Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1187/08.0PIPRT-A.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: PENA DE MULTA
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
Nº do Documento: RP201606011187/08.0PIPRT-A.P2
Data do Acordão: 06/01/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 680, FLS.358-361)
Área Temática: .
Sumário: I - Se a arguida requereu o pagamento em prestações e escolheu o seu numero, tendo recebido a quantia necessária para a sua satisfação, e se desde que requereu o pagamento em prestações a sua situação financeira que lhe permitia pagar a multa não se alterou, a falta de pagamento é-lhe imputável não havendo lugar à suspensão da execução da prisão subsidiária.
II – A pena de multa não deve ser encarada de ânimo leve pelos condenados pois se destina a satisfazer as finalidades da punição e não constitui uma mera despesa corrente do agregado familiar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1187/08.0PIPRT.P2
Data do acórdão: 1 de Junho de 2016

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Fátima Furtado

Origem: Comarca do Porto
Instância Local | Secção Criminal

Acordam os juízes acima identificados da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

nos presentes autos, em que figura como recorrente o Ministério Público.

I - RELATÓRIO
1. O Ministério Público interpôs recurso do despacho proferido nos autos, que:
a) julgou não verificada a previsão do artigo 49º, n° 3 do Código Penal e, por conseguinte, não permitiu qualquer suspensão de execução de prisão subsidiária; e
b) indeferiu o novo pedido de pagamento da multa em prestações, por completamente extemporâneo.
2. Inconformado com tal decisão, o Ministério Público interpôs recurso do mesmo, no interesse da arguida, terminando a motivação do recurso com a formulação das conclusões a seguir concretizadas:
Por douto despacho exarado a fls. 580 dos autos, que se dá por reproduzido, indeferiu a Mm.ª Juiz quer a suspensão da prisão subsidiária quer o pagamento em prestações da pena de multa.
Funda-se para tanto na apreciação dos elementos juntos aos autos, por iniciativa da arguida e em cumprimento do ordenado pelo tribunal, concluindo que, em face dos mesmos, o não pagamento da pena de multa lhe é imputável pois “auferiu rendimentos, geriu-os da maneira que entendeu e considerou que a multa penal poderia não ser paga.”
Salvo o devido respeito pelo entendimento ali expendido discorda o Ministério Público da decisão por se nos afigurar que se mostram preenchidos os pressupostos para a suspensão da prisão subsidiária nos termos do artigo 49º, n.º 3, do Código Penal
Adere-se ao entendimento de que a “suspensão da prisão subsidiária se traduz num poder-dever ou poder-vinculado do tribunal” supondo a caracterização da prisão subsidiária como “sanção de constrangimento, visando, de facto, em último termo, constranger o condenado a pagar a multa”. (Acórdão TRC de 18/11/2015)
No caso concreto, a arguida, por iniciativa própria e, ulteriormente, em cumprimento do ordenado pelo tribunal, apresentou prova da sua situação económica e financeira, a qual, quer no momento do requerimento inicial, quer na actualidade, traduz uma tal precaridade que dificilmente lhe permitiria efectuar o pagamento da pena de multa sem colocar em causa a subsistência do seu agregado familiar.
Ainda que, anteriormente e transitoriamente, a arguida tenha auferido proventos provenientes da remuneração do seu trabalho, os quais foram em parte sujeitos a penhora, quer o montante do salário auferido, perto da RMG, quer os encargos e despesas correntes do seu agregado familiar, apontam no sentido da insuficiência financeira da arguida, e, consequentemente, conduzem à conclusão de que o não pagamento da pena de multa lhe não é imputável, conforme procurou demonstrar em sucessivos requerimentos ao processo, o que, por si, revela igualmente que a arguida não se desinteressou do cumprimento da pena.
“Depois das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 48/95, quer a razão do não pagamento da pena de multa seja contemporânea da condenação quer seja superveniente, a solução é sempre a da suspensão da execução da prisão subsidiária, nos termos do n.º 3 do art.º 49.º do C.P.P., quando tal razão não seja imputável ao condenado, em observância do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 2, da CRP). (Maria João Antunes, citada no mesmo Acórdão TRC.)
Nas palavras do douto Ac. n.º 491/2000 do Tribunal Constitucional, “a demonstração de que o não pagamento da pena de multa não é imputável ao condenado pode naturalmente fazer-se por via da prova de factos positivos, de onde resulte essa não imputabilidade. Basta pensar, por exemplo, na apresentação de determinados documentos (declaração de rendimentos, recibo do subsídio de desemprego, atestado da junta de freguesia, declaração relativa a eventual internamento hospitalar, entre outros), dos quais se deduza não ser imputável ao condenado o não pagamento da multa em que foi condenado.”
Resultando dos autos uma situação de precariedade económica/financeira que, tendo inviabilizado a cobrança coerciva da pena de multa, revela que o não pagamento da aludida pena de multa não é imputável à arguida, impõe-se a aplicação da suspensão da prisão subsidiária, por um período compreendido entre os limites mínimo e máximo legalmente previstos, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, que se venham a revelar adequados.
Decidindo em contrário, incorreu a douta decisão a quo em violação do disposto no citado art.º 49.º, n.º 3 do C.P. e no princípio constitucional da igualdade previsto no art.º 13.º da CRP.
Termos em que, sendo concedido provimento ao presente recurso, deverá o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine a suspensão da prisão subsidiária, subordinada ao cumprimento dos deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro que se mostrem adequados ao caso, em conformidade com o disposto no artigo 49.º, n.º 3 do C.P..

3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo em separado, com efeito suspensivo.
4. A arguida apresentou resposta à motivação do recurso, limitando-se a declarar nada ter a opor ao mesmo (?!).
5. Nesta instância, o Ministério Público teve vista dos autos (artigo 416º, nº 1, do Código de Processo Penal), emitindo parecer que pugnou pela procedência do recurso.
6. Tendo sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não houve resposta.
7. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal].

Questões a decidir
Do thema decidendum dos recursos:
Para definir o âmbito do recurso, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Das questões a decidir neste recurso:
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir a questão a seguir concretizada, que sintetiza as conclusões do recorrente, constituindo, assim, o thema decidendum:
Erro em matéria de direito:
- No entender do Ministério Público recorrente, a arguida condenada provou que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, o que permite a suspensão da execução da prisão subsidiária, por um período de 1 a 3 anos, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro (artigo 49º, nº 3, do Código Penal).

Nos termos do disposto no artigo 428° do Código de Processo Penal, as Relações conhecem de facto e de direito.
Importa, ora, apreciar e decidir a questão acima enunciada.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A arguida foi condenada nestes autos, em 14 de Novembro de 2013, em pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 6€, no total de 720€ (setecentos e vinte euros), pela prática de um crime de falsificação de documentos.
Em 23 de Janeiro de 2015, a arguida veio requerer a substituição da multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade.
Tendo sido solicitada a intervenção da D.G.R.S., a arguida acabou por:
a) Mostrar indisponibilidade para trabalhar, por ter encontrado emprego, como camaroteira, na empresa B…; e
b) requerer, em 10 de Julho de 2015, o pagamento da multa em duas prestações, o que lhe foi deferido. Não pagou nenhuma delas, nem pagou a multa total e, apesar de notificada para o efeito, nada disse.
A multa foi convertida em prisão subsidiária, por despacho datado de 9 de Dezembro de 2015.
Nessa sequência, em 22 de Dezembro de 2015, a arguida veio requerer novamente o pagamento da multa em prestações, agora em número de seis, alegando não ter pago anteriormente, por ter sido impossível.
Notificada para fazer prova da sua situação económica, a arguida juntou prova documental, da qual resulta:
a) ter duas filhas a cargo, contribuindo o pai com cento e cinquenta euros por mês para o seu sustento;
b) que entre 23 de Março de 2015 e 30 de Novembro de 2015 trabalhou na empresa B…, como camaroteira, com o ordenado base de 635€, tendo recebido no mês da cessação do contrato, em Novembro 2015, o montante líquido de 976,18€, já expurgado do valor retido a título de penhora no vencimento;
c) após esse mês, passou a receber subsídio de desemprego no valor diário de 13,97€.
Perante esse quadro factual é que diverge o entendimento do tribunal a quo e o Ministério Público (este, nas duas instâncias):
a) enquanto o despacho recorrido concluiu que não podia ser extraída a conclusão de que a arguida nada pagou da multa em que foi condenada por facto que não lhe fosse imputável, uma vez que auferiu rendimentos, geriu-os da maneira que entendeu e considerou que a multa penal poderia não ser paga;
b) o Ministério Público considerou que a arguida comprovou a sua situação económico-financeira, a qual traduz uma tal precaridade que dificilmente lhe permitiria efetuar o pagamento da pena de multa, sem colocar em causa a subsistência do seu agregado familiar.
De jure
Nos termos do disposto no artigo 39º, nº 3, do Código Penal, «Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro
Perante os factos processuais documentados nos autos, a arguida foi condenada na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 6€, no total de 720€ (setecentos e vinte euros), pela prática de um crime de falsificação de documentos, que não pagou voluntaria, nem coercivamente, razão pela qual foi determinado o cumprimento da prisão subsidiária, nos termos do disposto no artigo 39º, nº 1, do Código Penal.
Antes de transitado em julgado esse despacho, a arguida alegou não ter efetuado o pagamento (em prestações, que havia sido deferido), por ter sido impossível.
Importa salientar, nesta descrição, que a arguida sempre evitou qualquer contacto com o tribunal, tendo levado pouco mais de um ano após a sua condenação penal para requerer a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade e quatro meses após ter iniciado o novo trabalho – que inviabilizara a prestação de trabalho a favor da comunidade - para requerer o pagamento da multa em duas prestações, que também não cumpriu.
Sublinha-se: a arguida condenada, trabalhando para a B… e sendo conhecedora da sua situação económico-financeira (receitas líquidas e encargos), escolheu o número de prestações em que pretendia pagar a multa, que implicaria duas prestações no valor individual de 360,--€ (trezentos e sessenta euros), sendo ainda certo que recebeu o montante líquido de 976,18€ no último mês em que trabalhou – já após a dedução do valor retido em cumprimento da penhora parcial do salário -.
É certo que a arguida tem duas filhas a cargo, mas também se sabe que o pai deve contribuir com cento e cinquenta euros para o seu sustento.
Do exposto resulta que a arguida não viu a sua situação económico-financeira alterada desde que requereu o pagamento da multa em duas prestações e a sua situação económico-financeira permitia-lhe – contrariamente ao sugerido pelo recorrente – efetuar o pagamento das duas prestações, uma vez que lhe sobrou, a título de rendimento, 616,18€ do salário líquido mensal de Novembro, o qual é superior ao valor do salário mínimo nacional – montante ao qual deverá ter acrescido, ainda, a importância de cento e cinquenta euros referente à pensão de alimentos devida pelo pai das filhas da arguida.
Uma sanção penal não pode nem deve ser encarada de ânimo leve pelos condenados, uma vez que a mesma deverá satisfazer as finalidades da punição (artigo 40º, 1, do Código Penal) e não constituir apenas uma mera despesa corrente do agregado familiar, o que frustraria a sua razão de existir.

Por conseguinte, não tendo a arguida condenada provado que o incumprimento do pagamento da multa em prestações lhe não é imputável – antes pelo contrário – não há lugar à suspensão da execução da prisão subsidiária à luz do disposto no artigo 49º, nº 3, do Código Penal, improcedendo o recurso.

Das custas
Sendo o recurso julgado não provido, não há lugar ao pagamento de custas, uma vez que o Ministério Público beneficia da isenção prevista no artigo 522º, nº 1, do Código de Processo Penal e não se poder afirmar que a arguida decaiu no recurso, apenas pela circunstância de ter declarado não manifestar oposição ao recurso interposto pelo Ministério Público (artigo 513º, 1, in fine, do Código de Processo Penal).
*
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores, da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em julgar o recurso não provido.
Sem custas.
Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 1 de Junho de 2016.
Jorge Langweg
Fátima Furtado
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[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo aplicada de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1, este pesquisável, nomeadamente, através do aplicativo de pesquisa de jurisprudência disponibilizado pelo ora relator, em http://www.langweg.blogspot.pt.