Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1516/06.0TMPRT.2.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DE RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCUMPRIMENTO
AUDIÇÃO DO MENOR
Nº do Documento: RP201206191516/06.0TMPRT.2.P1
Data do Acordão: 06/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Decorre da lei, de regulamentos da União Europeia e de convenções internacionais vinculantes do Estado Português que o decurso do convívio da criança com o progenitor não guardião também não dispensa a audição prévia da criança.
II - Não pode porém o progenitor que tem a guarda facilmente se refugiar em impressões momentâneas da criança, ou, ao menos, não estruturadas, para nada fazer e, até na prática, vir a impedir o convívio com o progenitor não guardião,
III - Como na vida e em todo o ordenamento jurídico, também no direito das crianças não existem absolutos, realidades rígidas ou intocáveis, cumprindo ao tribunal, ou aos colaboradores do tribunal, na auscultação da vontade da criança, distinguir o verdadeiro do falso, a opinião do facto, quer naquilo que a criança se conta a si própria, quer por via daquilo que os outros lhe dizem.
IV - A negação ou supressão do direito ao convívio com o progenitor sem a guarda dos filhos apenas poderá justificar-se - e como última ratio - no quadro de um conflito extremo entre o interesse da criança e o direito referido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec. 1516/06.0TMPRT.2.P1. Relator – Vieira e Cunha. Decisão de 1ª Instância de 10/2/2012.
Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. Proença Costa.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Súmula do Processo
Recurso de apelação interposto na acção com processo especial incidental de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais nº1516/06.0TMPRT.2, do 2º Juízo de Família e Menores do Porto (1ª Secção).
Requerente – B….
Requerido – C….
Menores – D… (n. 31/5/95) e E… (n. 4/5/99), ambos …..
Recorrido – Digno Agente do Ministério Público.

Tese da Requerente
Os menores, filhos de Requerente e Requerida, divorciados entre si, viram reguladas as responsabilidades parentais por decisão judicial de 13/12/2007, homologatória de acordo, acordo este que entregou aos menores à guarda de seu pai, o aqui Requerido. Foi fixado um “regime de visitas” à mãe, aqui Requerente.
Desde 12/7/2009 que a Requerente nunca mais viu seus filhos, por incumprimento imputável ao Requerido.
Peticiona a condenação do Requerido em multa, e indemnização a ela Requerente.

Tese do Requerido
A responsabilidade pela não ocorrência das visitas à Requerente acha-se no comportamento desta mesma Requerente e ao facto de os menores não desejarem conviver com sua mãe.

Sentença Recorrida
Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença, na qual, no dispositivo, decidiu julgar-se parcialmente procedente o incidente de incumprimento, por parcialmente provado, absolvendo-se o Requerido de incumprimento da regulação, quanto à menor D…, e condenando-se o mesmo por incumprimento quanto ao menor E….
Mais foi decidido condenar o Requerido, ao abrigo do disposto no artº 181 nº1 OTM, no pagamento da multa de € 150, em 10 dias após trânsito da decisão, e na indemnização, a favor da Requerente, de € 500.

Conclusões do Recurso de Apelação do Requerido:
1ª – O menor E… recusou ir sem a irmã mais velha para casa da progenitora.
2ª – Esta situação não integra regime de incumprimento de visitas pelo Recorrente e é justificada pela relevância daquela manifestação de vontade do menor E…, que nunca passou férias separado da irmã.
3ª – Como qualquer medianamente diligente pai, também o Recorrente não quis acrescentar mais um conflito à vida familiar dos menores, desta vez o conflito entre os próprios irmãos, razão pela qual o comportamento do Recorrente não pode ser objecto de censura.
4ª – A regulação das responsabilidades parentais não pode deixar de ser vista como um instrumento ao serviço da promoção dos interesses e do bem estar físico e psicológico dos menores.
5ª – Ao julgar parcialmente procedente o incidente de incumprimento, e ao condenar o Recorrente no pagamento de multa e indemnização, o tribunal “a quo” violou o disposto no artº 181º OTM.
6ª – Assim como, ao não relevar a opinião expressa do E…, violou o disposto no nº1 do artº 12º da Convenção dos Direitos da Criança, no artº 26º nº1 CRP, artºs 1874º, 1878º nº2, 1901º nº3 CCiv e artº 4º al.i) LPPCJP.

Em contra-alegações, o Digno Agente do Ministério Público, sustenta a confirmação da sentença recorrida.

Factos Provados
1. A 13 de Dezembro de 2007 por sentença homologatória e transitada em julgado ficou estipulado que:
1º - Ao progenitor ficou atribuída a guarda dos filhos e exercício das responsabilidades parentais.
A mãe poderá ter consigo os menores durante dois fins-de-semana seguidos desde o final do período escolar, devendo recolhê-los nos respectivos estabelecimentos de ensino onde os conduzirá na segunda-feira no inicio de aulas.
O terceiro fim-de-semana caberá ao pai.
Caberá ao pai o fim-de-semana de 05 a 06 de Janeiro, cabendo à mãe os dois fins-de-semana seguintes e assim sucessivamente.
2º FÉRIAS:
A mãe poderá ter consigo os menores durante uma semana de férias escolares da Páscoa.
No ano de 2008, a semana de férias escolares que engloba os feriados de Páscoa (Quinta e Sexta feira Santa) será passada com a mãe.
No ano seguinte, a semana atrás referida será passada com o pai e sucessiva e alternadamente.
Sem prejuízo do acima acordado nenhum dos progenitores poderá estar privado da companhia dos filhos durante mais de três fins-de-semana consecutivos.
A mãe poderá ter consigo os menores durante dois ou três períodos, no total de quatro semanas, nas férias escolares de verão.
As datas dos períodos acima referidos deverão ser acordadas com o pai até ao dia 30 de Abril de cada ano.
Sem prejuízo do acima acordado serão sempre passadas com o pai as semanas relativas ao time-sharing do Algarve de que este é titular.
As férias de Natal serão repartidas da seguinte forma:
- divididas em dois períodos, o primeiro com inicio no primeiro dia de férias escolares até ao dia 25 de Dezembro às 13:00 horas;
- o segundo com inicio no dia 25 de Dezembro às 13:00 horas até às 13:00 horas do dia 01 de Janeiro.
Estes períodos serão passados alternadamente com o pai e com a mãe, cabendo o ano de 2007 o primeiro período ao Pai.
A mãe poderá ter consigo os menores no dia da mãe, no dia do próprio aniversário e no dia de aniversário dos avós maternos apenas com as limitações das obrigações escolares dos menores.
O pai poderá ter consigo os menores no dia do pai, no dia do seu próprio aniversário e no dia do aniversário dos avós paternos.
No dia do seu aniversário, ambos os menores almoçarão ou jantarão, alternadamente, com cada um dos progenitores.
Na semana imediatamente anterior ao fim de semana passado com o pai, a mãe poderá ter consigo os menores para jantar à quarta-feira, devendo ir buscá-los à casa do pai às 19:30 horas e entregá-los às 21:00 horas.
Ficou ainda estipulado por decisão proferida no âmbito do processo acima referido, por despacho proferido e notificado aos progenitores em 23 de Junho corrente ano, entre outros, que quanto ao regime de férias escolares, os menores passassem com a mãe o período compreendido entre 27 de Junho e 12 de Julho transacto e a 2º quinzena de Agosto, também transacta – ut se constata do teor do despacho de fls. proferido em 23 de Junho de 2009 e que aqui se dá inteiramente por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
2. Os menores passaram com a Mãe o período de férias compreendido entre o dia 27 de Junho e 12 de Julho de 2009.
3. Depois de os menores terem passado o primeiro período de férias com a Progenitora e terem sido entregues ao Pai no dia 12 de Julho, nunca mais aquela teve os filhos na sua companhia.
4. Apesar das insistências levadas a cabo pela mesma, embora, infrutíferas.
5. E, a título de exemplo do que acima vai dito, é o mail enviado pela aqui Requerente ao Progenitor em 14 de Julho de 2009, cujo teor se passa a transcrever e aqui se dá inteiramente por reproduzido para os devidos e legais efeitos:
“C…,
Escrevo-te para que, por favor, me informes o que pretendes fazer com os filhos nas férias.
Apesar de teres a guarda, assiste-me o direito de mãe, de saber onde estão os meus filhos.
Agradeço-te, portanto, que me informes em que datas e para onde pretendes ir de férias com os filhos e em que fins-de-semana vêm para minha casa, visto que segundo a acta do tribunal "... nenhum dos progenitores poderá estar privado da companhia dos filhos durante mais de três fins de- semana consecutivos."
Aproveito ainda, para te dizer que, no Domingo, quando fui te levar os filhos, esqueci-me de mandar os passaportes dos dois e o Cartão do Cidadão do E… (a D1… tem o dela na carteira).
Entrego-tos quando quiseres, é uma questão de combinares.
B…”.
Ainda, o mail enviado ao Requerido em 22 de Julho, sob o doc. nº.2 e que aqui se dá inteiramente por reproduzido para os devidos e legais efeitos:
“C…,
Não obtive qualquer resposta ao mail abaixo.
Agradeço que me digas alguma coisa rapidamente.
Ter a guarda dos nossos filhos não significa que tenha a constante arrogância de não me dares a mínima satisfação.
Eu sou mãe, tenho o direito de saber dos meus filhos e é tua responsabilidade como detentor da guarda, informar-me e garantir que as visitas se cumprem.
B…”.
A resposta do Progenitor dada ao doc. nº. 2 e doc. nº.3 e que aqui se dá por inteiramente por reproduzido para os devidos e legais efeitos:
“B…,
Como sabes, iremos para o Algarve de 1 a 15 de Agosto como de costume.
O E… está comigo e a D… está – com minha autorização em casa de uma amiga (cujos pais conheço bem) e regressa no próximo domingo.
Quanto aos documentos e respectivos códigos, agradeço o favor de os deixares na m/ caixa de correio.
C…”.
E, bem assim, o teor do mail enviado pela aqui Requerente, em 22 de Julho último, junta sob o doc. nº.4, que aqui se dá inteiramente por reproduzido para os devidos e legais efeitos:
“C…,
E em relação aos fins de semana? Deveriam vir este, como pretendes fazer?
Vão estar 4 fins de semana seguidos sem me ver? O que corresponde a 5 semanas. Como sabes não podem por ordem do tribunal e, tu próprio como responsável por eles, não deverias afastá-los de mim durante tanto tempo.
E não sabia que iam para o Algarve, ainda não me tinhas dito, e muito menos é costume, os últimos 2 anos não foram. E agora onde estão?
Quanto aos documentos, não vou deixar na caixa do correio passaportes. Não me parece seguro e ninguém me garante que os recebes.
Arranja outra maneira.
B…”.
A resposta foi dada em 30 de Julho e consta do doc. nº. 5 que aqui se dá inteiramente por reproduzido para os devidos e legais efeitos:
“B…,
Como não queres deixar os documentos na caixa de correio, agradeço-te que os entregues ao porteiro do prédio.
C…”
Contudo e apesar da mesma nada dizer quanto à possibilidade da Requerente estar com os filhos, esta nesse mesmo dia – 30 de Julho – insistiu com novo mail para aferir da resposta que não tinha sido dada – vide doc. nº.6 que aqui se dá inteiramente por reproduzida para os devidos e legais efeitos:
“E em relação a eu estar com os meus filhos, não tens nada a dizer? Faz hoje 18 dias que não os vejo. Vais continuar com a arrogância de achares e os convenceres de que eles não têm mãe?”
No dia 10 de Agosto, a aqui Requerente enviou uma mensagem para o telemóvel da D…, do seguinte teor:
"D1… e E…, a mãe quer saber se vocês vêm ou não passar os 15 dias de férias comigo. Bjinhos".
A mesma não obteve qualquer resposta.
No dia 14 de Agosto, a aqui Requerente, mais uma vez, enviou uma mensagem para o telemóvel do Progenitor, do seguinte teor:
"Quero saber a que horas posso ir buscar os filhos no Domingo."
A qual obteve a seguinte resposta: " 19h".
6. No dia 16 (Domingo), pelas 18h a D… telefonou há aqui Requerente pedindo-lhe que não os fosse buscar, uma vez que não estavam em casa e que não queriam vir.
7. No entanto, pelas 19 horas, desse mesmo dia, na companhia da sua mãe, deslocou-se à residência do Progenitor e dos seus filhos e tocou várias vezes à campainha.
8. Sem sucesso, porque ninguém veio à porta.
9. Em 17 de Setembro último a Requerente interpela novamente o Progenitor para atestar da possibilidade de ir buscar os filhos no dia seguinte – veja-se o teor do doc. nº.7 que aqui se dá inteiramente por reproduzido para os devidos e legais efeitos:
“C…,
Esperei que me dissesses alguma coisa sobre as férias que os filhos não vieram passar comigo e sobre os fins-de-semana.
Mas, mais uma vez, achas que não tens que me dar satisfações por não cumprires o acordo, insistes na arrogância de não falares comigo e achas que não é tua responsabilidade.
Assim, dirijo-me a ti, novamente, para te lembrar que sou mãe deles, que tenho direito a visitas estipuladas e a ter notícias dos meus filhos.
Amanhã é sexta-feira, quero saber se posso ir buscá-los. Onde, a que horas e qual é o horário deles da escola.
B…”
O requerido respondeu, - veja-se o doc. nº.7 -, cujo teor se dá aqui inteiramente por reproduzido:
“B…,
No dia 16 de Agosto, eu estava em casa com a D… e o E… à hora combinada (19h) para os vires buscar. Não apareceste. Quando o E… te telefonou dizendo que queria ir comer um gelado contigo, disseste-lhe que não.
O E…, tem o mesmo horário do ano passado, de Segunda-feira a Sexta-feira, das 8h45 ás 12h30 e das 14h00 ás 16h30.
Quanto à escola e horário escolar da D…, remeto essa informação em anexo.
Quanto às visitas, como bem sabes, nunca pretendi impedi-las.
C…”.
10. Durante a segunda quinzena de Agosto, num dia próximo do 15, o menor E… ligou à Mãe dizendo-lhe que queria ir comer um gelado com ela. Se a Mãe queria.
11. Ao que a progenitora, de imediato, respondeu que o que mais queria era estar junto dos seus filhos, e perguntou-lhe se ele não queria passar os restantes dias de férias na sua companhia, que o ia buscar de imediato.
12. Ao que o E… respondeu que ia perguntar ao pai e que lhe ligava de volta.
13. Porém, não voltou a ligar, nem a atender os telefonemas da progenitora.
14. A Requerente no dia 18 de Setembro último, o primeiro fim-de-semana depois de ter começado o ano escolar, pediu à sua Mãe para ir buscar o filho E… à escola, como habitualmente o fazia.
15. Sucede, porém, que esta depara-se com o neto na companhia do Progenitor, neto que lhe transmitiu a medo que não iria com ela. 16. Posteriormente, a aqui Requerente, nesse mesmo dia, pelas 18:30 horas, dirigiu-se à escola da filha para a ir buscar. Mas a mesma não apareceu.
17. Perante tal situação, a aqui Requerente envia a seguinte mensagem ao Progenitor:
“A minha mãe foi buscar o E… à escola, como sempre foi, mas ele não veio. Agora estou à porta da escola da D… mas ela não saiu. O que pretendes fazer?"
Como a mesma não obteve resposta, dirigiu-se a casa daquele e de seus filhos e enviou nova mensagem, a saber:
"Estou á porta de tua casa à espera dos filhos."
A qual obteve de imediato, a seguinte resposta:
"Ambos disseram que não querem ir. Não posso fazer nada."
Ao que a aqui progenitora respondeu: "Parece-me que podes e tens o dever de fazer alguma coisa. Fico então à espera que, seja quem for que toma as decisões aí em casa, me avise quando pretende retomar as visitas estabelecidas pelo tribunal".
18. No dia 18 de Setembro, D… saiu pelo portão da escola e dirigiu-se a casa, não esperando pela mãe, quando já nas imediações da sua casa, a requerente apareceu-lhe numa viatura, tendo ocorrido uma discussão, cujo teor se desconhece.
19. D… recusou ir passar o fim de semana com a mãe.
20.No dia 16 de Outubro por volta das 19h, a requerente chegou acompanhada de sua mãe e junto à porta do prédio do requerido, muito alterada, exigiu-lhe aos gritos a entrega dos filhos, ameaçando de chamar a polícia.
21. Em acta de 15 de Abril de 2010, a propósito do convívio e relação com a mãe, referiu no início da conferência, cumpridas as formalidades legais, ouvida a menor D…, 14 anos de idade, perguntado se sabia da razão de estar no Tribunal respondeu afirmativamente, tendo declarado que entende que não devia ser obrigada a estar com a mãe porque não se dá bem com a mesma. A mãe veio a Tribunal porque quer que o Sr. Juiz a obrigue a estar com ela mas pensa que isso não deveria acontecer. Declara que a mãe quando vivia sozinha culpava-a de tudo por dizer que queria viver com o pai. A mãe devia preocupar-se em primeiro ela querer que quisesse estar consigo e não por ser obrigada. Quando a mãe foi viver com o namorado deixou de a "chatear" tanto, já não se preocupa tanto. Não aceita o companheiro da mãe porque era o amante dela antes do divórcio e era o pai da sua melhor amiga. A mãe quando se quis separar, deixou-a, a ela e ao irmão com o pai, porque tinha esse amante, tendo-os passado para segundo plano. A mãe só se preocupa com os seus próprios sentimentos e com a sua vida. A mãe não sabe nada da sua vida. Diz que a mãe "devia ter pensado no relacionamento entre ambas antes de fazer o que fez". A partir do divórcio a mãe estava sempre a culpá-los por terem escolhido ficar a viver com o pai. Afirma que tenta dar - se bem com a mãe e estar com ela mas a mãe "é sempre a mesma coisa"; só faz por aparentar ter uma família feliz. Esteve com a mãe nas férias da Páscoa, não correram mal mas também não correram bem, mas não se sente bem quando está com a mãe. Entende que ela própria é que deveria estar magoada, a mãe quer muito uma relação mas não ajuda nada. Quando a mãe lhe telefona e ela não quer falar, começa logo a chateá-la, a "ralhar". Preferia que a mãe esperasse que fosse ela a ligar-lhe; preferia não ir, não gosta da maneira como ela vive, como ela lida; "não há relação com a mãe". A mãe sempre tratou de maneira diferente o irmão, a mãe nunca fez nada com ele do que faz com ela. Por exemplo a mãe odeia a família do pai e diz mal deles e esquece - só que também é a família dela (filha). Declara que a mãe põe os interesses dela acima dos interesses dela e do irmão, por exemplo pede à mãe para ficar no Porto porque tem uma festa de anos com os amigos e a mãe quer ir para a aldeia do namorado plantar árvores e têm que ir e fazer o que ela quer; não lhes pergunta se querem isto ou aquilo é a vontade dela "ah eu quero jantar aqui ou ali". Declara que: "vai a casa da mãe aos fins-de-semana fazer um teatro". A mãe trata a filha do companheiro, que é sua amiga, de igual forma que a trata a ela - como filha e não acha isso correcto. Repetiu que não acha que devia ser obrigada a ir e estar com a mãe. Diz que não tem que fazer um esforço para estar com a mãe porque "não quer saber". Apesar da mãe não lhe bater acha que a mãe é má mãe em certas coisas, nas muitas atitudes que toma e boa noutras. A sugestão da menor é: "ir quando eu quiser e penso que só deveria ir quando eu quisesse". "É claro que também gosto da minha mãe". Quanto às férias de verão: esteve quinze dias de férias com a mãe e quando estava no Algarve com o pai e o irmão e a seguir tinha mais férias com a mãe mas como os dias que tinha passado com ela não foram os melhores e preferia continuar com o pai porque achou que foi pouco tempo falou com o pai a dizer-lhe que não queria ir com a mãe e o pai disse-lhe que tinha que telefonar à mãe e dizer-lhe porque a mãe estava a contar com ela e ela assim fez, mas antes de falar com a mãe o irmão também disse que não queria ir sem ela e assim falou com a mãe e disse-lhe e a mãe nessa altura não disse nada, disse-lhe "está bem, quando quiseres...". Desconhece a troca de mensagens entre os pais. Desconhece também que a mãe os tentou procurar nas férias. O irmão nessa altura preferiu ficar com ela e o pai, mas vai muitas vezes sozinho para a mãe, não se vendo com influência sobre o irmão no que diz respeito às visitas. Entende que a sua mãe não faz um esforço para que ela se sinta bem em casa dela. "A minha mãe é que fez opções erradas". Perguntado o que a mãe podia fazer melhor declarou: "no dia a dia, a mãe que era antes não é a que é hoje, preocupava-se com a suas coisas e conversavam, agora o que o namorado diz é que está bem e passa-a para segundo plano". A mãe como trata muito melhor o irmão, tem por isso uma relação diferente com ele. Declara que aceita a terapia familiar proposta pelo Tribunal.
Ouvido o menor E…, 10 anos de idade, declarou que tem estado com a mãe com quem gosta de estar. Não passou o resto das férias de Agosto com a mãe porque a irmã não ia e não gosta muito de ir sem a irmã. Passou a ir sem a irmã porque ela não vai muitas vezes e por essa razão passou a ir sozinho. Sabe que a sua irmã não gosta da casa da mãe bem como do namorado. Não gosta do namorado da mãe, não se dá mal com ele, dá-se "normal", da casa da mãe gosta "mais ou menos".
22. O relatório de acompanhamento psicológico / terapia familiar informa que, segundo a progenitora, esta não mantinha qualquer contacto verbal amistoso com a filha há cerca de uma ano e D… justificou o afastamento devido ao facto da progenitora ter abandonado a habitação, bem como ter encetado novo relacionamento.
23. Mais acrescenta nas conclusões que mãe e filha demonstraram interligação afectiva com bons indicadores de aproximação coesa, demonstraram vontade e motivação na reconciliação psico-emocional e de estabelecer comunicação verbal e afectiva com vinculação afectiva positiva, devendo dar-se espaço e tempo para que ambas continuem o processo de crescimento afectivo. A menor revela mecanismos de defesa como a racionalização e a negação de forma a suavizar a angústia em relação à separação da progenitora, carecendo a jovem de acompanhamento psicológico individual para desenvolver estratégias de controlo emocional.
24. A relação da progenitora com o E… sempre foi positiva e sem sobressaltos, indo este muitas vezes passar fins de semana com a mãe sem a companhia da irmã, não mostrando relutância em conviver com ela.
25. Foi a primeira vez que o E… não foi com a mãe para passar a 2ª quinzena de Agosto.
26. A 1ª quinzena de Julho passada com a progenitora correu de forma normal.
27. Os convívios estipulados da progenitora com os filhos só voltaram a acontecer em Novembro com o E… e em inícios de Dezembro com a D…, normalizando-se em seguida com a ajuda da mediação.
28. A 1ª quinzena de gozo de férias com a progenitora, teve intervenção do tribunal para que se concretizasse.
29. O progenitor em 2007 exercia a profissão de produtor / editor de livros de investigação, auferindo rendimentos de trabalho da ordem dos € 6.000,00.
Não se prova que:
No dia 16 de Agosto às 19h, a requerente não tivesse aparecido para recolher os menores a fim de passarem com ela as restantes férias de Verão.
A progenitora tenha recusado fazer programa com o E… no dia 17 de Agosto e que dias depois o tivesse igualmente feito para comer um gelado ou ir ao cinema ou que no final da férias escolares de Verão, E… voltasse a falar com a mãe para ir com ela comer um gelado e esta respondesse "não sirvo só para comer gelados, quando quiserem ter uma boa relação comigo, avisem".
Não se prova que a mãe não se tivesse deslocado aos estabelecimentos de ensino dos menores no final do horário escolar de sexta-feira para os recolher e que não tenha procurado obter junto do requerido qualquer alteração fosse de horário ou do dia para os ir buscar.
Que no dia 16 de Outubro, a requerente não tivesse ido buscar os filhos à escola.
Que em meados de Agosto a progenitora não tivesse se deslocado a casa do requerido para recolher os filhos para o gozo de férias de Verão estipulado e decidido por despacho judicial em incidente de incumprimento.

Fundamentos
A questão colocada pelo presente recurso resume-se a conhecer do bem fundado da imputada responsabilidade do Requerido pai no incumprimento do convívio dos menores com a Requerente sua mãe, designadamente levando em conta a opinião expressa pelo menor E….
Vejamos pois.
I
É entendimento pacífico na doutrina, decorrente da lei, de regulamentos da União Europeia e de convenções internacionais vinculantes do Estado Português que nos casos em que haja necessidade de regular o exercício de responsabilidades parentais se impõe a audição prévia da criança – cf., nesse apontado sentido, artº 4º al.i) LPPCJP ex vi artº 147º-A OTM (na redacção da Lei nº 133/99 de 29 de Agosto), artº 24º nº2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (aprovada em protocolo anexo ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, tal como resultou do Tratado de Lisboa, e com idêntica força vinculante no espaço da União) e artº 12º nº2 da Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas.
Da conjugação dos preceitos citados, ressalta que os tribunais devem ouvir a criança, tendo em conta a sua idade e grau de maturidade.
De salientar é igualmente o Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro, também conhecido por Regulamento Bruxelas II-bis, hoje em vigor, relativo à competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental, quando alude nos considerandos e no corpo de normas a que a criança deva ser ouvida no processo cujo reconhecimento se almeja, excepto se for considerada inadequada uma audição, tendo em conta a sua idade ou grau de maturidade (cf. artº 41º nºs 1 e 2 al.c) Regulamento Bruxelas II-bis).
Vasta jurisprudência se tem pronunciado também quanto à necessidade de audição dos menores nos processos relativos a responsabilidades parentais, estabelecendo que tal audição se consagra como a forma mais lídima de auscultar o “superior interesse da criança” (cf., a título exemplificativo, Ac.R.L. 5/7/00 Col.IV/79, relatado pelo Desemb. Freitas Carvalho, Ac.R.E. 14/4/2011 Col.II/266, relatado pelo Desemb. Eduardo Tenazinha, Ac.R.L. 17/11/2011, in www.dgsi.pt, pº 3473/05.1TBSXL-D.L1-8, relatado pela Desemb. Carla Mendes, Ac.R.L. 4/10/07, in www.dgsi.pt, pº 5221/2007-8, relatado pelo Desemb. Bruto da Costa, ou Ac.R.L. 14/4/05, in www.dgsi.pt, pº 1634/2005-6, relatado pelo Desemb. Manuel Gonçalves).
Note-se porém que a jurisprudência, ao menos nos arestos consultados e supra aludidos, se tem debruçado sobre a audição de menores com, pelo menos, 10 anos de idade.
Significativamente, um outro acórdão - Ac.R.L. 5/6/2007, in www.dgsi.pt, pº 3129/2007-1, relatado pela Desemb. Maria José Simões - numa decisão em que se encontrava em causa a guarda da menor (e não, como nos autos, a convivência com o progenitor não guardião) confirma a não audição de uma menor por, em avaliação psicológica realizada no processo, se considerar que “não deveria ser ouvida a menor de 9 anos, uma vez que a mesma encarava com sofrimento e angústia a eventualidade de ser responsável pela decisão sobre o seu destino; para além do mais considerando ainda a sua idade e a demais prova produzida não ser relevante, e mesmo ser desaconselhada e nefasta a sua audição”.
Em vigor para o processo tutelar cível está também o disposto no artº 10º nº2 LPPCJP, também por remissão do artº 147º-A OTM, norma essa que, quanto à intervenção para promoção de direitos de jovens em perigo, estipula que “a oposição da criança com idade inferior a 12 anos é considerada relevante de acordo com a sua capacidade para compreender o sentido da intervenção”. É esse também o critério seguido pela Lei em matéria de adopção – artºs 1981º nº1 al.a) e 1984º al.a) CCiv.
De todo o modo, como se exprime o Sr. Consº Salazar Casanova, em artigo publicado na revista Scientia Jurídica, 306º, pgs. 205ss. (O Regulamento CE nº 2201/2003 do Conselho e o Princípio da Audição da Criança), a pgs. 228, nota 31, a audição do menor não tem que obrigatoriamente ser efectuada pelo tribunal, “podendo ser suficientes elementos que venham ao conhecimento do tribunal por via de relatório ou informações prestadas por aqueles que contactaram com a criança”.
Como se evidencia, a afirmação de princípios é sempre matizada pela exegese da concreta situação que se depara ao aplicador do direito.
II
A par do direito de audição do menor, o progenitor e o menor gozam do direito ao convívio.
Nos termos do artº 14º nº1 da Convenção sobre os Direitos da Criança, “os Estados Partes diligenciam de forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais e, sendo caso disso, aos representantes legais. O interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação fundamental”.
Tal direito extrai-se do disposto, em direito nacional, no actual artº 1906º nº7 CCiv e do artº 180º nº2 OTM – o primeiro enfatizando o interesse do menor em manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, devendo o tribunal favorecer amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles; o segundo, regulando o regime de visitas ao progenitor que não tem a guarda, mas salvaguardando a hipótese (“excepcional”) de que “o interesse do menor o desaconselhe”.
Verifica-se assim, dos normativos citados de normas nacionais e das convenções que obrigam o Estado que o interesse da criança sobrevaloriza o interesse do progenitor visitante em se realizar na sua parentalidade (neste sentido, Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a Família, 2009, pg. 190).
Em complemento da observação supra, afirma a jurisprudência que o direito de convívio ou “visitas” não é um direito absoluto, designadamente nos casos em que os menores verbalizam não desejar a companhia do progenitor – Ac.R.L. 19/5/09, in www.dgsi.pt, pº 2190/03.1TBCSC-B.L1-7, relatado pelo Desemb. Arnaldo Silva, e Ac.R.L. 14/9/2010, in www.dgsi.pt, pº 1169/08.1TBCSC-A.L1-1, relatado pelo Desemb. Pedro Brighton.
É de salientar, porém, que, pelo menos no caso do primeiro acórdão, as menores, de 10 e 8 anos de idade, vivenciavam uma rejeição total da figura masculina, ou até da simples “masculinidade”, relacionada com a confrontação ao longo dos anos com possíveis abusos sexuais por parte do progenitor, traduzida em diversos exames médicos e avaliações psicológicas, desde a sua mais tenra idade.
Já porém em ponderação concreta da possibilidade de denegação do direito de convívio, o Ac.R.P. 13/7/06, in www.dgsi.pt, pº 0633817, relatado pelo Desemb. Fernando Baptista, afirma que “a negação ou supressão do direito de visita do progenitor sem a guarda dos filhos apenas poderá justificar-se - e como última ratio - no quadro de um conflito extremo entre o interesse da criança e o direito do progenitor”. O acórdão reafirma a letra da OTM, que, no seu artº 180º nº2, explicita a necessidade de se fixar em sentença um regime de visitas, a não ser que excepcionalmente o interesse da criança o desaconselhe. Da mesma forma, o artº 36º nº6 CRP prevê que os filhos não podem ser separados dos pais, podendo estes tê-los consigo quer em termos de guarda, quer em termos de direito de convívio, salvo quando os pais não cumpram os seus deveres fundamentais para com os filhos e sempre mediante sentença judicial.
Também o Ac.R.P. 18/5/06, in www.dgsi.pt, pº 0632170, relatado pela Desembª Ana Paula Lobo, se expressou significativamente nestes termos “o direito da mãe conviver com o seu filho é igual ao do pai conviver com o seu filho e, verdadeiramente, só são relevantes se resultarem do direito que o menor tem de conviver com ambos, porque terão sempre, em todas as situações, que estar subordinados aos direitos e interesses dos menores, como se define no artº 1878º do Código Civil; por essa razão, o incumprimento repetido da regulação do poder paternal terá, se for necessário, que conduzir à alteração da guarda do menor; o menor não é propriedade privada da sua mãe e ela, se assim o entende, representa um enorme perigo para o desenvolvimento harmonioso da criança, que o Tribunal não pode continuar a ignorar; a mãe, só porque é mãe, não é necessariamente uma boa mãe”.
Na obra já citada, os Drs. Helena Bolieiro e Paulo Guerra, a pgs. 200ss., dão nota de ter sido suscitada junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a necessidade da adopção, pelas instâncias judiciais portuguesas, de mecanismos de prevenção dos incidentes de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais, por forma a evitar que sejam introduzidas mais queixas desse teor naquele tribunal e ainda de forma a que se cumpram Recomendações já adoptadas, relativamente a Portugal, pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa.
No Ac.TEDH de 22/11/05 (disponível, segundo os distintos Autores que citamos, em http://www.gddc.pt/direitos-humanos/portugal-dh/acordaos/reigado_ramos.pdf), concluiu-se que “as autoridades portuguesas omitiram o desenvolvimento de esforços adequados e suficientes para fazer respeitar os direitos de visita do requerente, desconhecendo assim o seu direito ao respeito da vida familiar garantido pelo artº 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”. Censura o Tribunal Europeu, na sua jurisprudência, que se deixe consolidar uma situação de facto que despreza seriamente uma decisão judicial que determinou o “direito ao convívio”.
O Comité de Ministros do Conselho da Europa, por recomendação de 19/1/00, solicitou também às autoridades portuguesas que informassem se existe um arsenal jurídico capaz de assegurar o respeito pelo cumprimento das obrigações decorrentes do artº 8º da Convenção, no sentido da efectivação prática do direito de visita por parte do progenitor não guardião relativamente à filha menor de idade.
No seguimento destas tomadas de posição, o Conselho Superior da Magistratura de Portugal emitiu circular de que deu conhecimento a todos os magistrados judiciais, do seguinte teor:
“Confrontado com a existência de queixas contra o Estado Português no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, atinentes aos incidentes de incumprimento das responsabilidades parentais (nomeadamente na efectivação do direito ao convívio com o filho menor, vulgarmente intitulado de “direito de visita”, que assiste ao progenitor não exercente das mesmas), considerando, por outro lado, que boa parte das mesmas poderia ser evitada, o que traria vantagens de diversa ordem, entende o CSM, sem de qualquer modo pôr em causa a independência e a liberdade de julgamento dos juízes portugueses, ser oportuno alertar para a existência de um arsenal de mecanismos preventivos e dissuasores da eclosão de tais incumprimentos, designadamente medidas de execução directa e indirecta.”
Acresce finalmente que, no seguimento da Lei nº 61/2008 de 31 de Outubro que, entre outros, reviu o Código Civil, foi alterado o preceito incriminador do artº 249º nº1 al.c) CPen, de acordo com o qual “quem, de um modo repetido e injustificado, não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento é punido com pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias”.
E mais, muito significativamente a norma punitiva acrescenta no inciso nº2: “Nos casos previstos na alínea c) do nº1, a pena é especialmente atenuada quando a conduta do agente tiver sido condicionada pelo respeito pela vontade do menor com idade superior a 12 anos”.
III
A existência de direitos absolutos não é conforme com a realidade da vida, muito menos com a discussão que subjaz ao ordenamento jurídico e à própria lei.
Por isso o Mmº Juiz “a quo” alude, na fundamentação do decidido, ao “princípio da proporcionalidade, aplicado como critério de concordância prática para a resolução de conflitos de direito”.
Indirectamente ouvido, existe prova nos autos que o menor E… gosta de conviver com sua mãe; o convívio com o novo agregado familiar da mãe é mais difícil – mais difícil de “gostar”, na linguagem da criança.
Na verdade, há que conciliar, nesse agregado da mãe, uma série de pessoas que não convivem habitualmente com o menor E…, quer o “namorado” da mãe (como a criança se exprime), quer os filhos dele, com o mesmo e com a mãe do E… conviventes.
Neste contexto dubitativo, de pequenos incómodos e pequenas arrelias (não falamos de abusos, caso em que o convívio estaria naturalmente vedado), há que afirmar o princípio de que se não protege a segurança da relação entre o progenitor que detém a guarda e seu filho privando a criança do convívio com o outro progenitor.
“Trata-se ao invés da promessa de uma enorme insegurança futura, pois representa a anulação de uma parte da criança, pela qual lhe é transmitido implicitamente que o outro pai é alguém desvalorizado e falível” (Françoise Dolto, Quando os Pais se Separam, Ed. Notícias, pg. 45).
Por outro lado, uma situação de pais separados (divorciados), por mais difícil de gerir, sobretudo pela existência de horários de visitas, apela aos pais para a existência de ainda mais bom senso do que aquele que possa existir numa situação em que se encontrem juntos.
“O objectivo fundamental da educação é o de ajudar a criança a distinguir o verdadeiro do falso, a opinião do facto, quer naquilo que ela se conta a si própria, quer naquilo que os outros lhe dizem”, sendo certo que a percepção impregnada de emoções, por parte das crianças, é sempre apta a retirar conclusões extravagantes de premissas simples ou insuficientes – Lucien Auger, Les Enfants (in Le Temps d`Apprendre à Vivre, pg. 199).
Volvendo de novo ao caso dos autos, se é certo que o menor E… declarou que não gosta de passar férias sem a irmã, irmã essa que não queria passar férias com a mãe, não menos certo é que “passou a ir sozinho”, noutros horários, sem a irmã.
Por outro lado, não é rigorosamente exacta a afirmação das doutas alegações de recurso, que se focam na recusa do menor em passar um período de férias com a mãe – na verdade, outros fins-de-semana aconteceram, até Novembro, em que as visitas não foram cumpridas, e, ao menos num dos fins-de-semana, a resposta do pai Requerido era “ambos disseram que não querem ir; não posso fazer nada”; noutra ocasião, a recusa do menor E… era transmitida, na presença do pai, a medo.
Todas estas situações demonstram a responsabilidade do pai, se não em incutir, ao menos em assistir, reforçando, ideias “feitas”, “preconcebidas” na criança sobre o convívio com o outro progenitor, na prática sendo ele o pai a caucionar, com a sua autoridade, tais ideias.
Não pode assim o progenitor que tem a guarda facilmente se refugiar em impressões momentâneas da criança, ou, ao menos, não estruturadas, para nada fazer e, até na prática, vir a impedir o convívio com o progenitor não guardião.
Não vem indiciado que o comportamento ou a “opinião” da irmã do E… fosse decisiva para o despoletar de um conflito entre irmãos, caso o E… exercesse o “direito ao convívio” que tinha, com sua mãe.
A douta decisão recorrida não apenas não violou a norma do artº 181º OTM, como procedeu à audição da criança, embora tenha recorrido a colaboradores do tribunal para o fazer.
Nada existe assim que alterar na douta decisão.

Resumindo a fundamentação:
I – Decorre da lei, de regulamentos da União Europeia e de convenções internacionais vinculantes do Estado Português que o decurso do convívio da criança com o progenitor não guardião também não dispensa a audição prévia da criança.
II – Não pode porém o progenitor que tem a guarda facilmente se refugiar em impressões momentâneas da criança, ou, ao menos, não estruturadas, para nada fazer e, até na prática, vir a impedir o convívio com o progenitor não guardião.
III – Como na vida e em todo o ordenamento jurídico, também no direito das crianças não existem absolutos, realidades rígidas ou intocáveis, cumprindo ao tribunal, ou aos colaboradores do tribunal, na auscultação da vontade da criança, distinguir o verdadeiro do falso, a opinião do facto, quer naquilo que a criança se conta a si própria, quer por via daquilo que os outros lhe dizem.
IV - A negação ou supressão do direito ao convívio com o progenitor sem a guarda dos filhos apenas poderá justificar-se - e como última ratio - no quadro de um conflito extremo entre o interesse da criança e o direito referido.

Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, decide-se neste Tribunal da Relação:
Julgar improcedente, por provado, o interposto recurso de apelação e, em consequência, confirmar a douta decisão proferida sobre incumprimento da regulação das responsabilidades parentais.
Custas pelo Apelante.

Porto, 19/VI/2012
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo
João Carlos Proença de Oliveira Costa