Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
21041/15.8T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: COMPETÊNCIA
TRIBUNAL DO TRABALHO
EM RAZÃO DA MATÉRIA
PEDIDO
PAGAMENTO CONTRIBUIÇÕES À SEGURANÇA SOCIAL
Nº do Documento: RP2017121421041/15.8T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 12/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL(2013)
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º266, FLS.327-336)
Área Temática: .
Sumário: I - A competência em razão da matéria determina-se pelo “thema decidendum”, ou seja, pelo pedido conjugado com os factos jurídicos que fundamentam a pretensão deduzida.
II - No tocante aos tribunais do trabalho, a sua competência em matéria cível restringe-se ao conhecimento das questões taxativamente elencadas nas várias alíneas do artigo 126º da Lei nº 62/2013 de 26.08., designadamente às emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho.
III - Para aferir se determinada questão se insere no âmbito deste segmento da competência dos tribunais do trabalho importa analisar antes de mais se do pedido formulado e da factualidade concreta alegada pelo Autor podemos concluir que estamos perante uma questão emergente de trabalho subordinado, independentemente da designação dada ao contrato ou da sua qualificação como contrato de trabalho por parte do Autor na ação.
IV - A obrigação de liquidar e pagar as contribuições devidas à Segurança Social não decorre diretamente da violação do contrato de trabalho mas sim da violação de um dever de contributo/tributário. O Tribunal do Trabalho é incompetente em razão da matéria para conhecer dos pedidos de condenação da entidade patronal no pagamento de tais contribuições.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 21041/15.8T8PRT-A.P1
Relatora: Teresa Sá Lopes
Adjuntos: Desembargadora Dr. Maria Fernanda Soares
Desembargador Dr. Domingos Morais
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
1.1. B… instaurou acção declarativa de condenação emergente de contrato de trabalho contra o Estado Português – Ministério C…, com sede na Avenida … - …. - … Lisboa, o D…, com sede na Avenida …, …. - … Lisboa e o E…, com sede na Rua …, …. - … LISBOA, alegando, nomeadamente e em suma, ter celebrado com o Réu , através do Hospital Militar F…, em 02 de Outubro de 1996, um acordo de trabalho verbal, para sob a sua autoridade e direcção, exercer as funções correspondentes à categoria profissional de F2….
Ainda que em 29 de Julho de 1997, entre a Autora e o Réu, através do “Departamento do E…”, Hospital Militar F…, foi celebrado um acordo escrito, intitulado “Contrato de Avença”, do qual consta que o acordo era celebrado “considerando o disposto nos termos do nº1 e 3 do Art. 17º do DLei nº 41/84 de 03 de Fevereiro com a redacção que lhe foi introduzida pelo DLei 299/85 de 29 de Julho,…”.
Em Abril de 2012, foi comunicado à Autora que o contrato teria de ser alterado, por imposição de alterações legislativas entretanto surgidas, designadamente, a Portaria nº 371-A/2010 de 23 de Junho, o que sucedeu em 23.06.2012, sendo novamente renovado em Abril de 2013 e 2014. Os novos contratos adotaram a designação de “contratos de prestação de serviço na modalidade de avença”.
Por força dos referidos contratos, a Autora integrou ininterruptamente a equipa de F2… do Serviço de F1… do Hospital Militar F…, estava na dependência hierárquica do Diretor de Serviço respectivo e coordenador dos F2…/chefe de serviço.
O Réu estabeleceu sempre um horário de trabalho fixo a ser observado pela Autora.
Prestava os tratamentos aos pacientes, previamente distribuídos, mediante orientações, instruções e ordens precisas do Réu, dadas pelos respectivos responsáveis hierárquicos, sendo as suas funções de idêntico conteúdo como qualquer outro F2… funcionário do Réu, usava o mesmo uniforme e tinha o número de funcionária. Era incluída no relatório estatístico relativo aos atos terapêuticos realizados.
Em Novembro de 2014, tomou conhecimento que o seu contrato havia cessado, o que veio a ser confirmado pelo F3…, em 20.08.2015, “o contrato de prestação de serviço na modalidade de avença, realizado com o E…, para vigorar no ano de 2014, cessou em 31 de Dezembro transacto; não existindo qualquer Contrato de Prestação de Serviços na mesma modalidade de Avença para o ano de 2015, para a prestação de serviços neste Hospital Militar.”.
Formulou os seguintes pedidos:
a) A condenação do Réu:
- A reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre Autora e o Réu, condenar-se o Réu a pagar à Autora a quantia de €20.948,68., referentes a créditos laborais relativos a subsídios de férias e de Natal, reportados aos anos de 1996 a 2014;
- Ao pagamento de todas as contribuições devidas para a Caixa Geral de Aposentações ou à Segurança Social, apuradas sobre o montante que auferiu a título de retribuição, a liquidar em execução de sentença, apurando-se as demais consequências legais;
- Ao pagamento do subsídio de refeição apurado sobre a totalidade do contrato de trabalho, a liquidar em execução de sentença, apurando-se as demais consequências legais.
- Ao pagamento dos diferenciais de remunerações entre a Autora e as F2… pertencentes ao G… (Quadro Permanente dos Civis do E…), bem como os diferenciais por progressão na carreira, a liquidar em execução de sentença, apurando-se as demais consequências legais;
b) Ser considerado que o Réu despediu ilicitamente a Autora e em consequência, a condenação do Réu:
- A pagar à Autora as retribuições vencidas e vincendas desde os antecedentes 30 dias até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, que declare a ilicitude do despedimento, computando-se as vencidas em €731,56,
- A pagar à Autora, a título de indemnização pela antiguidade e a determinar tendo por base 45 dias de retribuição base, até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, computando-se as vencidas em 31 de Agosto de 2015 em €13.837,84 ou, em alternativa, indemnização nos termos gerais de direito a fixar equitativamente pelo douto tribunal, tendo como mínimo o valor referido de €13.837,84;
- A pagar à Autora por danos não patrimoniais, a quantia de €4.480,00;
- A pagar à Autora os juros de mora sobre todas as quantias vencidas e vincendas peticionadas e objecto de sentença condenatória, desde a data da citação até integral pagamento;
- Legais consequências.
1.2. O Réu, Estado Português, Ministério C…, representado pelo Ministério Público, na sua contestação, além do mais, excecionou a incompetência em razão da matéria deste tribunal, invocando para tal:
- A Autora cumula na mesma ação pedidos de natureza diferente, indemnização por despedimento ilícito, subsídio de férias e de natal, subsídio de refeição, progressão na carreira, descontos para a caixa geral de aposentações.
- Pedidos que respeitam a relações de direito privado e de direito público, tendo causas de pedir, fundamentos de direito e efeitos jurídicos distintos.
- Os pedidos formulados relativamente a descontos para a Caixa Geral de Aposentações, Subsídio de Refeição, pagamento dos diferenciais de remunerações entre a Autora e as F2… pertencentes ao G…, bem como os diferenciais por progressão na carreira, a liquidar em execução de sentença, apurando-se as demais consequências legais, pressupõem a existência de uma relação jurídica de emprego público.
- De acordo com o disposto no artigo 4º, nº3, al. d) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na redação dada pelo artigo 10º da Lei nº 59/2008 de 11.09., “Ficam excluídos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios emergentes de contrato individual de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes das relações jurídicas de emprego público”.
- Também o artigo 83º da Lei nº 59/2008 de 27.02. refere que “os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal são os competentes para apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas de emprego público”.
- O tribunal de trabalho não é competente para conhecer e decidir litígios emergentes de contrato de trabalho de emprego público, sendo competente o tribunal administrativo.
- A Autora não refere o fundamento legal para os pedidos de condenação do Estado Português a efectuar os descontos para a Caixa Geral de Aposentações e de progressão na carreira, nem se refere à natureza do contrato de trabalho, mas estes pedidos pressupõe um contrato de trabalho de emprego público.
- A autora alega que o contrato que manteve com o Estado Português deve ser considerado como contrato de trabalho, não indicando a natureza desse contrato.
- A ser caracterizado como trabalho subordinado, esse contrato deve revestir a natureza de contrato de trabalho de emprego público, aplicando-se o regime da Lei nº 12-A/2008 e da Lei nº 35/2014 de 20.06.
- O Tribunal de Trabalho não será competente para conhecer dos pedidos formulados pela Autora por força do disposto no artigo 83º, nº 1 da Lei nº 59/2008 que estabelece que “os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal são os competentes para apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas de emprego público”.
1.3. A Autora respondeu pugnando pela manutenção da competência deste tribunal, atendendo à configuração da relação jurídica.
Aduziu para tal, em suma que:
- A competência material afere-se em função do modo como o autor configura a ação, mais concretamente pelos termos em que se mostra estruturada e formulada a pretensão/pedido e os seus fundamentos/causa de pedir, entendida esta como o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido.
- No caso sub judice, a Autora estruturou a petição/pedido visando primordialmente a condenação dos Réus ao reconhecimento de existência de um contrato de trabalho entre a Autora e o Réu e que o despedimento ocorrido fosse considerado ilícito.
- Todos os outros pedidos, não possuem autonomia, antes se perfilando, na economia da ação, como um efeito do pretenso reconhecimento da existência de um contrato de trabalho.
- A circunstância de a Autora ter peticionado os referidos pedidos irreleva em termos da determinação da competência material do Tribunal.
- A Autora e os Réus estiveram, e estão, vinculados por um contrato de trabalho desde 02 de Outubro de 1996, regulado pela lei laboral privada.
- O nomen juris que foi atribuído aos diversos acordos escritos visou iludir as disposições de direito privado que regulam o contrato de trabalho sem termo.
- Os Réus ao atuarem como contratantes, nos referidos acordos, não atuaram como entidades de natureza pública com os vestes, poderes e o exigido "Jus imperium" próprios, típicos e indissociáveis das entidades com esta natureza e nomenclatura.
- Tal contratação não teve como objetivo a realização e a satisfação de interesses ou escopos de ordem e utilidade públicas.
1.4. Em 06.06.2017, foi proferido despacho saneador, no qual se conheceu da exceção da incompetência material do tribunal, julgando-a improcedente.
Referindo-se em tal despacho:
“Da exceção da incompetência material do tribunal
(…)Sabendo-se que a competência material se afere do desenho que o autor imprime sobre a pretensão que transporta a juízo e sobre a relação jurídica que a ampara, deduz-se ser plausível juridicamente invocar a existência de contrato de trabalho à data dos factos que invoca como sua génese, e, nessa medida, conclui-se ser realmente este tribunal o competente.
Quanto à valia dos vários pedidos formulados, será em sede de apreciação do seu mérito que tal questão se apreciará.
Por consequência, declara-se este tribunal competente.”.
No mesmo despacho foram transcritas as palavras do Sr. Conselheiro Carlos Cadilha (inwww.stj.pt/ficheiros/coloquios/coloquios_STJ/V_Coloquio/carlos_cadilha.pdf): “O Contrato de Trabalho em Funções Públicas (CTFP), regulado na Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, embora tenha um regime decalcado do Código de Trabalho, é expressamente qualificado como uma relação de trabalho subordinado de natureza administrativa (artigo 9º, n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008), e não deixa de constituir uma relação laboral específica que é apenas aplicável no âmbito da Administração Pública. Assim se compreende que o pessoal contratado seja recrutado através de procedimento concursal (artigo 50º da Lei n.º 12-A/2008), se encontre sujeito a um estatuto disciplinar próprio (artigos 1º, n.º 1, do ED e 88º da Lei n.º 59/2008), e ainda a um sistema de incompatibilidades (artigo 26º da Lei n.º 12-A/2008), e que a competência para a apreciação dos litígios emergentes do contrato se encontre atribuída aos tribunais administrativos (artigos 83º, n.º 1, da Lei n.º 12-A/2008 e 4º, n.º 3, alínea d), do ETAF, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/2008).
Não era esse o regime vigente. No quadro da reestruturação efectuada em 1989, por contraposição à nomeação e ao contrato administrativo de provimento, que implicavam a sujeição do trabalhador ao regime jurídico da função pública, o contrato de trabalho, enquanto modalidade de constituição de relação de emprego público, regia-se pelo Código do Trabalho, não conferia ao trabalhador a qualidade de funcionário ou agente administrativo, e tinha um carácter residual, destinado à satisfação de necessidades transitórias dos serviços de duração determinada (artigos 3º, 4º, n.º 1, 14º, 15º e 18º do DL n.º 427/89, de 7 de Dezembro).
O Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas representa ainda uma significativa alteração relativamente à Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, que aprovou o regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública, permitindo a utilização generalizada do contrato de trabalho por tempo indeterminado para actividades que não impliquem o exercício de poderes de autoridade ou funções de soberania (artigo 1º,n.º 4).
Tratava-se, nesse caso, ainda assim, de uma relação laboral de natureza específica, e que apenas passou a constituir uma modalidade de constituição de relação de emprego público alternativa à nomeação ou ao contrato administrativo de provimento. Isto é, para a generalidade das actividades materiais e técnicas da Administração (que não envolvessem poderes de autoridade ou de soberania), a entidade pública poderia recorrer indiferentemente ao contrato de trabalho ou à nomeação ou ao contrato de provimento, desde que se verificassem os requisitos da lei geral. É importante reter, no entanto, que o contrato de trabalho na Administração Pública (fosse o contrato a termo certo a que se referia o DL n.º 427/89, fosse o contrato de trabalho mencionado na Lei n.º 23/2004) não deixava de constituir uma relação laboral de direito privado (por isso não conferia aos trabalhadores contratados a qualidade de funcionário ou agente administrativo), o que implicava que os litígios emergentes dessa relação devessem ser dirimidos pelos tribunais comuns, designadamente em matéria disciplinar (artigo 4º, n.º 3, alínea d), do ETAF, na sua redacção originária).”.
1.5. O Réu Estado Português, Ministério C…, patrocinado pelo Ministério Público, veio recorrer pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por acórdão que se julgue o Tribunal do Trabalho incompetente em razão da matéria para conhecer da presente acção, concluindo nos seguintes termos:
1. Alega a autora na petição inicial que deu origem aos presentes autos que desde 02 de outubro de 1996 até 07 de Setembro de 2014, prestou trabalho como F2… no Hospital Militar F….
2. A acção é proposta contra o Estado Português – Ministério C…; D…; E…, instituições que se integram na administração direta do Estado.
3. Apesar de ter emitido recibos verdes, durante o tempo da prestação, e estar inscrita como trabalhadora independente, entende a autora que a relação que manteve com os réus era de trabalho subordinado.
4. A competência do Tribunal fixa-se no momento em que a acção é proposta, artigo 38º da Organização do Sistema Judiciário.
5. De acordo com o disposto no artigo 2º e 3º da Lei nº 12-A/2008 de 27.02. e artigo 6º, nº1 e 2 da Lei nº 35/2014 de 20.07., a relação jurídica que a autora alega ter mantido com os réus, terá de ser caracterizada como relação de trabalho em funções públicas.
6. Para dirimir o litigio emergente da relação de trabalho em funções públicas é competente o Tribunal Administrativo e Fiscal nos termos do artigo 26º da Lei nº 62/2013 de 26.08. e artigo 4º, nº4, al. b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
7. Deve o despacho saneador que declarou a competência do Tribunal de Trabalho para conhecer da presente acção ser revogado e em seu lugar ser lavrado despacho que declare o Tribunal de Trabalho incompetente.
8. A autora pediu a condenação do réu no pagamento de todas as contribuições devidas para a Caixa Geral de Aposentações ou à Segurança Social, a liquidar em execução de sentença, pedido que o réu contestou por exceção.
9. O Mº Juiz não se pronunciou sobre a competência do Tribunal do Trabalho para conhecer do pedido de contribuições sociais.
10. A partir de 1993, os novos funcionários e agentes administrativos passaram a inscrever-se e fazer parte do regime geral da segurança social.
11. De acordo com o artigo 2º, 20º e 282º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, o processo de inscrição e o processo de arrecadação e cobrança das contribuições para a segurança social, compete às instituições da segurança social.
12. Deve o Tribunal do Trabalho ser declarado incompetente para conhecer do pedido de condenação do réu no pagamento das contribuições para a Caixa Geral de Aposentações ou para a segurança social, formulado na Petição Inicial.
1.6. A Autora veio requerer o aperfeiçoamento da alínea c) do pedido inicialmente formulado, uma vez que, segunda alega, não pretende a condenação do Réu por via do incumprimento das suas obrigações para com a Segurança Social e/ou Caixa Geral de Aposentação, alterando o pedido a esse respeito nos seguintes termos:
“c) Condenar-se o mesmo a pagar à Autora uma indemnização pelos danos patrimoniais causados, pelo incumprimento das suas obrigações para com a Segurança Social e/ou Caixa Geral de Aposentações, no valor das contribuições devidas, apuradas sobre o montante que auferiu a título de retribuição, a liquidar em execução de sentença, apurando-se as demais consequências legais.”.
1.7. A Autora veio apresentar contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida concluindo do seguinte modo:
1.º A competência material, enquanto medida da jurisdição de cada Tribunal, afere-se, como é consabido e pacífico, em função do modo como o autor configura a ação, mais concretamente pelos termos em que se mostra estruturada e formulada a pretensão/pedido e os seus fundamentos/causa de pedir, entendida esta como o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido.
2.º Nessa esteira, bem entendeu o Tribunal a quo decidindo que “a competência material se afere do desenho que o autor imprime sobre a pretensão que transporta a juízo e sobre a relação jurídica que a ampara, deduz-se ser plausível juridicamente invocar a existência de contrato de trabalho à data dos factos que invoca como sua génese, e, nessa medida, conclui-se ser realmente este tribunal o competente.”
4 Posição reconhecida de forma cristalina no paradigmático Acórdão do S.T.J., de 14.5.2009, acessível em www.dgsi.pt, tirado no Conflito n.º 13/13, de 20 de Junho, em cujos termos, como nele se sumaria, “a competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Daí que para se determinar a competência material do tribunal haja apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja, à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados.”
3.º Porquanto, a Autora, na sua PI, alegou o seguinte:
4.º A Autora e os Réus estiveram, e estão vinculados por um contrato de trabalho desde 02 de outubro de 1996, regulado pela lei laboral privada, a saber Código do Trabalho, cujos preceitos a Autora invoca para sustentar o referido vinculo, vide 82.º a 103.º da P.I.
5.º Contrato de trabalho esse que, à data do despedimento ilícito, durava há 18 anos, ou seja, desde 2 de outubro de 1996 a 8 de setembro de 2014.
6.º Período em que a Autora prestou trabalho subordinado, de forma continuada, permanente, duradouramente e sem hiatos.
7.º Durante o aludido período, o Réu foi atribuindo, aos diversos acordos escritos, diversas designações visando apenas iludir as disposições de direito privado que regulam o contrato de trabalho sem termo.
8.º Sendo que, ao longo desse hiato, existiu profusa legislação que disciplinou o referido vínculo.
9.º Por outro lado, e ao contrário do alegado pelo Digno Procurador do Ministério Público, a Autora não emitiu recibos verdes durante todo o contrato, apenas o fazendo desde 2 de outubro de 1996 a 29 de julho de 1997, ou seja, menos de um ano.
10.º A partir desta última data, a Autora não emitiu mais qualquer recibo verde ao Réu, passando este a emitir o boletim de vencimentos mensalmente, vide artigos 59.º e 60.º da P.I.
11.º Por outro lado, os Réus ao atuarem como contratantes, nos referidos acordos, não atuaram como entidades de natureza pública com os vestes, poderes e o exigido "Jus imperium" próprios, típicos e indissociáveis das entidades com esta natureza e nomenclatura.
12.º Ou que tenha havido, em tal contratação, da parte dos Réus, o seu suporte e fundamento em normas, dispositivos e imperativos legais de ordem pública que a vinculassem e que a mesma tivesse em vista, no estabelecimento e objetivos de tal contratação, a realização e a satisfação de interesses ou escopos de ordem e utilidade públicas.
13.º Assim, o Tribunal competente para dirimir o litígio em causa nos presentes autos como V. Exa. os Venerandos Desembargadores não deixarão de concluir, aliás na linha do que tem vindo a ser decidido por esse Venerando Tribunal, é o Tribunal do Trabalho.
14.º Na esteira do estabelecido pela al. b) do n.º 4 do art. 4.º do ETAF5: “Estão igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal: (...) b) A apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vinculo de emprego público.”.
15.º Significa isto que, por exclusão de partes, constituem competência da jurisdição comum, maxime dos Tribunais de Trabalho, o julgamento das ações judiciais que tenham por objeto litígios relacionados com contratos individuais de trabalho, mesmo que um dos contraentes seja uma pessoa coletiva de direito público, enquanto permanece, única e exclusivamente ressalvada na lei para a jurisdição administrativa, a apreciação e decisão dos conflitos inerentes aos contratos de trabalho em funções públicas.
16.º E a entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008 e da Lei n.º 35/2014 de 20 de Junho, nada altera o supra exposto, tal como foi o entendimento do douto Ac. do TRP de 28/04/2014, no processo n.º 242/13.7TTVLG-A.P2, em que foi relatora a juíza Desembargadora Maria José Costa Pinho, disponível em www.dgsi.pt.
17.º No que concerne ao alegado nos artigos 8.º a 12.º das conclusões do recurso de Apelação, acerca da incompetência do Tribunal de Trabalho para conhecer do pedido da condenação do Réu no pagamento de todas as contribuições devidas para a Caixa Geral de Aposentações ou à Segurança Social, a liquidar em execução de sentença (alínea c) do petitório), importa explicitar o seguinte:
18.º A Autora requereu ao Tribunal a quo o aperfeiçoamento da alínea c) do petitório, porquanto a exegese efetuada pelo Digníssimo Procurador do Ministério Público da aludida alínea, não coincide com a vontade pretendida pela Autora.
19.º Porquanto a Autora, não pretendia, como não pretende, a condenação do Réu na inscrição e/ou no pagamento de quaisquer contribuições à segurança social e/ou à Caixa Geral de Aposentação.
20.º Mas, tão-só, ser indemnizada pelo Réu por via do incumprimento das suas obrigações para com a Segurança Social e/ou Caixa Geral de Aposentações.
21.º Incumprimento esse que causou à Autora um dano patrimonial cuja reparação esta exige, no âmbito da responsabilidade contratual (cfr. artigos 798.º e 483.º, ambos do Código Civil).
22.º Peticionando a Autora que o quantum indemnizatório deverá ser igual à totalidade das contribuições devidas à Caixa Geral de Aposentações e/ou Segurança Social.
23.º Destarte, congemina a Autora que as alegações produzidas pelo MP no presente recurso, acerca das contribuições devidas para a Caixa Geral de Aposentações ou à Segurança Social, ficam prejudicadas com o requerimento de aperfeiçoamento apresentado pela mesma.
24.º Assim sendo, e em suma, depois de aperfeiçoado o pedido no intuito de não subsistirem incertezas interpretativas do que foi realmente pedido, dúvidas não podem haver que o Tribunal de Trabalho é o competente, também, para dirimir o pedido efetuado na alínea c) do petitório.
25.º Tal como foi do entendimento do douto Acórdão do TRP de 18/12/2013, no processo n.º 1132/12.8TTBRG-A.P1, em que foi relator o Juiz Desembargador João Nunes, disponível em www.dgsi.pt.
1.8. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal não emitiu parecer por o Ministério Público patrocinar o Réu Estado Português.
1.9. Admitido o recurso e corridos os vistos cumpre decidir.
Consideram-se provados os factos constantes do relatório que antecede.
2. Questão em apreciação:
A única questão a decidir tem a ver com a incompetência material do Tribunal do Trabalho, em razão da matéria.
2.1. A competência em razão da matéria determina-se pelo “thema decidendum”, ou seja, pelo pedido conjugado com os factos jurídicos que fundamentam a pretensão deduzida - causa de pedir (cfr. Acórdão do S.T.J., de 23.09.98, in Coletânea da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Tomo III, pág. 19).
E é assim, lê-se no Acórdão desta Secção de 08.03.2010, in www.dgsi.pt, que versou sobre questão idêntica, «(…), mesmo que a acção tenha sido deduzida incorretamente, tanto do ponto de vista adjectivo como substantivo, isto é, o autor é soberano nesta sede, pois o Tribunal tem que atender ao pedido tal como ele é apresentado. Trata-se de mais uma manifestação do princípio da auto-responsabilidade das partes (…).»,
Acompanhando de perto o Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 01.10.2015, in www.dgsi.pt, «Com efeito, está sedimentado na jurisprudência e na doutrina o entendimento de que a competência dos tribunais se afere em função dos termos em que a ação é proposta. A competência é questão que se resolve de acordo com os termos da pretensão do Autor, aí compreendidos os respetivos fundamentos e a identidade das partes, não importando averiguar quais deviam ser os termos dessa pretensão, considerando a realidade fáctica efetivamente existente ou o correto entendimento do regime jurídico aplicável. O Tribunal dos Conflitos tem reafirmado constantemente que o que releva, para o efeito do estabelecimento da competência, é o modo como o Autor estrutura a causa e exprime a sua pretensão em juízo (…)».
Importa aqui também atender à Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, atual Lei que define a Organização do Sistema Judiciário.
Aí se preceitua que a competência se reparte pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território, (artigo 37º, nº1), fixando-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei (artigo 38º, nº1).
Relativamente à competência em razão da matéria, preceitua o artigo 40º que os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
No tocante aos tribunais do trabalho, a sua competência em matéria cível restringe-se ao conhecimento das questões taxativamente elencadas na vária alíneas do artigo 126º da mesma Lei nº 62/2013, designadamente às emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho.
Decorre, por seu turno, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro) que se encontra excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, a apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público.
Para aferir se determinada questão se insere no âmbito deste segmento da competência dos tribunais do trabalho importa analisar antes de mais se do pedido formulado e da factualidade concreta alegada pela Autora (que exprime a relação material controvertida, tal como é configurada por esta) podemos concluir que estamos perante uma questão emergente de trabalho subordinado, independentemente da designação dada ao contrato ou da sua qualificação como contrato de trabalho por parte da Autora na ação.
Dúvidas se não nos suscitam de que a Autora estribou os pedidos que formulou na existência de uma relação jurídica de trabalho subordinado.
Com efeito, da análise da petição inicial resulta que a presente ação está configurada com base nos seguintes factos:
- Em 02 de Outubro de 1996, a Autora celebrou com o Réu, através do Hospital Militar F…, um acordo de trabalho verbal, para sob a sua autoridade e direcção, exercer as funções correspondentes à categoria profissional de F2…;
- Em 29 de Julho de 1997, a Autora e o Réu, através do “Departamento do E…”, Hospital Militar F…, celebraram um acordo escrito, intitulado “Contrato de Avença”, do qual consta que o acordo era celebrado “considerando o disposto nos termos do nº 1 e 3 do Art. 17º do DLei nº 41/84 de 03 de Fevereiro com a redacção que lhe foi introduzida pelo DLei 299/85 de 29 de Julho,…”, o qual foi renovado, até Abril de 2012;
- Em 23 de Junho de 2012, o contrato foi alterado, por imposição de alterações legislativas entretanto surgidas, designadamente, a Portaria nº 371-A/2010 de 23 de Junho, sendo novamente renovado em Abril de 2013 e 2014. Os novos contratos adotaram a designação de “contratos de prestação de serviço na modalidade de avença”;
- Por força dos referidos contratos, a Autora integrou ininterruptamente a equipa de F2… do Serviço F1… do Hospital Militar F…, estava na dependência hierárquica do Diretor de Serviço respectivo e coordenador dos F2…/chefe de serviço.
- O Réu estabeleceu sempre um horário de trabalho fixo a ser observado pela Autora.
- A Autora prestava os tratamentos aos pacientes, previamente distribuídos, mediante orientações, instruções e ordens precisas do Réu, dadas pelos respectivos responsáveis hierárquicos, sendo as suas funções de idêntico conteúdo como qualquer outro F2… funcionário do Réu, usava o mesmo uniforme e tinha o número de funcionária. Era incluída no relatório estatístico relativo aos atos terapêuticos realizados.
- Enquanto a Autora trabalhou para o Réu, este, como contrapartida, pagou-lhe as seguintes retribuições anuais:
1996 ------------------------------------------------------ €1.152,52 (docs. 9 a 14)
1997 ------------------------------------------------------ €4.268,98 (docs. 15 a 27)
1998 ------------------------------------------------------ €5.719,45 (doc. 28)
1999 ------------------------------------------------------ €5.891,30 (doc. 29)
2000 ------------------------------------------------------ €6.038,61 (doc. 30)
2001 ------------------------------------------------------ €6.266,90 (doc. 31)
2002 ------------------------------------------------------ €4.275,39 (doc. 32)
2003 ------------------------------------------------------ €6.439,19 (doc. 33)
2004 ------------------------------------------------------ €6.474,98 (doc. 34)
2005 ------------------------------------------------------ €5.648,78 (doc. 35)
2006 ------------------------------------------------------ €6.679,44 (doc. 36)
2007 ------------------------------------------------------ €6.886,44 (doc. 37)
2008 ------------------------------------------------------ €7.178,64 (doc. 38)
2009 ------------------------------------------------------ €7.386,84 (doc. 39)
2010 ------------------------------------------------------ €7.386,84 (doc. 40)
2011 ------------------------------------------------------ €7.386,84 (doc. 41)
2012 ------------------------------------------------------ €7.386,84 (doc. 42)
2013 ------------------------------------------------------ €8.778,72 (doc. 43)
2014 ------------------------------------------------------ €5.916,88 (doc. 44)

No despacho recorrido refere-se que «Sabendo-se que a competência material se afere do desenho que o autor imprime sobre a pretensão que transporta a juízo e sobre a relação jurídica que a ampara, deduz-se ser plausível juridicamente invocar a existência de contrato de trabalho à data dos factos que invoca como sua génese, e, nessa medida, conclui-se ser realmente este tribunal o competente.»
O apelante defende que o Tribunal de Trabalho é incompetente em razão da matéria para conhecer e decidir litígios emergentes de contrato de trabalho de emprego público, sendo competente o tribunal administrativo.
Ainda que os pedidos de condenação do Estado Português a efectuar os descontos para a Caixa Geral de Aposentações, pagamento do subsídio de refeição, dos deferenciais de remunerações entre a Autora e as F2… pertencentes ao G… e dos diferenciais de progressão na carreira, a liquidar em execução de sentença, pressupõem um contrato de trabalho de emprego público.
A ser caracterizado como trabalho subordinado, o contrato que a Autora manteve com o Estado Português reveste a natureza de contrato de trabalho de emprego público, aplicando-se o regime da Lei nº 12-A/2008 de 27.02 e da Lei nº 35/2014 de 20.06.
Conclui que para dirimir o litígio emergente de relação de trabalho em funções públicas é competente o Tribunal Administrativo e Fiscal nos termos do artigo 126º, da Lei nº 62/2013 de 26.08. e artigo 4º, nº4, alínea b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Na resposta, a Autora referiu que a competência material, enquanto medida da jurisdição de cada Tribunal, afere-se em função do modo como o autor configura a acção.
Na petição inicial, alegou que a mesma e os Réus estiveram vinculados por um contrato de trabalho desde 02 de outubro de 1996 a 8 de setembro de 2014, período em que a Autora prestou trabalho subordinado, de forma continuada, permanente, duradoura e sem hiatos, não tendo os Réus atuado como entidades de natureza pública.
Ainda que tal contratação, da parte dos Réus não visou a realização de interesses de ordem e utilidade públicas.
Vejamos:
A Lei nº 12-A/2008 de 27.2 veio definir e regular os regimes de vinculação de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas.
Sob a epígrafe “Âmbito de aplicação subjectivo” dispõe o artigo 2º da referida Lei o seguinte: “ 1. A presente lei é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funções. 2. A presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptações, aos actuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas colectivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objectivo”.
Sob a epigrafe “Âmbito de aplicação Objectivo” refere o artigo 3º da mesma Lei que “ 1. A presente lei é aplicável aos serviços da administração direta e indireta do Estado. 2. A presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptações, designadamente no que respeita às competências em matéria administrativa dos correspondentes órgãos do governo próprio, aos serviços das administrações regionais e autárquicas.(…).”.
O artigo 9º da Lei nº 12-A/2008 de 27.02 estabelece as modalidades da relação jurídica de emprego público, a saber: a nomeação e o contrato de trabalho em funções públicas.
Cumpre ainda referir que o artigo 83º da Lei nº 12-A/2008 de 27.02. determina que os tribunais competentes para apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas de emprego público são os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.
Por sua vez, a Lei nº 59/2008 de 11.09, veio estabelecer o regime do contrato de trabalho em funções públicas. Aí se refere que “O âmbito de aplicação objectivo da presente lei é o que se encontra definido no artigo 3º da Lei nº 12-A/2008 de 27 de Fevereiro, com as especialidades constantes dos números seguintes(…)”.
A Lei n.º 35/2014 de 20 de Junho (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas) tem o seu âmbito de aplicação definido no artigo 1º, aí se preceituando:
«1 - A presente lei regula o vínculo de trabalho em funções públicas.
2 - A presente lei é aplicável à administração direta e indireta do Estado e, com as necessárias adaptações, designadamente no que respeita às competências em matéria administrativa dos correspondentes órgãos de governo próprio, aos serviços da administração regional e da administração autárquica.
3 - A presente lei é também aplicável, com as adaptações impostas pela observância das correspondentes competências, aos órgãos e serviços de apoio do Presidente da República, dos tribunais e do Ministério Público e respetivos órgãos de gestão e outros órgãos independentes.
4 - Sem prejuízo de regimes especiais e com as adaptações impostas pela observância das correspondentes competências, a presente lei é ainda aplicável aos órgãos e serviços de apoio à Assembleia da República.
5 - A aplicação da presente lei aos serviços periféricos externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, relativamente aos trabalhadores recrutados para neles exercerem funções, incluindo os trabalhadores das residências oficiais do Estado, não prejudica a vigência:
a) Das normas e princípios de direito internacional que disponham em contrário;
b) Das normas imperativas de ordem pública local;
c) Dos instrumentos e normativos especiais previstos em diploma próprio.
6 - A presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptações, a outros trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas que não exerçam funções nas entidades referidas nos números anteriores
Ainda nos termos do artigo 6º da Lei nº 35/2014, o trabalho em funções públicas pode ser prestado mediante vínculo de emprego público ou contrato de prestação de serviço (nº1). O vínculo de emprego público é aquele pelo qual uma pessoa singular presta a sua atividade a um empregador público, de forma subordinada e mediante remuneração, revestido as modalidades de contrato de trabalho em funções públicas, nomeação e comissão de serviço (nºs 2 e 3), podendo ser constituído por tempo indeterminado ou a termo resolutivo (nº4).
Finalmente, preceitua o artigo 7º da mesma Lei que o vínculo de emprego público constitui-se, em regra, por contrato de trabalho em funções públicas.
Em concreto, na data em que alegadamente se iniciou a invocada relação laboral da Autora com o Réu, na sequência do contrato celebrado em 02.10.1996, não se encontrava em vigor a Lei nº 12-A/2008 de 27.02., nem a Lei nº 59/2008 de 11.09., nem tão pouco Lei nº 35/2014 de 20.06.
De acordo com o artigo 17º, nº2 da Lei nº 59/2008 de 11.09., a transição para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas opera-se sem dependência de quaisquer formalidades, considerando-se que os documentos que suportam a relação jurídica anteriormente constituída são título bastante para sustentar a relação jurídica de emprego público constituída por contrato.
Mas pode concluir-se que de harmonia com o disposto nesta norma, o contrato que vinculava a Autora e o Réu apelante se converteu em contrato de trabalho em funções públicas e que sendo assim, o presente litígio constitui matéria da competência do Tribunal Administrativo?
Entendemos que não porque não é esse, como se referiu já, o critério determinante da competência.
Como se lê citado acórdão desta Secção de 08.03.2010 (Relator Ferreira da Costa), transcrito, nessa parte também no acórdão de 19.04.2010 (Relator Machado da Silva), ambos in www.dgsi.pt, abordando questões idênticas à aqui tratada, «o determinante no apuramento da competência em razão da matéria é o pedido do autor, o qual in casu se estriba no contrato de trabalho por tempo indeterminado e de natureza privada».
Na verdade, a Autora configurou a presente acção, invocando um contrato de trabalho inicialmente celebrado com o Réu, através do Hospital Militar F…, em 02.10.1996, verbalmente, para sob a sua autoridade e direção, exercer as funções correspondentes à categoria profissional de F2….
Ou seja, como ficou já dito, fundamentou os pedidos que formulou na existência de uma relação jurídica de trabalho subordinado.
A formalização ulteriormente ocorrida (em 29.07.1997 e em 26 de Abril de 2012), segundo o também alegado pela Autora, relativamente ao vínculo laboral que a uniu ao Réu, não alterou tal realidade, ou seja, a forma como a Autora continuou a exercer as suas funções.
E de todo o modo, como se referiu supra, sempre seria irrelevante para a atribuição de competência em razão da matéria, a qualificação jurídica dada pela Autora (na ação e/ou nos contratos) ou mesmo por ambas as partes (designadamente em documento por elas subscrito) à relação contratual estabelecida entre si.
Daí que não restem dúvidas de que a Autora caracteriza o vínculo jurídico que existiu entre si e o Réu apelante, desde o seu início, como uma relação laboral de direito privado, que a Autora quer que tal seja reconhecido e que é com base nisso que formulou as demais pretensões, no âmbito da presente ação.
Servindo-nos das palavras do já referido Acórdão do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, «(…), saber se a relação jurídica ao abrigo da qual o trabalho (…) foi prestado assumiu efectivamente essa natureza e tem as consequências que o Autor daí pretende retirar é questão que respeita ao mérito da ação. Ou seja, perante a pretensão expressa do Autor de reconhecimento da existência de um contrato individual de trabalho e não de uma relação de trabalho em funções públicas, não pode resolver-se a questão da competência em razão da matéria caracterizando tal relação como de contrato de trabalho em funções públicas em função da interpretação da evolução do regime jurídico em sentido contrário ao pretendido pelo Autor (…).
É certo que o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento da apreciação do pressuposto da competência, pelo menos numa situação como a presente em que a causa de pedir e o pedido vão dirigidos ao reconhecimento dos efeitos resultantes de uma relação laboral de direito privado. Para a apreciação desta questão o que releva é a alegação do Autor de que está ligado à Ré através do regime contrato individual de trabalho e de que é esse contrato de direito privado o fundamento da pretensão de ver reconhecidos direitos que a lei estabelece para os trabalhadores vinculados por contratos desse tipo e que não seriam, porventura, suportados pelo regime do contrato de trabalho em funções públicas. Isto é, o Autor tem direito a que seja apreciado se tem ou não o direito que se arroga, emergente do contrato individual de direito privado que defende vinculá-lo à Ré. E para tanto os órgãos jurisdicionais competentes são os tribunais do trabalho e não os tribunais administrativos, independentemente da natureza pública ou privada da entidade empregadora, (…).», (sublinhado nosso).
Acresce ainda referir que a Autora, entre outros, reclama créditos que se reportam a um período anterior à entrada em vigor da Lei nº 12-A/2008, de 27-02, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11-09. e da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Lei nº 35/2014 de 20 de Junho.
É também nessa parte idêntica, a situação dos presentes autos, às dos citados acórdãos desta secção de 19.04.2010 e de 08.03.2010, não ocorrendo motivos para divergir do entendimento neles acolhido.
2.2. Atentos os pedidos formulados pela Autora na petição inicial, verifica-se que sob a alínea c) desse articulado, é pedida a condenação do Réu no pagamento de todas as contribuições devidas para a Caixa Geral de Aposentações ou à Segurança Social, apuradas sobre o montante que auferiu a título de retribuição, a liquidar em execução de sentença, apurando-se as demais consequências legais.
Desde já se refere que quanto ao pedido de aperfeiçoamento de tal pedido, formulado no requerimento, a que se reporta o teor de fls. 98 e seguintes, tendo o mesmo sido formulado após a prolação da decisão em crise, não deve ser considerado no âmbito do presente recurso.
Ora, percorrendo as várias alíneas do artigo 126º da já citada Lei nº 62/2013 (Lei da Organização do Sistema Judiciário), em nenhuma delas se encontra expressamente consagrada a competência dos Tribunais do Trabalho para conhecer da regularização de descontos junto da Segurança Social.
Impõe-se assim analisar se tal competência decorre do disposto na alínea n) do mesmo artigo, nos termos da qual, os Tribunais de Trabalho são competentes para conhecer em matéria cível, “Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente”.
Acompanhamos aqui integralmente a fundamentação nesta parte vertida, no acórdão desta Secção, proferido no processo nº 200/08.5TTVRL.P1:
“ Leite Ferreira, em análise à citada disposição legal, diz o seguinte: (…) “Para efeitos de competência, apenas tem relevância a conexão objectiva no seu sentido restrito, isto é, a conexão que emana da interligação dos diversos pedidos” (…) “Em qualquer dos seus aspetos, a conexão objetiva pressupõe uma causa dependente de outra. Mas, na acessoriedade, a causa subordinada é objetivamente conexa e dependente do pedido da causa principal ainda que tenha por finalidade garantir as obrigações derivadas da relação fundamental. Na complementaridade, ambas as relações são autónomas pelo seu objetivo, mas uma delas é controvertida, por vontade das partes, em complemento da outra. Em consequência disso, a competência do órgão jurisdicional projeta-se sobre a questão complementar na medida em que esta sofre a influência daquela. Na dependência, qualquer das relações é objetivamente autónoma como na complementaridade. Simplesmente, o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal” – Código de Processo do Trabalho anotado, 4ªedição, páginas 80/81.
E será que no caso dos autos se verifica a conexão a que alude o citado artigo? A resposta é não pelas razões que se vão expor.
Nos termos do art. 59º, nº1 da Lei de Bases da Segurança Social – Lei nº4/2007 de 16.01 – “as entidades empregadoras são responsáveis pelo pagamento das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço devendo para o efeito proceder, no momento do pagamento das remunerações, à retenção na fonte dos valores correspondentes”. Também o art.60ºnº1 da mesma Lei prescreve que “as quotizações e as contribuições não pagas, bem como outros montantes devidos, são objecto de cobrança coerciva nos termos legais”. Do mesmo modo prescreviam os arts.32ºe 45º da Lei nº32/2002 de 20.12, os arts.60º e 63º da Lei nº17/2000 de 08.08 e os arts.24ºe 46º da Lei nº28/84 de 14.08 [de igual modo prescrevem os artigos 27º, 28º, 29º e 30º do Regulamento do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Providencial de Segurança Social, aprovado pelo Decreto-Regulamentar nº1-A/2011 de 03.01, conjugado com o artigo 40º do mesmo Código, aprovado pela Lei nº110/2009 de 16.09, em especial o artigo 30º do Regulamento o qual preceitua que «a falta de cumprimento da obrigação contributiva determina a sua cobrança coerciva»].
Do acabado de referir podemos concluir que a Segurança Social tem competência exclusiva para providenciar pelo cumprimento das obrigações a que está obrigada a entidade empregadora quanto ao procedimento de liquidação e cobrança das contribuições.
Ora, e se assim é, a obrigação de liquidar e pagar as contribuições não decorre directamente da violação do contrato de trabalho mas sim da violação de um dever de contributo/tributário. Com efeito, ambas as violações contratuais (o pagamento de indemnização por despedimento ilícito e remunerações intercalares que o Autor peticiona e a omissão de contribuições para o sistema de segurança social) estão relacionadas com a existência de um contrato de trabalho, mas cada uma delas tem um conteúdo próprio e independente, já que qualquer um pode ocorrer sem o concurso da outra.
Por isso não se verifica no caso uma conexão directa por os pedidos formulados pelo Autor – o pagamento das contribuições devidas à Segurança Social – não estar numa situação de acessoriedade relativamente ao formulado em primeiro lugar (o pedido de condenação da Réu no pagamento da indemnização por despedimento ilícito e retribuições intercalares), ou mesmo de complementaridade e/ou dependência.
Neste sentido é a posição do Tribunal de Conflitos no acórdão proferido em 27.10.2004 e também a posição desta Secção Social (seguimos de perto o teor do acórdão proferido em 6.11.2006 no processo 3854/2006, onde se tratou de tal questão, (…).” Assim, é o Tribunal do Trabalho incompetente em razão da matéria para conhecer de tais pedidos.”.
Em conformidade, atentos os termos como a Autora formulou o seu pedido, conclui-se pela competência do tribunal do Trabalho, em razão da matéria, para conhecer da presente ação, com exceção do pedido formulado sob a alínea c).
3. Decisão:
Nesta conformidade, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, pela improcedência parcial do recurso, mantendo-se a decisão proferida, com exceção do pedido formulado para a condenação do Réu no pagamento de todas as contribuições devidas para a Caixa Geral de Aposentações ou à Segurança Social, apuradas sobre o montante que a Autora auferiu a título de retribuição, a liquidar em execução de sentença, com as demais consequências legais.
Sem custas.

Porto, 14 de Dezembro de 2017.
Teresa Sá Lopes
Fernanda Soares
Domingos Morais