Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0811801
Nº Convencional: JTRP00041429
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: PARTICIPAÇÃO EM MOTIM
Nº do Documento: RP200806040811801
Data do Acordão: 06/04/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 533 - FLS 225.
Área Temática: .
Sumário: Tendo em vista a previsão do art. 303º, nºs 1 e 2, do Código Penal, não é armado o motim em que os intervenientes usam nas agressões físicas guarda-chuvas com que se haviam munido para se abrigarem da chuva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: (proc. nº 1801/08-1)
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Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
1. No 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso, nos autos de processo comum (Tribunal Colectivo) nº …/03.5GCSTS, foi proferido acórdão, em 16/10/2007 (fls. 674 a 702), constando do dispositivo o seguinte:
“Pelo exposto acordam os juízes que constituem este Tribunal Colectivo em julgar parcialmente procedente a presente acção penal e o respectivo pedido de indemnização civil e consequentemente decidem:
a) Absolver o arguido B………. da prática do crime de ofensa à integridade física - qualificada - p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 132°, n° 2, d) e g), 143°, n° 1, e 146°, do Código Penal e do crime de participação em motim armado p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 4°, do Decreto-Lei n° 48/95, de 15/MAR/1995, e 302°, n° 1, e 303°, nos 1 e 2, do Código Penal que lhe era imputada;
b) Absolver os arguidos C………. e D………. da prática do crime de participação em motim armado p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 4°, do Decreto-Lei n° 48/95, de 15/MAR/1995, e 302°, n° 1, e 303°, nos 1 e 2, do Código Penal imputado a cada um deles;
c) Absolver o arguido E………. da prática do crime de participação em motim armado agravada p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 4o, do Decreto-Lei n° 48/95, de 15/MAR/1995, e 302°, nos 1 e 2, e 303°, nos 1 e 2, do Código Penal;
d) Condenar o arguido E………. pela prática de um crime de instigação pública a um crime p. e p. nos termos do disposto no artigo 297°, n° 1, do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 10 (dez euros);
e) Condenar o arguido F………. pela prática do crime de participação em motim p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 4o, do Decreto-Lei n° 48/95, de 15/MAR/1995, e 302°, nos 1 e 2, e 303°, nos 1 e 2 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros);
f) Condenar o arguido G………. pela prática do crime de participação em motim p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 4o, do Decreto-Lei n° 48/95, de 15/MAR/1995, e 302°, nos 1 e 2, e 303°, nos 1 e 2, do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 3 (três euros);
g) Absolver os arguidos E………., B………., C………. e D………. do pedido de indemnização civil formulado;
h) Condenar os arguidos/demandados F………. e G………. no pagamento ao demandante H………. da quantia de € 5000;
i) Condenar os arguidos E………., G………. e F………. no pagamento das custas criminais do processo (cfr. artº 513º, nº 1 do C.P.P.), fixando a taxa de justiça em 6 UC’s (cfr. artº 85º, nº 1, al. a) do C.C.J.) e no mínimo a procuradoria;
j) Condenar o demandante civil e os demandados F………. e G………. nas custas cíveis relativas ao pedido de indemnização civil formulado nos autos, na proporção do respectivo decaimento;
l) Nos termos do artº 13º, nº 3, do DL. Nº 423/91 de 30.10, condenar ainda os arguidos E………., F………. e G………. no pagamento de quantia equivalente a 1% de taxa de justiça a favor dos C.G.T.
Após trânsito, remeta boletins ao registo”.
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2. Dessa decisão recorreram os arguidos F……… e G………. .

2.1. No recurso interposto pelo arguido F………. (fls. 727 a 745, cujo original se encontra junto a fls. 770 a 779), este formula as seguintes conclusões:
1. O julgamento dado às alíneas g), j), l) e o) apresenta erro notório na apreciação da matéria de facto nos termos expostos em sede de motivação;
2. Não se trata aqui de sindicar em 2.ª instância a apreciação da valoração da prova realizada por um Tribunal Colectivo mas, enunciar, como se enunciou que o julgamento em questão não tem qualquer suporte factual e que contraria mesmo as regras da experiência comum, tudo nos termos expostos;
3. No caso concreto, a condenação do arguido pelo crime de motim armado viola o disposto no artigo 303.º, n.º 3, alínea a) que o Tribunal recorrido não aplicou e devia ter aplicado;
4. Atentos os erros de prova enunciados nas conclusões antecedentes e a ausência de culpa enunciada em sede de motivação de recurso não deveria ter sido aplicada qualquer pena ao arguido e deveria ter sido o mesmo absolvido do crime de que foi acusado;
5. Sem prescindir, subsidiariamente, a ser condenado o arguido, teria de ser apenas pelo crime p.e.p. no artigo 302.º, do CP;
6. No caso concreto não se justifica a qualquer título a aplicação de uma pena acima da média ao arguido, implicando a sua aplicação violação das regras ínsitas nos artigos 71.º e segs. do CP, nos termos expostos em sede de motivação;
7. O arguido não poderia ter sido solidária e civilmente condenado por actos perpetrados por terceiros nos termos expostos;
8. No caso vertente, a aplicação desta pena importa impossibilidade definitiva de o arguido lançar mão do direito de regresso e violação do disposto no n.º 4, do artigo 30.º, da Constituição nos termos expostos;
9. Não ocorre no caso sub judice nexo causal entre a vontade do arguido e os factos que alegadamente deram origem aos danos do demandante;
10. O sentido de acto ilícito plasmado no artigo 490.º, do CP, refere-se a factos concretos e ao instituto jurídico do motim nos termos expostos;
11. Inexiste nexo de causalidade entre os factos concretos praticados pelo arguido e a generalidade dos danos alegadamente padecidos pelo demandante;
12. Não se verificam in casu a globalidade dos requisitos da responsabilidade extracontratual e, em conformidade, deverá ser o arguido absolvido da condenação cível de que foi vítima. “
Termina pedindo a revogação do acórdão sob recurso e a sua substituição por outro que o absolva ou, subsidiariamente, que apenas seja condenado pelo crime previsto no art. 302 do CP e absolvido do pedido cível.

2.2. No recurso interposto pelo arguido G………. (fls. 749 a 765), este formula as seguintes conclusões:
1. O julgamento dado às alíneas g), i), j), l) e o) apresenta erro notório na apreciação da matéria de facto nos termos expostos em sede de motivação;
2. Não se trata aqui de sindicar em 2.ª instância a apreciação da valoração da prova realizada por um Tribunal Colectivo mas, enunciar, como se enunciou que o julgamento em questão não tem qualquer suporte factual e que contraria mesmo as regras da experiência comum, tudo nos termos expostos;
3. No caso concreto, a condenação do arguido pelo crime de motim armado viola o disposto no artigo 303.º, n.º 3, alínea a) que o Tribunal recorrido não aplicou e devia ter aplicado;
4. Atentos os erros de prova enunciados nas conclusões antecedentes e a ausência de culpa enunciada em sede de motivação de recurso não deveria ter sido aplicada qualquer pena ao arguido e deveria ter sido o mesmo absolvido do crime de que foi acusado;
5. Sem prescindir, subsidiariamente, a ser condenado o arguido, teria de ser apenas pelo crime p.e.p. no artigo 302.º, do CP;
6. No caso concreto não se justifica a qualquer título a aplicação de uma pena acima da média ao arguido, implicando a sua aplicação violação das regras ínsitas nos artigos 71.º e segs. do CP, nos termos expostos em sede de motivação;
7. Não ocorre no caso sub judice nexo causal entre a vontade do arguido e os factos que alegadamente deram origem aos danos do demandante;
8. Não se verificam in casu a globalidade dos requisitos da responsabilidade extracontratual e, em conformidade, deverá ser o arguido absolvido da condenação cível de que foi vítima.
9. Sem prescindir, e mesmo que se desse de barato a matéria dada como provada, é manifestamente exagerada a quantia de € 5.000,00 a que o recorrente foi condenado a título de PIC, não se justificando quantitativo superior a € 2.500,00.”
Termina pedindo a revogação do acórdão sob recurso e a sua substituição por outro que o absolva tanto do crime como do pedido cível ou, subsidiariamente, que apenas seja condenado pelo crime previsto no art. 302 do CP e, no pedido cível, em montante não superior a € 2.500,00.
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3. Na 1ª instância, o MºPº respondeu aos dois recursos (fls. 798 a 804), defendendo que os recorrentes devem ser notificados para suprimirem deficiências relacionadas com a falta de cumprimento do disposto no art. 412 nº 1 do CPP, concluindo pela rejeição dos mesmos recursos quanto à questão da matéria de facto e pela sua improcedência quanto às demais questões suscitadas, devendo, em consequência, confirmar-se a decisão em crise.
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4. O demandante civel H………. respondeu (fls. 805 a 812) também aos dois recursos, pugnando pela sua improcedência.
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5. Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se (fls. 835 e 836) no sentido do parcial provimento dos recursos, quer quanto à não qualificação do crime pelo qual os recorrentes foram condenados (por não se verificar a qualificativa prevista no art. 303 nº 1 e 2 do CP), quer quanto à redução da pena de multa em que cada um deles foi condenado, por entender que a mesma se deve situar próximo do meio entre o limite mínimo e máximo da respectiva moldura.
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6. Foi cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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7. No acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos:
“a) No dia 5/JAN/2003, a partir das 15:00 horas e no I………. pertencente ao J………. e sito na freguesia de ………. do concelho da Trofa, na área desta comarca de Santo Tirso, realizou-se um encontro de futebol, respeitante ao campeonato distrital da Ia divisão de honra da K………., entre o Clube local e o L………. de ………., que foi arbitrado pelo denunciante H………. (árbitro principal) e por M………. e N………. (árbitros assistentes).
b) No decurso da segunda parte de tal jogo, que se iniciou com o resultado de 2-1 favorável à equipa local, o denunciante H………. exibiu o cartão vermelho e expulsou de campo três jogadores daquela equipa e o arguido E………., treinador da mesma.
c) A assistência afecta ao J………., desagradada com o desempenho do denunciante H………. e dos seus assistentes, em tal segunda parte manifestou-se ruidosamente contra os mesmos, designadamente dirigindo-lhes insultos.
d) No decurso da segunda parte do jogo, em momento não concretamente apurado, mas já após ter sido expulso, quando se encontrava por trás do Banco de Suplentes, o arguido E………. gritou para a assistência que se manifestava contra a equipa de arbitragem: "Matai-os a todos!".
e) A tarde do dia 05.01.03 foi chuvosa.
f) O recinto desportivo do J………. tem apenas uma bancada, local onde se concentram parte dos adeptos da casa.
g) Pelas 16:55 horas, após o denunciante ter dado por terminado aquele jogo, com a vitória por 4-3 do L………. de ………., um número não concretamente apurado, mas não inferior a 150 adeptos do J………., integrado designadamente pelos arguidos F………. e G………., invadiu o recinto de jogo e, com a activa participação daqueles arguidos, perseguiu e agrediu, nomeadamente com guarda-chuvas, com cuspidelas, a murro e a pontapé, os elementos da equipa de arbitragem, que só graças à intervenção da força da Guarda Nacional Republicana destacada para o policiamento daquele jogo puderam, ao fim de algum tempo, recolher ao balneário respectivo.
h) Quando tentava proteger a equipa de arbitragem o Comandante daquela força, o Cabo O………., foi também agredido, num ombro e com um guarda-chuva, por um dos integrantes da referida arruaça.
i) Só bastante tempo depois e após o reforço daquela força policial que foi possível dali evacuar a equipa de arbitragem, numa ambulância dos P………., daquele balneário e para o Hospital ………., onde os seus integrantes vieram a receber assistência médica.
j) No decurso da acima referida perseguição e agressão colectivas à equipa de arbitragem, designadamente:
O arguido F………., munido de uma guarda-chuva, bateu com o mesmo, partindo-o, nas costas de um dos integrantes da equipa de arbitragem, sendo impedido de prosseguir a sua actuação agressiva por intervenção do Soldado Q……….;
O arguido G………. viu impedida uma sua tentativa de agressão, também com um guarda-chuva, ao denunciante H………., por intervenção do referido Comandante da força policial Cabo O………. .
l) Por força das mencionadas agressões, o denunciante H………. sofreu lesões diversas, designadamente diversos hematomas na face, um hematoma supraciliar direito, um hematoma no lábio superior, com edema e corte labial interno e fractura da coroa metalo-cerâmica do dente 2.1, e diversas escoriações nas mãos, nas costas e nas pernas, e, como consequência directa e necessária das mesmas e apesar da assistência que lhe foi prestada, naquele dia 5/JAN/2003 a partir das 17:55 horas no Serviço de Urgência do Hospital ………. e no dia imediato na Clínica de Medicina dentária ………., no Porto, 8 dias de doença com 2 dias de afectação para o trabalho.
m) Agindo da forma descrita, tinha o arguido E………. a vontade livre e a perfeita consciência de estar incentivando a assistência do J………. a passar das manifestações verbais de desagrado e dos insultos que dirigia à referida equipa de arbitragem à perseguição e agressão física aos seus membros.
n) Agiu com a intenção de excitar ainda mais e levar elementos da assistência a perseguirem e agredirem fisicamente os mesmos, apesar de estar ciente do carácter proibido e jurídico-criminalmente perseguível de tal conduta e das possíveis graves consequências de tal actuação para a integridade física ou mesmo para a vida daqueles.
o) Agindo da forma descrita, tinham os arguidos F………. e G………. as vontades livres e a perfeita consciência de estarem participando activamente naquela arruaça em que, pela acção conjunta do numeroso grupo em que se integravam e com a utilização para o efeito, por diversos dos respectivos componentes, de guarda-chuvas, foram, como todos e cada um deles visavam, praticadas as mais diversas agressões físicas, quer aos elementos da mencionada equipa de arbitragem, quer mesmo pelo menos a um dos integrantes da força policial que, na ocasião, em protecção da mesma, interveio.
p) Agiram do aludido modo os referidos arguidos, apesar de bem saberem que as aludidas condutas são proibidas e jurídico-criminalmente puníveis.
q) Os arguidos não têm antecedentes criminais;
r) O arguido E……… é industrial de transportes, possuindo 4 táxis, e aufere um rendimento não concretamente apurado mas não inferior a 500/700 € por mês;
s) A esposa é doméstica e tem um filho a seu cargo.
t) Possui uma moradia.
u) O arguido F………. trabalha, auferindo 500/550 € por mês.
v) Paga cerca de 400 € de prestação do empréstimo que contraiu para aquisição da casa onde habita;
x) A esposa é doméstica;
z) Tem um filho a seu cargo.
aa) O arguido G………. trabalha como serralheiro, auferindo cerca de 300 € por mês;
bb) A esposa é doméstica e doente.
cc) Tem 3 filhos a seu cargo.
dd) H………. sentiu medo e esteve sujeito a um estado de ansiedade, que o levou a temer pela sua própria vida;
ee) Em consequência das agressões que sofreu, o demandante sentiu dores intensas e sofreu abalo anímico e psíquico;
ff) Sentiu vergonha e humilhação;”

Quanto aos factos não provados, consignou-se o seguinte:
“De relevante para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos constantes da acusação, do pedido de indemnização e das contestações apresentadas, não se tendo provado, nomeadamente, que:
a) O arguido E………., em voz alta dissesse aos integrantes da equipa de arbitragem: "Filhos da puta, ides levar nesse corpo!" e ao denunciante: "Não sais daqui vivo!"
b) O grupo que invadiu o campo de jogo fosse integrado, designadamente, pelos arguidos E………., B………., C………. e D………. .
c) O referido grupo repetisse expressões do arguido E………. como "Não saís daqui vivos!"
d) O arguido E………. tenha conseguido efectivamente, excitar ainda mais e levar aquelas centenas de pessoas a, consigo e em arruaça, perseguirem e agredirem efectiva e fisicamente os mesmos,
e) O arguido E………. tenha persistido na respectiva instigação e participado activamente naquela actuação colectiva.
f) O arguido B………., membro da direcção do J………., se tenha aproximado por trás do denunciante H………. e lhe tenha desferido um pontapé numa coxa;
g) O arguido B………. tivesse consciência de, apenas por força do seu desagrado com a actuação do mesmo na arbitragem daquele jogo de futebol, em arruaça e conjuntamente e de comum acordo com inúmeros outros integrantes da mesma, estar agredindo o denunciante H………., sendo sua efectiva intenção causar ao mesmo as lesões que lhe provocou, apesar de bem saber do carácter proibido e jurídico-criminalmente punível de tal conduta.
h) O arguido G………. tenha permanecido no seu lugar, na bancada situada do lado oposto ao balneário, enquanto alguns adeptos, já após o apito final, entravam no recinto de jogo.
i) Só depois de a equipa de arbitragem ter sido evacuada do campo, o arguido G………. tenha saído do seu lugar e, curioso, se tenha dirigido à zona dos balneários.
j) Uma vez aí, já os ânimos haviam completamente serenado, G………. tenha sido tocado no ombro pelo Cabo O………., que conhecia de vista, que lhe pediu a identificação, tendo-lha fornecido de imediato, pois nada havia feito e, por consequência nada temia, plenamente convencido de que estava a ser identificado como testemunha da ocorrência.
l) Quando o arguido G………. chegou à zona dos balneários, já o denunciante se encontrasse no seu interior, não se tendo sequer cruzado com o mesmo.
m) O arguido G………. não fosse portador de qualquer guarda-chuva e que nunca use guarda-chuva quando assiste a jogos naquele recinto, por ficar na bancada que é abrigada.
n) O arguido E………. se encontrasse a cerca de 65 metros da assistência.
o) A assistência fizesse muito barulho ao bater com guarda-chuvas nas chapas de cobertura da bancada.
p) O arguido E………. seja pessoa de bem.
q) O demandante/ofendido vá necessitar de uma profunda intervenção médico dentária, para fazer face às lesões que sofreu, intervenção essa orçada em € 7.300,00 (sete mil e trezentos euros).“

Da respectiva fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consta:
“Para formar a convicção do tribunal relativamente aos factos provados foi relevante a conjugação e análise crítica de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, sendo de salientar:
- as declarações do demandante H………., que, no essencial, relatou o jogo e os momentos cruciais da arbitragem efectuada, bem como as ameaças e os insultos que a assistência lhes dirigia e descreveu as lesões por si sofridas em consequência das agressões perpetradas pelas pessoas que invadiram o campo de jogo, recordando-se de, logo no início, ter sido agredido com um guarda-chuva na boca que o fez desmaiar, revelando ter apenas uma vaga ideia dos agressores; disse que o Comandante da GNR é que lhe indicou os nomes dos ora arguidos; asseverou ter tido medo e ficado perturbado, chegando a querer deixar a arbitragem;
- o depoimento de N………., árbitro assistente, que, nomeadamente, descreveu a animosidade da assistência em relação à equipa de arbitragem, a invasão do campo, as agressões surgidas no final do jogo, referindo, concretamente, uma agressão no rosto ao árbitro principal com um guarda-chuva que o fez cair no chão, agressão essa seguida de várias outras, a murro e pontapé; ele próprio foi também agredido a murro e pontapé; não sabe quem insultou, nem quem agrediu; disse saber que o treinador entrou no campo, referindo que na sua opinião que o mesmo foi um dos incentivadores da desordem gerada; revelou, porém, depois, que formou essa opinião com base no que lhe disse o outro árbitro assistente, que estava do lado oposto ao seu.
- o depoimento de M………., árbitro assistente, que fez idêntica descrição dos acontecimentos, dizendo ter ouvido ameaças por parte de quem estava no banco dos suplentes e de quem estava atrás do referido banco (entre eles o treinador do J……….), não sabendo, porém, dizer quem as proferiu; também foi agredido; não viu quem agrediu; os arguidos são para ele “caras conhecidas” do jogo; afirmou ter sido a GNR que identificou os arguidos; atestou a perturbação sofrida pelo árbitro principal em consequência do sucedido;
- o depoimento de S………., então soldado da GNR da ………., agora reformado, que confirmou a invasão do campo por elementos da assistência; é de salientar que esta testemunha começou por afirmar que todos os arguidos faziam parte do ajuntamento assim formado, mas depois referiu que os arguidos B………. e D………. apelavam à calma, que não conhecia o arguido treinador e que tão pouco se recordava da cara do árbitro; confirmou ainda que alguns dos arguidos foram identificados na segunda-feira seguintes nas respectivas casas;
- o depoimento de Q………., soldado da GNR da ………., na reserva desde Agosto de 2006, que, para além do mais, referiu a invasão o campo, afirmando, porém, que - excepção feita a F………. que identificou, pedindo-lhe o respectivo Bilhete de Identidade, sob ordem do comandante, por o ter visto a agredir um dos árbitros, com um guarda-chuva que partiu nas costas do dito árbitro – não viu, dentro do campo, nenhum dos outros arguidos, que já conhecia: os arguidos E………., B………., C………. e D………. .
- o depoimento de O………., Comandante da GNR da ………., o qual afirmou que conhecia todos os arguidos e o árbitro de vista; entre o mais, esta testemunha, que se revelou das mais precisas e isentas, disse que o comportamento da assistência piorou depois da expulsão do treinador e que, com o decurso do jogo, foi aumentando o “tom” dos protestos; o referido Comandante afirmou ter visto o treinador a dizer virado para a assistência: “Matai-os a todos!”, isto depois de ter sido expulso e de se encontrar atrás do banco dos suplentes; referiu que a Direcção do J………. foi, como é normal suceder, ter com os árbitros no final do jogo; a seguir deu-se a invasão do campo por cerca de 150 a 200; quando ele se dirigiu para o centro do campo, o árbitro principal já estava no chão; quando seguia com os árbitros para o balneário, o arguido G……... queria dar com um guarda-chuva no árbitro principal, tendo sido ele a impedir a concretização da agressão; disse não ter visto o arguido B………. no campo; relativamente aos demais arguidos apesar de ter dito que os viu no campo, não concretizou nenhuma actuação, quer por palavras, quer por gestos, de onde se pudesse extrair uma activa participação dos mesmos na desordem em questão, mais dizendo que, à excepção dos agentes das concretas actuações já referidas, foi o árbitro quem indicou as pessoas que a GNR deveria identificar; ele próprio foi vítima de uma agressão com um guarda-chuva no ombro esquerdo; desconhece o agente.
- o depoimento de T………., soldado da GNR da ………., fazia parte da equipa destacada para acompanhar o jogo, estava na lateral, próximo do banco dos suplente; só recorda invasão do campo e de ter por objectivo proteger os árbitros; não viu quem agrediu.
Aqui chegados, cumpre esclarecer que dos depoimentos da generalidade das testemunhas, incluindo os árbitros assistentes e os elementos da GNR que integravam a equipa destacada para policiar o jogo de futebol em causa, resulta a impossibilidade de, sem margem para qualquer dúvida razoável, se saber se os arguidos B………, C………. e D………., apesar de eventualmente se encontrarem no campo de jogo no decurso das agressões, integravam intencionalmente o ajuntamento humano que se formou. Isto, quer porque não foram apontados concretos comportamentos reveladores da vontade que os movia, quer porque, segundo o próprio Comandante da GNR, no final do jogo, pessoas houve que se deslocaram para o interior do campo para cumprimentar os árbitros, sendo certo que, segundo o mesmo Comandante e de acordo com o teor do relatório do policiamento do jogo constante de fls. os dirigentes do referido clube que ali se encontravam até ajudaram a acalmar os ânimos.
O princípio “in dubio pro reo” impede também, não obstante a comprovada manifestação do mesmo no decurso do jogo, a afirmação segura de um posterior envolvimento do treinador E………. na desordem que efectivamente se veio a gerar, já que também quanto a este ninguém lhe apontou qualquer atitude que o pudesse confirmar. Até porque quem apela à prática de um ilícito não se envolve necessariamente na prática do mesmo. Do mesmo modo, por desconhecimento, designadamente, das reacções imediatas que se seguiram às palavras do treinador (se, nomeadamente, subiu de tom, a manifestação da assistência) e do exacto momento em que as mesmas foram proferidas, não logrou o Tribunal formar uma convicção segura sobre a existência de um nexo de causalidade entre as ditas palavras e a invasão de campo ocorrida no final do jogo.
E………. dirigiu à assistência: basta atentar em que o arguido as proferiu sendo ele treinador da equipa “prejudicada” pela actuação do árbitro e quando a assistência já se encontrava a manifestar ruidosamente o seu desagrado, designadamente dirigindo insultos aos árbitros.
Deve ainda dizer-se que o Tribunal não valorizou os depoimentos contrários aos produzidos pelos elementos que integravam a equipa da GNR que procedeu ao policiamento do jogo, porquanto estas últimas testemunhas não tinham nenhuma razão para assumir a defesa dos interesses de uns em detrimento dos outros e muito menos mentir, enquanto o mesmo já não se pode dizer das testemunhas arroladas pelos arguidos, dado o relacionamento próximo que com eles mantêm.
O Tribunal valorou ainda os registos clínicos e relatório de fls 135 e 136 e dos relatórios de perícias médico-legais de fls 10 e 11 e 132 e 133 dos autos e analisou o relatório de policiamento do jogo – a fls. 95 – e o Boletim do Encontro de fls. 97 a 99.
No que respeita à intervenção, orçada em € 7.300,00, de que alegadamente o demandante necessita para recuperar das lesões ocasionadas pelos factos em apreço nestes autos, o Tribunal entendeu não ter sido feita prova bastante da existência de um nexo de causalidade entre as ditas lesões e a referida intervenção, porquanto num primeiro relatório – de 6 de Janeiro de 2003 – o mesmo médico que em Julho de 2006 refere fracturas de, para além do mais, 4 dentes – que segundo ele justificam a dita intervenção -, só tinha referido fractura da coroa de um único dente.
Relativamente à situação sócio-económica dos arguidos e ao seu passado criminal, relevaram as declarações dos próprios, bem como das testemunhas pelos mesmos arroladas – que, pelo menos em parte, confirmaram tais declarações – e os C’sRC juntos aos autos.”

Na fundamentação de direito escreveu-se:
“O arguido E………. vem pronunciado como autor de um crime de instigação pública a um crime p. e p. nos termos do disposto no artigo 297°, n° 1, do Código Penal, e, em concurso real com o mesmo, de um crime de participação em motim armado agravada p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 4o, do Decreto-Lei n° 48/95, de 15/MAR/1995, e 302°, nos 1 e 2, e 303°, nos 1 e 2, do Código Penal.
A instigação pública a um crime constitui um crime contra a paz pública.
Comete este crime quem, em reunião pública, através de meio de comunicação social, por divulgação de escrito ou outro meio de reprodução técnica provocar ou incitar à prática de um crime determinado.
São elementos essenciais deste ilícito:
- provocação ou incitamento a um crime determinado (isto é, suficientemente concretizado quanto à espécie e circunstâncias);
- em, nomeadamente, no que ora nos interessa, reunião pública.
Trata-se de um crime de perigo abstracto.
O perigo de perturbação da paz pública radica na publicidade.
A mera provocação ou o incitamento à prática de determinado crime já são objecto de incriminação. Se, porém, o crime vier a ser praticado em virtude (nexo de causalidade) da provocação ou do incitamento, o instigador será punido como co-autor, mas a pena que lhe vier a ser aplicada não pode ser superior à prevista para o crime praticado em virtude da instigação ou do incitamento.
Ora, “in casu”, temos por certo que o arguido E………. praticou o aludido crime.
Com efeito, sabemos que:
No dia 5/JAN/2003, a partir das 15:00 horas e no I………. pertencente ao J………. e sito na freguesia de ………. do concelho da Trofa, na área desta comarca de Santo Tirso, realizou-se um encontro de futebol, respeitante ao campeonato distrital da Ia divisão de honra da K………., entre o Clube local e o L………. de ………., que foi arbitrado pelo denunciante H………. (árbitro principal) e pelos abaixo indicados como testemunhas M………. e N………. (árbitros assistentes).
No decurso da segunda parte de tal jogo, que se iniciou com o resultado de 2-1 favorável à equipa local, o denunciante H………. exibiu o cartão vermelho e expulsou de campo três jogadores daquela equipa e o arguido E………., treinador da mesma.
A assistência afecta ao J………., desagradada com o desempenho do denunciante H………. e dos seus assistentes, em tal segunda parte manifestou-se ruidosamente contra os mesmos, designadamente dirigindo-lhes insultos,
No decurso da segunda parte do jogo, em momento não concretamente apurado, mas já após ter sido expulso, quando se encontrava por trás do Banco de Suplentes, o arguido E………. gritou para a assistência que se manifestava contra a equipa de arbitragem: "Matai-os a todos!".
Poderá dizer-se que é parca a matéria a este respeito apurada e que os insultos e as ameaças estão de tal modo banalizados nos recintos de futebol que este tipo de manifestação não tem, ali, o significado que normalmente lhe pode ser assacado.
Não se pode, porém, esquecer que, como alertam Simas Santos e Leal Henriques, no respectivo Código Penal Anotado, II, pág. 934, para a consumação do delito em referência “pode bastar uma simples insinuação, por palavras ou gestos, desde que tenha virtualidade para poder desencadear a comissão de uma acção criminosa determinada”.
Sabe-se, aliás, que o contexto proporcionado por um jogo de futebol em que, como no caso em apreço, a assistência está revoltada com a actuação da equipa de arbitragem e revela já publicamente uma grande animosidade contra a mesma é extraordinariamente favorável à eclosão de violência, tornando-se, por isso, compreensível que uma palavra ou um gesto de alguém que, como o treinador, é uma referência, quer para os jogadores, quer para os adeptos, possa ter consequências aparentemente desproporcionadas à concreta actuação do instigador.
Como dizem os citados autores, “sabido que a multidão quando excitada, não raciocina, fácil é de compreender quantos excessos é possível eclodirem à sombra de uma mera lembrança ou sugestão.”
Por outro lado, está assente que, agindo da forma descrita, tinha o arguido E………. a vontade livre e a perfeita consciência de estar incentivando a assistência do J………. a passar das manifestações verbais de desagrado e dos insultos que dirigia à referida equipa de arbitragem à perseguição e agressão física aos seus membros e que este arguido com a intenção de excitar ainda mais e levar elementos da assistência a perseguirem e agredirem efectiva e fisicamente os mesmos, apesar de estar ciente do carácter proibido e jurídico-criminalmente perseguível de tal conduta e das possíveis graves consequências de tal actuação para a integridade física ou mesmo para a vida daqueles.
O referido E………. quis, portanto, indubitavelmente, levar a assistência a, nas concretas circunstâncias de tempo e lugar em que todos se encontravam, participar num motim em que fossem cometidas violências contra as pessoas dos árbitros, actuação penalmente censurável nos termos do disposto no art. 302º, nº 1, do Cód. Penal.
E tanto basta.
Não curamos, pois, aqui de saber se algum crime veio efectivamente a ser praticado ou se, tendo-o sido, o foi ou não em virtude do incitamento que as palavras proferidas pelo E………. traduzem.
Essa é já uma outra hipótese.
Na verdade, se o instigador participar, como co-autor, na prática do crime instigado, verifica-se relativamente a ele uma situação de concurso real de crimes.[1]
De tal modo que se, efectivamente, no caso em análise, o dito arguido tivesse participado no motim que se veio a gerar, o mesmo poderia ser punido pela prática de dois distintos ilícitos.
Todavia, independentemente das questões teóricas que poderiam surgir a respeito da concreta hipótese a este respeito colocada pela acusação e pela subsequente pronúncia, a verdade é que, após o julgamento, a mesma se encontra, de todo arredada.
Senão vejamos.
Pratica o crime de participação em motim, quem tomar parte em motim durante o qual forem cometidas colectivamente violências contra pessoas ou contra a propriedade - art. 302º, nº 1.
O conceito jurídico-criminal de motim exige um ajuntamento de pessoas com criação de perigo para bens jurídicos pessoais e patrimoniais pelo que o dolo do agente tem de abranger a perigosidade do motim (que provoca ou em que participa) para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais.[2]
Por outro lado, a participação em motim é agravada se o agente tiver provocado ou dirigido o motim.
Se a dignidade penal do motim exige a prática colectiva de violências contra as pessoas ou contra a propriedade, não pode deixar de se considerar que o «instigador» do motim (o que o provoca ou dirige) é, necessariamente, o instigador das violências contra as pessoas ou contra a propriedade que o tipo legal requer como condição da dignidade penal da conduta.
Embora a prática de violências contra as pessoas ou contra a propriedade constitua uma mera condição objectiva de punibilidade, tal não significa que não tenha de existir uma relação de adequação entre a prática das lesões pessoais ou patrimoniais e o motim, de modo a que as violências possam ser consideradas como efeito adequado do motim.
Assim sendo, aquele que tiver provocado ou dirigido o motim é, afinal, o «provocador» das violências colectivamente cometidas contra pessoas ou contra a propriedade.
Na tentativa de densificar o conceito de “provocação”, recorde-se que, para efeito da parte geral do Código Penal, a instigação consiste essencialmente em determinar, directa e dolosamente, outrem à realização de um facto ilícito. O instigador faz surgir noutra pessoa a ideia – anteriormente inexistente – da prática de um crime, mas é esta pessoa quem decide cometê-lo e, em última instância, o pratica.
A punição do instigador depende claramente, no nosso ordenamento jurídico – em termos gerais e não, obviamente, no caso da punição prevista no tipo legal de “instigação pública a um crime” acima analisado –, da prática (ou, ao menos, do início da execução) do facto por uma outra pessoa, pelo que, embora formalmente o artigo 26.º do Código Penal a inclua entre as modalidades de autoria, parece que a instigação não deixa de ser uma forma dependente, acessória de um facto que é levado a cabo por outra pessoa – que é o seu verdadeiro autor imediato ou mediato –, facto esse, portanto, que se definirá pelo que faz essa outra pessoa e, bem assim, pelas suas características.[3]
A instigação aproxima-se da autoria mediata na medida em que em ambos os casos o resultado típico é alcançado mediante a motivação de uma pessoa (diversa da do instigador ou da do autor mediato) para a sua respectiva consecução.
A instigação só pode afirmar-se se se verificarem vários requisitos, de natureza objectiva e subjectiva. Assim, de um ponto de vista objectivo, a conduta do instigador deve determinar ou causar a formação da resolução criminosa no autor e a ulterior realização, por este, do facto. Isso implica que a actividade do instigador deverá ser de molde a levar o autor a adoptar a decisão de cometer o crime e a (pelo menos) dar início à sua respectiva execução, resultados que por essa razão aparecem como (e podem com legitimidade dizer-se) consequência da actuação do instigador.
Ora, no caso, não obstante, como infra melhor veremos, o crime relativamente à prática do qual se deu, por parte do arguido E………., o incitamento, se tenha efectivamente verificado, não se pode afirmar a existência de um nexo de causalidade entre as palavras proferidas pelo aludido treinador e os acontecimentos que se vieram a dar, isto é, não se pode dizer que a conduta daqueles que invadiram o campo e agrediram a equipa de arbitragem foi determinada pela conduta do dito treinador. Para tal, como já se sublinhou, necessário seria poder dizer-se que a ideia da prática desses actos não existia no colectivo formado por aquelas pessoas, tendo tido a sua génese na conduta do treinador, afirmação que, como se viu, no caso não é possível fazer.
Basta ver que não se considerou provado que o arguido E………. tenha conseguido efectivamente, excitar ainda mais e levar aquelas centenas de pessoas a, consigo e em arruaça, perseguirem e agredirem efectiva e fisicamente os mesmos.
Atente-se ainda que de acordo com a pronúncia o grupo que invadiu o campo repetiria expressões do arguido E………. como "Não saís daqui vivos!", o que também se não provou.
Por outro lado, tão pouco se provou que o arguido E………. tivesse, pelo menos, participado no motim, não se tendo provado, designadamente, que integrasse o grupo que invadiu o campo de jogo.
Impõe-se, por isso, sem necessidade de mais considerações, absolver o referido arguido da prática do segundo dos ilícitos que lhe era imputado.
Desde já se diga que, de igual modo, há que absolver os arguidos B………., C………. e D………., porquanto por demonstrar quedou a factualidade que suportava as imputações que lhes eram feitas: não se provou que algum dos referidos arguidos integrasse o grupo de pessoas que invadiu o campo de jogo e não se provou que o arguido B………., membro da direcção do J………., aproximando-se por trás do denunciante H………., lhe tenha desferido um pontapé numa coxa.
Este último arguido deve, pois, não só ser absolvido da prática do crime de participação em motim, como da prática do crime ofensa à integridade física - qualificada - p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 132°, n° 2, d) e g), 143°, n° 1, e 146°, do Código Penal, que também lhe era imputada.
Analisemos, agora, a conduta dos arguidos F………. e G………. .
Pelas 16:55 horas, após o denunciante ter dado por terminado aquele jogo, com a vitória por 4-3 do L………. de ………., um número não concretamente apurado, mas não inferior a 100 adeptos do J………., integrado designadamente pelos arguidos F………. e G………., invadiu o recinto de jogo e, com a activa participação daqueles arguidos, perseguiu e agrediu, nomeadamente com guarda-chuvas, com cuspidelas e a murro e a pontapé, os elementos da equipa de arbitragem, que só graças à intervenção da força da Guarda Nacional Republicana destacada para o policiamento daquele jogo puderam, ao fim de algum tempo, recolher ao balneário respectivo.
Quando tentava proteger a equipa de arbitragem o Comandante daquela força, o Cabo O………., foi também agredido, num ombro e com um guarda-chuva, por um dos integrantes da referida arruaça.
No decurso da acima referida perseguição e agressão colectivas à equipa de arbitragem, designadamente:
O arguido F………., munido de uma guarda-chuva, bateu com o mesmo, partindo-o, nas costas de um dos integrantes da equipa de arbitragem, sendo impedido de prosseguir a sua actuação agressiva por intervenção do Soldado Q……….;
O arguido G………. viu impedida uma sua tentativa de agressão, também com um guarda-chuva, ao denunciante H………., por intervenção do referido Comandante da força policial Cabo O………..
Por força das mencionadas agressões, o denunciante H………. sofreu lesões diversas, designadamente diversos hematomas na face, um hematoma supraciliar direito, um hematoma no lábio superior, com edema e corte labial interno e fractura da coroa metalo-cerâmica do dente 2.1, e diversas escoriações nas mãos, nas costas e nas pernas.
Agindo da forma descrita, tinham os arguidos F………. e G………. as vontades livres e a perfeita consciência de estarem participando activamente naquela arruaça em que, pela acção conjunta do numeroso grupo em que se integravam e com a utilização para o efeito, por diversos dos respectivos componentes, de guarda-chuvas, foram, como todos e cada um deles visavam, praticadas as mais diversas agressões físicas, quer aos elementos da mencionada equipa de arbitragem, quer mesmo pelo menos a um dos integrantes da força policial que, na ocasião, em protecção da mesma, interveio.
Agiram do aludido modo os referidos arguidos, apesar de bem saberem que as aludidas condutas são proibidas e jurídico-criminalmente puníveis.
Face a tal factualidade, dúvidas não subsistem que a conduta dos mencionados arguidos integra a prática do ilícito-típico acima descrito e dissecado.
Importa, porém, verificar se o motim em questão é ou não de qualificar como armado.
Considera-se armado o motim em que um dos intervenientes é portador de arma de fogo ostensiva, ou em que vários participantes são portadores de arma de fogo, ostensivas ou ocultas, ou de objectos, ostensivos ou ocultos, susceptíveis de serem utilizados como tal – nº 2 do art. 303º.
Para efeito do disposto no Cód. Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim – art. 4º do Dec. Lei nº 48/95, de 17 de Fevereiro.
Nesse sentido, um guarda-chuva pode constituir uma arma, sendo certo que vários dos elementos integrantes do grupo que invadiu o campo de jogo não só eram portadores de guarda-chuvas, como os utilizaram.
Mas deverão, atento o disposto na alínea a) do nº 3 do art. 303º, nº 2, do Cód. Penal, as apuradas condutas ser subsumidas ao conceito de motim armado?
Segundo esta última norma, não se considera armado o motim em que, designadamente, as armas são trazidas acidentalmente e sem intenção de as utilizar.
Na hipótese em apreço, é manifesto que os guarda-chuvas foram levados para o recinto de jogo acidentalmente para serem usados não como armas mas com a finalidade habitual: proteger os respectivos portadores da chuva que nesse dia se fazia sentir. Todavia, aquando da invasão do campo de jogo, vários dos portadores de guarda-chuvas – e, designadamente, os arguidos F………. e G………. – não só tiveram intenção de os utilizar como arma, como efectivamente os utilizaram como tal, pelo que de excluir é a verificação da hipótese prevista na alínea a) do nº 3 do citado diploma legal.”

Na fundamentação da espécie e medida da pena fez-se constar o seguinte:
“Uma vez determinados os factos e os tipos legais de crime em que se subsumem as condutas dos arguidos E………., F………. e G………., importa determinar o “quantum” da pena concreta a aplicar a cada um deles.
Num primeiro momento, cumpre proceder à investigação e determinação da moldura penal abstracta, ou seja, da pena aplicável.
Para tanto, deve partir-se do tipo de crime que o agente preencheu e da moldura penal que lhe cabe.
O crime de instigação pública à prática de um crime é punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa (de 10 a 360 dias – art. 47º, nº 1, do Cód. Penal), se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal (como efectivamente não cabe no caso em apreço) – art. 297º, nº 1, do Cód. Penal.
Por seu turno, a participação em motim armado é punível com a pena prevista no nº 1 do art. 302º - pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias – elevada ao dobro nos seus limites mínimo e máximo, ou seja, elevada para pena de prisão de 2 meses até 2 anos e pena de multa de 20 a 240 dias.
Procedendo, agora, à escolha da pena, cabe dizer que se julga adequada a aplicação a cada um dos arguidos de uma pena de multa.
E porquê?
A globalidade da situação em apreço é muito grave, sendo certo que, não fora a intervenção dos elementos da GNR para impedir que as agressões prosseguissem, as consequências poderiam ter sido bem nefastas.
Daí que se sinta como significativo o grau de necessidade de reposição da confiança da comunidade na vigência das normas jurídicas violadas face a este tipo de comportamento violento associado à actividade e aos espectáculos desportivos.
Todavia, tendo em conta que se trata de uma reacção colectiva a uma situação relativamente pouco comum em termos de arbitragem, susceptível, por isso, de propiciar reacções, também elas, inusitadas – não se pode olvidar que surgiu na sequência da exibição do cartão vermelho e expulsão de campo de três jogadores da equipa local e do arguido E………., treinador da mesma, pelo árbitro H………., no decurso da segunda parte de um jogo, que se iniciou com o resultado de 2-1 favorável à referida equipa local –, crê-se que tal necessidade ainda é susceptível de ser alcançada pela supra aludida via.
Por outro lado, o juízo de prognose relativo às necessidades de prevenção especial que resulta do facto de nenhum dos arguidos apresentar antecedentes criminais não exige outra opção distinta da multa.
Encontradas as molduras penais abstractas e escolhida a pena a aplicar a cada um dos arguidos, cabe agora definir as diversas penas concretas a aplicar.
Dispõe o art.º40º do Código Penal que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente (n.º1) e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
A aludida finalidade de protecção de bens jurídicos consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos protegidos e determina o limite mínimo, na medida em que este deve coincidir com o mínimo de pena, que em concreto, ainda, realiza, eficazmente aquela protecção (mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias).
A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir no caso concreto.
Entre tais limites, que se costumam identificar com a designada “moldura de prevenção”, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da reintegração social do agente.
Em resumo, a medida da pena determina-se em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção (cfr. art.º 71, n.º1 do Cód.Penal), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o arguido (n.º2 do mesmo dispositivo).
Assim, a favor e contra o arguido E………., é de considerar concretamente atendíveis os seguintes factores:
- o grau de ilicitude, aferido pela concreta actuação em que se traduziu o incitamento pelo mesmo levado a cabo, tendo em conta, contra ele, o grave significado das palavras utilizadas e, a seu favor, o facto de se tratar de uma única expressão de incitamento;
- o grau relativamente intenso de culpa do arguido plasmado na sua conduta, sem que, contudo, a favor do mesmo, se possa olvidar, o clima de exaltação geral em que a sua actuação surgiu;
- contra ele, o dever acrescido de, na qualidade de treinador e, por isso, referência dos jogadores e adeptos, manter uma actuação conforme ao mínimo ético penalmente tutelado em situações relacionadas com a actividade desportiva;
- o facto de não ter antecedentes criminais;
- as necessidades de prevenção geral já referidas.
Em suma, a conduta do arguido apresenta um grau de culpa relativamente elevado, sendo que, as exigências de prevenção geral assumem um relevo de algum modo significativo, traduzido na necessidade, face à relativa gravidade dos contornos do caso concreto, de salvaguardar a paz pública no âmbito de actividades desportivas.
Todavia, as exigências de prevenção especial, relacionadas com a prevenção do cometimento de futuros crimes, revelam-se de forma moderada, considerando o facto de, aparentemente, o arguido ter mantido ao longo da sua vida um comportamento sem desvios em relação às normas penais vigentes.
Atentas as circunstâncias supra enunciadas entendemos ser de aplicar ao arguido uma pena concreta próximo da média da abstractamente prevista, pena concreta essa que corresponde a 180 dias de multa, à taxa diária de, ponderada a situação económica do arguido - que é industrial de transportes, possuindo 4 táxis, e aufere rendimento não concretamente apurado mas não inferior a 500 a 700 € por mês; a esposa é doméstica e tem um filho a seu cargo; possui uma moradia -, 10 € – art. 47º, nº 2, do Cód. Penal (vigente à data da prática dos factos).
Quanto ao arguido G………., depõe:
- contra o mesmo, a gravidade da conduta do dito arguido, que se não limitou à mera participação no motim – já de si com sérias proporções –, mas se materializou numa bastante grave ofensa à integridade física de um dos elementos da equipa de arbitragem, com recurso a meio potenciador das lesões físicas ocasionadas;
- a intensidade do respectivo dolo, revelada no facto de, no decurso da agressão, ter partido o guarda-chuva nas costas da vítima, o que, obviamente, lhe é desfavorável;
- a seu favor, o facto de não ter antecedentes criminais; contra ele, porém, ainda ao nível da prevenção especial, a personalidade violenta que a sua actuação leva a inferir;
- as necessidades de prevenção geral já referidas.
Tudo ponderado, entendemos ser de aplicar ao referido arguido uma pena acima da média, que se fixa em 200 dias de multa, fixando-se, tendo em conta que trabalha, auferindo 500/550 € por mês, paga cerca de 400 € de prestação do empréstimo que contraiu para aquisição da casa onde habita; a esposa é doméstica e tem um filho a seu cargo, a razão diária da multa em 6 €.
No que concerne ao arguido G………., há que considerar:
- a circunstância de, não obstante a gravidade assumida pelo motim em que participou, ter tido uma intervenção que se limitou a uma tentativa de agressão, embora com um guarda-chuva e a maior potencialidade lesiva associada à sua utilização;
- o facto de não ter antecedentes criminais;
- as necessidades de prevenção geral já referidas.
A este arguido julga-se adequada, face a tais circunstâncias, a aplicação de uma pena de 140 dias de multa, à taxa diária de 3 €, já que trabalha como serralheiro, auferindo cerca de 300 € por mês, a esposa é doméstica e doente e tem 3 filhos a seu cargo.”

Finalmente, quanto ao pedido cível, consignou-se:
“A questão que nesta sede importa resolver consiste em saber se demandante assiste direito a receber dos diversos demandados a indemnização peticionada.
Em princípio o dano é suportado por aquele que o sofre e o lesado só tem uma pretensão indemnizatória uma vez demonstrada a existência de determinados pressupostos.
A indemnização pelos danos emergentes do crime insere-se no âmbito da responsabilidade extracontratual, sendo o art. 483º do Cód. Civil a reger esta matéria.
Vários pressupostos condicionam a responsabilidade por factos ilícitos e a correspondente obrigação de indemnizar imposta ao lesante, quais sejam: o facto voluntário do agente; a ilicitude; o vinculo de imputação do facto ao lesante; o dano; e, finalmente, o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Assim, é desde logo necessário, para que responsabilidade extracontratual exista, a verificação de um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento humano.
Tal facto consiste, via de regra, numa determinada acção do lesante que implica a violação do dever geral de abstenção, do dever de não ingerência na esfera de acção do titular do direito absoluto. No caso concreto em apreço podemos efectivamente afirmar que quer os demandados F………. e G………. voluntariamente participaram na conduta colectiva de onde resultaram as lesões do demandante.
Não basta, porém, que alguém pratique um determinado facto prejudicial dos interesses de outrem, para que seja obrigado a indemnizar o lesado. É ainda necessário que tal facto seja ilícito.
O supra referido art. 483º, nº 1, do Código Civil fixa o princípio geral nesta matéria, aí indicando o legislador as duas formas essenciais que a ilicitude pode revestir: violação de um direito de outrem e violação de uma norma legal que proteja interesses alheios.
Na situação em apreço, dúvidas não há sobre a natureza ilícita dos actos praticados pelos referidos demandados. Na verdade, com a mera violação da proibição legal ínsita na norma penal violada se preencheu o requisito da ilicitude.
Quanto ao requisito da culpa, dispõe o nº 1 do art. 483º do Código Civil que "Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação", acrescentando o nº 2 que "Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei".
Assim, o legislador manteve-se fiel à regra de que a responsabilidade pressupõe a culpa, de que, em princípio, não há responsabilidade sem culpa.
A exigência de um comportamento culposo do lesante traduz-se em fazer depender a obrigação de indemnização do facto de, relativamente àquele, se poder afirmar um juízo de reprovabilidade pessoal, ou seja, se poder afirmar que o lesante devia e podia ter agido de outro modo.
Tal juízo "assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor e pode revestir duas formas distintas: o dolo (a que os autores e as leis dão algumas vezes o nome de má-fé) e a negligência ou mera culpa (culpa em sentido estrito)."[4]
Na situação em referência, preenchido se mostra, em relação aos dois referidos demandados, o requisito da culpa, na medida em que, como se viu, cada um dos arguidos actuou com dolo.
E a sua responsabilidade é solidária – art.´s 490º e 497º do Cód. Civil.
Cumpre agora estabelecer a medida concreta da responsabilidade dos demandados o que implica a delimitação dos danos indemnizáveis.
Em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 483º e no art. 563º, ambos do Código Civil, o lesante só tem obrigação de reparar os danos que, em concreto, se tenham verificado como consequência necessária do evento danoso e que, em abstracto, sejam consequência adequada do mesmo.
Assim, de acordo com a chamada “teoria da causalidade adequada”, o evento danoso deve representar, simultaneamente, uma causa necessária e adequada à produção daqueles danos.
Os danos não patrimoniais são aqueles que, reportando-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral, são insusceptíveis de avaliação pecuniária visando, por isso, o seu ressarcimento uma compensação do sofrimento físico e moral (ou psicológico) sofrido pelo lesado.
A ressarcibilidade dos danos morais está dependente de um juízo de valoração objectivo, tendente a afirmar a sua gravidade, nos termos do disposto no art. 496º, nº 1, do Código Civil.
Na avaliação de tais danos deve o tribunal julgar equitativamente, nos termos do disposto no art. 496º, nº 3, do Código Civil e com atenção aos critérios estabelecidos no art. 494º do mesmo código.
No caso, são indubitavelmente merecedores de tutela jurídica os danos não patrimoniais – as dores, o medo, a humilhação - sofridos pelo demandante e, por isso mesmo, indemnizáveis.
Como já vimos o nº 3 do citado art. 496º disciplina que a fixação da indemnização para este tipo de danos deve fazer-se equitativamente e com apelo às circunstâncias referidas no art. 494º, ou seja, ao grau de culpabilidade do lesante, à situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso concreto, como sejam, as lesões sofridas, os sofrimentos padecidos e as tendências fixadas pela jurisprudência.
Assim, no caso, tendo, designadamente, em consideração a não desprezível gravidade das lesões em causa, a doença e a incapacidade para o trabalho que as mesmas provocaram e, sobretudo, os momentos de ansiedade e medo que o árbitro demandante forçosamente viveu ao ser vítima de um ataque colectivo, de um número tão elevado de pessoas e com recurso a todos os meios que se encontravam ao dispor dos agressores, bem como considerando ainda a perturbação que naturalmente continuou a afectá-lo já depois do sucedido, entende este Tribunal como adequada a compensação de 5000 € a atribuir ao Demandante.
Quanto aos danos patrimoniais alegados, o Demandante não logrou provar a sua verificação, como lhe competia, pelo que, forçosamente, improcederá o pedido a eles relativo.
No que tange aos restantes demandados, improcede, na totalidade, o pedido formulado, porquanto não se mostram preenchidos os supra mencionados pressupostos da responsabilidade civil.”
*
II- FUNDAMENTAÇÃO
O objecto dos recursos interpostos pelos arguidos F………. e G………., demarcado pelo teor das suas conclusões (art. 412 nº 1 do CPP), incide sobre as seguintes questões:
1ª – Analisar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada, quanto a pontos concretos das alíneas g), j), l) e o), as quais no entender dos recorrentes (ocorrendo erro notório na apreciação da prova), devem passar a figurar nos factos dados como não provados, o que deveria conduzir à sua total absolvição (quer da acção penal, quer do pedido cível nela enxertado);
2ª – Averiguar se existe erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito, uma vez que na perspectiva dos recorrentes o tribunal deveria ter aplicado o disposto no art. 303 nº 3-a) do CP e, a serem condenados, apenas se verificava o crime p. e p. no art. 302 do CP;
3ª – Verificar se os recorrentes devem ser isentos de pena ou, assim não se entendendo, averiguar se a pena que a cada um deles foi aplicada é excessiva;
4ª – Apurar se estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil dos recorrentes (designadamente quanto à sua condenação solidária) e, em caso afirmativo, se a quantia fixada a título de indemnização é ou não excessiva.
Passemos então a apreciar cada uma das questões colocadas nos recursos aqui em apreço.
Previamente sempre se dirá (tendo em atenção as alegadas “questões prévias” colocadas pelo Ministério Público em sede de resposta aos recursos aqui em apreço) que, não há lugar à rejeição dos recursos por se entender, como adiante melhor se explicará, que os recorrentes cumpriram minimamente os requisitos exigidos pelo art. 412 nº 3 e 4 do CPP (quanto à impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto).
Também não se impõe, neste caso, formular qualquer convite aos recorrentes para apresentarem ou formularem “novas conclusões” uma vez que não se afigura que as que constam dos respectivos recursos padeçam de qualquer deficiência relevante (aliás, lendo a resposta aos recursos, apresentada pelo próprio Ministério Público, logo se alcança que o mesmo percebeu perfeitamente as razões ou fundamentos dos recursos aqui em questão).
Ou seja, nessa parte, quanto às “pretensas questões prévias” colocadas em sede de resposta aos recursos aqui em apreço, improcedem os argumentos invocados pelo Ministério Público na 1ª instância.
Passemos, então, a conhecer em concreto das questões colocadas pelos recorrentes.
1ª Questão
Como se verifica dos autos, procedeu-se à documentação das declarações prestadas oralmente em audiência, por meio de gravação.
Lendo a motivação apresentada pelos arguidos/recorrente, verifica-se que impugnam a decisão proferida sobre a matéria de facto, considerando incorrectamente julgados apenas os concretos factos que identificaram constantes dos dados como provados nas alíneas g), j), l) e o), as quais, no seu entender, (ocorrendo erro notório na apreciação da prova, face às concretas provas que indicaram e que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida), devem passar a figurar nos factos dados como não provados, o que deveria conduzir à sua total absolvição (quer da acção penal, quer do pedido cível nela enxertado).
No texto da motivação, os recorrentes especificaram as concretas provas que, no seu entender, impunham decisão diversa, tendo para esse efeito transcrito alguns excertos dos depoimentos prestados por testemunhas que identificam (fazendo referência às respectivas cassetes), mencionando, no que respeita à parte impugnada daquela decisão, que a mesma não é suportada por qualquer prova, fazendo a sua própria análise e interpretação dessa prova produzida em julgamento, manifestando a sua discordância quanto aos factos dados como provados nos assinalados pontos por cada um deles impugnado.
Consideramos, pois, que os recorrentes, naqueles concretos aspectos em que questionam a decisão sobre a matéria de facto que impugnaram, cumpriram os ónus de impugnação da decisão da matéria de facto, indicados no art. 412 nº 3-a) e b) e nº 4 do CPP na versão actual (aqui aplicável atenta a data da interposição dos respectivos recursos).
Atentos os poderes de cognição das Relações (art. 428 do CPP), uma vez que a prova produzida em audiência de 1ª instância foi gravada, constando dos autos os respectivos suportes técnicos (art. 412 nº 3 e 4 do CPP), pode este tribunal conhecer da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Mas, convém aqui lembrar que “o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.”[5]
Ou seja, a gravação das provas funciona como uma “válvula de escape” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações limite de erros de julgamento sobre a matéria de facto[6].
Os elementos de que esta Relação dispõe, no caso em apreço, são apenas a gravação da prova produzida oralmente em audiência na 1ª instância e as provas documental e pericial juntas aos autos, aludidas na motivação de facto do acórdão sob recurso.
Assim, não obstante os seus poderes de sindicância quanto à matéria de facto, a verdade é que não podemos esquecer a percepção e convicção criada pelo julgador na 1ª instância, decorrente da oralidade da audiência e da imediação das provas.
O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é «colhido directamente e ao vivo», como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1ª instância.
É que, a credibilidade das provas (o seu mérito ou desmérito) e a convicção criada pelo julgador da 1ª instância (neste caso pelo Tribunal Colectivo) «tem de assentar por vezes num enorme conjunto de situações circunstanciais, de tal maneira que essa convicção criada assenta não tanto na quantidade dos depoimentos prestados, mas muito mais em outros factores»[7], fornecidos pela imediação e oralidade do julgamento, «onde para além dos testemunhos pessoais, há reacções, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam»[8].
Posto isto, não esquecendo que o princípio da livre apreciação da prova (art. 127 do CPP) também se aplica ao tribunal da 2ª instância, importa “saber se existe ou não sustentabilidade na prova produzida para a factualidade dada como assente, e que é impugnada, sendo que tal sustentabilidade há-de ser aferida através da verificação da existência de prova vinculada, da verificação da existência de erros sobre a identificação da prova relevante e da constatação da inconsistência mínima de certo facto perante uma revelada fonte que o suporta”[9].
E, claro, há que ter presente que, com as provas “pretende-se comprovar a realidade dos factos”, ou seja, pretende-se “comprovar a verdade ou a falsidade de uma proposição concreta ou fáctica”[10], criar no juiz um determinado convencimento.
Produzidas as provas em audiência de julgamento, o julgador terá de as apreciar, com vista à sua valoração.
Para esse efeito vai desencadear dois tipos de juízos ou operações que estão intimamente relacionados entre si: o primeiro tem a ver com a interpretação das provas e, o segundo com a valoração propriamente dita dessas mesmas provas[11].
O que implica um exercício de comparação (entre, por um lado, os factos alegados pela acusação e pela defesa e, por outro, as afirmações instrumentais, decorrentes das provas produzidas, que se reputaram como certas e reais) que irá conduzir a uma necessária dedução de factos (dedução de um facto a partir de outro ou outros factos que se deram previamente como provados através do referido exercício de comparação)[12].
Quando procede à apreciação das provas, o julgador está sujeito a determinados limites que tem de respeitar, nomeadamente, decorrentes da vinculação temática e do funcionamento do princípio da livre apreciação da prova (art. 127 do CPP), bem como das respectivas “excepções” ou limitações.
A decisão sobre a matéria de facto há-de ser, assim, “o resultado de todas as operações intelectuais, integradoras de todas as provas oferecidas e que tenham merecido a confiança do Juiz”[13].
Assim.
a) Impugnação da matéria contida na alínea g) dos factos dados como provados
Sustentam os recorrentes que, terminado o jogo, as pessoas que invadiram o dito campo de futebol, eram adeptos das duas equipas que momentos antes se haviam defrontado e que, esses mesmos “adeptos das duas equipas se envolveram numa rixa colectiva e num cenário de pancadaria colectiva”.
Acrescentam, ainda, que não podia ser dado como provado que os recorrentes “tiveram participação activa na perseguição e agressão dos elementos da equipa de arbitragem”.
Para tanto, invocam nos respectivos recursos que a prova produzida em julgamento, concretamente os excertos que citam dos depoimentos das testemunhas Q………. (no que respeita ao recorrente F……….) e O………. (no que respeita ao recorrente G……….) contrariam o que a esse respeito foi dado como provado e, face aos cenários que se podiam configurar (considerando, na sua perspectiva, como omissão relevante a que resulta do tribunal colectivo não ter dado como provado que o campo de futebol fora invadido por adeptos de ambas as equipas que se envolveram numa “rixa colectiva”), existe erro de julgamento no que respeita à actuação dada como provada relativamente a cada um dos recorrentes.
Ora, lendo os excertos do depoimento da testemunha Q………. (constante do recurso interposto pelo arguido F……….), que foi o soldado da GNR que, na altura identificou o arguido F………., tendo-o agarrado após o mesmo, vindo de trás de si (do depoente) dar a “cacetada” com o guarda-chuva nas costas de um árbitro, que não soube identificar (mas que, pelo que se deduz do resto do seu depoimento, não era o demandante H……….) – tendo inclusivamente partido a “moca” ou a “mão” do dito guarda-chuva dessa forma utilizado – não se vê como é que o tribunal a quo poderia ter decidido de forma diferente da que consta dos factos dados como provados.
Também o depoimento prestado pela testemunha O………. (vejam-se nomeadamente os excertos constantes do recurso interposto pelo arguido G……….), comandante da força da GNR que então esteve no local, convenceu o tribunal no sentido dos factos dados como provados relativamente ao arguido G………. .
De notar que, essa testemunha (como decorre da teor da gravação do seu depoimento), além do mais, descreveu a concreta actuação do arguido G………., quando tentou agredir com um guarda-chuva o árbitro principal, tendo sido por ele (testemunha) impedido de concretizar essa agressão.
Por outro lado, mesmo que o campo de futebol fosse invadido por adeptos de ambos os clubes (como sustentam ambos os recorrentes e que, nesse aspecto, foi admitido pela testemunha O……….), que também se teriam envolvido em “rixa” entre eles, tal não invalidava a actuação dos recorrentes relativamente à equipa de arbitragem.
De resto, o que estava em questão nos autos (o objecto do processo) era a imputada agressão e perseguição aos elementos da equipa de arbitragem e não a rixa entre adeptos de um e de outro clube de futebol (conferir o teor do despacho de pronúncia constante de fls. 473 a 476 que remete para a acusação pública de fls. 208 a 213).
Daí que fosse irrelevante mencionar, na decisão sobre a matéria de facto, que o campo de futebol fora invadido por adeptos de ambos os clubes.
Aliás, a forma como está redigida a própria alínea g) dos factos dados como provados, não pode ser interpretada (como o fazem os recorrentes) no sentido de o campo de futebol apenas ter sido invadido por adeptos do clube que perdeu.
Obviamente que os adeptos do clube que perdeu, até por estarem desagradados com o desempenho do árbitro H………. e dos árbitros assistentes – ver também alíneas a) a d) dos factos provados – como é das regras de experiência comum, seriam os que teriam “interesse” em perseguir e agredir os elementos da equipa de arbitragem.
Ou seja, era até irrelevante que no campo de futebol em questão, existissem adeptos da equipa vencedora a “degladiarem-se” ou em “rixa” com adeptos da equipa derrotada.
Esse não era o tema do julgamento (o objecto do processo), sendo até indiferente essa matéria para o que se apurou da actuação dos arguidos F………. e G………., aqui recorrentes.
Obviamente que a participação activa de cada um dos recorrentes na perseguição e agressão a elementos da equipa de arbitragem se circunscreveu ao que foi dado como provado, sendo quanto à sua actuação em termos individuais (no que a cada um diz respeito) apenas o que consta da alínea j).
Com efeito, outros actos concretos não se provaram que se pudessem imputar individualmente ao arguido F………. e/ou ao arguido G………., não obstante, claro, os mesmos arguidos estarem integrados e fazerem parte daquele grupo (não inferior a 150) de adeptos do “J……….” que invadiu o recinto do jogo e perseguiu e agrediu elementos da equipa de arbitragem (sendo certo que, dos três elementos que compunham aquela equipa de arbitragem apenas dois foram agredidos, segundo consta dos factos dados como provados) e, nessa medida (enquanto participantes naquele motim), serem também responsáveis por aquelas agressões colectivas.
São irrelevantes as interpretações (subjectivas e parciais) que os recorrentes fazem dos depoimentos das testemunhas Q………. e O………. respectivamente, na medida em que o que interessa é que tais depoimentos, foram claros e isentos, tendo convencido o tribunal a quo no sentido dos factos que deu como provados.
As hipóteses que os recorrentes colocam (quanto a eventuais cenários que se poderiam supostamente configurar), na motivação dos respectivos recursos que apresentaram, não passam de meras conjecturas, que não encontram suporte na prova produzida em julgamento, como resulta claro da audição das respectivas cassetes e do teor da própria fundamentação de facto da decisão sob recurso.
Não assiste, por isso, razão aos recorrentes quando nesta parte invocam erro de julgamento e omissão de factos relevantes para a decisão da causa e melhor aferição da sua (de cada um deles) participação nos factos em questão.
b) Impugnação da matéria contida na alínea j) dos factos dados como provados
Quanto à matéria contida na alínea j) o recorrente F………. invoca que do depoimento da testemunha Q………. não resulta que, se não fora a intervenção desse soldado da GNR, o mesmo arguido iria continuar a sua actuação de agressão a elementos da equipa de arbitragem.
Porém, não é pelo facto de o referido soldado da GNR ter agarrado (colocando-lhe a mão no braço, ficando com ele até que os árbitros foram para o balneário, identificando-o e comunicando depois essa identificação ao comandante da força policial), o arguido F………. e, este não ter mais reagido, que se pode concluir que, se tal não sucedesse, nada mais se passaria.
É que se não tivesse ocorrido a intervenção da força policial (o que permitiu que, ao fim de algum tempo, a equipa de arbitragem recolhesse ao balneário), as agressões a elementos da equipa de arbitragem não se tinham ficado pelo que foi dado como provado.
O contexto em que tudo se passou também foi relatado pelos elementos da arbitragem que foram ouvidos pelo tribunal, a saber, o demandante H………. e as testemunhas N……… e M………. .
E, como é claro, face às regras da experiência comum, a actuação do recorrente F………., descrita pela testemunha Q………., não se limitaria àquela agressão com o guarda-chuva, cuja moca partiu, caso não tivesse sido logo interrompida a sua conduta com a intervenção, da forma descrita, daquele soldado da GNR.
O que se pode concluir do facto do arguido F………. não fazer mais nada depois da intervenção do Q………. é apenas que, apesar de tudo, respeitou a autoridade policial (quando foi interpelado e impedido de prosseguir a sua actuação pelo referido soldado da GNR).
Por sua vez, o recorrente G………. invoca erro de julgamento quanto a essa mesma alínea j) por, na sua perspectiva, aquela tentativa de agressão descrita pela testemunha O………. ter ocorrido “no caminho dos balneários e não no campo”.
Porém, esquece o recorrente que, a expressão (por si transcrita e imputada à testemunha O……….) “quando íamos para os balneários” não é o mesmo que dizer que a tentativa de agressão ocorreu nos balneários e, portanto, fora do campo de futebol.
E, tão pouco significa que o arguido G………. não tivesse invadido o campo de futebol, como pretende fazer crer.
Aliás, a mesma testemunha O………., logo no início do seu depoimento, identificou quais os arguidos que viu dentro do campo, entre eles o arguido G………. .
Acresce que, a equipa de arbitragem, que se encontrava no campo de futebol, para ir para os balneários (e para a zona que já não é acessível ao público por haver gradeamento, como foi explicado também pela testemunha O………., quando referiu o local em que o árbitro H………. lhe indicou as pessoas a identificar), sempre teria que tomar o caminho respectivo (atenta a localização daqueles e o local onde os árbitros se encontravam quando se deu a invasão do campo), o que significa que, para fazer esse caminho, teria ainda que atravessar (em maior ou menor distância) parte do campo de futebol (cujas dimensões foram também indicadas pela testemunha O……….).
E, se não fosse a perseguição que o arguido G………. fez à equipa de arbitragem, mesmo a caminho dos balneários, por certo que não teria sido necessário impedi-lo (como sucedeu, com a pronta intervenção da testemunha O……….) de agredir, como queria, o árbitro principal.
De qualquer modo, na alínea j) em questão, também não consta que aquela tentativa de agressão tivesse ocorrido no campo de futebol.
É, por isso, irrelevante esse argumento invocado pelo recorrente G………. (o mesmo sucedendo quanto ao argumento invocado de que só em momento posterior é que foi identificado).
Falece, também quanto a esta alínea, a argumentação dos recorrentes, quanto ao erro de julgamento que invocam.
c) Impugnação da matéria contida na alínea l) dos factos dados como provados
Sustentam os recorrentes que, a leitura conjunta das alíneas j) e l), não permite estabelecer um nexo de causalidade entre as respectivas condutas e as lesões que foram descritas como tendo sido sofridas pelo denunciante H………. .
Porém, incorrem os recorrentes em erro quando pretendem fazer essa leitura conjunta, pois, a mesma não é consentida pela decisão proferida sobre a matéria de facto.
É que em parte alguma da alínea l) se refere que as agressões sofridas pelo denunciante H………. foram as mencionadas na alínea j).
As “mencionadas agressões” aludidas na alínea l) reportam-se às que constam do teor da alínea g) dos factos provados.
Aliás, na alínea j), quanto à actuação do arguido F………., não é identificado qual foi o elemento da equipa de arbitragem que o mesmo agrediu com o guarda-chuva e, quanto à actuação do arguido G………., apenas se descreve uma tentativa de agressão do árbitro H………. que, contudo, não foi consumada.
De resto, a testemunha Q………., no seu depoimento, apesar de não saber qual dos elementos da equipa de arbitragem foi agredido pelo arguido F………., o certo é que acaba por excluir a hipótese de ser o demandante H………. (já que, na versão da testemunha, nem sequer viu o demandante H………. caído no chão, tendo a agressão com o guarda-chuva, perpetrada pelo arguido F………., que presenciou, atingido as costas de um elemento da arbitragem e não a boca, como alegou o demandante H………, quando disse que por isso até desmaiou).
Portanto, também aqui não existe o invocado erro de julgamento (uma vez que não é possível fazer a leitura que os recorrentes pretendem fazer, associando à alínea l) o que consta da alínea j) dos factos dados como provados).
d) Impugnação da matéria contida na alínea o) dos factos dados como provados
Sustenta o recorrente F………. que o depoimento da testemunha Q………. não foi suficiente para se saber se a sua conduta foi propositada ou acidental, razão pela qual também quanto ao teor da alínea o) existiria erro de julgamento.
Porém, ouvindo o depoimento da mencionada testemunha não há dúvidas que o arguido F………. quis efectivamente agredir um dos elementos da equipa de arbitragem (o que atingiu nas costas).
Isso mesmo resulta da forma como a dita testemunha descreve a sua intervenção quando agarrou o arguido F………., bem como quando descreve o que viu (e em que circunstâncias) quando este (arguido F……….) com o guarda-chuva bateu nas costas de um dos elementos da arbitragem.
Por sua vez, o recorrente G………. sustenta, também, que a matéria contida na alínea o) padece de erro de julgamento porque ficou por demonstrar o concreto circunstancialismo da sua actuação.
Porém, também não lhe assiste razão, visto que o depoimento da testemunha O………. é claro, quanto ao que acima já se referiu, v.g. relativamente à tentativa de agressão do árbitro H………. .
E, a forma como cada um dos mencionados arguidos/recorrentes actuou em termos objectivos é reveladora da intenção subjacente às respectivas condutas, quer consideradas individualmente (no que em concreto se apurou em relação a cada um deles), quer analisadas na participação que tiveram, quando integraram aquele grupo de pelo menos 150 pessoas que invadiu o recinto do jogo e perseguiu e agrediu, do modo descrito, os elementos da equipa de arbitragem (não obstante outros elementos desse grupo não poderem ser responsabilizados, como sucedeu com os arguidos que foram absolvidos e, também, com aqueles que a autoridade policial não conseguiu sequer identificar).
De resto, como sabido, o dolo (enquanto intenção subjectiva), em casos como o destes autos (em que não há confissão) não é em princípio susceptível de prova directa, antes se deduzindo de outros factos objectivos (no caso atitudes desses mesmos arguidos/recorrentes, tal como foram descritas pelas respectivas testemunhas que as presenciaram) que sejam dados como provados e que permitam estabelecer essa ligação à intenção com que cada agente actuou.
Não assiste, pois, razão aos recorrentes quando à invocada impugnação da matéria de facto.
De esclarecer, desde já, que o tribunal pode, na sua liberdade de apreciação, tendo em atenção o disposto no art. 127 do CPP, valorar apenas uma parte das declarações que os arguidos e as testemunhas prestam em audiência: a questão é que se convença que, nessa parte, essas declarações correspondem à verdade.
A ideia da livre apreciação da prova, «uma liberdade de acordo com um dever»[14], assenta nas regras da experiência[15] e na livre convicção do julgador.
Esse critério de apreciação da prova, implica que o julgador proceda a uma valoração racional, objectiva e crítica da prova produzida, valoração essa que, por isso, não se pode confundir com qualquer “arte de julgar”.
Convém aqui recordar que as declarações e/ou depoimentos prestados em audiência não podem ser analisados de forma segmentada e parcial (tendo em atenção ou o ponto de vista da acusação ou o da defesa), antes devem ser apreciados de forma isenta e em articulação com o conjunto das demais provas pertinentes produzidas em julgamento, numa perspectiva crítica e de acordo com as regras da experiência comum.
De resto, “a actividade dos Juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o Juiz necessariamente aceite esse sentido ou essa versão. Os Juízes têm necessariamente de fazer uma análise crítica e integrada dos depoimentos com os documentos e outros meios de prova que lhe sejam oferecidos. Há-de por isso a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto socio-cultural, a linguagem gestual - inclusive a dos olhares, a dos rubores -, e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para se poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que muitas vezes, não intencionalmente.”[16]
Por isso (tendo presente toda a prova oral produzida em julgamento), não há qualquer surpresa quanto ao teor da decisão proferida sobre a matéria de facto.
É que a prova oral produzida em julgamento, conjugada com a referida prova documental e pericial (considerando ainda a motivação de facto do acórdão sob recurso) suporta a convicção do Colectivo no sentido dos factos dados como provados.
As fontes indicadas, na fundamentação da decisão da matéria de facto, permitem “o convencimento justificado quanto à existência histórica de toda a facticidade dada como provada”, atenta, também, a apreciação crítica das provas que é feita pelo Colectivo, na decisão sob recurso.
O tribunal da 1ª instância, para formar a sua convicção, fez uma análise conjunta e articulada das provas produzidas em julgamento, tendo destacado, na respectiva motivação da decisão sobre a matéria de facto, as razões que considerou serem as mais relevantes para explicar, de forma objectiva, os motivos do seu convencimento no sentido daqueles factos que deu como provados.
Não há, por isso, qualquer erro de julgamento, não merecendo censura a decisão proferida sobre a matéria de facto.
A avaliação da prova que foi feita pelo tribunal a quo não contraria as regras da experiência comum.
O tribunal da 1ª instância fez o exame crítico de todas provas produzidas e examinadas em audiência, mostrando-se sustentada a sua decisão, estando explicitado o processo lógico e racional seguido na apreciação da prova, tendo sido observado o disposto no n.º 2 do artigo 374.º do CPP.
Esqueceram os recorrentes que o que é relevante é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, e não a sua (dos recorrentes) convicção pessoal, nomeadamente, quando apenas seleccionam parte da prova, aquela que lhes interessa à defesa do seu ponto de vista[17].
Por isso, não há motivos para modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
De resto, verificado o texto e o contexto da decisão em crise não se detecta o invocado vício do "erro notório na apreciação da prova" (art. 410 nº 2-c) do CPP).
É que não há distorções de ordem lógica e tão pouco foi feita qualquer apreciação que seja ilógica, arbitrária, incongruente ou insustentável.
O que é decisivo é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência e não as apreciações subjectivas dos recorrentes.
As arguições dos recorrentes revelam-se, pois, inconsequentes, não se detectando qualquer erro na apreciação da prova.
Assim, não se verificando qualquer dos vícios aludidos no art. 410 nº 2 do CPP, nem ocorrendo qualquer nulidade de conhecimento oficioso, está definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto, acima transcrita, a qual se mostra devidamente sustentada e fundamentada.
2ª Questão
Invocam, ainda, os recorrentes que existe erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito, uma vez que na sua perspectiva, o tribunal colectivo deveria ter aplicado o disposto no art. 303 nº 3-a) do CP e, portanto, a serem condenados, apenas se lhes podia imputar o crime de participação em motim p. e p. no art. 302 nº 1 do CP.
Neste aspecto, face à matéria de facto dada como provada, temos de concordar com os recorrentes e com o Sr. PGA, quando concluem que não se verifica a qualificação ou agravação prevista no art. 303 nº 1 e 2 do CP.
Com efeito, resulta dos factos dados como provados que aquela tarde do dia 5/1/2003 era chuvosa, razão pela qual se compreende que parte do público que assistiu ao dito jogo tivesse levado guarda-chuva.
O facto de terem sido utilizados “guarda-chuvas” para agredir os elementos da equipa de arbitragem não permite concluir que os arguidos/recorrentes tivessem participado em motim armado.
E isso, não obstante os ditos guarda-chuvas terem acabado por ser utilizados como “meios” de agressão.
Simplesmente, não consta dos factos dados como provados (e bem) que os guarda-chuvas tivessem sido levados para aquele jogo com intenção de serem utilizados como “armas”.
Antes resulta dos factos apurados que os guarda-chuvas foram levados para o campo de futebol porque era uma tarde chuvosa.
Isto significa que, naturalmente, quem se precaveu e, portanto, levou guarda-chuva, fê-lo por razões meteorológicas (em razão do estado do tempo e, por isso, de forma acidental) pretendendo usá-lo para se abrigar da chuva (ou seja, sem qualquer intenção de o utilizar como arma de agressão).
Por outro lado, não era exigível (mesmo àqueles que acabaram por participar no dito motim) que deixassem os guarda-chuvas na bancada, onde haviam estado a assistir ao jogo: o normal (salvo em caso de esquecimento) era que os levassem consigo, ainda que, a final, o protesto consubstanciado na invasão do campo de futebol, se tivesse transformado em motim (quando foram cometidas, v.g. de forma colectiva, violências contra pessoas, sendo utilizados guarda-chuvas) e, aqueles objectos, ou seja, os ditos guarda-chuvas, por terem acabado por ser utilizados como “meio de agressão”, pudessem assumir literalmente a classificação de “armas” (não obstante se poder mesmo discutir essa classificação como “arma”, atento o seu sentido normativo e mesmo considerando o âmbito de protecção da norma prevista no art. 303 nº 1 e 2 do CP, uma vez que nem sequer foram apuradas as características daqueles guarda-chuvas utilizados no motim, sendo certo que só por serem guarda-chuvas tal não significa, sem mais, que potenciassem a capacidade de agressão de quem os utilizou), tal como definido no art. 4 do preâmbulo do DL nº 48/95 de 15/3[18].
Daí que se possa concluir, perante os factos dados como provados, que os guarda-chuvas que foram utilizados pelos participantes naquele motim espontâneo, tivessem sido levados para o local (onde tal crime acabou por ser cometido) acidentalmente e sem intenção de virem a ser utilizados como armas.
De resto, também não se provou o contrário, isto é, que os ditos guarda-chuvas tivessem sido levados para o local do motim com a intenção prévia de serem utilizados como armas (matéria esta que nem foi alegada na acusação e tão pouco se provou).
Assim, perante os factos dados como provados, é de afastar a agravante prevista no art. 303 nº 1 e 2 do CP.
Por outro lado, uma vez que no caso dos autos não se provou que os arguidos/recorrentes tivessem “provocado ou dirigido” aquele motim (embora nele tivessem participado activamente do modo descrito nos factos provados, sendo a sua conduta individual a indicada na alínea j), também não é aplicável o disposto no art. 302 nº 2 do CP.
Assim, os arguidos/recorrentes cometeram o crime de participação em motim previsto e punido nos termos do art. 302 nº1 do CP.
A moldura abstracta desse crime é de pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Quanto ao arguido G………., apesar de se ter provado que, em termos individuais, tentou agredir o árbitro H………. com o guarda-chuva, a verdade é que a tentativa do crime de ofensa à integridade física p. e p. no art. 143 nº 1 do CP, atenta a sua moldura abstracta, não é punida (art. 23 nº 1 do CP).
Quanto ao arguido F………., não obstante se ter provado que, em termos individuais, agrediu um dos elementos da equipa de arbitragem, o certo é que não se pode pensar em puni-lo pelo crime de ofensa à integridade física p. e p. no art. 143 nº 1 do CP (que estaria numa relação de subsidiariedade em relação ao crime de participação em motim), por este ser um crime de natureza semi-pública e, uma vez que se desconhece quem agrediu, também não se pode concluir que a respectiva vítima apresentou queixa-crime (sendo certo que, consoante resulta dos autos, apenas o árbitro H………. apresentou queixa crime – fls. 18 e 55).
Assim, a moldura abstracta a atender em relação a qualquer dos arguidos/recorrente é a de pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 120 dias.
3ª Questão
Invocam, ainda, os recorrentes que devem ser isentos de pena ou, assim não se entendendo, que a pena que a cada um deles foi aplicada é excessiva.
Quanto à pretendida dispensa de pena é manifesto que não se verificam os respectivos pressupostos, desde logo considerando a respectiva moldura abstracta do crime por eles cometido (conferir arts. 74 e 302 nº 1 do CP).
De resto, também dos factos apurados resulta que não se verifica o condicionalismo previsto no art. 302 nº 3 do CP.
É, por isso, de afastar essa pretensão dos recorrentes.
Resta, agora, determinar a medida concreta da pena a aplicar a cada um dos recorrentes, tendo desde logo em atenção, que a moldura abstracta do crime por eles cometido p. e p. no art. 302 nº 1 do CP (pena de prisão de 1 mês até 2 anos ou pena de multa de 10 dias até 120 dias) é inferior à que foi considerada pelo tribunal da 1ª instância (pena de prisão de 2 meses até 2 anos ou pena de multa de 20 dias a 240 dias).
Para tanto, importa ter em atenção que, as finalidades da pena são, nos termos do artigo 40 do Código Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade[19].
Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida[20].
Nos termos do artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
Diz Figueiredo Dias[21], que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.”
Mais à frente[22], esclarece que “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito”.
Acrescenta, também, o mesmo Autor[23] que, “tomando como base a ideia de prevenção geral positiva como fundamento de aplicação da pena, a institucionalidade desta reflecte-se ainda na capacidade para abranger, sem contradição, o essencial do pensamento da prevenção especial, maxime da prevenção especial de socialização. Esta (…) não mais pode conceber-se como socialização «forçada», mas tem de surgir como dever estadual de proporcionar ao delinquente as melhores condições possíveis para alcançar voluntariamente a sua própria socialização (ou a sua própria metanoia); o que, de resto, supõe que seja feito o possível para que a pena seja «aceite» pelo seu destinatário - o que, por seu turno, só será viável se a pena for uma pena suportada pela culpa pessoal e, nesta acepção, um pena «justa». (…) A pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…) E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos”.
Uma vez determinada a pena concreta, sendo aplicada pena de prisão, consoante o seu quantum, impõe-se ao tribunal determinar se é caso de a substituir por uma pena não detentiva ou por uma pena detentiva prevista na lei.
Ora, não obstante ter apelado a uma moldura penal abstracta mais grave (acima indicada, aqui não aplicável pelas razões acima indicadas), verifica-se que o tribunal da 1ª instância conseguiu optar pela moldura abstracta da pena de multa e, aplicou ao arguido F………. a pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 6,00 e ao arguido G………. aplicou a pena de 140 dias de multa à taxa diária de € 3,00.
Obviamente que, sendo a moldura abstracta aqui aplicável inferior (pena de prisão de 1 mês até 2 anos ou pena de multa de 10 dias até 120 dias), impõe-se igualmente dar preferência à moldura abstracta da pena de multa.
Com efeito, considerando os factos assentes neste caso concreto, as razões de prevenção geral positiva (suficiente advertência) e de prevenção especial (carência de socialização de cada um dos recorrentes), é manifesto que, a moldura abstracta da pena de multa satisfaz perfeitamente as finalidades da punição, tanto mais que nenhum deles tem antecedentes criminais.
Importando restabelecer a confiança na validade da norma violada (“reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida”), no caso em análise a mesma satisfaz-se com a aplicação de uma pena de multa, tendo em atenção por um lado a necessidade de uma eficaz protecção e tutela do bem jurídico violado (a dita tranquilidade pública) e, por outro, a própria reinserção social de cada um dos arguidos F………. e G………. .
Daí que (não obstante nos situarmos no âmbito de inferior moldura abstracta) se concorde com a 1ª operação efectuada quanto à preferência da moldura abstracta da pena de multa, o que satisfaz o disposto no art. 70 do CP.
Agora passando à 2ª operação a efectuar, impunha-se ao tribunal fundamentar, de modo concreto, o quantum da pena de multa a aplicar a cada um dos arguidos/recorrentes pelo crime cometido.
Na determinação da pena concreta, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (art. 71 nº 2 do CP).
Para esse efeito, o tribunal da 1ª instância considerou dever censurar a gravidade da conduta de cada um dos recorrentes (considerando mais grave a actuação do arguido F………. por ter concretizado uma agressão), a intensidade do dolo com que cada um deles actuou (considerando mais grave a situação do arguido F………. por ter partido o guarda-chuva nas costas da vítima), a ausência de antecedentes criminais, as necessidades de prevenção geral, a personalidade (que considerou violenta) do arguido F………. e as respectivas condições de vida de cada um deles.
Ora, perante os factos dados como provados, há que considerar que cada um dos arguidos/recorrentes agiu com dolo (directo) de igual intensidade e com consciência da ilicitude da respectiva conduta.
Por outro lado, importa atender ao modo de actuação de cada um deles (sendo, de facto, mais grave a conduta do arguido F………. uma vez que conseguiu concretizar uma agressão, enquanto o arguido G………. se ficou pela tentativa de agressão), bem como consequências da sua conduta (que, apesar de tudo, não foram graves, mesmo considerando aquelas ofensas causadas colectivamente no demandante H……….).
De notar que se entende, ao contrário do tribunal da 1ª instância, que a circunstância de o guarda-chuva utilizado pelo arguido F………. se ter partido só por si não é bastante para concluir que o mesmo é portador de uma personalidade violenta uma vez que, além do mais, se desconhecem as características do mesmo guarda-chuva (se era robusto ou frágil, se era novo ou velho etc.).
De igual forma, não é pelo facto desse guarda-chuva – cujas características se desconhecem – se ter partido que se pode concluir (como o fez o tribunal colectivo) que foi mais intenso o dolo com que o arguido F………. actuou.
Feitos estes esclarecimentos, importa ainda ter em atenção, embora tendo como limite a medida da culpa de cada um dos arguidos/recorrentes, a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, sendo certo, todavia, que nenhum deles tem antecedentes criminais, o que atenua as respectivas condutas.
E, não obstante serem mais elevadas as razões de prevenção geral (necessidade de restabelecer a confiança na validade da norma violada), neste caso concreto as razões de prevenção especial (carência de socialização) são baixas uma vez que ambos os arguidos F………. e G………. se mostram inseridos social, pessoal e familiarmente.
Para além disso, também se terá de atender à idade de cada um deles (tendo em atenção que, segundo consta do acórdão, na parte relativa à sua identificação, o arguido F………. nasceu em 19/9/1964 e o arguido G………. nasceu em 10/6/1953) - aliado às condições pessoais de vida apuradas, o que também atenua as respectivas condutas.
Importa, ainda, considerar que os factos em questão ocorreram (em 5/1/2003) há mais de 5 anos, mostrando-se, portanto, diminuídas as necessidades da pena.
Tudo ponderado, cremos que os arguidos/recorrentes têm uma personalidade perfeitamente recuperável, revelando alguma sensibilidade positiva à pena a aplicar, com reflexo favorável no juízo de prognose sobre a necessidade e a probabilidade da sua reinserção social.
Assim, considerando os factos apurados e tendo em atenção o limite máximo consentido pelo grau de culpa de cada um dos arguidos/recorrentes, atentos os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, julga-se adequada e ajustada a pena de 80 (oitenta) dias de multa para o arguido F………. (sendo certo que, ainda assim, a nível individual, é superior a ilicitude da sua conduta em relação à do arguido G……….) e a pena de 70 (setenta) dias de multa para o arguido G………. .
Quanto à taxa diária a fixar, importa ter em atenção, por um lado, os limites estabelecidos no art. 47 nº 2 do CP à data em que os factos foram cometidos (segundo o qual, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 1,00 e € 498,80) – regime claramente mais favorável do que o actual, na versão da Lei nº 59/2007 de 4/9[24], tendo em vista o disposto no artigo 2 nº 4 do CP (uma vez que, a mesma norma, actualmente prevê que cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500) – e, por outro, que a mesma deve ser fixada “em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”.
De notar que o Tribunal Colectivo não fez qualquer referência ao disposto no art. 2 nº 4 do CP, quando determinou a taxa da multa que fixou a cada um dos recorrentes, razão pela qual se desconhece, desde logo quanto ao arguido F………., se teve em atenção a nova redacção do art. 47 nº 2 do CP ou a versão vigente à data dos factos em apreço.
O montante diário da pena de multa deve representar um sacrifício para o condenado[25], dessa forma também se conferindo credibilidade à sua natureza de verdadeira pena alternativa à prisão.
Ora, perante os factos dados como provados (condições pessoais de vida de cada um dos arguidos/recorrentes) e o disposto no art. 47 nº 2 do CP vigente à data dos factos aqui em apreço, por ser o regime que lhes é mais favorável, atento o disposto no art. 2 nº 4 do CP, julga-se ajustada a taxa diária de € 5,00 (cinco euros) para o arguido F………. e a taxa diária de € 3,00 (três euros) para o arguido G………. .
Assim, reduz-se a pena de multa aplicada a cada um dos recorrentes, sendo o arguido F………. condenado na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), ou seja, na multa de € 400,00 (quatrocentos euros) e o arguido G………. condenado na pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de € 3,00 (três euros), ou seja, na multa de € 210,00 (duzentos e dez euros).
Procedem, pois, parcialmente nesta parte os respectivos recursos interpostos pelos arguidos F………. e G………..
4ª Questão
Resta apurar se estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil dos recorrentes (designadamente quanto à sua condenação solidária) e, em caso afirmativo, se a quantia fixada a título de indemnização é ou não excessiva.
Quanto ao pedido cível, como sabido, a indemnização por perdas e danos emergente de crime é regulada pela lei civil quantitativamente e nos seus pressupostos, sendo a nível processual regulada pela lei processual penal[26].
A competência do tribunal penal para conhecer do pedido cível conexo com a acção penal, decorre apenas de responsabilidade civil extracontratual do agente que pratique facto ilícito e culposo (ver arts. 129 do CP revisto e 483 nº 1 do CC).
Para existir responsabilidade civil do agente, têm que estar preenchidos os pressupostos contidos no art. 483 nº 1 do CC, a saber:
- a existência de um facto (voluntário) do lesante;
- a ilicitude do facto;
- o nexo de imputação do facto ao lesante;
- a existência de dano;
- e o nexo de causalidade entre o facto e o dano[27].
Como foi claramente explicado na decisão recorrida, verificam-se todos os pressupostos da responsabilidade civil.
Efectivamente, tendo em conta o factualismo dado como provado (ainda que a conduta criminosa dos recorrentes, com a decisão proferida por este Tribunal da Relação se circunscreva ao crime de participação em motim na sua forma mais simples), ficou demonstrado a existência do facto ilícito e culposo praticado pelos recorrentes/demandados, a existência de danos não patrimoniais sofridos pelo demandante H………., bem como o nexo de causalidade entre o facto ilícito cometido pelo lesante e o dano sofrido pelo lesado (art. 563 nº 1, do C. Civil).
Nexo de causalidade que decorre não das condutas individuais apuradas relativamente a cada um dos recorrentes mas, da actuação colectiva de quem se envolveu e participou naquele motim, como sucedeu com os arguidos F………. e G………., não obstante acabarem por serem os únicos (entre aquele grupo de pelo menos 150 pessoas) que vieram a ser responsabilizados por essa actuação criminosa.
Ou seja, no crime de participação em motim, como ensina Taipa de Carvalho[28], para se poder afirmar a punibilidade deste ilícito típico, “é necessário que as violências sejam consideradas como efeito adequado do motim, relação de adequação que tem de ser avaliada segundo a experiência comum. (…)
Nesta sequência vê-se que o conceito jurídico-criminal de motim, cuja participação constitui um ilícito criminal, não se reduz a um ajuntamento tumultuoso de várias pessoas, afectador do sossego público, mas exige que tal ajuntamento crie o perigo de lesão de pessoas ou bens”, o que, como resulta dos factos dados como provados, acabou por suceder neste caso aqui em apreço (em que os recorrentes actuaram dolosamente quando representaram, a perigosidade do ajuntamento em que participaram, para bens jurídicos pessoais), não obstante se desconhecer qual dos intervenientes no motim, dos que, portanto, nele participaram (daquele grupo de pelo menos 150 pessoas, nos quais se incluíam os recorrentes) cometeu a agressão corporal na pessoa do demandante H………. .
Os recorrentes começam por questionar a decisão quanto ao pedido cível, no que respeita à sua responsabilidade solidária, por o Tribunal Colectivo ter aplicado o disposto nos arts. 490 e 497 do CC.
Porém, como resulta do que acima se expôs, não têm razão na sua argumentação, v.g. quanto à impossibilidade (por não terem sido identificados os restantes participantes no motim) de exercerem o direito de regresso.
Com efeito, a causa de pedir do pedido cível enxertado nesta acção penal, assentou no crime imputado aos arguidos.
Ou seja, a sua responsabilidade civil extracontratual decorre da prática de determinados factos ilícitos e culposos, tendo-se apurado a existência de danos não patrimoniais sofridos pelo demandante cível, danos esses decorrentes (apurado que foi o respectivo nexo de causalidade) do crime (participação em motim) pelo qual os recorrentes foram condenados.
Estabelece o art. 490 (responsabilidade dos autores, instigadores e auxiliares) do Código Civil:
Se forem vários os autores, instigadores ou auxiliares do acto ilícito, todos eles respondem pelos danos que hajam causado.
E, nos termos do art. 497 (responsabilidade solidária) do mesmo código:
1. Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.
2. O direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis.
Assim, ao contrário do que sustentam os recorrentes, não há dúvidas que a sua responsabilidade, enquanto autores do crime pelo qual foram condenados, é solidária.
Apesar de não se saber (por impossibilidade de prova) quem é que agrediu o demandante cível, os recorrentes respondem pelos danos que àquele foram causados em virtude do crime que cometeram (participação em motim).
O direito de regresso existirá entre ambos (que são as pessoas que se apuraram terem participado no motim e, assim, serem os responsáveis pela indemnização – neste caso por danos não patrimoniais sofridos pelo lesado H………. – que vier a ser fixada), presumindo-se, neste caso, iguais as suas culpas.
Improcede, pois, a argumentação dos recorrentes quando defendem que não deveriam ser condenados solidariamente no pedido cível enxertado nesta acção penal e, mesmo quando chegam a sustentar que deveriam ser absolvidos.
Questão diferente é aquela que, também colocam, relativamente ao montante fixado pelo tribunal a quo a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado H………. .
Os danos não patrimoniais existentes (cf. alíneas l), dd), ee) e ff) dos factos dados como provados) revelam, pela sua gravidade, que merecem ser compensados com quantia a arbitrar pelo tribunal, recorrendo a critérios de equidade (arts. 496 nº 1 e nº 3 do CC).
Importa, por isso, ter presente “que a atribuição de determinada soma pecuniária a título de ressarcimento de danos não patrimoniais tem como fundamento a necessidade de proporcionar ao lesado a compensação”[29], neste caso, pelas ofensas físicas que sofreu (que apenas demandaram 8 dias de doença com dois dias de afectação para o trabalho), dores intensas, abalo anímico e psíquico que padeceu, vergonha, humilhação, medo e estado de ansiedade que sentiu (tendo estes últimos - o medo e estado de ansiedade - o levado a temer pela sua vida), de acordo com os factos dados como provados.
E, “quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal.”[30]
Ora, face ao disposto no art. 496 nº 3, 1ª parte do CC, bem como atentas as circunstâncias referidas no art. 494 do CC, cremos que, não se mostra equitativa a quantia arbitrada pelo tribunal da 1ª instância para compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo demandante.
É que não se pode esquecer que a responsabilidade dos recorrentes decorre da prática do crime p. e p. no art. 302 nº 1 do CP e não da prática de um crime de ofensa à integridade física (em que fosse ofendido o demandante), pelo qual fossem individualmente responsabilizados.
Isto para dizer que, a sua (dos recorrentes) responsabilidade civil é mais diluída, quando a mesma deriva do crime de participação em motim, sendo certo que aqui não se apurou quem foi o autor daquela agressão física ao demandante civil.
Por isso, ponderando o respectivo circunstancialismo apurado, o grau de culpabilidade de cada um dos arguidos/recorrentes (agiram com dolo directo), a sua situação económica, bem como condição social e profissional, inclusive do demandante cível, a gravidade dos danos sofridos pelo lesado e demais consequências dadas como provadas, julga-se adequado e criterioso arbitrar a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), para compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado H………. .
Conclui-se, assim, que deve ser reduzida a € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a quantia arbitrada a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante H………. .
Assim, os arguidos/recorrentes são solidariamente responsáveis pela reparação desses danos não patrimoniais, nos termos dos artigos 490º e 497º nº1 do Código Civil, e, portanto, pelo pagamento daquela quantia (dois mil e quinhentos euros) arbitrada a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante H………. .
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III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em conceder parcial provimento aos recursos aqui em apreço e, consequentemente, altera-se a decisão sob recurso, nos moldes acima mencionados, condenando-se:
1) - o arguido F………, pela prática do crime de participação em motim p. e p. no art. 302 nº 1 do CP, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), ou seja, na multa de € 400,00 (quatrocentos euros);
2) - o arguido G………., pela prática do crime de participação em motim p. e p. no art. 302 nº 1 do CP, na pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de € 3,00 (três euros), ou seja, na multa de € 210,00 (duzentos e dez euros);
3) - os arguidos/demandados F………. e G………. a pagar, a título de indemnização civil, ao demandante H………., a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
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Pelo decaimento vão os recorrentes condenado nas custas, fixando-se a taxa de justiça devida por cada um deles em 3 UCs.
As custas do pedido cível são da responsabilidade do demandante e demandados na proporção de vencido.
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94 nº 2 do CPP)
*

Porto, 04/06/2008
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
Jaime Paulo Tavares Valério

____________________________
[1] Como recordam os supra referidos Autores.
[2] Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 1999, p. 1190 e ss
[3] Teresa Pizarro Beleza, Direito Penal, vol. II, pág. 410 e ss.; ID., Ilicitamente comparticipando – o âmbito de aplicação do artigo 28.º do Código Penal, in «Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Eduardo Correia», vol. III, nota 12, pág. 603.
[4]Antunes Varela, ob. cit., pág. 559.
[5] Cf. Ac. do STJ de 15/12/2005, proferido no proc. nº 2951/05 e Ac. STJ de 9/3/2006, proferido no proc. nº 461/06, relatados por Simas Santos (consultado no site do ITIJ – Bases Jurídicas Documentais). Aliás, como se diz no Ac. do STJ de 21/1/2003, proferido no proc. nº 02A4324, relatado por Afonso Correia (consultado no mesmo site), a admissibilidade da alteração da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação “mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
Assim, por exemplo:
a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de outro sistema de prova vinculada;
b) apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depôs(useram) à matéria em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrário daquele que foi considerado como provado;
c) apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo das respostas dadas.”
[6] Assim, cit. Ac. do STJ de 21/1/2003.
[7] Ibidem.
[8] Ac. do STJ de 9/7/2003, proferido no proc. nº 3100/02, relatado por Leal-Henriques (consultado no mesmo site do ITIJ).
[9] Assim, Ac. do TRG proferido no recurso nº 1016/2005, relatado por Nazaré Saraiva.
[10] Carlos Climent Durán, La Prueba Penal, tomo I, 2ª ed., Valência: tirant lo blanch, 2005, p. 65. Mais à frente, o mesmo Autor, ob. cit., p. 78, nota 64, citando K. Engisch, diz que “o objectivo da actividade probatória é «criar no juiz o convencimento da existência de certos factos»”. No mesmo sentido, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed. Revista e actualizada de acordo com o DL 242/85, Coimbra: Coimbra Editora, Limitada, 1985, pp. 435-436, quando afirmam que “a prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto. (…) É o juiz da causa ou o tribunal colectivo, consoante as circunstâncias, que há-de convencer-se da realidade do facto, para que este se considere provado e se lhe possa aplicar a estatuição da norma que o tem como pressuposto”. Também Jeremias Bentham, Tratado de las Pruebas Judiciales (obra compilada dos manuscritos do Autor por E. Dumont, trad. de Manuel Ossorio Florit), Granada: Comares, 2001, p. 22, refere que a prova é «um meio que se utiliza para estabelecer a verdade de um facto, meio que pode ser bom ou mau, completo ou incompleto».
[11] Carlos Climent Durán, ob. cit., p. 91. Citando Jiménez Conde, F. (La apreciación de la prueba legal, cit., p. 122), refere, na nota 81, que este Autor, a propósito da apreciação das provas, observa que não se podem confundir os dois tipos de juízos que lhe estão subjacentes: «1º a averiguação dos dados fácticos ou juízos de facto particulares que são trazidos pelas provas produzidas, independentemente da sua verdade ou falsidade; 2º a fixação do concreto valor que se há-de conceder a esses mesmos meios de prova, ou, o que é igual, a decisão quanto à credibilidade dos resultados fácticos por eles produzidos, ou juízo sobre o grau de correspondência desses resultados fácticos com a realidade histórica objectiva do facto questionado. A primeira dessas operações constitui, como alguns autores lhe chamam, a interpretação das provas, enquanto a segunda se refere mais propriamente à sua valoração. E ambas se integram no conceito de apreciação das provas, como actividade complexa que as abarca».
[12] Neste sentido, Carlos Climent Durán, ob. cit., p. 94.
[13] Assim, Ac. do STJ de 21/1/2003, proferido no proc. nº 02A4324, relatado por Afonso Correia (consultado no mesmo site), chamando à atenção para o que se escreveu em Ac. de 8/2/99, em recurso de apelação do proc. nº 1/99 do Tribunal de Círculo de Chaves.
[14] Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal (lições coligidas por Maria João Antunes), Coimbra: Secção de Textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1988-89, p. 139, refere que «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” –, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo (possa embora a lei renunciar à motivação e ao controlo efectivos)».
[15] Regra de experiência que, como diz Paolo Tonini, A prova no processo penal italiano (trad. de Alexandra Martins e Daniela Mróz, de La prova penale, 4ª ed., publicado em Pádua, pela Cedam – Casa Editrice Dott. António Milani, em 2000 e posterior actualização de Setembro de 2001), São Paulo, Brasil: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 2002, pp. 55 e 56, “expressa aquilo que acontece na maioria dos casos”, sendo “extraída de casos similares”, gerando “um juízo de probabilidade”, de um “idêntico comportamento humano”, devendo o juiz formular “um raciocínio de tipo indutivo” e sucessivamente “um raciocínio dedutivo”.
[16] Assim, citado Ac. do STJ de 21/1/2003, chamando à atenção para o que se escreveu em Ac. de 8/2/99, em recurso de apelação do proc. nº 1/99 do Tribunal de Círculo de Chaves.
[17] Aliás, como tem vindo a ser decidido por esta Relação, “o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação (…) e também não pode destinar-se a substituir a convicção formada pelo tribunal recorrido, objectivamente motivada, plausível segundo as regras da lógica, da experiência da vida e do senso comum e coerente com o sentido das provas produzidas” (assim, Ac. proferido no proc. nº 4133/05-1, relatado por Guerra Banha, citando outra jurisprudência).
[18] Dispõe o citado artigo 4 do preâmbulo do DL nº 48/95, de 15/3:
Para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim.
[19] Anabela Rodrigues, «O modelo da prevenção na determinação da medida concreta da pena», in RPCC ano 12º, fasc. 2º (Abril-Junho de 2002), p. 155, refere que o art. 40 CP condensa “em três proposições fundamentais, o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos; de que a culpa é tão só um limite da pena, mas não seu fundamento; e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena”.
[20] Neste sentido, v.g. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Noticias, 1993, p.198.
[21] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 72.
[22] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 214.
[23] Figueiredo Dias, "Sobre o estado actual da doutrina do crime”, RPCC, ano 1º, fasc. 1º (Janeiro-Março de 1991), p. 29.
[24] Ver, ainda, a Declaração de Rectificação nº 102/2007 de 31/10.
[25] Assim, entre outros, Ac. do TRC de 9/12/2004, CJ 2004, V, 51.
[26] No mesmo sentido, entre outros, Ac. do TRL de 26/10/2000, CJ 2000, IV, 154 ss.
[27] Cf. Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, I vol., 4ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 471.
[28] Américo Taipa de Carvalho, em “anotação ao art. 302 (participação em motim)”, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pp. 1190 a 1193.
[29] Ac. do STJ de 12/2/2002, proferido no processo nº 02B3638, relatado por José Carlos Moitinho de Almeida (consultado no referido site do ITIJ).
[30] Assim, Ac. do STJ de 7/2/2006, proferido no processo nº 05A3765, relatado por Borges Soeiro (consultado no mesmo site), citando Ac. do STJ de 29/4/2004, relatado por Araújo de Barros, onde se acrescenta: “Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo... A equidade, exactamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um elemento essencial da juricidade. ...A equidade é, pois a expressão da justiça num dado caso concreto.”