi plenamente confirmada nas Instancias Superiores, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, condicionada à obrigação de, no mesmo período, pagar à assistente o valor do pedido de indemnização cível em que também foi condenado e tendo decorrido tal prazo e encontrando-se totalmente insatisfeita, ouviu-se o arguido que alegou insuficiência económica, mas manifestou pretensa vontade de a cumprir, mencionando fundadas expetativas, requerendo prorrogação do prazo; o que lhe foi concedido por mais 1 ano e 6 meses, elevando essa suspensão a cinco anos;
4. Afinal o mesmo não viria a efetuar o pagamento de qualquer desse montante, juntando apenas aos autos a sua ultima declaração de rendimentos (2015) com a alegação de insuficiência económica e invocando também a prescrição da pena suspensa, porque sendo de substituição, como referiu e tratando-se de pena autónoma, se encontraria prescrita e, assim, propugnou pela sua extinção;
5. Tendo este Tribunal e nesta sequencia, julgado justificada a sua incumprida atuação e declarando a pena extinta;
6. Numa segunda análise e por força da decisão da Segunda Instancia e das novas diligencias, analisaram-se as declarações de IRS dos anos de 2011 a 2016, constatou-se ter o arguido auferido rendimento como trabalhador por conta de outrem de 10.450,00€e o casal de 40.000,00€,o que torna o rendimento do casal ao nível médio do nosso país.
7. Rendimentos estes deste agregado que não contabilizam as ajudas familiares e financeiras, para alem das inúmeras mordomias por ele contabilizadas, como sejam ajudas financeiras e habitação em zona chique e utilização de carros de gama alta;
8. Tal como nos foi referido, agora, pelo Sr. Agente de execução que esteve na cobrança coerciva da divida na fase do processo executivo, aqui ouvido nos autos;
9. E se é certo- como referiu, agora, a Mª Juíza-, que o produto do trabalho do cônjuge é bem integrado na comunhão do casal, no regime de adquiridos, respondendo a par dos bens próprios, não se podendo concordar com a julgadora ao considerar que o vencimento liquido mensal do cônjuge e o valor dos encargos do agregado familiar do arguido, sejam insuficientes para cumprir a obrigação imposta; com a total perversão do sistema penal.
10. Na verdade, analisando tais números, da declaração de rendimentos-, o casal em causa poderia ter-se governado com o salário do cônjuge do arguido e este deveria ter disponibilizado – ao longo do mencionado período temporal-, o seu dito parco salario e se assim fosse, então poderia ter-se concluído que o mesmo não teria ocorrido em falta grosseira no cumprimento dos seus deveres obrigacionistas impostas pelo Tribunal das duas Instâncias, mesmo que de forma parcial;
11. O que não ocorreu neste caso, sendo certo que o Tribunal esqueceu-se de considerar nos rendimentos do casal, o montante de 116.309,00€, quantia da qual o arguido se apropriou, utilizando-a em se próprio proveito, empobrecendo a assistente.
12. Ora, esta atuação omissiva deve entender-se como grave e dolosa, considerando-se nada ter feito o arguido- como se lhe impunha-, para e, pelo menos, parcialmente, minorar a situação grave em que colocou a assistente;
13. Resultando ter o arguido com toda esta sua atuação, enganado não só a lesada assistente, como o próprio benévolo Tribunal, já que o arguido jamais pretendeu, efetivamente, compensar a lesada em qualquer quantia devida.
14. Ainda que tivesse sempre mencionado vontade em pagar tal montante, requerendo inicialmente a prorrogação de tal prazo, mas numa segunda fase já nem procurou disfarçar essa sua dolosa atuação, vindo invocar e numa primeira linha prescrição dessa pena.
15. Tendo apenas e com toda esta sua posterior conduta nos autos, o arguido demonstrado à abundância, que jamais pretendeu ressarcir a assistente, conseguindo defraudar a lei, usando este expediente dilatório;
16. Sendo certo que o arguido continuou a não conseguir demonstrar que a sua declarada, que não real, insuficiência económica não resultou de culpa sua e de que o seu enriquecimento na aludida quantia com a qual se locupletou, não retirou qualquer proveito económico;
17. Assim é que ao procurar e conseguir obter uma maior dilação do prazo do período suspensivo, inicialmente fixado, o arguido litigou em nítido abuso de direito, revelando total desprezo para com o Tribunal e lesada/assistente;
18. Assim é que o arguido, já depois deste prazo dilatório não manifestou qualquer vontade de indemnizar a assistente, nem sequer nuns módicos euros!
19. Ao cingir-se à simples e inócua declaração de rendimentos e ter concluído singular e simplisticamente que o arguido não poderia ser responsabilizado pela sua inercia de ressarcimento da assistente, devido aos parcos rendimentos insertos na dita declaração, o Sr. Juiz abriu como que a caixinha de pandora para todas análogas situações;
20. Deixando um vazio de sentido e sem qualquer utilidade a concessão deste instituto suspensivo previsto no artigo 51º nº1 alínea a), do Código Penal, que sempre impõe efetivos sacrifícios aos arguidos para repararem o mal do crime;
21. Daí que não deverá ser relevada a conduta de total incumprimento da condição inicialmente imposta e posteriormente prorrogada pelo Tribunal, devendo, nesta conformidade, ser-lhe revogada a suspensão e em consequência, impondo-se que o arguido venha a cumprir a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
22. Sob pena de frontal violação do disposto nos artigos 50º, 51º nº1 al. a), 55º e 56º al. a) e 57º, todos do Código Penal.
23. Neste sentido deverá e em suma, ser revertido esse despacho no sentido de ser revogada a suspensão inicial e ao arguido/recorrido, ser-lhe imposto o efetivo cumprimento desta pena de prisão e por forma efetiva.»

O assistente “Condomínio do Edifício C…” também interpôs recurso desse despacho.

Da motivação deste recurso constam as seguintes conclusões:
«I. Pelo despacho aqui em crise o Meritíssimo Juiz a quo extinguiu a pena aplicada ao arguido, com o fundamento na não verificação da condição imposta pelo artigo 56. ,n.º 1, alíneas a) e b) do CPP, ou seja, julgou que o arguido não infringiu grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta que lhe foram impostos, nem cometeu crime pelo qual foi condenado, nem revelou que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
II. Para fundamentar a sua decisão lançou mão de dois principais argumentos: que o montante dos rendimentos anuais (ilíquidos) declarados em sede de IRS justificam o não cumprimento da condição estabelecida para a suspensão da pena, a saber, o pagamento de uma indemnização ao assistente – aqui Recorrente – na quantia de €116.309,99 a título de danos patrimoniais, bem como de 1.500,00€ por danos não patrimoniais, ambas acrescidas de juros moratórios, por serem essenciais à satisfação das suas necessidades básicas, como a alimentação e o vestuário e que apesar do produto do trabalho do cônjuge do arguido ser bem comum do casal, respondendo a par dos bens próprios do cônjuge devedor e nos mesmos moldes em que tais bens respondem pelas dívidas da sua exclusiva responsabilidade, tal valor se mostra insuficiente para cumprir a obrigação imposta, pois praticamente se esgota na satisfação dos encargos.
III. Salvo melhor opinião, entende o aqui recorrente que a inexistência de bens penhoráveis no património do arguido, bem como, os diminutos rendimentos declarados, mais não são do que agravantes da sua conduta no incumprimento da pena que lhe foi aplicada e que levou à suspensão da mesma.
IV. Pelo que, estamos claramente perante um juízo erróneo da aplicação do preceito vertido no artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do CPP.
V. Note-se que no presente caso o aqui arguido fez ingressar no seu património de forma ilícita a quantia de116.309,99€!
VI. Empobrecendo de forma direta e culposa o aqui assistente em prol do seu próprio enriquecimento.
VII. Pelo que são completamente alheias ao assistente e à Justiça as razões pelas quais o arguido não dispõe atualmente daquela quantia, nem podem tais circunstâncias relevantes para efeitos de extinção da pena Aliás, o arguido na diligência judicial de prestação de declarações recusou-se a colaborar com o Tribunal para a descoberta do destino da quantia da qual se havia apropriado.
VIII. Supostamente, o aqui arguido encontra-se numa situação em que não pode indemnizar o assistente, contudo isto só é possível porque o mesmo dissipou todo o património do aqui assistente, utilizando-o em benefício próprio! Em alternativa, se não o dissipou, significa que não pretende, nem nunca teve a intenção de o devolver ao Assistente, infringindo grosseiramente os deveres que lhe foram impostos.
IX. Nunca o arguido pagou fosse o que fosse à aqui Recorrente.
X. Compreende-se assim que estamos perante caso manifestamente diferente daquele em que um arguido provoca um dano resultante de uma conduta ilícita e culposa, mas da qual não tirou proveito económico, como sucede, por exemplo, no caso da condenação a pena condicionada ao pagamento de uma indemnização em virtude de acidente de viação.
XI. A diferença assinalada não pode deixar de ter consequências jurídicas, nem ser indiferente para a aplicação da Justiça no caso concreto.
XII. A conduta do aqui arguido revela manifestamente um elevado e especial grau de culpa no não cumprimento da condição da suspensão da pena.
XIII. O que, no entender do Recorrente, não foi tomado em consideração pelo Tribunal a quo.
XIV. Com o seu comportamento, o arguido violou grosseira e reiteradamente o dever de pagar a indemnização ao assistente/Recorrente,
XV. Não se alcançando assim, as finalidades adstritas à suspensão da execução da pena.
XVI. O arguido nunca sofreu quaisquer consequências nefastas do seu comportamento!
XVII. Limitando-se a de vez em quando enviar uns requerimentos ao processo aqui em causa, com o intuito claro de arrastar todo o processo, sem qualquer consequência, para mais tarde vir, inclusive, alegar a prescrição, tal como vergonhosamente o fez.
XVIII. Conduta esta que também não pode deixar de ser valorada.
XIX. A Justiça não pode ser cega ao ponto de ignorar a facilidade com que hodiernamente as pessoas dissipam os seus bens e gozam rendimentos sem os declarar!
XX. Tanto mais quando têm os conhecimentos jurídicos, como é o caso do aqui arguido que chegou, inclusive, a advogar.
XXI. Nem pode ignorar que o arguido vive (como ficou patente e resulta do despacho) numa vivenda bem situada, com rendimentos (juntamente com o cônjuge) superiores a 40.000,00€, com despesas de empréstimos superiores a 1000,00€ mensais, com avultadas contas de eletricidade, água e D…, e com empregada (paga pela sogra). Bem poderia o arguido, atentas as dificuldades que manifestou em arranjar trabalho, ter-se oferecido para exercer tais tarefas, que nem lhe ocupariam tanto tempo assim, ter pago, pelo menos, parte da indemnização devida à Recorrente!
XXII. É caso para concluir que a forma de escapar ao cumprimento da condição imposta, mesmo em caso de condenação por apropriação ilícita de dinheiros pertencentes a outrem, é viver à grande e à francesa!
XXIII. Parece, assim, que o arguido tem a maior facilidade em troçar da própria Justiça, pois que mesmo com uma condenação conseguiu (passe a expressão)“safar-se”!
XXIV. Aliás, é escandaloso que meios dilatórios utilizados pelo arguido venham manifestar-se a seu favor, pois no presente caso, nem as finalidades gerais nem as especiais de prevenção se podem considerar satisfeitas, já que nenhum mal foi reparado, permanecendo o bem jurídico-fundamental que o direito penal visa tutelar violado.
XXV. Conclui-se que quando estamos perante um crime de apropriação ilícita de bens alheios com pena suspensa condicionada ao pagamento de uma indemnização referente aqueles bens, não deve atender-se à insuficiência de rendimentos ou impossibilidade do pagamento da indemnização como causas justificativas da extinção da pena, porquanto, existiu durante algum tempo efectivo enriquecimento, ingressando os valores que deveriam ser devolvidos na esfera do arguido, pelo que o não pagamento da indemnização se deve exclusivamente à culpa do arguido, que dissipou todo o património que estava obrigado a indemnizar. É evidente que o arguido se beneficiou de tal quantia: como não? Se foi condenado judicialmente por tal apropriação? Se ficou calado quando questionado acerca do destino que lhe foi dado?
XXVI. Face ao exposto, deve o douto despacho recorrido ser substituído por outro que leve à revogação da suspensão da execução da pena, com todas as consequências legais.»

B… apresentou resposta a tais motivações, pugnando pelo não provimento dos recursos.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando também pelo não provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir
II
A questão que importa decidir é, de acordo com a motivação dos recursos, a de saber se deve, ou não, ser revogada a suspensão de execução da pena de três anos e seis meses de prisão em que B… foi condenado, por ele ter, ou não, infringido grosseiramente os deveres que condicionaram essa suspensão.
III
É o seguinte o teor do douto despacho recorrido:

« B… foi condenado nestes autos pela prática de um crime de abuso de confiança agravado na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução se declarou suspensa pelo período de 3 anos e 6 meses, sob condição de pagar, no mesmo período de tempo, ao Condomínio do Edifício C… as seguintes quantias:
€116.309,99, a título de indemnização por danos patrimoniais;
€1.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
Ambas acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a notificação do pedido para contestar.
*
O acórdão condenatório transitou em julgado no dia 27.06.2011.
Entretanto, a pedido do condenado, com alegação da sua insuficiência económica para proceder ao pagamento daquelas quantias, prorrogou-se o período de suspensão da pena, bem como o prazo para cumprimento da condição fixada, por mais um ano e meio.
O período de suspensão de execução da pena terminou, assim, no dia 27.06.2016.
*
Por despacho proferido em 10.01.2017, foi decidido o seguinte:
Da análise dos elementos carreados para os autos, conclui-se que o arguido não cumpriu a condição estabelecida, não tendo satisfeito o pagamento fixado, ainda que parcialmente e mesmo de forma diminuta.
Porém, tendo em conta o montante total fixado, a inexistência de bens penhoráveis, assim como os rendimentos anuais (ilíquidos) declarados em sede de IRS, não pode concluir-se pela exigível infração, de modo grosseiro ou reiterado, do dever imposto, já que os montantes auferidos pelo arguido são manifestamente insuficientes para a satisfação da condição de pagamento estabelecida.
Nestes termos, não se pode extrair a conclusão de que o incumprimento da condição imposta possa ser imputado ao arguido e de não terem sido atingidas as finalidades da suspensão da execução da pena.
Assim, não havendo outros motivos que levem à revogação da suspensão de execução da pena, nos termos do disposto nos artigos 55º, 56º e 57º, nº 1, todos do Código Penal, julgo extinta a respetiva pena.”
*
Do referido despacho recorreu o Ministério Público e o assistente, Condomínio do Edifício C…, tendo sido, nessa sequência, decidido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto substituir o douto despacho recorrido por outro que determine a realização das diligências necessárias para apuramento dos seguintes factos, com vista a analisar, de novo, a questão de saber se se verifica, ou não, uma infração grosseira ou repetida da obrigação imposta como condição da suspensão da execução dessa pena:
O motivo por que o condenado, durante todo o período da suspensão, não pagou sequer uma mínima parte da indemnização em causa e se em todo esse período não beneficiou da apropriação que esteve na base da sua condenação;
De que forma o condenado faz face às suas despesas pessoais com os tão exíguos rendimentos que declarou e quais os rendimentos do seu agregado familiar.
*
Em obediência ao superiormente determinado, realizaram-se as diligências entendidas por necessárias com vista ao apuramento de tais factos, nomeadamente:
Audição do condenado (cfr. fls. 2011);
Inquirição do agente de execução que procedeu à tentativa de penhora dos bens do arguido (2011);
Elaboração de relatório social por parte da DGRSP (cfr. fls. 1993-1996);
Pedido de informação ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP, sobre os processos em que o condenado interveio na qualidade de advogado no decurso do período de suspensão (cfr. fls. 1998);
Notificação do condenado para comprovar os seus rendimentos e encargos no decurso do período de suspensão e esclarecer qual a atividade que exerceu (cfr. fls. 2019-2031);
Notificação do E… para vir aos autos confirmar a celebração do contrato de reconhecimento de dívida junto a fls. 2023-2026 (cfr. fls. 2050);
Ofício à DGF, solicitando o envio de cópias das declarações de rendimentos do condenado referentes aos anos de 2011 a 2016 (cfr. fls. 2055-2090 e 2094-2112);
Junção do assento de nascimento do condenado (cfr. fls. 2120/2121).
*
Determinou-se ainda a junção de CRC atualizado do condenado (2116-2118), do qual não resulta que o mesmo tenha sido condenado pela prática de qualquer ilícito criminal cometido durante o período de suspensão da pena.
*
Em face ao resultado das diligências realizadas, veio o assistente dizer o seguinte:
Verifica-se que nos anos de 2011 a 2016 o condenado apresentou declarações de IRS de onde resulta um rendimento global anual do agregado familiar no montante de cerca de €40.000,00;
Os rendimentos auferidos pelo seu agregado familiar eram suficientes para que cumprisse, pelo menos, parte da condição de suspensão da pena;
Se não o fez foi porque não se dispôs a tanto, confiante que estava na obtenção de uma decisão judicial final de prescrição ou de extinção da pena.
Verificando-se que o condenado poderia ter cumprido, pelo menos, parte da condição que lhe foi imposta, não o tendo feito, é entendimento do assistente que deve a suspensão da execução da pena ser revogada, com todas as consequências legais.
*
Por sua vez, disse o Ministério Público que:
Quanto a rendimentos declarados e, apenas, referentes a rendimentos auferidos como assalariados ou como trabalhador por conta de outrem, 10.450,00€, durante o período mencionado, o casal, em conjunto, auferiu mais de 40.000,00€/ano, muito mais do que qualquer outro agregado familiar de nível médio do nosso país;
Por outro lado, e das diligências levadas a efeito pelo Tribunal, em obediência e no seguimento da diretiva dada pela Segunda Instancia, o mesmo continuou a levar uma vida faustosa e de luxos, embora alegando problemas de saúde que, inicialmente, o terão ou pelo menos nos referiu ter sofrido, sempre furtando-se a todas as diligencias executivas - como nos referiu agora o Sr. solicitador de execução -, eximindo-se a todas as tentativas por parte da credora/assistente nos autos e no sentido de obter a satisfação do seu credito, que lhe é devido porque judicialmente atribuído;
O qual, o arguido jamais teve intenção de pagar, jogando sempre com o fator de uma impossibilidade física e intelectual, alegando pobreza de vida, devido a doença, bem como com a própria prescrição;
Daí que nos reste concluir no sentido da nossa motivação, com a revogação da suspensão da pena de prisão fixada nos autos.
**
Notificado o condenado dos documentos juntos e da posição assumida pelo Assistente e pelo Ministério Público, o mesmo disse, em suma, que:
Verifica-se, no caso em apreço, uma objetiva impossibilidade de facto, na medida em que a sua capacidade económica tem sido insuficiente para satisfazer o pagamento do montante arbitrado, incumprimento, todavia, não adveniente de um comportamento relapso e desrespeitador da condenação, mas antes de uma situação económica que não foi querida nem sustentada por si, situação que, por razões conjunturais e alheias à sua vontade, não tem podido/conseguido ultrapassar;
Os rendimentos do seu cônjuge são totalmente despendidos na gestão da economia familiar, que inclui o pagamento de uma prestação bancária de montante elevado, relativa à habitação (bem próprio do cônjuge) – cerca de €1.200,00 – o que, inclusive, leva o casal a socorrer-se esporadicamente da ajuda de terceiros;
Afigura-se inadmissível imiscuir as vicissitudes da ação executiva na valoração da sua conduta no decurso da suspensão da execução da pena aplicada e censurá-lo por não se lhe encontrar bens penhoráveis, sem os mínimos indícios de sonegação de bens;
Assim, resulta impossível, por um lado, afirmar que agiu com culpa ao não pagar a quantia a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena e, por outro, demonstrar que tinha capacidades económicas para efetuar o pagamento;
O incumprimento da condição de suspensão da execução da pena pelos motivos expostos não compromete, manifestamente, as finalidades previstas no art. 40º do Cód. Penal, pelo que, atento o disposto no artigo 57º, nº 1, do Cód. Penal, impõe-se a extinção da pena.
**
Apreciando e decidindo:
Estipula o art. 56º do Código Penal, na redação aplicável, que:
1 – A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
(…).
E estatui o art. 55º do mesmo código:
Se durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de readaptação, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação;
d) Prorrogar o período da suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50º.
Decorre da conjugação daqueles dois preceitos legais que: o incumprimento culposo determina a aplicação do regime do art. 55º do Código Penal e só o incumprimento grosseiro ou repetido das condições de suspensão ou a prática de crime pelo qual o condenado venha a ser condenado revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, conduzem à aplicação do art. 56º do Código Penal (v., neste sentido o Ac. do TRL, de 06-06-2006, proferido no Processo nº 147/2006-5, publicado em www.dgsi.pt, que aqui seguiremos de muito perto).
Assim, para se determinar qual o regime que se deve aplicar ao caso concreto é necessário, antes de mais, proceder à destrinça entre violação culposa e violação grosseira das condições da suspensão.
Ora, o não cumprimento atempado dos deveres a que ficou sujeita a suspensão da pena não é, por si só, bastante, nem constitui princípio automático para a sua revogação (v. Acórdão supra citado).
No mesmo sentido apontam também L.Henriques e S.Santos:
“O não cumprimento das obrigações impostas não deve desencadear necessariamente a revogação da condenação condicional. Na verdade, se se quer lutar contra a pena de prisão, e se a revogação inelutavelmente a envolve, daí resulta que tal revogação só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências...” (…) “Mas as causas de revogação não devem ser entendidas como um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O réu deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena. Aliás, como se viu, o Tribunal goza de uma ampla faculdade de prescindir da revogação, mesmo que exista mau comportamento durante o período de suspensão” (cfr. Código Penal Anotado, 1995, 1º Vol., pág. 481).
De acordo com este entendimento, a revogação da suspensão da pena por incumprimento do agente das obrigações impostas só pode ocorrer se o incumprimento se verificar com culpa, enquanto infração grosseira ou repetida dos deveres impostos na decisão condenatória. Por outro lado, só deve ser decretado como “ultima ratio”, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências contidas no art. 55º do Código Penal.
Não dizendo a lei o que se deve entender por violação grosseira dos deveres, cabe ao julgador fixar os respetivos contornos.
“Mas, naturalmente que em tal consideração não poderão olvidar-se os ensinamentos sobre o que constitui negligência grosseira: a culpa temerária; o esquecimento dos deveres gerais de observância; a demissão pelo agente dos mais elementares deveres que não escapam ao comum dos cidadãos; uma inobservância absolutamente incomum. A violação grosseira de que se fala, há-de ser uma indesculpável atuação, em que o comum dos cidadãos não incorre não merecendo ser tolerada, indesculpada. Não pode esquecer-se, como princípio orientador da matéria, o que desde o início se acentuou deste regime legal: dever fazer-se apelo a uma certa liberdade, reclamada pala situação humana concreta, de modo a que, ainda assim, não se perca a finalidade última da recuperação do delinquente. A apreciação deve ser feita de forma criteriosa e cuidadosa” (v. Ac. supra citado).
Ora, a suspensão da pena, quando condicionada aos deveres nos termos supra referidos, integra-se não só na função ressocializadora do condenado, mas também e simultaneamente “na justiça e na necessidade de os interesses da vítima, lesados pelo facto criminoso, serem o mais rapidamente possível satisfeitos”.
Diz o Conselheiro Maia Gonçalves nesta matéria, in o Código Penal de 1982, I, pág. 303:
“Só mediante a ponderação das particularidades de cada caso concreto o juiz poderá decidir se alguma deve ser aplicada e, caso positivo, qual a que melhor se molda à situação. Assim, se o condenado deixou de cumprir uma condição devido a caso fortuito ou de força maior que definitivamente o inibe de lhe dar cumprimento, não deve ser aplicada qualquer sanção. Se o caso fortuito ou de força maior o inibiu tão somente de cumprir dentro do prazo inicialmente estabelecido, parece quadrar-se bem uma prorrogação do prazo… Se a falta de cumprimento é devida a culpa leve, parecem mais adequadas as medidas das alíneas a) e b), isoladas ou em conjunto. Para os casos da falta de cumprimento dolosa ou com culpa grave, afigura-se-nos mais ajustada a medida da alínea d) in fine, ou mesmo a revogação”.
Como se refere no douto acórdão do TRP, de 12.01.2011 (processo nº 5376/97.2JAPRT-B.P1, in www.dgsi.pt), “para que se possa afirmar que o condenado agiu com culpa ao não pagar as quantias a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena é necessário, antes de mais, demonstrar que ele tinha condições económicas para efetuar o pagamento, ou, então, que se colocou voluntariamente na situação de não poder pagar”.
Tendo em conta estas considerações, cumpre agora analisar a situação em apreço.
Foi imposta ao condenado a condição de pagar ao assistente, no período de 3 anos e 6 meses, a quantia global de €117.809,99, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação do pedido para contestar.
À data do trânsito em julgado da condenação, o valor global das indemnizações, tendo em conta os juros vencidos, era de valor superior a 138 mil euros.
Reportado a 27.06.2016 (termo do período de suspensão da pena, acrescido do período de prorrogação), o valor global das indemnizações era de valor superior a €161 mil euros.
O condenado não procedeu ao pagamento daquela quantia, nem mesmo parcialmente.
Justificou tal incumprimento, em sede de audição, na falta de meios financeiros para o efeito, esclarecendo que encerrou a sociedade que geria à data da prática dos factos, que esteve um ano sem trabalhar por motivo de doença, que ao longo dos últimos anos prestou alguns serviços de consultadoria que lhe proporcionaram os poucos rendimentos que declarou para efeitos de IRS, que não tem bens móveis e imóveis, que a casa onde habita não é de sua propriedade e mostra-se hipotecada e que os bancos não lhe dão crédito e não tem amigos a quem pedir dinheiro emprestado.
Decorre do depoimento prestado por F… (agente de execução nomeado no processo de execução apenso, instaurado pelo assistente/lesado com vista à cobrança coerciva da quantia indemnizatória) que não foi possível proceder à penhora de bens imóveis e de rendimentos do condenado por inexistirem, que o veículo automóvel que encontrou, sendo já bastante antigo, teria sido enviado para abate e que o condenado não permitiu a entrada na sua habitação com vista à penhora de bens móveis, alegando que tal habitação (vivenda grande, bem situada e cuidada), bem como o respetivo recheio, não lhe pertencia, mas sim à sua sogra. Nessa sequência, não foi tentada a penhora dos referidos bens móveis através de arrombamento ou com o auxílio das autoridades policiais, pelo que se desconhece se o condenado é proprietário de bens moveis.
Desconhece-se igualmente qual o destino dado à quantia apropriada pelo condenado, sendo que este nada disse a esse respeito e o referido agente de execução declarou que as contas bancárias daquele não tinham saldo penhorável.
Da documentação junta aos autos resulta que o condenado, em 2011, declarou rendimentos de €800, em 2012, declarou rendimentos de €1.100, em 2013, declarou rendimentos de €1.000, em 2014, declarou rendimentos de €1.100, em 2015, declarou rendimentos de €3.300 e, em 2016, declarou rendimentos de €3.150 (cfr. fls. 2031).
Mais resulta que, em 2011 e 2012, ainda estaria a cumprir o acordo de pagamento junto a fls. 2023-2026 e que, entre os anos de 2011 a 2016, o cônjuge do condenado apresentou rendimentos brutos no valor de €36.341,31 (2011), €30.421,43 (2012), €35.390,81 (2013), €35.576,83 (2014), €35.993,48 (2015) e €36.588,44 (2016), sobre os quais recaíram as retenções e contribuições obrigatórias que constam das respetivas declarações de IRS, as quais representam cerca de um terço daqueles valores, pelo que o rendimento anual disponível do agregado familiar do condenado rondou os 20 mil euros, equivalente a cerca de €1.670/mensais.
Por fim, resulta do relatório social do condenado (elaborado, além do mais, com base na análise dos seguintes documentos: certidão da autoridade tributaria e aduaneira; documento comprovativo da declaração de alteração de atividade, datada de 15.11.2017; declarações de IRS de 2011 a 2016; fatura dos serviços da D…; fatura da água; fatura de fornecimento de eletricidade e gás natural; extrato da conta bancária conjunta do condenado e cônjuge, onde consta o extrato de empréstimos e cartões de crédito) que ao longo dos últimos anos as despesas fixas mensais do agregado familiar – que se prendem com duas prestações mensais do crédito da habitação e uma prestação de crédito pessoal, no valor total de 1.325 euros mensais, montante suportado pelo cônjuge e sua progenitora, uma vez que se trata de património próprio daquela; uma prestação de crédito para aquisição de bens de consumo, no valor de 247 euros; eletricidade e gás, cerca de 116 euros mensais; água, cerca de 30 euros; serviços D…, cerca de 92 euros; salário da empregada doméstica, cerca de 150 euros/mês, sendo este valor suportado na totalidade pela sogra do condenado) foram em grande medida suportadas pelo cônjuge, professora, que aufere presentemente cerca 1.689 euros mensais líquidos, com o apoio da respetiva mãe, que aufere uma reforma na ordem dos 1700 euros mensais líquidos.
Ora, considerando os rendimentos próprios do condenado ao longo dos cinco anos de suspensão da execução da pena, no valor global de €10.450, temos de concluir que os mesmos eram manifestamente insuficientes para cumprir a condição imposta, mostrando-se essenciais à satisfação das suas necessidades básicas, como a alimentação e o vestuário.
Por outro lado, pese embora o produto do trabalho do cônjuge seja um bem integrado na comunhão do casal, no regime de comunhão de adquiridos (v. certidão de fls. 2120/2121), respondendo inclusivamente a par dos bens próprios do cônjuge devedor e nos mesmos moldes em que tais bens respondem pelas dívidas da sua exclusiva responsabilidade (cfr. art. 1696º, nº 2, b), do C.C.), o certo é que, considerando o valor de tais rendimentos e o valor dos encargos mensais do respetivo agregado familiar, temos igualmente de concluir que os mesmos se mostravam também insuficientes para cumprir a obrigação imposta, pois praticamente se esgotavam na satisfação daqueles encargos.
Ora, não constando dos autos quaisquer elementos que nos permitam refutar a alegada situação de insuficiência de rendimentos e de ausência de património por parte do condenado, não podemos imputar ao mesmo o incumprimento da obrigação de pagamento da indemnização que lhe foi imposta.
Daí que, tudo ponderado, se entenda que a falta de cumprimento da obrigação de pagar ao assistente das aludidas indemnizações não integra uma infração grosseira, ou seja, uma atuação intolerável e indesculpável por parte do condenado, face às circunstâncias da sua vida ao longo do período de suspensão, que o impediram de dispor da quantia correspondente.
Assim, por se entender que não se verificam, no caso, os pressupostos previstos no art. 56º, nº 1, alíneas a) e b), do Código Penal, decide-se não revogar a suspensão da pena de prisão aplicada ao condenado, pena essa que, face ao decurso do respetivo prazo de suspensão, se declara extinta.
*
Decisão:
Face ao exposto, por se entender que, no caso, não existe fundamento para revogar a suspensão, ao abrigo do disposto no art. 57º, nº 1, do Código Penal, decide-se declarar extinta a pena de prisão aplicada ao condenado B… nos presentes autos.
Notifique e, após trânsito, remeta boletins ao registo criminal e comunique à DGRSP.»
IV
Cumpre decidir.
Está em discussão saber se deve, ou não, ser revogada, nos termos do artigo 56.º, n.º 1, a), do Código Penal, a suspensão da execução da pena de três anos e seis meses de prisão em que B… foi condenado, por ele ter infringido, ou não, o dever de pagamento ao assistente “Condomínio Edifício C…” da indemnização de 117.809,99€, acrescida de juros legais, dever que condiciona essa suspensão.
Desde a data da condenação até agora, o condenado não efetuou o pagamento de qualquer parcela dessa quantia.
Considera o douto despacho recorrido que não se verificou essa infracção grosseira porque o condenado nunca dispôs de uma situação económica e financeira que lhe permitisse esse pagamento.
Consideram os recorrentes que a situação económica e financeira do condenado permite que tivesse pago, pelo menos parcialmente, tal quantia.
Invocam, desde logo, os recorrentes o facto de o condenado, nos termos do acórdão que determinou a sua condenação, se ter apropriado em benefício próprio, da quantia de 116.309,99€.
A este respeito, há que considerar o seguinte.
É razoável a suspeita de que o condenado, no período da suspensão, ainda tenha beneficiado, direta ou indirectamente, da quantia de que se apropriou.
No entanto, impõe-se que, para o efeito de uma eventual revogação da suspensão da execução de uma pena de prisão, nos baseemos em juízos de certeza, e não de mera suspeita. Não está de todos afastada a eventualidade de, no período posterior à condenação, o condenado já não beneficiar da quantia de que se apropriou, por a ter anteriormente dissipado, por com ela ter pago dívidas, ou por outro motivo. Apesar das diligências efetuadas nesse sentido, não foi possível apurar o destino dado ao dinheiro de que o condenado se apropriou.
Por outro lado, teremos de considerar apenas os rendimentos comprovadamente auferidos pelo condenado, independentemente da questão de saber se a sua vontade de trabalhar, as suas habilitações académicas e a sua experiência profissional lhe permitiriam auferir rendimentos superiores. Também neste aspeto, não podemos basear-nos em juízos de suspeita ou mera probabilidade, mas apenas em juízos de certeza.
Mas, para além disso, importa considerar o seguinte.
Para apurar a razoabilidade, proporcionalidade e exigibilidade do cumprimento de um determinado dever imposto como condição de suspensão da execução de uma pena de prisão, importa ter em conta a gravidade do crime em apreço e dos prejuízos deste decorrentes, que devem ser reparados. É óbvio que a gravidade desse crime e desses prejuízos tornam exigíveis, razoáveis e proporcionais sacrifícios a que não estão sujeitas pessoas que não cometeram esses crimes nem causaram esses prejuízos. Esses sacrifícios são um corolário da própria pena e das suas finalidades. Justifica-se, nestes casos, em atenção a essa gravidade, que o condenado reduza significativamente o trem de vida a que estava habituado e que corresponde ao seu estatuto social, sem que seja atingido o nível mínimo imposto pelo respeito pela dignidade humana. Não pode aceitar-se que o pagamento da indemnização dos danos causados pelo crime só se torne exigível depois de satisfeitas as despesas habituais do condenado, sejam elas quais forem.
É a esta luz que deve ser analisado o caso em apreço.
O despacho recorrido considerou – e bem – conjuntamente os rendimentos do condenado e sua esposa. Na verdade, sendo estes casados em regime de comunhão de adquiridos, o produto do trabalho de ambos integra a comunhão (artigo 1724.º, a), do Código Civil). De acordo com tal despacho, o rendimento mensal disponível do casal, durante o período considerado, rondou os 1670€ mensais.
É verdade que esse rendimento não torna exigível que o condenado tivesse pago integralmente, no período considerado, a indemnização por ele devida. Mas o mesmo não deve dizer-se de um pagamento parcial, por pequena que fosse a parcela em questão.
É verdade que as despesas habituais do casal e os créditos contraídos, facilmente esgotam tal rendimento mensal. Mas, pelas razões atrás indicadas, atendendo à gravidade do crime e dos prejuízos deste decorrentes, é exigível que tais despesas e tais créditos fossem reduzidos significativamente sem que fosse atingido o mínimo imposto pelo respeito pela dignidade humana. Sem atingir esse mínimo (e porque não estão em causa especiais despesas de saúde, por exemplo), o condenado poderia ter pago uma qualquer parcela da indemnização por ele devida, por pequena que fosse tal parcela.
O não pagamento de uma qualquer parcela dessa indemnização, por pequena que fosse, revela uma indiferença e um desprezo pelos danos causados pelo crime em causa que contrariam manifestamente as finalidades da suspensão da execução da pena. Têm razão, neste aspeto, os recorrentes: a extinção da pena em questão frustra completamente tais finalidades, como se, em termos práticos, um crime de acentuada gravidade permanecesse impune.
Assim, deve ser dado provimento aos recursos.

V – Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo assistente, determinando a revogação da suspensão da execução da pena de três anos e seis meses de prisão em que foi condenado B….
Notifique.

Porto, 16/1/2019
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo