Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5087/15.9T8LOU-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
FALTA DE PAGAMENTO
Nº do Documento: RP201711235087/15.9T8LOU-A.P1
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 113, FLS.122-129)
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do artº 552º/3 do NCPC, “o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo”.
II - A falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário e do que comprova o pagamento da taxa de justiça tem por consequência, fora dos casos previstos no nº 5 do artº 552º do NCPC, a possibilidade da secretaria recusar a petição inicial (558º/f do NCPC)
III - Não recusando a secretaria a petição e não sendo posteriormente rejeitada a sua distribuição, não deve o juiz decidir logo pela extinção da acção, qualquer que seja a forma pela qual a mesma seja determinada – v.g. desentranhamento da petição, absolvição da instância ou outra decisão equivalente.
IV - Por aplicação devidamente adaptada do regime do art. 560º do NCPC, o tratamento igualitário de situações semelhantes impõe, que se dê oportunidade para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 5087/15.9T8LOU - A.P1

Acordam os Juízes da 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
I -RELATÓRIO
Por apenso à acção executiva nº 5087/15.9T8LOU que corre termos em Lousada- Instância Central, Secção de Execução J2, instaurada por “ B…, Lda contra “ C…, Unipessoal, Lda” e na qual foram penhorados a 11-02-2016, bens móveis, veio a autora D… instaurar embargos de terceiro, com pedido de concessão de Apoio Judiciário .
Conclui pela procedência dos embargos de terceiro e consequentemente pelo reconhecimento da propriedade da embargante sobre os bens penhorados e levantamento da penhora.
Juntou com a petição inicial cópia de um requerimento de protecção jurídica da autora, identificado com o nº APJ/9868572016 ASB.
Entretanto, a fls 15, a pedido do tribunal recorrido, o Centro Distrital do Porto, informou que o requerimento de protecção jurídica da autora, identificado com o nº APJ/9868572016 ASB deu entrada indicando como finalidade a intervenção no processo judicial 149/16.8T8AMT e é nesses termos apreciado. Nesse ofício esclarece-se que não consta pedido efectuado por D… que indique a intervenção no processo 5087/15.9T8LOU- A.
E por despacho de 7-11-2016 o tribunal recorrido fez exarar despacho no qual, entre o mais, consigna o seguinte:
“ O apoio judiciário requerido pela embargante D… destinou-se ao processo 149/16.8T8AMT e não a estes autos (e aliás evidencia a cópia uma adulteração do documento na parte da identificação do processo) como informou o ISSS
Assim, notifique a embargante para demonstrar o pagamento da taxa de justiça devida no prazo de 5 dias sob pena de desentranhamento da petição inicial”.
De seguida, a 8-02-2017 foi proferida a seguinte decisão:
Constata-se que a A. D… não junta o comprovativo de pagamento de taxa de justiça nem o apoio judiciário requerido se destina aos presentes autos.
De acordo com o disposto nos artigos 7° n°l, 13° e 14° do Regulamento das Custas Processuais e 552 nº 3 do Código de Processo Civil, o Autor deve apresentar juntamente com a petição inicial documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do beneficio de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.
De acordo com o disposto no artigo 558° alínea e) do Código de Processo Civil, a petição inicial é recusada pela secretaria quando não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário.
Ora, no caso em apreço, o Autor não apresentou documento comprovativo do pagamento da respectiva taxa de justiça nem de concessão de apoio judiciário.
Face ao exposto e, ao abrigo do disposto nos artigos 552 e 558 al. e), todos do Código de Processo Civil, bem como o disposto nos artigos 7° n°l, 13° e 14° do Regulamento das Custas Processuais, decide o Tribunal indeferir liminarmente a petição inicial apresentada pela Requerente, em virtude de se verificar a excepção dilatória inominada insuprível de omissão de pagamento da taxa de justiça.
Mais se ordena o desentranhamento da petição inicial, com a consequente devolução ao apresentante, deixando cópia nos autos.
Em consequência, o Tribunal julga extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.°, alínea e), primeira parte do Código de Processo Civil.
Custas pelo Requerente nos termos do artigo 527 nº 2 do Código de Processo Civil”
Inconformada, a embargante interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes Conclusões:
I - A presente Apelação vem interposta da Douta Decisão proferida que indefere “liminarmente a petição inicial apresentada pela Requerente, em virtude de se verificar a excepção dilatória inominada insuprível de omissão de paga- mento da taxa de justiça.”, ordena o seu desentranhamento e “julga extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º alínea e), primeira parte do Código de Processo Civil.”.
II - Com a dedução do incidente de Embargos de Terceiro juntou a ora recorrente o respectivo comprovativo do pedido de Protecção Jurídica. Só que, na sequência da formulação de diversos pedidos de concessão do benefício de apoio judiciário, acabou a ora recorrente por verificar que, o que havia reque- rido em 27 de Maio de 2016 (Recibo nº ………………) e que se destinava à Oposição ao Incidente de Insolvência Culposa - Proc.149/16-8T8AMT – Comarca do Porto Este - Amarante J3, era despropositado e desnecessário.
III - No entanto, porque pretendia instaurar os presentes Embargos de Terceiro, contactou o Instituto da Segurança Social, afim de comunicar o seu desinteresse no prosseguimento do pedido efectuado para aquele fim, pretendendo antes, que aquele continuasse, agora destinado à propositura do presente Incidente. Caso não fosse possível semelhante alteração, desistiria deste pedido e formularia um novo.
IV - Foi-lhe transmitido que a alteração pretendida era possível, aproveitando - se assim os actos já praticados e relativos ao pedido de protecção jurídica, solicitado em 27 de Maio de 2016, ficando registada a nova finalidade do pedido que deixaria de ser Oposição ao Incidente de Insolvência Culposa- Proc.149//16.8T8AMT – Comarca do Porto Este – Amarante J3, para se destinar então a, Embargos de Terceiro - Proc.5087/15.9T8LOU - Comarca do Porto Este - Lousada – Inst. Central – Secção de Execução – J2. Para o efeito, teria e ora recorrente de fazer constar do duplicado, que mantinha na sua posse, a altera- ção requerida.
V - Deste modo, aquando da junção deste Pedido de Apoio Judiciário à petição inicial de Embargos de Terceiro, concretizada estava já a referida correcção.
VI - Porque, até à presente data, não foi prolatada, pela Segurança Social, qualquer decisão definitiva sobre este pedido de protecção jurídica, que solicitou, tão somente, em Fevereiro de 2017, a junção de mais elementos comprovativos da situação económica da aqui recorrente, continua esta a aguardar pela mencionada decisão, cuja finalidade foi alterada, conforme as indicações que lhe foram transmitidas. É evidente que, para a ora recorrente, seria indiferente proceder à alteração ou efectuar um novo pedido de apoio judiciário, atendendo a que a precaridade da sua situação económica, cada vez se agrava mais, ultrapassando o valor da taxa de justiça deste incidente, o rendimento mensal da recorrente. Facto que a inibe de proceder ao seu pagamento, carecendo pois, em absoluto, do deferimento do pedido de concessão de apoio judiciário, para fazer valer os seus direitos.
VII - É, então, a ora recorrente notificada da Douta Decisão, ora em crise, com a qual não se consegue conformar e que não deverá colher provimento.
VIII - Com efeito, após a decisão definitiva do indeferimento do pedido de protecção jurídica, proferida pelo ISSS, que ainda não ocorreu, tem a recorrente 10 dias para proceder ao pagamento da taxa de justiça respectiva (Artigo 570º,nº2 CPC), sob pena de aplicação de aplicação das cominações previstas nos Artigos 570º,nrs. 3,4 e 5 do CPC..
IX - Manter-se uma interpretação em sentido contrário, mostra-se esta eivada de inconstitucionalidade, por manifesta violação do Artigo 20º da CRP.
X - A recorrente, com esta Decisão, vê assim amputado o exercício da tutela jurisdicional efectiva, através dos direitos de defesa e da prática do princípio do contraditório (Artigo 3º CPC), sendo o desentranhamento da petição inicial desproporcional e limitativo do acesso ao direito.
XI - De acordo com o preceituado no Artigo 570º,nºs. 3,4,5 e 5 do CPC, só depois de esgotado o prazo de 10 dias, a contar da notificação da decisão que indefira o pedido de apoio judiciário, é que deve a secretaria notificar o interessado para efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante. Omitida a prática deste acto, deve o Juiz proferir despacho, convidando ao pagamento, em 10 dias, da taxa de justiça, multa em falta e multa de valor igual ao da taxa de justiça. A persistência da omissão conduz ao desentranhamento da peça processual.
XII - Ora, para além de não existir qualquer decisão definitiva do indeferimento do pedido de protecção jurídica, proferida pelo ISSS, nenhuma destas possibilidades, legalmente previstas e consagradas pela lei adjectiva, foi concedida à aqui recorrente, situação com a qual não se pode conformar, pois o imediato desentranhamento do articulado, é, por demais redutor e penalizador.
XIII - A recorrente, depois de proferida pelo ISSS, a decisão definitiva do indeferimento do pedido de protecção jurídica, deve pois, ser convidada a suprir a irregularidade, ainda inexistente, por imperativo da lei substantiva, adjectiva e constitucional.
XIV - Pelo que, deveria ter sido observado o disposto no Artigo 6º, nº 2 do CPC, por remissão do Artigo 278º,nº3 do CPC, que determina que “ o Juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de acto que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.”
XV - Motivo pelo qual, terá de ser dado cumprimento integral do disposto no Artigo 570º do CPC..
XVI - A Decisão recorrida violou assim, o disposto nos Artigos 3º,145º,195º, 552º,nº6, 570º todos do CPC e Artigo 20º CRP.
XVII - Pelo que, deverá ser revogada a Decisão proferida, substituindo-se por outra, que dê cumprimento ao preceituado no Artigo 570º do CPC.
Não foram apresentadas contra – alegações.
Cumpre decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Considerando as conclusões do presente recurso, a única questão que importa aqui apreciar e decidir, traduz-se em saber se não tendo a autora junto com a petição inicial documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, mas tendo junto documento referente a requerimento dirigido, e ali entrado, ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social a solicitar para um outro processo a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade dispensa total do pagamento da taxa de justiça, se tal documento impõe que se receba a petição, devendo o prazo para pagamento da taxa de justiça inicial ficar suspenso até à decisão de deferimento ou indeferimento do pedido de apoio judiciário ali requerido.
III - DO MÉRITO DO RECURSO.
3.1 - Os factos com relevo jurídico processual constam do relatório por nós elaborado.
3.2 - Desde já adiantamos que não acolhemos o sentido decisório do despacho - decisão recorrido.
E não ignorando que a propósito da temática existem posições distintas na Jurisprudência, conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2007/10/09, no Processo nº 1015/07.3TBLRA.C1, disponível in www.dgsi.pt e do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-10-2014, no Processo nº 73/14.1TTCBR-A.C1, Relator: JORGE LOUREIRO, disponível in www.dgsi.pt, afigura-se-nos que o princípio do tratamento igualitário invocado neste último aresto justifica que se acolha o entendimento aí seguido.[1]
Como é sabido, uma forma de combater a morosidade processual da administração da justiça, foi a introdução do sistema de autoliquidação das taxas de justiça, o qual, grosso modo, se traduz no facto de o pagamento das taxas de justiça devidas pela prática dos actos processuais (referentes nomeadamente à promoção de acções) ter passado a ser da responsabilidade das partes, sem necessidade de prévia emissão de guias pelo tribunal.
Com tal sistema, as secções de processos ficaram, assim, desoneradas da tarefa de liquidação e emissão das guias e bem assim da contabilidade das taxas de justiça (sobretudo da inicial), por via da transferência delas para as próprias partes, ficando aquelas restringidas às tarefas, em tal âmbito, de verificação da junção do documento comprovativo do pagamento dessas taxas, da sua dispensa e de correcção final de eventuais erros.
Instituiu-se a regra de que se a prática de qualquer acto processual exigir o pagamento de taxa de justiça inicial ou subsequente, seja a petição ou requerimento inicial ou requerimento executivo, contestação ou oposição, deve ser acompanhada do documento comprovativo do pagamento dessa taxa ou então da sua dispensa por virtude do beneficio de apoio judiciário já concedido.
De acordo com o disposto nos artigos 7° n°1, 13° e 14° do Regulamento das Custas Processuais e 552 nº 3 do Código de Processo Civil, o Autor deve apresentar juntamente com a petição inicial documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.
É sabido que as peças processuais podem ser apresentados em juízo por qualquer uma das formas elencadas nas diversas alíneas do nº 7 da actual redacção do artº 144º do CPC, ou seja, por entrega na secretaria judicial, por remessa pelo correio ou através de telecópia ou correio electrónico, sendo que quando aquelas peças (nomeadamente a pi) são apresentadas por este último meio aquela regra da prova do pagamento de taxa de justiça sofre uma excepção, já que, nesse caso, o documento comprovativo desse pagamento deve ser remetido ou entregue em tribunal no prazo de 10 dias após tal remessa (cfr. artº 145º, nº 3, do CPC).
A omissão do pagamento das taxas de justiça devidas dá lugar, nos termos do estipulado no artº 14ºdo RCP, à aplicação das cominações previstas na lei do processo.
E, a esse propósito, convém aqui transcrever o artº 145º do CPC que estipula:
“Nº 1 - Quando a prática de um acto processual exija o pagamento de taxa de justiça inicial, nos termos do Regulamento das Custas Judiciais, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do benefício de apoio judiciário, salvo se neste último caso aquele documento já se encontrar junto aos autos”.
Nº 3 – Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no número anterior não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570º e 642º.”.
Nº 4- Quando o ato processual seja praticado por transmissão electrónica de dados, o prévio pagamento da taxa de justiça ou a concessão do benefício do apoio judiciário são comprovados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º.
Aqui chegados, e com vista a aproximar-nos mais da resolução da questão aqui em apreço, afigura-se-nos útil ter ainda presente o teor dos preceitos legais que passaremos a citar.
Preceitua o artº 552º, nº 3, do CPC que “ O autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.
O nº 4 desse normativo estabelece. “- Quando a petição inicial seja apresentada por transmissão eletrónica de dados, o prévio pagamento da taxa de justiça ou a concessão do benefício do apoio judiciário são comprovados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º.“
O nº 5 estabelece ”- Sendo requerida a citação nos termos do artigo 561.º, faltando, à data da apresentação da petição em juízo, menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade ou ocorrendo outra razão de urgência, deve o autor apresentar documento comprovativo do pedido de apoio judiciário requerido, mas ainda não concedido.“
E o nº 6 estabelece: No caso previsto no número anterior, o autor deve efetuar o pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão definitiva que indefira o pedido de apoio judiciário, sob pena de desentranhamento da petição inicial apresentada, salvo se o indeferimento do pedido de apoio judiciário só for notificado depois de efetuada a citação do réu.
A falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário e do que comprova o pagamento da taxa de justiça tem por consequência, fora dos casos previstos no nº 5 do art. 552º do NCPC, a possibilidade da secretaria recusar a petição inicial (art. 558º/f do NCPC).
Do acto de recusa cabe reclamação para o juiz e da decisão deste que confirme a recusa cabe recurso para a Relação, nos termos previstos no art. 559º do NCPC.
Não sendo a petição recusada pela secretaria e fora dos casos previstos no nº 5 do art. 552º do NCPC, a falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário e do que comprova o pagamento da taxa de justiça tem por consequência que deve ser recusada a distribuição da petição – art. 207º/1 do NCPC.
Por outro lado, “O autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 558.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.” – art. 560º NCPC.
Assim, naquelas situações em que realmente é obrigatória a apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário, a falta de apresentação desse documento tem como resultado final, nos casos de recusa da petição pela secretaria ou de subsequente recusa da distribuição, a possibilidade do autor juntar aos autos o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, considerando-se a acção proposta na data da apresentação da petição inicial recusada.
Por outro lado, à luz da Lei nº 34/2004 de 29/4, que alterou o regime de acesso ao direito e aos tribunais, dispõe o artº 18, nº 2, que “o apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica. E o nº3 desse artigo 18º dispõe que: “ se verificar insuficiência económica superveniente, suspende-se o prazo para pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo até à decisão definitiva do pedido de apoio judiciário, aplicando-se o disposto nos nºs 4 e 5 do artº 24”. (sublinhado nosso).Por sua vez, estabelece o nº 2 do artº 24 desse último diploma legal que “nos casos previstos no nº 4 do artº 467 e, bem assim, no casos em que, independentemente das circunstâncias referidas naquele normativo, está pendente impugnação da decisão relativa à concessão de apoio judiciário e o autor pretende beneficiar deste para dispensa de taxa de justiça, deve juntar à petição inicial documento comprovativo da apresentação do respectivo pedido”, enquanto no nº 3 desse mesmo preceito legal se dispõe que “nos casos previstos no número anterior, o autor deve efectuar o pagamento da taxa de justiça inicial no prazo de 10 dias a contar da data de notificação da decisão que indefira, em definitivo, o pedido de apoio judiciário, sob a cominação prevista no nº 5 do artº 467 do Código de Processo Civil”.
Resulta, pois de tais normativos, que existe, em tal domínio, um especial regime (nomeadamente em termos de sancionamento) para o caso da apresentação da petição inicial e que o faz divergir algo do regime previsto para os demais articulados ou peças processuais cuja apresentação está também condicionada ao pagamento de taxa de justiça (ou até em relação aos actos sujeitos ao pagamento de taxa subsequente).
É compreensível que se ordene o desentranhamento da petição inicial quando a parte não junte o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou do pedido de apoio judiciário, isto porque o autor sempre terá possibilidade de apresentar nova petição, podendo, inclusive, valer-se do benefício que lhe é facultado pelo art.560º do CPC., , de modo a que a acção se possa considerar proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.
E é compreensível que o regime previsto para a petição inicial, não tenha sido transposto para os restantes articulados, designadamente, contestação, pois tal solução colidiria, de forma manifesta, com o prazo peremptório de 30 dias previsto no art. 569º do CPC para a sua dedução (sem prejuízo do disposto no art. 145º nº 5 do Cód. do Proc. Civil), decorrido o qual, estava precludido o direito de contestar, criando-se uma situação irreversível.
Mas, por outro lado, resulta também que existe uma sintonia entre os diversos normativos dos diferentes diplomas atrás citados.
Ora, reportando-nos ao caso em apreço, da conjugação de tais normativos dos diversos diplomas legais citados, admitindo, por comodidade de raciocínio em relação ao caso dos autos, que estava em causa uma situação em que a autora estava efectivamente obrigada à apresentação do documento comprovativo da concessão do benefício do apoio judiciário, não bastando, por não estar registada qualquer situação subsumível ao estatuído no art. 552º/5 do NCPC, a apresentação feita pelo autora de que havia efectivamente requerido a concessão daquele benefício destinada para esta ação, caso tivesse havido recusa de recebimento pela secretaria ou subsequente rejeição da distribuição, a autora sempre tinha tido a faculdade de, nos dez dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a confirmasse, juntar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida; ou seja, a lei concede, sempre, à parte uma oportunidade de sanar a situação.
Sucede que na situação em apreço a petição não foi recusada pela secretaria, nem foi rejeitada a sua distribuição.
Perante tal circunstancialismo e continuando a admitir-se que estava em causa uma situação de obrigatória apresentação do documento comprovativo do apoio judiciário concedido, a falta de apresentação desse documento e daquele que comprovasse o pagamento da taxa de justiça, conjugada com o recebimento indevido da petição e com a sua indevida distribuição deveria ter como efeito a prolação de uma decisão judicial do tipo da decisão recorrida, no sentido da imediata extinção da acção?
A resposta a esta questão tem de ser negativa.
Com efeito, em primeiro lugar, não vislumbramos que tal consequência se encontre legalmente determinada em qualquer dispositivo legal que conheçamos.
Na verdade, entendemos, tal como no citado acórdão de 16-10-2014, não recusando a secretaria a petição e não sendo posteriormente rejeitada a sua distribuição, não deve o juiz decidir logo pela extinção da acção, qualquer que seja a forma pela qual a mesma seja determinada – v.g. desentranhamento da petição, absolvição da instância ou outra decisão equivalente.
Ao invés, por aplicação devidamente adaptada do regime do art. 560º do NCPC que o tratamento igualitário de situações semelhantes impõe, entendemos que deve dar-se a oportunidade ao autor para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta.
Na verdade, não recusando a secretaria o recebimento da petição e não sendo rejeitada a sua distribuição, como a lei impõe, inviabiliza-se a possibilidade de o autor lançar mão do benefício estabelecido no art. 560º.
Ora, o autor não pode ser prejudicado por tais omissões da secretaria (art. 157º, nº6 do NCPC) – neste sentido, acórdão da Relação de Coimbra de 31/5/2005, proferido no âmbito do processo 1601/05, acórdãos da Relação do Porto, de 23/5/2006, proferido no processo 0622181, e de 9/10/2006, proferido no âmbito do processo 0654628, acórdão da Relação de Lisboa de 13/4/2010, proferido no âmbito do processo 2288/09.2TBTVD.L1-1, todos referidos no citado Ac. da Relação de Coimbra de 16-10-2014, proc. nº 73/14.1TTCBR-A.C1, Relator: Jorge Loureiro.
A não se entender assim, estaria criado um sistema em que, em idênticas circunstâncias, conforme a actuação/omissão da secretaria, uns teriam a oportunidade de praticar o acto, outros veriam precludida essa faculdade e, como no caso dos autos, de forma irremediável – a proibição de prejuízos para as partes dos erros e omissões da secretaria (art. 157º/6 do NCPC) e as exigências decorrentes do princípio da igualdade (art. 13º da CRP) impedem a adopção de um sistema dualista do tipo acabado de referir
Assim, na hipótese da situação dos autos não ser subsumível ao nº 5 do art. 552º do CPC e na hipótese de ser obrigatório juntar com a petição inicial documento comprovativo da concessão do benefício do apoio judiciário destinado a esta concreta acção, tanto bastaria para se acolher a pretensão da recorrente.

Todavia, analisada analisada a situação dos autos, resulta que nem sequer estamos perante um caso em que a autor estava obrigada à apresentação do documento comprovativo da concessão do benefício do apoio judiciário.
Na verdade, nos termos do art. 552º/5 do NCPC, ocorrendo alguma razão de urgência, o autor pode substituir a apresentação do documento comprovativo da concessão do benefício do apoio judiciário, pela apresentação do documento comprovativo de que requereu tal benefício.
Ora, a instauração dos embargos de terceiros consubstancia uma situação objectiva de urgência para efeitos do art. 552º/5 do NCPC.
Efectivamente a dedução de embargos de terceiros, previstos nos arts 342º e ss do NCPC, está sujeita a um prazo, de 30 dias a que alude o nº 2 do artigo 344º do NCPC, o qual, ainda que estabelecido em matéria inserida no âmbito da disponibilidade das partes, é extintivo do respectivo direito potestativo de acção, o que significa tratar-se de um prazo de caducidade- art 344º, nº1, do CPC.
Assim sendo, para não assistir à extinção do seu direito de instaurar os embargos de terceiro, a autora tem urgência em propor a acção o mais rapidamente que lhe for possível, e, por isso, a impossibilidade de apresentação da petição inicial com, apenas, a junção do comprovativo da formulação do pedido de apoio judiciário determinaria uma restrição/diminuição do seu direito, com o consequente prejuízo da autora, constituindo a obviação a esse prejuízo, nos termos do art. 552º/5 do NCPC, razão urgente justificativa do uso da faculdade prevista neste preceito.
Assim, também com este fundamento poderia existir razão para se acolher a pretensão da recorrente.

Todavia, o caso dos autos reveste particularidades que impõe uma outra análise.
Resulta do relatório por nós elaborado que a situação configurada nos autos corresponde a uma situação em que não foi junto com a petição inicial documento comprovativo de ter sido feito o pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social destinado a este processo.
Como assinalou o tribunal recorrido” O apoio judiciário requerido pela embargante D… destinou-se ao processo 149/16.8T8AMT e não a estes autos (e aliás evidencia a cópia uma adulteração do documento na parte da identificação do processo) como informou o ISSS”.
Consequentemente, podemos concluir, em face dos elementos dos autos que a autora não apresentou juntamente com a petição inicial de embargos de terceiro documento comprovativo do pedido de apoio judiciário requerido, mas ainda não concedido, situação que, por si, era razão para recusa da petição inicial pela secretaria.
Ora, porque a petição inicial, desacompanhada do comprovativo do pagamento de taxa de justiça, foi aceite pela secretaria e foi distribuída, e não deveria, segue-se, pois, conforme assinalamos, que à autora, por aplicação devidamente adaptada do regime do art. 560º do NCPC que o tratamento igualitário de situações semelhantes impõe, deve dar-se a oportunidade para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta.
Em consequência do exposto, julgamos procedente o recurso de apelação e revogando a decisão recorrida, determinamos que o tribunal recorrido notifique a recorrente- autora para no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta.
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Sumário
Nos termos do artº 552º/3 do NCPC, “o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo”.
A falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário e do que comprova o pagamento da taxa de justiça tem por consequência, fora dos casos previstos no nº 5 do artº 552º do NCPC, a possibilidade da secretaria recusar a petição inicial (558º/f do NCPC)
Não recusando a secretaria a petição e não sendo posteriormente rejeitada a sua distribuição, não deve o juiz decidir logo pela extinção da acção, qualquer que seja a forma pela qual a mesma seja determinada – v.g. desentranhamento da petição, absolvição da instância ou outra decisão equivalente.
Por aplicação devidamente adaptada do regime do art. 560º do NCPC, o tratamento igualitário de situações semelhantes impõe, que se dê oportunidade para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta.
III- Decisão.
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso, e revogando a decisão recorrida, determinam que o tribunal recorrido ordene a notificação da autora-recorrente para no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento da taxa de justiça em falta.
Sem custas.

Notifique.

Porto, 23-11-2017
Francisca Mota Vieira
Teles de Menezes
Mário Fernandes
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[1] Transcrevemos aqui dois segmentos do sumário desse acórdão:
“III – Nas situações em que é obrigatória a apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário, a falta de apresentação desse documento tem como resultado final, nos casos de recusa da petição pela secretaria ou de subsequente recusa da distribuição, a possibilidade do autor juntar aos autos o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, considerando-se a acção proposta na data da apresentação da petição inicial recusada.
IV – Não recusando a secretaria a petição e não sendo posteriormente rejeitada a sua distribuição, não deve o juiz decidir logo pela extinção da acção, qualquer que seja a forma pela qual a mesma seja determinada – v.g. desentranhamento da petição, absolvição da instância ou outra decisão equivalente.”