Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3728/21.8T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
JUSTA CAUSA
ASSÉDIO MORAL
Nº do Documento: RP202304173728/21.8T8MTS.P1
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Para o preenchimento valorativo da cláusula geral da resolução pelo trabalhador ínsita no nº 1 do art. 394º do Código do Trabalho, não basta a verificação material de qualquer dos comportamentos descritos no nº 2, sendo ainda necessário que desse comportamento resultem efeitos suficientemente graves, em si ou nas suas consequências, que tornem inexigível ao trabalhador a continuação da sua atividade em benefício do empregador, inexigibilidade essa que, contudo, não deve ser aferida exatamente pelos mesmos critérios e com o mesmo rigor da inexigibilidade presente na justa causa para despedimento.
II - Ao contrário do que sucedia com o art. 24º, nº 2, do CT/2003, que associava o conceito de assédio à verificação de um fator de discriminação (estes previstos no art. 23º, nº 1), o atual art. 29º, ao introduzir a expressão “nomeadamente”, veio “descolar” a, até então, associação entre o assédio moral e os fatores discriminatórios, podendo agora o assédio verificar-se em situação em que tais fatores não estejam presentes.
IIII - No caso, do comportamento da Ré, descrito no texto do Acórdão, apreciado na sua globalidade, não resulta que estejamos perante uma prática reiterada e/ou intensa suscetível de criar à A. um ambiente hostil, degradante, intimidativo ou stressante, nem essa intencionalidade decorre da matéria de facto provada, não sendo de esquecer que não é, nem poderá ser, um qualquer comportamento, ainda que violador de algum direito ou garantia do trabalhador, ou um comportamento que “desautorize” alguma decisão do trabalhador, que poderá ser configurado como assédio, sob pena de, assim não sendo, tudo o poder ser, afigurando-se-nos ser exigível, numa apreciação global e conjunta, uma gravidade, intensidade e/ou reiteração tais que permita concluir-se no sentido da existência de um comportamento “assediante”, direcionado ao trabalhador, reprovável, ainda que não intencional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 3728/21.8T8MTS.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1322)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

AA, instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A..., pedindo que seja:
I. Declarado que entre Autora e Ré foi celebrado o contrato de trabalho indicado em 1.º a 3.º da petição inicial;
II. Declarada a existência de justa causa, com os fundamentos de facto e de direito alegados na petição inicial para a resolução do contrato de trabalho sub judice, efetivada pela Autora através da carta a que se alude nos artigos 37.º a 40.º daquele articulado, com todas as legais consequências, tendo a resolução operado os seus efeitos em 22/06/2021; Consequentemente;
III – Deve a Ré ser condenada a reconhecer as declarações constantes de I. e II. e, consequentemente, a pagar à Autora as seguintes quantias:
a) € 29.012,03 (€ 2.115,34 x 13 anos, 8 meses e 15 dias x 30 dias) a título de indemnização de antiguidade;
b) € 1.551,25 referente a 22 dias de Junho de 2021;
c) € 144,97 referente a 19 dias de subsídio refeição;
d) € 2.692,25 correspondente a férias e subsídio de férias vencidas a 01/01/2021 (14 dias não gozados);
e) € 2.293,60 referentes a proporcionais de férias e subsídio de férias do ano da cessação (€ 1.146,80x2),
f) € 1.146,80, relativo aos proporcionais de subsídio de natal do ano da cessação,
g) € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais que se alegam nos artigos 62.º a 69.º da presente petição,
h) A cada uma destas quantias devem acrescer juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Assim,
i) Deve a Ré ser condenada a pagar à Autora a quantia global de € 41.840,90 correspondente à soma das quantias peticionadas nas antecedentes alíneas, a) a h);
j) Para além dos juros de mora atrás peticionados, e acrescendo a estes, nos termos do art.º 829.º-A n.º 5 do Código Civil, deve a Ré ser condenada no pagamento de juros à taxa de 5% ao ano sobre o capital em que for condenada, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado até integral pagamento.
Alega para tanto e em síntese que celebrou com o Réu um contrato de trabalho a 1/10/2007 para desempenhar as funções de Técnico Examinador, auferindo uma retribuição que em junho de 2021 ascendia a €2.115,34; mas que no dia 21/6/2021 remeteu carta de resolução do contrato, invocando justa causa com alegação de factos que entende constituírem justa causa e caracterizarem assédio por parte da ré. Conclui pedindo, não só a indemnização decorrente da resolução do contrato por justa causa, como os créditos salariais referidos no petitório e indemnização por danos não patrimoniais.

Realizada a audiência de partes, e frustrada que se mostrou a conciliação, foi designada data para a realização da audiência de julgamento e notificada a ré para contestar.

Em sede de contestação a Ré impugnou a atitude discriminatória que lhe foi imputada; que o desconforto da autora, que nunca lhe foi transmitido por esta, se deveu ao regresso à atividade após ter sido condenada pela prática de crimes praticados no exercício da sua atividade profissional e que não pagou integralmente os créditos salariais reclamados por ter deduzido a indemnização prevista para a denúncia do contrato de trabalho sem cumprimento do prazo de pré-aviso.

Proferido despacho saneador tabelar, com dispensa da indicação do objeto do litígio e dos temas da prova, fixado à ação o valor de €41.840,90 e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:
“Nestes termos e por todo o exposto julgo parcialmente procedente o pedido formulado pela autora, em consequência do que:
a) declaro que entre autora e ré foi celebrado o contrato de trabalho descrito em 1. e 2. dos factos provados;
b) condeno a ré a pagar à autora a quantia de €2.775,50 a título de retribuição de férias e subsídio de férias.
c) julgo improcedentes os demais pedidos formulados pela autora.
Custas a cargo de autora e ré na proporção do respetivo decaimento.”

Inconformada, a A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I. A decisão em recurso, salvo o devido e merecido respeito, violou, designadamente, o disposto nos artigos 126.º, n.º 1, 199.º e 394.º do Código do Trabalho, artigo 59.º, n.º 1, al. d) da Constituição da República Portuguesa, artigo 762.º do Código Civil, artigos 9.º, 18.º, 31.º, n.º 1, 33.º, n.º 1, 48.º e 60.º do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir (DL. 138/2012, de 5/7), artigo 25.º do DL 175/91, de 11/5, Despacho 13510/2004 (2.ª série), de 9/7, Despacho 21506/2004 (2.ª série), de 21/10, Despacho 17150/2005 (2.ª série), de 10/8 e Despacho 17151/2005 (2.ª série), de 10/8;
II. A Autora, ora Recorrente, resolveu o seu contrato de trabalho por justa causa com fundamento no disposto nas alíneas b), d), e) e f) do n.º 2 do art.º 394.º do Código do Trabalho (CT), tendo comunicado à Ré em 21/6/2021 os factos que justificavam a resolução e que violavam as suas garantias legais enquanto trabalhadora;
III. Dos factos invocados como fundamento da resolução, ficaram provados os pontos 1, 4, 6, 10, 15, 16, 17 e 24 da comunicação (vide 14 dos factos provados e documento 6 PI), que correspondem à matéria assente em 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13 da sentença recorrida;
IV. Ficaram, ainda, provados com relevância para apreciação do presente recurso os factos contantes de 2, 19, 21, 22, 23, 25, 26, 27 e 28 da sentença recorrida;
POSTO ISTO, E SEM CONCEDER,
V. Conclui-se da referida matéria provada que a Autora, por exclusiva responsabilidade da Ré, foi impedida de cumprir o seu descanso obrigatório ao exceder os períodos normais de trabalho, sendo certo que é obrigação da empregadora definir condutas que sejam possíveis de cumprir pelos trabalhadores (Despacho 21506/2004, de 21/10 (2.ª série));
VI. A Autora foi desautorizada e desrespeitada pela sua empregadora, debilitando a sua posição de examinadora perante o candidato, a sua instrutora e a escola de condução, atendendo a que a Ré permitiu que aquele fizesse o exame sem óculos e sem alterar a licença de aprendizagem (contrariando a lei – art.º 18.º, n.º 1, 31.º, n.º 1 e 33.º, n.º 1 RHLC) apenas para evitar reclamações (cfr. doc. 18 junto à Contestação);
Ora,
VII. A Autora não realizou, com inequívoca legitimidade, o exame do dia 20/05/2021, atendendo ao disposto nos artigos 9.º, 33.º, n.º 1 e 60.º, n.º 1, al. a) do DL 138/2012, de 5/7 (REGULAMENTO DA HABILITAÇÃO LEGAL PARA CONDUZIR, doravante RHLC), e informação prestada pelo IMT a 17/09/2021 (cfr. doc. 1 junto ao requerimento da Autora de 19/10/2021, Ref. Citius 30244676);
VIII. A actuação da Ré corresponde a transgressões culposas, quer do dever principal, quer de deveres acessórios de conduta da empregadora que, no contexto demonstrado nos autos, colidiram frontalmente com a integridade moral, honra e profissionalismo da Autora e sustentaram a justa causa para ver imediatamente resolvido o contrato de trabalho por se tornar impossível para esta a subsistência do vínculo laboral;
Acresce,
IX. A Ré registou de forma deliberada e ilicitamente no IMT exames práticos em nome da Autora sem que esta os tivesse realizado, face à sua ausência por motivo de doença (cfr. documentos 3, 4 e 5 da PI);
X. Foi ainda incluída, sorteada e com resultados registados no seu nome em exames teóricos, sem que os tivesse realizado (mesmos documentos 3, 4 e 5 da PI), factos que além de contrariarem a lei (Despacho 17150/2005 (2.ª série), de 10/08), representam uma dolosa, grave e ilícita conduta da Ré ao imputar à Autora a responsabilidade pela realização de exames que não efectuou;
XI. Factos de que apenas teve conhecimento na sequência da sua deslocação ao IMT em 9/6/2021 para prestar declarações, do requerimento dirigido a esta entidade a 11/06/2021 e da resposta obtida (cfr. documentos 2 e 3 da PI);
XII. A descrita factualidade representa uma quebra absoluta e um abalo profundo na relação de confiança da Autora na Ré, tornando inexigível a manutenção do vínculo contratual;
XIII. A grave actuação da Ré quebrou definitivamente a relação de confiança que deveria existir entre as partes e nessa estrita medida provocou a ruptura, irremediável, da relação laboral,
XIV. Tornando impossível, porque inexigível à Autora, a manutenção do vínculo laboral;
XV. De resto, nada poderia garantir que a Ré persistisse na sua conduta - ilícita, de registar exames em nome da Autora sem que esta os realizasse, o que sempre impediria a restauração da confiança desta naquela;
XVI. De sublinhar, ainda, que a actuação da Ré é absolutamente anormal e particularmente grave, pelo que deixou de existir o suporte psicológico mínimo para a continuação da relação laboral; Acresce que,
XVII. O incumprimento pela Ré do princípio geral de boa-fé na execução da relação laboral - art.º 126.º, n.º 1, do CT e art.º 762.º, n.º 2, do Cód. Civil (que também se aplica aos empregadores) consubstanciada no facto de saber que a Autora se encontrava de baixa médica e apesar disso incluiu-a nos sorteiros e registou exames em seu nome quando esta os não realizou, constitui uma conduta intensamente ilícita e grave;
XVIII. Assim, perante a quebra da relação laboral a subsistência do vínculo laboral representaria uma exigência desproporcionada e injusta, não sendo objectivamente possível exigir à Autora a manutenção da relação laboral no contexto da empresa;
XIX. Ao contrário da apreciação, errada, feita pela Sra. Juiz a quo, da matéria de facto dada como provada resultam preenchidos não só os pressupostos do direito à resolução do contrato de trabalho como demonstrada a impossibilidade de subsistência do vínculo laboral;
Mais acresce,
XX. A Autora não esteve presente na reunião de examinadores do dia 15/06/2021 sobre exames e procedimentos e não obstante a Ré não lhe transmitiu posteriormente o resultado da mesma;
XXI. Tratando-se de matéria respeitante às funções profissionais que desempenha, a actuação da Ré constitui segregação, tratamento desigual e injustificado;
XXII. Tal facto provado, correlacionado com a demais factualidade provada, teve, e tem, por efeito afectar a dignidade da Autora enquanto trabalhador criando um humilhante ou desestabilizador, característicos do assédio moral;
XXIII. A douta sentença recorrida ao julgar que os referidos factos provados não foram graves e não tornaram impossível para a Autora a subsistência do vínculo laboral, padece de evidente erro de julgamento;
SEM PRESCINDIR,
XXIV. A douta sentença limitou-se a efectuar uma análise meramente substantiva dos factos provados e unicamente na perpectiva da Ré, não da Autora ou enquanto relação bilateral, com direitos e deveres mútuos, como é a de um qualquer contrato de trabalho, errando, assim de forma evidente;
XXV. A douta sentença enferma, ainda de vários erros de apreciação e de julgamento, sempre ressalvado o devido respeito que é muito, como se infere: dos factos provados em 18, atendendo, por um lado, ao que dispõe o Despacho 17150/2005 (2.ª série), de 10/8 e, por outro, à circunstância de desvalorizar a gravidade da actuação da Ré quanto aos exames atribuídos à Autora por sorteio e registados em seu nome nos dias em que esteve ausente;
XXVI. Dos factos provados em 19, já que a duração das provas consta do art.º 51 do RHLC;
XXVII. Dos factos provados em 31 e 32, considerando o preceituado no Despacho 13510/2004 (2.ª série) de 9/07 a Sra. Directora do Centro – BB não podia, legalmente, substituir-se ao examinador no dia 19 de Maio de 2021;
XXVIII. Dos factos provados em 33 face ao disposto o n.º 6 do art.º 39.º do RHLC e Despacho 17151/2005 (II Série), de 10/8 e art.º 25.º do DL 175/91 de 11/05, isto é, a Ré apesar de não ter controlo dos dados registados pelo IMT tinha de ter conhecimento dos dados ao remetê-los a esta entidade e obrigação legal de conservar todos os processos de exame por um período de cinco anos contados da data da sua conclusão;
XXIX. A Sra. Juiz da instância, na apreciação dos factos não teve em consideração normas legais a observar no julgamento da causa, o que também constitui erro de julgamento;
XXX. A Sra. Juiz da Instância errou, ainda, na apreciação, ou na falta dela, dos documentos 23, 24, 25, 26, 28, 32, 33, 35, 46 e 47 juntos com a Contestação (de 4/10/2021, Ref. Citius 30096450);
XXXI. Evidenciam os factos constantes dos autos e os apontados documentos, que a Ré agiu unilateralmente, em manifesta violação de normas legais ao subverter as regras quanto aos sorteios e registo de exames práticos e teóricos,
XXXII. Quebrando inapelavelmente a relação de confiança que tem de existir entre o trabalhador e o empregador como elemento fundamental do vínculo laboral;
XXXIII. Neste âmbito, os factos provados são claramente suficientes para se poder dar como assente a justa causa, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 394.º e ss. do Código do Trabalho,
XXXIV. E, bem assim, que a actuação da Ré, manifestamente grave, tornou impossível para a Autora a subsistência do vínculo laboral;
Deve, por isso, proferir-se Acórdão que, na procedência do recurso, condene a Ré nos pedidos formulados pela Autora (…)”

O Réu contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A. Como fixado em sede de decisão sobre a matéria de facto, a convicção do julgador sobre os pontos da matéria de facto, provada e não provada, é transparente e fundou-se rigorosamente nos elementos de prova identificados nessa decisão, cujo teor da sua motivação não foi contrariado (vide pág. 16 e segs., da sentença).
B. Pretende a A. fazer crer pelo cotejo dos pontos 2, 4, 5, 6, 19, 21, 22 e 23, dos factos provados, que a R. violou o direito da A. ao seu “descanso obrigatório” (supostamente ao abrigo do artigo 199.º, do Código do Trabalho).
C. Todavia, no seu fito, ignorou capciosamente que no ponto 20, dos factos provados ficou assente que “Em regra, os examinadores não são colocados nos sorteios que impliquem exames de condução de veículos pesados consecutivos.”, o que significa que a A. não pode extrapolar provado que os atrasos na conclusão dos exames referidos nos seguintes pontos 21 e 23 (respectivamente, de 29 e de 22 minutos), que se repercutiram no início do seu intervalo de refeição com início às 13:00 horas, se deveram à realização pela A. de sucessivos exames de condução de veículos pesados (negrito nosso);
D. É evidente que os identificados atrasos — de alguns minutos — não violaram o direito da A. ao seu descanso, seja o diário ou o semanal, pelo que não tem qualquer fundamento legal a “obrigatoriedade” reclamada pela A. e, ainda menos tem fundamento, alegar tais factos como caracterizadores de uma conduta grave pela R. ao ponto dela justificar a resolução do contrato pela A., com fundamento em justa causa, pelo que andou bem a o decidido pelo tribunal a quo..
E. Entende também a A. que pelo cotejo dos pontos 7, 8, 25 a 28, dos factos provados, estar assente que a R. desautorizou e fragilizou a posição de examinadora da A. perante o candidato e a instrutora deste,
F. Contudo não está provado que a R. tenha ordenado à A. a realização do exame nas condições que esta o recusou (ou seja, com óculos e sem anotação de tal na licença de aprendizagem), ou sequer a censurado por tal recusa, ao invés do invocado em sede de resolução, mas sim que face à reclamação apresentada pela mãe daquele, e ao esclarecido pela A. a esse propósito, a R. “… decidiu comunicar ao candidato que poderia realizar novo exame, mas caso necessitasse de óculos para o realizar deveria alterar a licença de aprendizagem.” (pontos 25, 26 e 27) e “No dia 21 de junho de 2021 o candidato apresentou-se a exame com licença de aprendizagem sem restrições, tendo sido aprovado.” (ponto 28).
G. Aí nenhum erro foi apontado à A., não foi alvo de qualquer repreensão ou sancionada por qualquer forma, tendo-se limitado a directora do centro de exames —perante a reclamação da mãe do candidato — a questionar a A. sobre o sucedido e a procurar saber junto da instrutora o que se tinha passado (conforme sob os números 12 a 14 das alegações acima)
H. Entende também a A. que o confronto dos pontos 9 e 10, dos factos provados, demonstra a vontade da R. imputar à A. a responsabilidade por exames que não realizou (em 29 e 30 de Maio de 2018 e 2 e 4 de Dezembro de 2020), o que a seu ver representa uma conduta da R. dolosa, grave e ilícita que quebrou em absoluto a relação de confiança e tornando inexigível à A. a manutenção da relação laboral.
I. A R., propositadamente, olvida que em 3 e 4 de Dezembro de 2020 ficou provado sob o ponto 39, dos factos provado, que tal desconformidade assinalada nessa data resultou da ausência inesperada da A. e, por isso, a “… Diretora do Centro de Exames da ré requereu ao IMT autorização pra substituição da examinadora, o que foi deferido, tendo os exames sido realizados por BB.”;
J. Se o IMT não actualiza a informação que ele próprio autoriza alterar, é facto sobre o qual a R. não tem domínio, como aliás resultou provado sob o ponto 33, dos factos provados: “A ré não tem controlo dos dados registados pelo IMT;
K. Bem como, em 29 e 30 de Maio de 2018, novamente em virtude de baixa da A., “… os exames foram realizados nas mesmas datas, mas a outras horas, após novo sorteio para designação de outro examinador.” e, natural e consequentemente, " Quem assinou as pautas dos exames realizados nessas datas, em substituição da autora, foram colegas examinadores, com a menção de “baixa” da autora.", conforme ficou assente nos pontos 34 e 35, dos factos provados.
L. Como é sabido da própria A., por vezes e de forma inesperada, no dia da realização dos exames de condução os examinadores não comparecem, mas como sua designação já consta da lista de sorteio informático tem de ser substituídos para que o candidato possa realizar o exame e, nesses casos, é solicitado ao IMT a autorização para substituição do examinador ou, se for possível, procede-se a novo sorteio com os examinadores presentes alterando-se a hora do exame, conforme se encontra assente nos pontos 29 e 30, dos factos provados.
M. Tal procedimento foi confirmado pelo próprio examinador CC, testemunha da A., que 19 de Maio de 2021 foi substituído, em virtude de se encontrar de “baixa”, pela directora do centro de exames que assinou a pauta dos resultados aí assinalando tal motivo, como ficou assente sob os pontos 31 e 32, dos factos provado.
N. Nunca nenhum intuito ou sequer consciência pela R. houve da possibilidade de tais percalços poderem prejudicar a imagem profissional da A. — porque, na realidade, não a podem prejudicar nem a prejudicaram —, consistindo em meras adequações a que a prestação de trabalho está sujeita face às vicissitudes ocorridas por ocasião da sua realização.
O. No que toca a estes desencontros, o mesmo não pode dizer a R. da A. que apesar de ter realizado os exames que lhe estavam marcados no dia 24 de Agosto de 2020, após período de “baixa” que culminou no anterior dia 21, veio no subsequente dia 25 apresentar uma “baixa retroactiva”, ou seja, com efeitos desde dia 22 a 28 de Agosto, quando sabia que trabalhou no dia 24, o que gerou uma desconformidade (vide pontos 36 a 38, dos factos provados).
P. Assim carece de fundamento alegar tais factos como caracterizadores de uma conduta grave pela R. ao ponto dela justificar a resolução do contrato pela A., por motivo de justa causa, pelo que andou bem o decidido pelo tribunal a quo.
Q. Insiste ainda a A. que também o teor dos pontos 10 e 11, dos factos provados, demonstram provada a intenção da R. afectar a dignidade da A. e criar um ambiente humilhante ou desestabilizador próprio do assédio moral quando coadjuvados pelos anteriormente alegados.
R. Conforme já acima respondido e demonstrado, a factualidade que foi alegada pela A. para reapreciação pelo tribunal ad quem, não constitui suporte bastante para consubstanciar motivo de resolução do seu contrato de trabalho correspondente a justa causa;
S. Nem o facto da A. não ter estado presente “… na reunião de examinadores do dia 15/06/2021 destinada a tratar de assuntos relativos aos procedimentos a efetuar nos exames de condução de motociclos.” (ponto 11) e o de não lhe ter sido posteriormente transmitido o resultado dessa reunião (ponto 12), revelam uma justa causa de resolução e, ainda menos, representam assédio moral da A. que, fantasiosamente, procurar imputar à R..
T. Ficou assente nos pontos 40 a 44, dos factos provados (e propositadamente omitidos pela A.), a reunião em causa foi informal e de “porta aberta”, com a colaboração de todos os examinadores que quisessem participar e fazer sugestões, sendo que foi organizada em duas salas como medida de prevenção à Covid, não se revelando que a A. de algum modo tenha sido excluída dessa reunião e, ainda menos, com o reclamado propósito de a discriminar.
U. A genérica acusação de discriminação, nomeadamente a salarial, que a A. lançou sobre a R. não se provou porque, ao invés, demonstrou-se sob os pontos 46 e 47, dos factos provados, que a retribuição dos examinadores CC e DD era superior à da A. porque detinham uma antiguidade superior e virtude da qual foram beneficiando de promoções de mérito em 2000, 2004 e 2008.
V. Ficou assente sob o ponto 49, dos factos provados, que “A autora nunca informou a ré da sua insatisfação nem lhe dirigiu reparo ou reclamação aos factos que constam da carta de comunicação de resolução do contrato.” (negrito nosso);
W. Nenhum dos documentos n.º 23 a 26, 28, 32, 33, 35 e 46 a 47, juntos pela R. na sua contestação, ou o seu conjunto, são por si só capazes de infirmar a decisão sobre a matéria de facto, ou sobre o mérito da demanda, como proferida pelo tribunal a quo.
X. A sentença recorrida não padece de qualquer erro de julgamento nem violou quaisquer normativos legais e constitucionais apontados pela A. que, se bem compreendemos a razão de sua Apelação, se limita a não concordar com os seus fundamentos o que é coisa diferente.
Y. Por isso andou bem a decisão em recurso quando entendeu que quaisquer desconformidades ou irregularidades que possam ser apontadas à R., quanto ao estrito cumprimento do horário de trabalho ou agendamento de exames, não se provaram “… que fossem destinadas em exclusivo à autora ou a um grupo específico de trabalhadores, nem que visassem denegrir a sua imagem profissional, nem que fossem idóneos a causar tal efeito.
A verdade é que os factos provados, em si, não assumem aquela gravidade de tornar impossível para autora a subsistência do vínculo laboral.” (sic).
Nestes termos e nos demais de Direito aplicável (…), deve ser negado provimento ao presente recurso de Apelação.”

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que:
-existe um lapso de cálculo nas quantias em que a Ré foi condenada, pois que, como decorre da sentença, aí se consideraram devidas as quantias de 919,02€, de 1.459,64€ e 1.315,86€, as quais totalizam, não o valor de “€2.775,50” nela referido, mas o de 3.694,52€;
- Ocorre o seguinte “lapso de escrita: A fls. 16 da sentença em recurso deu-se como provado que “A carta reproduzida em 14. e data de sua receção pela ré, referida em 15., resultam ainda do documento juntos aos autos a fls. ?????????????????????”, sem que que fosse indicada a página na qual se encontra junta a referida carta”;
- O recurso merece provimento “atentos os factos provados, nomeadamente nos pontos 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13, o recurso deveria merecer provimento. A apreciação de justa causa nos casos de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador não pode ser tão exigente como a devida a falta ou faltas cometidas pelo trabalhador. E os factos provados, salvo melhor opinião, são suficientes para a decisão tomada.”
A Ré respondeu ao mencionado parecer, dele discordando e referindo, quanto ao mencionado erro de cálculo, que “não se vislumbra existir o erro de cálculo apontado no Parecer, uma vez que a sentença não quantificou o resultado total proveniente das parcelas em dívida a título de retribuição de férias não gozadas e correspondente subsídio, inclusive, nunca apresentou o resultado de “€ 2.775,50” proveniente de um cálculo que é da autoria do Digníssimo Magistrado do Ministério Público e não do tribunal a quo.”

Colheram-se os vistos legais.
***
II. Fundamentação de facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
“Estão provados os seguintes factos:
1. Entre Autora e Ré foi celebrado em 8 de outubro de 2007 um contrato de trabalho por tempo indeterminado, mediante o qual a Autora foi admitida ao serviço da Ré para, sob sua autoridade e direção exercer funções com a categoria profissional de “Técnico Examinador”, com a contrapartida do salário de € 1.898,58.
2. A autora obrigou-se a prestar 40 horas de trabalho semanais distribuídas de segunda a Sexta-feira, com entrada pelas 09h00 e saída às 18h00 e intervalo para almoço das 13h00 às 14h00.
3. A autora não tem registados ilícitos disciplinares.
4. Pelo menos desde 26 de abril que a Ré marcou exames de condução de veículos pesados de hora a hora.
5. Para a realização de exames de condução de veículos a autora necessita de deslocar-se até ao veículo onde se encontra o candidato e o instrutor, identificar o candidato e verificar os documentos (quer do candidato, do instrutor e veículo), realizar o exame (que nos veículos pesados pode ter duração de 60 minutos) comunicar o resultado, no final da prova elaborar o relatório de exame, no caso de reprovação, ou preencher a licença de aprendizagem do candidato, no caso de aprovação, depositar todos os documentos na secretaria.
6. No dia 28/5/2021 foi atribuído à Autora um exame da categoria CE para as 14 horas, a qual, para cumprir os procedimentos impostos pela entidade patronal e os exigidos legalmente, terminou o exame pelas 15:15 horas.
7. No dia 20/05/2021, pelas 15 horas, a Autora não realizou um exame de condução a um candidato que se apresentou com óculos graduados, com fundamento em que a licença de aprendizagem não apresentava qualquer restrição e candidato afirmou que “sem os óculos via tudo desfocado”.
8. A Ré permitiu que, mais tarde, aquele candidato efetuasse o exame sem óculos, logo, sem alterar a licença de aprendizagem.
9. Houve exames práticos realizados nos dias 29/05/2018 e 30/05/2018 que constam dos registos informáticos do IMT em nome da autora, quando esta se encontrava de baixa médica nesses dias.
10. Foi também sorteada e com resultados atribuídos em seu nome nos exames teóricos nos dias 3 e 4 de dezembro de 2020, sem que nestes dias tenha estado presente por motivo de doença e com baixa médica.
11. A Autora não esteve presente na reunião de examinadores do dia 15/06/2021 destinada a tratar de assuntos relativos aos procedimentos a efetuar nos exames de condução de motociclos.
12. Não tendo a Ré, posteriormente, transmitido à Autora o resultado de tal reunião.
13. Desde 26/04/2021 que a Ré não atribui à Autora exames de código marcados para o horário das 8 h às 8h30.
14. No dia 21 de junho de 2021 a Autora comunicou por carta registada à Ré a resolução, mediante invocação de justa causa e com efeitos imediatos, do contrato de trabalho que vigorava entre as partes, com o seguinte teor:
15. A carta foi recebida pela ré a 22/6/2021.
16. Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto a 27/1/2021 no âmbito do processo n.º 3110/13.0JFLSB.P1 foi a autora condenada na pena de 5 anos e 6 meses de prisão pela prática de 37 crimes de corrupção passiva previstos e puníveis pelo art. 373, n.º 1, do Código Penal, praticados no âmbito do exercício da sua atividade profissional de examinadora ao serviço da ré e por causa da posição funcional que detinha na organização da ré.
17. Este acórdão ainda não transitou em julgado na sequência de recurso apresentado pela autora para o Tribunal Constitucional e reclamação, nos termos do art. 405º do Código Penal, pendente no Supremo Tribunal de Justiça.
18. Na marcação de exames de condução, a designação do examinador e a escolha do percurso de exame é feita de forma aleatória, por sorteio informático, realizada com a antecedência máxima de 10 minutos, entrando em sorteio os examinadores que estejam disponíveis.
19. Os exames de condução de veículos pesados (categoria C) têm uma duração mínima de condução de 55 a 60 minutos e os veículos ligeiros (categoria B) têm uma duração de condução de 35 a 45 minutos.
20. Em regra, os examinadores não são colocados nos sorteios que impliquem exames de condução de veículos pesados consecutivos.
21. O exame realizado pela autora no dia 7 de maio terminou às 13h29m.
22. O exame realizado pela autora no dia 19 de maio terminou às 17h11m.
23. O exame realizado pela autora no dia 16 de junho de 2021 terminou às 13h22m.
24. O candidato que estava previsto para exame de condução às 15 horas do dia 28/5/2021 faltou ao exame
25. No dia seguinte ao referido em 7., a mãe do candidato contactou o centro de exames apresentando reclamação pela recusa de realização do exame pela examinadora, alegando que o candidato não precisava de óculos, que os que levava eram de descanso e que o candidato se tinha disposto a realizar o exame sem óculos.
26. A Diretora do Centro de Exames da ré, BB, contactou a instrutora do candidato que confirmou que este se dispôs a realizar o exame, mas dizia ver tudo nublado.
27. Perante tal a ré decidiu comunicar ao candidato que poderia realizar novo exame, mas caso necessitasse de óculos para o realizar deveria alterar a licença de aprendizagem.
28. No dia 21 de junho de 2021 o candidato apresentou-se a exame com licença de aprendizagem sem restrições, tendo sido aprovado.
29. No dia de realização dos exames de condução, por vezes e de forma inesperada, os examinadores não comparecem ao serviço (como acontece em situações de doença ou faltas imprevistas) mas entraram já no sorteio para um exame, situação em que têm de ser substituídos para que o candidato não perca a oportunidade de realizar o exame.
30. Nesses casos, é solicitado ao IMT a autorização para substituição do examinador ou, se for possível, procede-se a novo sorteio com os examinadores presentes, alterando-se a hora do exame.
31. No dia 19 de maio de 2021 a Diretora do Centro de Exames da ré dirigiu ao IMT um pedido de substituição do examinador CC, que tinha apresentado nesse dia certificado de incapacidade temporária para os dias 20 a 31 de maio, o que foi autorizado.
32. Quem assinou a pauta dos resultados do exame nesse dia foi BB, com a menção da situação de “baixa” de CC
33. A ré não tem controlo dos dados registados pelo IMT.
34. Nos dias 29 e 30 de maio de 2018, estando a autora de baixa, os exames foram realizados nas mesmas datas, mas a outras horas, após novo sorteio para designação de outro examinador.
35. Quem assinou as pautas dos exames realizados nessas datas, em substituição da autora, foram colegas examinadores, com a menção de “baixa” da autora.
36. No dia 24 de agosto de 2020 a autora apresentou-se ao trabalho e realizou os exames que estavam marcados para essa data.
37. A autora tinha apresentado uma baixa médica que terminava a 21 de agosto de 2020, tendo informado que se apresentaria ao serviço na segunda-feira seguinte, dia 24 de agosto, como fez.
38. No dia seguinte, dia 25 de agosto, a autora voltou a apresentar uma baixa, mas com efeitos de 22 a 28 de agosto, apesar de ter prestado serviço e realizado exames no dia 24 de agosto.
39. No dia 3 e 4 de dezembro de 2020, confrontada com ausência inesperada da autora, a Diretora do Centro de Exames da ré requereu ao IMT autorização pra substituição da examinadora, o que foi deferido, tendo os exames sido realizados por BB.
40. A reunião referida em 11. foi informal, sobre exames e procedimentos com alguns examinadores, à porta aberta.
41. A apresentação de percursos para validação pelo IMT tem a colaboração de todos os examinadores que queiram participar, fazendo sugestões.
42. Na última ocasião em que forma propostos novos percursos ao IMT – para o biénio 2022/2023 – a Diretora do Centro de Exames, BB, pretendeu que todos os examinadores pensassem em percursos a apresentar.
43. Quem coordenou este processo foi o examinador EE, sendo que os examinadores estavam repartidos em duas salas, com medida de prevenção à transmissão do Covid-19.
44. EE pediu aos examinadores da sala da autora que apresentassem sugestões de percursos.
45. A autora não apresentou qualquer sugestão de percurso.
46. Com exceção dos examinadores CC e DD, os examinadores que prestam serviço na ré auferem a retribuição mensal de €1.684,87.
47. A retribuição mensal daqueles examinadores é superior à da autora porque foram admitidos em 1994 e beneficiaram de promoções de mérito (em 2000, 2004 e 2008), as quais resultaram em aumentos salariais, duas das quais antes da autora ter sido admitida ao serviço da ré.
48. A autora cumpria um horário de trabalho com início às 9:00 horas e a realização dos exames das 8:00 horas, tendo caráter excecional, é feita preferencialmente por examinadores que são prestadores de serviços externo e, entre os que estão vinculados por contrato de trabalho, aqueles que se mostrem mais disponíveis, o que não era o caso da autora.
49. A autora nunca informou a ré da sua insatisfação nem lhe dirigiu reparo ou reclamação aos factos que constam da carta de comunicação de resolução do contrato.
50. A retribuição base da autora era de €1.684,87 aquando da cessação do contrato de trabalho.
51. A autora esteve ausente do trabalho por incapacidade temporária decorrente de doença natural entre 3 de dezembro de 2020 e 13 de janeiro de 2021.
52. A autora gozou 8 dias de férias nos dias 21 a 23 de maio e 4 a 11 de junho de 2021.
53. Aquando da cessação do contrato de trabalho a ré pagou à autora, entre o mais, as seguintes quantias:
- €1.684,87 a título de retribuição base referente a junho de 2021, deduzida da quantia de €449,00 referente ao período de 22 a 30 de junho;
- €192,30 a título de dois dias de férias não gozadas;
- €144,97 por 19 dias de subsídio de refeição;
- €961,52 a título de subsídio de férias, por referência a 10 dias de férias;
- €1.146,80 a título de crédito por formação profissional.
54. Às quantias processadas a título de abonos a ré descontou a quantia de €3.274,39 referente à falta de pré-aviso.
*
De resto não se provou que:
a) A Autora foi uma trabalhadora que sempre revelou interesse e zelo pelas tarefas que lhe foram confiadas, procurando exercê-las, como sempre exerceu, com probidade e eficiência;
b) Sempre acatou e cumpriu as ordens dos seus superiores hierárquicos, pautando a sua postura profissional por uma rigorosa isenção e lealdade;
c) Atuando com idoneidade e retidão em subordinação aos objetivos da empresa e do interesse que à mesma subjaz;
d) A Autora revelou-se uma trabalhadora com um comportamento exemplar no que concerne às relações e trato com os colegas de trabalho, superiores hierárquicos e candidatos a exame;
e) Sempre foi respeitadora e educada, jamais tendo sido posto em causa o seu irrepreensível comportamento;
f) A autora tinha de efetuar a higienização do veículo entre cada um dos exames;
g) A ré obrigava a autora a cumprir dos os passos e procedimentos referidos em 5. dos factos no espaço de uma hora; h) Os procedimentos que a autora tinha cumprir nos exames marcados pela ré a impedissem de cumprir o seu período de descanso das 13 às 14 horas, para além do que consta dos pontos 21. e 23. dos factos;
i) O exame referido em 6. dos factos, imposto e definido pela Ré, incluía um percurso não autorizado pelo IMT para esta classe (categoria CE), ou a ter sido autorizado, não era do conhecimento da Autora na medida em não foi disso informada pela empregadora;
j) Com a sua atuação referida em 8. dos factos, a Ré desautorizou a Autora e fragilizou a sua qualidade de examinadora perante o candidato, o seu instrutor e a sua escola de condução; bem como perante os seus próprios colegas de trabalho;
k) A autora não realizou os exames do 24/08/2020 que estão registados em seu nome no IMT;
l) a Autora tem vindo a ser excluída de todas as reuniões que a Ré promove com os examinadores a fim de lhes dar conhecimento das alterações e deliberações legislativas;
m) O mesmo sucedendo aquando da elaboração dos percursos de exame (alterados de 2 em 2 anos), tarefas que a Ré atribuiu aos examinadores, à exceção da autora;
n) A autora comunicou à ré factos e comportamentos que entendia serem discriminatórios de sua pessoa, com criação de ambiente hostil;
o) À data da cessação do contrato de trabalho a Autora auferia uma retribuição mensal de € 2.115,34;
p) O quadro factual descrito na petição inicial originou à autora enorme angústia, ansiedade permanente e profundo desânimo pelo facto de ter ficado sem posto laboral, atendendo à manifesta dificuldade em conseguir encontrar outro semelhante e no mesmo sector;
q) O facto de se encontrar desempregada e tendo em conta as circunstâncias e a gravidade da atuação da Ré é compreensível, e até notório, o estado de preocupação, desgosto, inquietação e revolta que a Autora sente;
r) Aquando da reunião referido em 40. a autora entrou por duas vezes na sala, onde permaneceu alguns momentos e saiu sem nada dizer;
s) Aquando do referido em 44., os examinadores da sala em que se encontrava a autora não apresentaram qualquer sugestão de percurso para propor ao IMT;
t) A autora nunca apresentou alguma proposta de percurso para exame ou sugestão na respetiva definição.”
*
Nas alegações, bem como nas conclusões do recurso, a Recorrente faz referência aos seguintes documentos: conclusões VI (doc. 18 junto com a contestação), VII (Doc. 1 junto com o requerimento da A. de 19.10.2021), IX e X (Docs. 3 e 5 juntos com a p.i.); conclusão XI (docs. 2 e 3 juntos com a p.i.); conclusão XXX (docs. 23 a 28, 32, 33, 35, 46 e 47 juntos com a contestação).
Os documentos destinam-se à prova de factos, sendo que a 1ª instância consignou a factualidade que teve por pertinente, mormente a provada, nos termos acima transcritos.
Desconhece-se a razão por que a Recorrente invoca os mencionados documentos, sendo certo que a mesma não impugna a decisão da matéria de facto.
Com efeito, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, se é que essa seria a pretensão da Recorrente, deve dizê-lo de forma clara e, sobretudo, deve, sob pena de imediata rejeição da impugnação, dar cumprimento aos requisitos previstos no art. 640º, nº 1, als. a), b) e c), do CPC dizendo: qual ou quais os pontos da decisão da matéria de facto de que discorda [al. a)]; os meios de prova em que sustenta a impugnação [al. b)]; e as respostas que, em seu entender, deveriam ser dadas [al. c)].
Ora, no caso, a Recorrente junta os mencionados documentos, retira conclusões dos mesmos e/ou junta-os por referência a determinados pontos da decisão da matéria de facto provada. Porém, em passo algum, refere impugnar a decisão da matéria de facto e/ou dela discordar, assim como não indica o sentido de qualquer eventual resposta, diferente da dada pela 1ª instância, que porventura pretendesse que fosse dada.
Ou seja, serve o referido para dizer que se porventura era pretensão da Recorrente impugnar a decisão da matéria de facto, designadamente com vista a que se levasse em conta algum facto de que, para além dos elencados, pudesse resultar de tais documentos, é a mesma de rejeitar.
É apenas de acrescentar que o documento nº 6, referido na conclusão III, mais não é do que o que consta do nº 14 dos factos provados.
*
Na al. j) dos factos não provados consta que: “j) Com a sua atuação referida em 8. dos factos, a Ré desautorizou a Autora e fragilizou a sua qualidade de examinadora perante o candidato, o seu instrutor e a sua escola de condução; bem como perante os seus próprios colegas de trabalho;”
Dispõe o art. 607º, nºs 3 e 4, do CPC/2013 que “3. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os facos que considera provados (…)” e “4. Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, (…)”.
De acordo com o Professor José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª Edição, págs. 206 a 215:
“(…)
a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior;
b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei;
(…)
Entendemos por factos materiais as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens.
(…)”
Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, 1982, Almedina, diz que “(…). A aplicação da norma pressupõe, assim primeiro, a averiguação dos factos concretos, dos acontecimentos realmente ocorridos, (…), Esses factos e a averiguação da sua existência ou não existência constituem, respectivamente, os factos e o juízo de facto – juízo histórico dirigido apenas ao ser ou não ser do facto.
(…).
Igualmente indiferente é a via de acesso ao conhecimento do facto, isto é, que ele possa ou não chegar-se directamente, ou, somente através de regras gerais e abstractas, ou seja, por meio de juízos empíricos (as chamadas regas da experiência). (…).”.
Na jurisprudência, entre muitos outros, relevantes são os Acórdãos do STJ de 21.10.09, in www.dgsi.pt (Processo nº 272/09.5YFLSB), que, a propósito do art. 646º, nº 4, do anterior CPC refere que “(…) É assim, como se observou no Acórdão desde Supremo de 23 de setembro de 2009, publicado em www.dgsi.pt (Processo n.º 238/06.7TTBGR. S1), «[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em retas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum.»
Só os factos concretos — não os juízos de valor que sejam resultado de operações de raciocínio conducentes ao preenchimento de conceitos, que, de algum modo, possam representar, diretamente, o sentido da decisão final do litígio — podem ser objeto de prova.
Assim, ainda que a formulação de tais juízos não envolva a interpretação e aplicação de normas jurídicas, devem as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito. (…)».
Ou seja, à decisão da matéria de facto, seja da provada, seja da não provada, apenas deverão ser levados factos, não já matéria conclusiva ou juízos de valor que hajam de ser retirados, no local próprio [isto é em sede de fundamentação jurídica], dos factos.
Ora, no caso, o que consta da mencionada al. j) dos factos não provados mais não consubstancia do que um juízo de valor a retirar, ou não, do que resulta dos nºs 7, 8, 25, 26, 27 e 28 dos factos provados.
Assim sendo, e oficiosamente, tem-se como não escrita a al. j) dos factos não provados.
***
III. Objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo porém as matérias que sejam de conhecimento oficioso, (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019).
Assim, a única questão suscitada no recurso pela Recorrente consiste em saber se ocorre justa causa de resolução do contrato de trabalho pela A. e, em caso de procedência desta, dos direitos consequentes.
Por sua vez, o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto, no seu parecer, suscita as questões de erro de cálculo e de lapso de escrita.
***
IV. Fundamentação jurídica

1. Da existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho

Na petição inicial invocou a A. a ocorrência de factos que configuram assédio moral por parte da Ré e que consubstanciam justa causa de resolução do contrato de trabalho.

1.1. Na sentença recorrida referiu-se, para além das considerações jurídicas que tece, o seguinte:
“(…)
Quanto aos factos que a autora invocou como fundamento da resolução resultaram provados os seguintes:
- Pelo menos desde 26 de abril que a Ré marcou exames de condução de veículos pesados de hora a hora.
- Para a realização de exames de condução de veículos a autora necessita de deslocar-se até ao veículo onde se encontra o candidato e o instrutor, identificar o candidato e verificar os documentos (quer do candidato, do instrutor e veículo), realizar o exame (que nos veículos pesados pode ter duração de 60 minutos) comunicar o resultado, no final da prova elaborar o relatório de exame, no caso de reprovação, ou preencher a licença de aprendizagem do candidato, no caso de aprovação, depositar todos os documentos na secretaria.
- No dia 28/5/2021 foi atribuído à Autora um exame da categoria CE para as 14 horas, a qual, para cumprir os procedimentos impostos pela entidade patronal e os exigidos legalmente, terminou o exame pelas 15:15 horas.
- No dia 20/05/2021, pelas 15 horas, a Autora não realizou um exame de condução a um candidato que se apresentou com óculos graduados, com fundamento em que a licença de aprendizagem não apresentava qualquer restrição e candidato afirmou que “sem os óculos via tudo desfocado”.
- A Ré permitiu que, mais tarde, aquele candidato efetuasse o exame sem óculos, logo, sem alterar a licença de aprendizagem.
- Houve exames práticos realizados nos dias 29/05/2018 e 30/05/2018 que constam dos registos informáticos do IMT em nome da autora, quando esta se encontrava de baixa médica nesses dias.
- Foi também sorteada e com resultados atribuídos em seu nome nos exames teóricos nos dias 3 e 4 de dezembro de 2020, sem que nestes dias tenha estado presente por motivo de doença e com baixa médica.
- A Autora não esteve presente na reunião de examinadores do dia 15/06/2021 destinada a tratar de assuntos relativos aos procedimentos a efetuar nos exames de condução de motociclos.
- Não tendo a Ré, posteriormente, transmitido à Autora o resultado de tal reunião.
Os demais factos alegados pela autora na comunicação de resolução não resultaram provados. É certo que na carta de resolução a autora tece afirmações conclusivas, como o facto de existirem colegas com as mesma funções e retribuição superior à sua, e que só foram possíveis de discussão pela concretização que deles fez a ré. E nesse seguimento constatou-se pela justificação daqueles colegas auferirem retribuição superior: antiguidade superior à autora e promoções de mérito.
(…)
Ora, os factos que resultaram provados da alegação da autora, acrescido do enquadramento que lhes é dado pelos demais factos provados (alegados pela ré), e que se encontram elencados nos pontos 18. a 45., não permitem concluir qualquer conduta discriminatória da ré em relação à autora, qualquer intenção de afetar a sua reputação profissional ou pessoal.
As desconformidades ou irregularidades que até se podem apontar à conduta da ré (como o não permitir o estrito cumprimento do horário de trabalho diário, ou o agendamento dos exames em termos a causar stress no exercício da atividade profissional) não se provou que fossem destinadas em exclusivo à autora ou a um grupo específico de trabalhadores, nem que visassem denegrir a sua imagem profissional, nem que fossem idóneos a causar tal efeito.
A verdade é que os factos provados, em si, não assumem aquela gravidade de tornar impossível para autora a subsistência do vínculo laboral.
Deste modo, e na sequência de todo o exposto, não sendo de concluir pela imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, é de entender não ter a autora logrado provar a justa causa para a operada resolução do contrato de trabalho. Improcedendo, assim, e nesta parte o peticionado nos pontos II. e III. a) do petitório.”
Do assim decidido, e pelas razões que invoca, discorda a Recorrente. Em sentido contrário, concordando com a sentença, pugna a Recorrida.

1.2. Dispõe o CT/2009, sobre a justa causa de resolução do contrato de trabalho, que:
Artigo 394º [1]
Justa causa de resolução
1 – Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2 – Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante.
3 - Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;
b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador;
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
d) Transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho, em consequência da transmissão da empresa, nos termos dos n.os 1 ou 2 do artigo 285.º, com o fundamento previsto no n.º 1 do artigo 286.º-A.
4 - A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.
5 - Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
Artigo 395º
Procedimento para a resolução de contrato pelo trabalhador
1. O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.
(…)
Artigo 396º [2]
Indemnização devida ao trabalhador
1. Em caso de resolução do contrato com fundamento no facto previsto no nº 2 do artigo 394º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
2 - No caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente.
3 - O valor da indemnização pode ser superior ao que resultaria da aplicação do n.º 1 sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado.
4 - No caso de contrato a termo, a indemnização não pode ser inferior ao valor das retribuições vincendas.
5 - Em caso de resolução do contrato com o fundamento previsto na alínea d) do n.º 3 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a compensação calculada nos termos do artigo 366.º

Verificando-se, tanto na situação do nº 2, como do nº 3, do art. 394º, justa causa de resolução do contrato de trabalho, o trabalhador poderá proceder à imediata resolução do contrato, sem necessidade da concessão do aviso prévio a que se reporta o art. 400º do CT/2009.
Só que as situações previstas no nº 2 reportam-se aos casos em que a justa causa provém de comportamento culposo do empregador, consagrando o que se designa de justa causa subjetiva para a resolução do contrato de trabalho, enquanto que o nº 3, se reporta às situações em que não provêm de comportamento culposo do empregador, consagrando o que se designa de justa causa objetiva para essa resolução.
E, nos termos do citado art. 396º, nº1, apenas a primeira das situações conferirá o direito ao pagamento da indemnização nela prevista.
Como se tem entendido, para que ocorra justa causa para resolução do contrato de trabalho, seja a subjetiva, seja a objetiva, não basta a verificação da existência de alguma das situações previstas (a título exemplificativo) no nº 2 do art. 394º ou no nº 3 do mesmo. Embora com as devidas adaptações, a justa causa para a resolução deverá, grosso modo, reconduzir-se à impossibilidade/inexigibilidade de o trabalhador manter a relação laboral e ser apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º [3], preceito que dispõe que «Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e o seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.» . Para o preenchimento valorativo da cláusula geral da resolução pelo trabalhador ínsita no nº 1 do art. 394º do Código do Trabalho, não basta pois a verificação material de qualquer dos comportamentos descritos no nº 2 ou no nº 3, sendo ainda necessário que desse comportamento resultem efeitos suficientemente graves, em si ou nas suas consequências, que tornem inexigível ao trabalhador a continuação da sua atividade em benefício do empregador.
A verificação de justa causa subjetiva pressupõe, deste modo e como refere Ricardo Nascimento, Da Cessação do Contrato de Trabalho, em Especial Por Iniciativa do Trabalhador, Coimbra Editora, págs.185/186, a ocorrência dos seguintes requisitos:
a) um de natureza objetiva - o facto material integrador de algum dos comportamentos referidos nas alíneas do n.º 2 do art. 394º do Código de Trabalho (ou outro igualmente violador dos direitos e garantias do trabalhador);
b) outro de carácter subjetivo - a existência de nexo de imputação desse comportamento, por ação ou omissão, a culpa exclusiva da entidade patronal;
c) outro de natureza causal - que o comportamento da entidade patronal gere uma situação de imediata impossibilidade[4] de subsistência da relação laboral, tornando inexigível, em concreto e de acordo com as regras de boa fé, que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo.
(Na verificação da justa causa objetiva não é exigido o elemento subjetivo, ou seja, não é exigido que ela provenha de um comportamento culposo do empregador)
Mas, na apreciação da inexigibilidade do trabalhador manter a relação laboral como requisito da justa causa subjetiva de resolução do contrato de trabalho, nunca poderá ser esquecido que, enquanto o empregador dispõe de sanções intermédias para censurar um determinado comportamento, o trabalhador lesado nos seus direitos não tem modos de reação alternativos à resolução (ou executa o contrato ou resolve-o). Neste contexto, o (maior) rigor que se impõe na apreciação da justa causa invocada pelo empregador não pode ser o mesmo com que se aprecia a justa causa invocada pelo trabalhador, sendo certo que, naquele, se tutela a garantia do emprego, por um lado, e que, nesta, não tem o trabalhador, à semelhança do que ocorre com o empregador (que detém um leque variado de sanções disciplinares), outros meios de reacção ao comportamento infrator do empregador.
Como refere Júlio Manuel Vieira Gomes [Direito do Trabalho, I, 1044], «… poder-se-á pensar que a noção de justa causa deveria ser aqui simétrica à do n.º1 do artigo 396.º (Código do Trabalho 2003); no entanto, é duvidoso que assim seja já que, enquanto que o empregador dispõe de outras sanções disciplinares e deve recorrer aos meios ou sanções conservatórias, a não ser em casos extremos em que se justifica o recurso ao despedimento, de tal possibilidade não beneficia, obviamente, o trabalhador que pode, quando muito, advertir o empregador para que este, por exemplo, deixe de violar direitos contratualmente acordados ou lançar mão em certos casos da auto-tutela (designadamente, da excepção de não cumprimento do contrato). Contudo, se a violação desses direitos, por exemplo, persistir, o trabalhador pouco mais poderá fazer do que optar entre tolerar a violação ou resolver o contrato. Além disso, e em segundo lugar, ao decidir da justeza e da oportunidade de um despedimento disciplinar promovido pelo empregador tem-se em conta, não apenas factores individuais – como o grau de culpa, em concreto, daquele trabalhador ou o seu processo disciplinar – mas também as consequências do comportamento do trabalhador na organização em que normalmente está inserido, a perturbação da “paz da empresa”, e inclusive, até certo ponto, considerações de igualdade ou proporcionalidade de tratamento.
Daí que, para nós, seja defensável que, nesta situação, o limiar da gravidade do incumprimento do empregador possa situar-se abaixo do limiar do incumprimento do trabalhador que justifica do despedimento».
Também João Leal Amado [“Salários em Atraso – Rescisão e Suspensão do Contrato, Comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02 de Maio de 1991, RMP, n.º 51, 1992, 161], salienta que a conceção bilateral e recíproca de justa causa foi completamente aniquilada pela CRP, a qual, acentuando a estabilidade do emprego no que toca ao despedimento e a liberdade de trabalho no que toca à rescisão, tornou nítido que os valores em presença diferem profundamente, consoante o contrato cesse por iniciativa de uma ou de outra das partes.
Ou seja, ínsita na justa causa da resolução por iniciativa do trabalhador está também uma ideia de inexigibilidade da continuação da relação; todavia, tal inexigibilidade não se deve aferir exatamente pelos mesmos critérios e com o mesmo rigor da inexigibilidade presente na justa causa para despedimento [vide AC TRP de 20.04.2009 e do STJ de 25.03.2009, ambos in www.dgsi.pt].
Importa também dizer que a relação laboral acarreta deveres não apenas para o trabalhador, mas também para o empregador, os quais, como se refere na sentença recorrida, “constam dos artigos 126.º e 127.º, do Código do Trabalho, donde resulta a obrigação de atuação de acordo com a boa-fé e a colaboração “na promoção humana, profissional e social do trabalhador” mas, mais concretamente, no que aqui diz respeito, «o empregador deve, nomeadamente: a) Respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade; […] c) Proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral».

1.2. O assédio moral, também designado de mobbing, é uma das situações passíveis de, nos termos do nº 1 e 2, al. b), do art. 394º do CT/2009, constituir justa causa de resolução do contrato de trabalho e, isso, mesmo antes da alteração operada pela Lei 93/2019, de 04.09, que o veio destacar como justa causa de resolução.
No âmbito do CT/2003, nos termos do art. 18º , quer o empregador, quer o trabalhador gozavam do direito à respetiva integridade física e moral, proibindo os arts. 23º e 24º a discriminação, direta ou indireta (baseada nomeadamente em algum dos fatores indicados no nº 1 do art. 23º), bem como o assédio (forma de discriminação), do trabalhador e preceituando o nº 2 deste último preceito que “entende-se por assédio todo o comportamento indesejado relacionado com um dos factos indicados no nº 1 do artigo anterior, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de afetar a dignididade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.
A quem alegava a discriminação cabia fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em nenhum dos fatores indicados no nº 1- art. 23º, nº 3.
Com esta matéria se poderia, também, relacionar, a garantia consagrada no art. 122º, al. c), nos termos da qual era proibido ao empregador “exercer pressão sobre o trabalhador para que atue no sentido de influir desfavoravelmente nas condições de trabalho dele ou de companheiro”.
No âmbito do referido Código, as práticas de assédio psicológico, tal como previsto no art. 24º, estavam relacionadas com algum dos fatores previstos no nº 1 do art. 23º. No entanto, a proibição do mobbing, como forma de pressão do trabalhador, designadamente no sentido de o levar à resolução do contrato de trabalho ou à alteração das condições de trabalho, encontrava acolhimento quer no art. 18º, quer na garantia consagrada no art. 122º, al. c).
No âmbito do CT/2009, a matéria em questão continua a ter consagração legal, agora nos arts. 15º, 24º, 25º, 29º [5] e 129º, nº 1, al. c), em termos essencialmente similares, ressalvando-se embora uma diferença, qual seja a maior amplitude, relativamente ao conceito de assédio, que decorre da diferente redação do art. 29º, nº 1, nos termos do qual “Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado (…)”. [sublinhado nosso].
Ou seja, ao contrário do que sucedia com o art. 24º, nº 2, do CT/2003, que associava o conceito de assédio à verificação de um fator de discriminação (estes previstos no art. 23º, nº 1), o atual art. 29º, ao introduzir a expressão “nomeadamente”, veio “descolar” a, até então, associação entre o assédio e os fatores discriminatórios, podendo agora o assédio verificar-se em situação em que tais fatores não estejam presentes.
O mobbing constitui fenómeno que tem vindo a vulgarizar-se e que, por isso, tem merecido atenção crescente, designadamente a nível doutrinal.
Tal figura, a que poderão estar subjacentes diferentes razões ou propósitos, poderá manifestar-se por variadas formas ou práticas, designadamente através de comportamentos que, isoladamente, até poderão ser lícitos e parecer insignificantes, mas que poderão ganhar um relevo muito distinto quando inseridos num determinado procedimento e reiterados ao longo do tempo, consistindo o seu principal mérito na ampliação da tutela da vítima, ligando entre si factos e circunstâncias que, isoladamente considerados, pareceriam de pouca monta, mas que devem ser reconduzidos a uma unidade, a um projeto ou procedimento, sendo que a eventual intenção do agressor pode relevar para explicar a fundamental unidade de um comportamento persecutório. De referir, ainda, que a existência de consequências danosas a nível da saúde, física ou psíquica, do trabalhador, não sendo embora indispensável à integração de tal figura, é, no entanto, fator de relevo na indiciação da sua existência – cfr. Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, pág. 425 e segs. (concretamente pag. 426, 437 e 438).
Várias situações poderão estar subjacentes ao recurso ao mobbing, designadamente o propósito de levar o trabalhador à resolução, por sua iniciativa, do contrato de trabalho ou, tão-só, como mera forma de “retaliação” por algum comportamento daquele.
E, como tem sido assinalado pela doutrina, as fórmulas mais frequentes do mobbing consistem na marginalização do trabalhador, no esvaziamento das suas funções, desautorização, ataques à sua reputação (cfr. Ac. RP de 02.02.09, Proc. 0843819).
Tendo-se embora presente a dificuldade da sua prova, é preciso, no entanto, usar da cautela necessária na apreciação do concreto circunstancialismo de cada caso, sendo certo que nem todas as situações de exercício arbitrário do poder de direção se reconduzem a tal figura.
Sobre o mobbing pronunciou-se, entre outros, o STJ no seu Acórdão de 03.12.2014, in www.dgsi.pt, Processo 712/12.6TTPRT.P1.S1, no qual se refere, para além do mais, o seguinte [omitimos as notas de rodapé]:
“16. De acordo com o entendimento perfilhado pela generalidade da doutrina, pode dizer--se, numa formulação sintética, que o assédio moral implica comportamentos (em regra oriundos do empregador ou de superiores hierárquicos do visado) real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador[8], aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências.
Ora, é patente que uma abordagem do art. 29.º, n.º 1, do CT, apenas assente no seu elemento literal, se revela demasiado abrangente, pelo que se impõe um esforço adicional para adequadamente delimitar a sua esfera de proteção.
Com efeito, como enfatiza Monteiro Fernandes, “a definição do art. 29º não parece constituir o instrumento de diferenciação que é necessário”, uma vez que “nela cabem, praticamente, todas as situações que o mau relacionamento entre chefes e empregados pode gerar”[9].
E, como realça Júlio Manuel Vieira Gomes[10], “importa (…) advertir que nem todos os conflitos no local de trabalho são, obviamente, um “mobbing”, sendo (…) importante evitar que a expressão assédio se banalize. Nem sequer todas as modalidades de exercício arbitrário do poder de direção são necessariamente um “mobbing”, quer porque lhes pode faltar um carácter repetitivo e assediante, quer porque não são realizados com tal intenção”.
17. Ensaiando uma interpretação “capaz de servir as finalidades operatórias” do conceito de assédio, diz-nos Monteiro Fernandes[11]:
“Entrando em conta com o texto da lei e os contributos da jurisprudência, parece possível identificar os seguintes traços estruturais da noção de assédio no trabalho:
a) Um comportamento (não um ato isolado) indesejado, por representar incómodo injusto ou mesmo prejuízo para a vítima (…);
b) Uma intenção imediata de, com esse comportamento, exercer pressão moral sobre o outro (…);
c) Um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, consistente na obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (…).
A definição do art. 29.º parece, por exemplo, prescindir do elemento intencional que parece essencial à diferenciação da hipótese de assédio, face a outros tipos de comportamento incorreto, abusivo ou prepotente do empregador ou dos superiores hierárquicos do trabalhador. A interpretação do preceito deve, pois, ser feita no sentido indicado.”
18. A propósito da dimensão volitiva/final do conceito de assédio, a doutrina sempre se mostrou dividida, pois, “enquanto para alguns o mobbing pressupõe uma intenção persecutória ou de chicana (ainda que não necessariamente a intenção de expulsar a vítima da empresa), para outros, o essencial não são tanto as intenções, mas antes o significado objetivo das práticas reiteradas”.[12]
Neste âmbito, havendo que reconhecer a necessidade de uma interpretação prudente da sobredita disposição legal, também importa ter presente que não pode ser considerado pelo intérprete um “pensamento legislativo” que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo ainda presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas – art. 9.º, n.ºs 2 e 3, C. Civil.
Incontornavelmente, a lei estipula que no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante”.
No entanto, quanto aos precisos contornos desta exigência, duas observações se impõem.
Em primeiro lugar, uma vez que a esfera de proteção da norma se circunscreve, como vimos, a comportamentos que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos, não pode deixar de notar-se que é dificilmente configurável a existência de (verdadeiras) situações de assédio moral que - no plano da vontade do agente - não imponham concluir que ele, pelo menos, representou as consequências imediatas da sua conduta, conformando-se com elas.
Por outro lado, para referir que a circunstância de o legislador ter prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento não obsta à afirmação de que o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra[13] associado um objetivo final “ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável” (v.g. a discriminação, a marginalização/estigmatização ou neutralização do trabalhador, atingir a sua auto-estima ou, no tocante ao “assédio estratégico”, os objetivos específicos supra expostos).
(…)”.
Relevante é, também, o recente Acórdão do STJ de 15.12.2022, Proc. 252/19.2T8OAZ.P1, in www.dgsi.pt, no qual se refere que:
“(…)
A nossa lei define o assédio como “o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador” (n.º 2 do artigo 29.º do CT). Sublinhe-se que resulta da noção legal e da disjuntiva (“com o objetivo ou o efeito”) que o assédio pode bastar-se com a criação da situação referida, mesmo sem que haja ou tenha sido provada a intenção assediante, como poderá suceder em certas situações designadas, por vezes, de assédio organizacional. Mas no caso vertente não há necessidade de discutir a questão porquanto da matéria de facto dada como provada nas instâncias consta em alguns episódios como provada a intenção de humilhar o trabalhador (facto n.º 159-A).
Falamos em alguns episódios, porquanto o Acórdão recorrido se refere a episódios (onze no total…), mas o interesse da figura do assédio é o de permitir uma visão de conjunto e não fragmentada. O assédio é um procedimento normalmente continuado no tempo – ainda que a lei não exija uma duração mínima – cujo sentido só se apreende na totalidade com uma visão integrada do que sucedeu. Certas condutas isoladas podem não parecer graves ou até carecer de relevância, mas ganham um outro significado com uma visão que as trata como um conjunto, um todo em que as várias partes componentes se completam e potenciam o seu sentido. E daí não irmos proceder a uma análise segmento a segmento da conduta do empregador no caso dos autos.
Verifica-se, da matéria dada como provada, que o trabalhador soube, por vezes, por terceiros de modificações organizacionais da empresa que o afetavam diretamente, mas das quais não houve sequer o cuidado de o informar previamente (facto 55). Um outro trabalhador é contratado para o desempenho de uma função que constituía o essencial da sua atividade (factos 101 a 103). Na sequência da morte súbita de um colaborador próximo passa a ter um significativo acréscimo de trabalho, mas apesar das suas queixas mantêm-lhe essa carga acrescida de trabalho (facto 40). A pedido de outro diretor, pedido este com caráter de urgência, toma medidas para contratar um técnico e propõe um nome sabendo da existência de uma política da empresa de não contratar, em princípio, trabalhadores de fornecedores, tendo o cuidado de informar a administração dessa circunstância (facto 113), mas já em férias é instado a explicar-se. Convocam-se almoços de direção para os quais sem qualquer explicação não é convidado (facto 140). Em reuniões com os seus pares é publicamente acusado de “má fé” e de ego muito elevado (factos 157 e 159). E na matéria de facto dada como provada consta inequivocamente que algumas das afirmações feitas por um dos diretores executivos tiveram o propósito de humilhar o Autor (facto 159-A).
Tais condutas ultrapassam em muito a frontalidade, traduzindo-se em violações graves do dever de respeito e urbanidade que também o empregador deve ter para com os trabalhadores (artigo 127.º, n.º 1, alínea a) do CT) e da boa fé que deve presidir à execução do contrato de trabalho (artigo 126.º n.º 1 do CT) e repercutiram-se em graves danos à saúde do trabalhador, também eles comprovados.
Sublinhe-se que sendo o assédio um facto continuado que se pode prolongar por muitos meses (ou até anos) a caducidade só se deve contar a partir do último facto que o integra.
(…)”.
Importa também ter presente que, nos termos do art. 15º do CT/2009, “O empregador, incluindo pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respectiva integridade física e moral”, direito este com consagração no art. 25º, nº 1, da CRP e no art. 70º, nº 1, do Cód. Civil.
Refere Maria Regina Redinha, Da protecção da personalidade no Código do Trabalho, in Para Jorge Leite, Escritos jurídico-Laborais, Coimbra Editora, págs. 820/821, que:
«III. O objecto da protecção da personalidade é aqui a integridade física, entendida como integridade físico-psíquica, “o direito a não ser lesado na integridade físico-psíquica, tal como se possuiria se não se verificasse a lesão” (…), e a integridade moral. A integridade moral, por seu turno, é um bem da personalidade humana mais próximo da honra e dignidade da pessoa do que da existência incólume do ser físico e psíquico.
Com esta protecção relaciona-se o dever do empregador proporcionar ao trabalhador boas condições, tanto do ponto de vista físico como moral – art. 127º, nº 1, al. c), e o dever de prevenção de riscos, doenças e acidentes de trabalho – art. 127º, nº 1, al. g).
IV. A tutela da integridade física e moral, proscreve, entre outros mais imediatamente reconhecíveis como lesivos da personalidade, comportamentos vexatórios, humilhantes, cerceadores da liberdade individual, negativamente persecutórios e condutas persecutórias qualificáveis como assédio moral ou mobbing (…).
VI. As consequências da violação do direito à integridade física e moral, como qualquer outro direito de personalidade, sem prejuízo da responsabilidade penal eventualmente envolvida, traduzem-se na obrigação de indemnizar a parte lesada pela prática de facto ilícito – art. 483º , CC. (…).
Além disso, na medida em que a postergação da tutela concedida por este artigo prefigura uma violação culposa dos deveres do empregador (v.g. do dever de segurança ou de manutenção de boas condições de trabalho), verifica-se um incumprimento contratual, sancionável em sede de responsabilidade – art. 323º - (…)”.
Segundo Guilherme Dray, em anotação ao art. 18º do CT/2003 [similar ao actual art. 15º], in Código do Trabalho Anotado, 4ª edição, 2005, Almedina, pág. 18, “II. O preceito em anotação, nomeadamente quando conjugado com o art. 24º do presente diploma, proscreve a prática de actos vexatórios, hostis, humilhantes ou degradantes para a contraparte, que afectem a sua dignidade, enquanto cidadão e a respectiva honorabilidade. Sendo certo que o direito em causa pode ser invocado por qualquer das partes em presença, não deixa igualmente de ser verdade que a sua consagração teve em vista no essencial a protecção do contraente mais débil – o trabalhador – contra potenciais investidas do empregador”.
E como diz Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado do Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 4ª Edição, Almedina, pág. 390, “4. Os limites imanentes dos direitos fundamentais e dos direitos de personalidade do trabalhador são os que decorrem do princípio geral segundo o qual as situações jurídicas devem ser exercidas dentro dos parâmetros de adequação funcional ou de admissibilidade para que foram conferidas. (…)”
Importa também chamar à colação o art. 127º, nº 1, al. c), do CT/2009, nos termos do qual o empregador deve proporcionar ao trabalhador boas condições de trabalho do ponto de vista físico e moral, bem como as als. a) e g), de acordo com as quais o empregador deve respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade e garantir a segurança e saúde no trabalho do mesmo. E, ainda, o art. 126º, de harmonia com o qual o empregador e trabalhador devem proceder de boa-fé nos exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações, devendo as partes, designadamente o empregador, colaborar na obtenção da promoção humana, profissional e social do trabalhador.
Em síntese, no contrato de trabalho, o empregador está investido de um poder de “autoridade” que lhe advém do poder diretivo e conformativo da prestação laboral, devendo este, contudo, ser exercido dentro dos limites decorrentes dos referidos princípios e normas legais, mormente com observância e respeito pela integridade física e moral do trabalhador, da sua dignidade, das garantias legais do mesmo e dos deveres que sobre ele, empregador, impendem.

Por fim, importa referir que a eventual inexistência de situação de mobbing não invalida ou impede que determinado ou determinados comportamentos possam porventura consubstanciar caso de justa causa de resolução do contrato de trabalho

1.3. No caso, e tendo em conta o douto Acórdão do STJ de 15.12.2022, impõe-se proceder à apreciação global da conduta do Réu com vista a apurar da existência, ou não, de assédio, tendo-se, embora, que ter em conta não apenas os factos descritos nos nºs 5 a 11 dos factos provados, mas também o seu enquadramento em função dos nºs 20 e segs. dos mesmos e, ainda, importando, previamente, sintetizar a matéria de facto alegada e dada como provada imputada pela Recorrente à Recorrida.
É também de, previamente, abrir um parenteses para esclarecer que a factualidade descrita nos nºs 5 a 11 dos factos provados foi, no essencial, invocada pela A. na comunicação da resolução do contrato de trabalho. Porém, o referido no nº 12 dos mesmos dela não consta, afigurando-se-nos, por isso e tendo em conta o disposto no art. 395º, nº 1, do CT, que a mesma não deverá ser levada em conta.
Da matéria de facto provada decorre que:
a) Desde, pelo menos, 26.04.2021, a Ré marcou exames de condução de veículos pesados de hora a hora (nº 4), sendo que, a realização do exame, implica a necessidade da prática dos atos referidos no nº 3; porém, em regra, os examinadores não são colocados nos sorteios que impliquem exames de condução de veículos pesados consecutivos (nº 20);
b) No dia 28.05.2021 foi atribuído à A. um exame da categoria CE para as 14h00 que, por virtude da necessidade de cumprimento dos procedimentos impostos por lei, terminou pelas 15:15 (nº 6) e, nos dias: 7 de maio, 19 de maio e 16 de junho de 2021, terminou, respetivamente, às 13h29, 17h11 e 13h22 (nºs 21, 22 e 23 dos factos provados).
c) No dia 20.05.2021, pelas 15h00, apresentou-se um candidato para exame de condução com óculos graduados, não tendo a A. permitido a realização do mesmo com fundamento em que a licença de aprendizagem não apresentava qualquer restrição e o candidato “afirmou que “sem os óculos via tudo desfocado”; no dia seguinte, a mãe do candidato apresentou reclamação pela recusa da realização do exame alegando que este não precisava de óculos, que os que levada eram de descanso e que o candidato se tinha disposto a realizar o exame sem óculos, ao que a Diretora do Centro de exames do Réu, BB, contactou a instrutora do candidato que confirmou que este se dispôs a realizar o exame, mas que dizia ver tudo nublado, perante o que o Réu comunicou ao candidato que poderia realizar novo exame, mas que caso necessitasse de óculos para o realizar deveria alterar a licença de aprendizagem e, tendo-se o candidato, após, apresentado ao exame sem óculos e com licença de aprendizagem sem restrições, a Ré permitiu que ele efetuasse o exame, no qual foi aprovado (nºs 7, 8 25, 26 27, 28 dos factos provados);
d) Nos dias 29.05.2018 e 30.05.2018 realizaram-se exame práticos de condução que constam registados no IMT como tendo sido realizados pela A., quando esta, em tais dias, se encontrava de baixa médica, exames que foram realizados, nessas mesmas datas, mas a outras horas, após novo sorteio para designação de outro examinador, tendo sido as pautas assinadas, em substituição da A., pelos colegas examinadores com a menção de “baixa” da A.; no dia de realização dos exames de condução, por vezes e de forma inesperada, os examinadores não comparecem ao serviço (como acontece em situações de doença ou faltas imprevistas) mas entraram já no sorteio para um exame, situação em que têm de ser substituídos para que o candidato não perca a oportunidade de realizar o exame, sendo, nestes casos, solicitado ao IMT a autorização para substituição do examinador ou, se for possível, procede-se a novo sorteio com os examinadores presentes, alterando-se a hora do exame; a Ré não tem controlo dos dados registados pelo IMT (nºs 9, 34, 35, 29, 30 e 33 dos factos provados);
e) Nos dias 3 e 4 de dezembro de 2020, a A. foi sorteada para exames teóricos nos dias 3 e 4 de dezembro de 2020, com resultados atribuídos em seu nome, sem que nesses dias tenha estado presente por motivo de doença e com baixa médica; nesses dias 3 e 4 de dezembro, a Diretora do Centro de Exames, confrontada com ausência inesperada da A., requereu ao IMT autorização para substituição da examinadora, o que foi deferido, tendo os exames sido realizados por BB (nºs 10 e 39);
f) A A. não esteve presente na reunião de examinadores do dia 15.06.2021 destinada a tratar de assuntos relativos aos procedimentos a efetuar nos exames de condução de motociclos, reunião essa que foi informal, sobre exames e procedimentos com alguns examinadores, à porta aberta (nºs 11 e 40).
O referido quadro factual não permite concluir-se que estejamos perante um comportamento assediante por parte da Ré. Com efeito, dele, visto na sua globalidade, não resulta que estejamos perante uma prática reiterada e/ou intensa suscetível de criar à A. um ambiente hostil, degradante, intimidativo ou stressante, nem essa intencionalidade decorre da matéria de facto provada, não sendo de esquecer que não é, nem poderá ser, um qualquer comportamento, ainda que violador de algum direito ou garantia do trabalhador, ou um comportamento que “desautorize” alguma decisão do trabalhador, que poderá ser configurado como assédio, sob pena de, assim não sendo, tudo o poder ser, afigurando-se-nos ser exigível, numa apreciação global e conjunta, uma gravidade, intensidade e/ou reiteração tais que permita concluir-se no sentido da existência de um comportamento “assediante”, direcionado ao trabalhador, reprovável, ainda que não intencional.
E, no contexto do assédio (mas sem prejuízo do que adiante se dirá) não se nos afigura que tal figura se possa recortar da avaliação global e integrada da factualidade dada como provada, sendo que, para tanto, não basta a existência de um conjunto de eventuais incumprimentos contratuais ou de condutas que afetem o trabalhador, tanto mais com algum desfasamento no tempo, como sucede com o registo dos exames práticos registados no IMT em nome da A. e tendo, também, em conta que o sistema de marcação dos exames de condução de veículos pesados, de hora a hora, não tinha como destinatária, apenas, a A., mas os examinadores em geral, e sendo que a não observância do horário de trabalho desta nos dias em que tal ocorreu foi uma consequência dessa forma de marcação de exames, não de um intencional propósito de atingir a A.
Ou seja, não se nos afigura estar-se perante um comportamento suficientemente demonstrativo da verificação da figura do assédio moral.

1.4. Tal não significa, contudo, que não possa existir justa causa de resolução do contrato de trabalho, sendo que esta não está circunscrita à verificação de uma situação de assédio.
E é o que se irá apreciar.
No que se reporta ao facto de a A. não ter estado presente na reunião de examinadores do dia 15.06.2021 destinada a tratar de assuntos relativos aos procedimentos a efetuar nos exames de condução de motociclos, reunião essa que era informal, à porta aberta, não decorre de tal facto, só por si, que o mesmo seja violador de direito ou garantia legal da A. e sendo que, da factualidade provada, não resulta que A. não tenha tido conhecimento de tal reunião e, designadamente que, por isso, a ela não tivesse podido comparecer. Diga-se que o que a A. alegou na comunicação de resolução do contrato de trabalho é que foi deliberadamente excluída dessa reunião, que foi (a A.) duas vezes à sala e foi totalmente ignorada pela Diretora, do que não foi feia prova. Não se vê, assim, que tal factualidade tenha relevância para efeitos da justa causa de resolução do contrato de trabalho.
No que toca ao referido em c) – exame relativo a candidato que se apresentou com óculos graduados, candidato esse que, segundo a A. e a instrutura, referiu que sem eles via tudo “desfocado” e “nublado”, sem que da licença de aprendizagem constasse tal restrição e que a A. recusou fazer-lhe, por essa razão o exame, mas que a Diretora do Centro de Exames o veio a autorizar:
Trata-se de decisão no âmbito da gestão operacional da atividade da Ré, que é quem assume os riscos da mesma, sendo de salientar que a referida Diretora não impôs à A. a sua realização, nem lhe imputou a violação do dever de obediência por parte desta (sendo de salientar que, nos termos do art. 128º, nº 1, al. e), do CT, tal dever cessa quando as ordens sejam contrárias aos direitos ou garantias do trabalhador). Poder-se-ia dizer que, tendo o referido candidato dito que via tudo nublado ou desfocado sem os óculos, seria justificada a recusa da A. em fazer o exame e/ou que seria mais avisado por parte da Diretora do Centro que não tivesse autorizado a realização do exame (uma vez que tal constituía ou poderia constituir uma desconformidade entre a situação visual atual do candidato e a licença de aprendizagem - arts. 9º, 18º, nº 1, al. b), 31º e 33º do DL 138/2012, de 05.07) e que o exame poderia comprometer a segurança rodoviária se realizado sem óculos. Assim como se poderia dizer que é ou seria compreensível que a A. não tivesse ficado agradada com tal decisão e/ou que se tivesse sentido desautorizada ou, até mesmo, que tal configuraria uma “desautorização” da A. Não se nos afigura, contudo, que tal afete direito ou garantia legal da A., designadamente o direito ao seu bom nome e dignidade profissional, muito menos em moldes de consubstanciar comportamento culposo da Ré para com a A. suscetível de determinar a impossibilidade/inexigibilidade de manter a relação laboral e de constituir justa causa de resolução do contrato de trabalho. Bem ou mal, “arriscada” ou não, a decisão da Ré de autorizar a realização do exame insere-se nos poderes de decisão/gestão do empregador, que não cabe ao trabalhador sindicar, mas sim acatar, sendo de salientar que, no caso e como referido, a Ré não ordenou à A. que esta realizasse tal exame. Se fosse este o caso, mas que não é, a recusa da A. poderia consubstanciar desobediência legítima à ordem mas, como referido, não é o caso.
No que toca se refere ao nº 4 dos factos provados – marcação de exames de hora a hora – e tendo em conta que o horário de trabalho da A. era das 9h00 às 18h00, com intervalo para almoço das 13h00 às 14h00:
Por via do horário de trabalho determinam-se as horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, delimitando o período normal de trabalho diário e semanal do trabalhador (art. 200º, nºs 1 e 2, do CT/2009) que, assim, deverá ser prestado dentro desse período. Tal significa, pois, que não pode ser exigido ao trabalhador a prestação de trabalho em violação de tal horário, nem o trabalhador pode ser colocado, perante a organização do trabalho pelo empregador, em posição de não poder cumprir o seu horário de trabalho. É ao empregador que, dentro dos seus poderes conformativos e organizativos da sua atividade, compete organizar a prestação dessa atividade em moldes que permitam a observância e compatibilidade dessa prestação com o horário de trabalho dos trabalhadores.
Não obstante, no caso, foi dado como não provado na al. h) dos factos não provados, que não foi impugnado, que os procedimentos que a A. tinha de cumprir nos exames marcados pela Ré a impedissem de cumprir o seu período de descanso das 13h às 14h, com exceção do que consta dos nºs 21 e 23 dos factos provados. Diga-se que levado à decisão da matéria de facto, designadamente não provada, determinado facto, não pode a Relação, sem que tal facto tenha sido impugnado, extrair conclusão ou facto contrário ou diferente daquele que foi decidido pela 1ª instância.
Assim, no caso, apenas há que considerar, para efeitos da invocada justa causa de resolução, que os exames realizados pela A. nos dias 7 de maio de 2021 e 16 de junho de 2021 terminaram, respetivamente, às 13h29 e às 13h22, ou seja, no período de descanso da A. que era das 13h00 às 14h00, o que determina, nesses dois dias, a inobservância do horário de trabalho da A. nos períodos das 13h00 às 13h29 e das 13h00 às 13h22, assim devendo tal factualidade ser equacionada, no juízo global que adiante se efetuará, para efeitos da apreciação da existência da invocada justa causa de resolução do contrato de trabalho.
No que se reporta aos registos de exames práticos, no IMT, como tendo sido feitos pela A. nos dias 29 e 30 de maio de 2018 quando esta se encontrava de baixa médica:
É certo que existem exames práticos realizados nos dias 29.05.2018 e 30.05.2018 que constam dos registos informáticos do IMT em nome da A. quando esta os não realizou uma vez que se encontrava de baixa médica nesses dias, mais decorrendo que os mesmos foram realizados por outro examinador após novo sorteio, tendo as pautas sido por este assinadas em substituição da A. com menção de baixa e, bem assim, que a Ré não tem controlo sobre os dados registados pelo IMT (nº 33 dos factos provados).
Nos termos do ponto 2.1. do Despacho n.º 17150/2005 (2.ª série) o sorteio dos exames práticos devem ter lugar nos 10 minutos que antecedem cada prova [aliás, o próprio Réu alega no art. 41º da contestação que “ Como referido pela A. os sorteios informáticos através dos quais são designados os examinadores, são realizados 10 minutos antes do início de cada prova (no caso dos exames párticos)”], pelo que quanto aos exames práticos dos dias 29.05.2018 e 30.05.2018 (cfr. nºs 9 e 34), mal se compreende que tivesse a A. sido sorteada para os exames quando não estava presente uma vez que estava de baixa médica e não decorrendo dos factos provados que a ausência/baixa nesses dias e/ou antes do sorteio haja sido inesperada. Por outro lado, ainda que hajam sido feitos novos sorteios, havendo sido outros examinadores que, em substituição da A., assinaram as pautas com a menção de “baixa” da A., o certo é que no IMT era o nome da A. que se encontrava registado como tendo os exames sido feitos por ela, sendo que não era à A., mas sim ao Réu que competia fornecer ao IMT os elementos necessários aos registos ou, no mínimo, explicar os procedimentos que tomou, ou não tomou, de modo a que se pudesse concluir não ser da sua responsabilidade, mas sim do IMT, essa discrepância. Ora, tal não decorre da matéria de facto provada, não bastando a alegação e prova de que o Réu não tem controlo dos dados registados pelo IMT. Cabia-lhe, como referido, alegar e provar, na medida em que sobre ele impende a obrigação do cumprimento das comunicações necessárias para efeitos do registo e do seu correto cumprimento, os factos que permitissem concluir que tomou as providências necessárias, e quais, de modo a que se pudesse concluir ser da responsabilidade do IMT o facto de estarem os registos em nome da A. quando não foi esta que fez os exames, factos esses que não decorrem da factualidade provada.
Entende-se, assim, que tal factualidade deverá ser equacionada, no juízo global que adiante se efetuará, para efeitos da apreciação da existência da invocada justa causa de resolução do contrato de trabalho.
Quanto aos exames teóricos dos dias 3 e 4 de dezembro de 2020, decorre dos factos provados dos factos provados que a A. foi sorteada para os mesmos pese embora não estivesse presente por motivo de doença e com baixa médica. Mas decorre também que essa ausência foi inesperada e que o Réu, quando com ela confrontado, requereu ao IMT autorização para substituição da examinadora, o que foi deferido por esta entidade, tendo os exames sido realizados por BB (nº 39). Ora, perante o referido, não se vê que seja imputável ao Réu comportamento suscetível de afetar a A., sendo de salientar que, em relação a estes exames teóricos, não decorre dos factos provados que os mesmos se encontrem registados no IMT como tendo sido feitos pela A., mas tão só que esta foi para eles sorteada (e, depois e como referido, substituída com autorização do IMT). Não se nos afigura, pois, que tenha tal facto relevância para efeitos de integração da justa causa de resolução do contrato de trabalho.
Ou seja, dos comportamentos imputados pela A. ao Réu apenas haverá que atender, para efeitos de eventual verificação de justa causa de resolução do contrato de trabalho:
i) à violação (parcial), nos dias 07.05.2021 e 16.06.2021, do período de descanso que tinha início às 13h00 (das 13h00 às 14h00), pois que, nesses dias e por virtude da forma de organização do trabalho pelo Réu, a A. o iniciou às 13h29 e às 13h22, respetivamente;
ii) ao facto de se encontrarem registados no IMT exames práticos feitos pela A. nos dias 29.05.2018 e 30.05.2018, quando esta os não fez pois estava de baixa médica.
Pese embora a menor exigência na verificação dos requisitos da justa causa de resolução do contrato de trabalho do que na justa causa de despedimento, afigura-se-nos, ainda assim, que a referida factualidade não consubstancia justa causa de resolução do contrato, não determinando a impossibilidade/inexigibilidade, para a A., de manter o contrato de trabalho.
Com efeito:
No que toca ao referido em i), a violação, apenas por duas vezes, da hora de início do período de descanso (para almoço) afigura-se-nos ser manifestamente insuficiente, tanto mais, e por um lado, que tal se verificou apenas duas vezes e durante um curto período em cada uma delas (cerca de 30 e 20 minutos), para além de que não decorre dos factos provados que tal tivesse impedido a A. de, nesses dias, prolongar o descanso para almoço para além das 14h00. Com efeito, dos factos provados (e alegados) não resulta que a A. tivesse tido que iniciar outro exame de condução às 14h00 e/ou que tivesse tido qualquer outra tarefa a executar que a tivesse impedido de prolongar, com o tempo em falta, esse período de descanso para além das 14h00.
No que se refere ao referido em ii), admite-se que, em abstrato, a desconformidade entre a realidade e o que se encontra registado no IMT relativamente aos exames práticos dos dias 29.05.2018 e 30.05.2018 poderia não ser irrelevante ou despiciendo, sendo certo que, perante tais registos, poderia porventura a A. ser confrontada com alguma anomalia relativamente a tais exames que não realizou.
Não obstante, da matéria de facto provada não resulta (nem foi alegado) que, daí e em concreto, tenha resultado qualquer consequência para a A., mormente a imputação de alguma anomalia relativamente a tais exames. Por outro lado, e pese embora a A. haja alegado delas ter tido conhecimento apenas em 09.06.2021, tratam-se de duas situações verificadas três anos antes da data da resolução do contrato, sendo que a justa causa de resolução, por regra e na medida em que determina a imediata impossibilidade/inexigibilidade de manutenção da relação laboral, tem como pressuposto alguma atualidade da factualidade subjacente à resolução, sendo que, após essas duas desconformidades de 2018, não resulta existirem quaisquer outras posteriores. Acresce que, como decorre dos nºs 34 e 35 dos factos provados, tais exames foram realizados por outros examinadores, mas a outras horas, após novo sorteio, examinadores esses que assinaram as pautas dos exames com a menção de “baixa” da A., o que, também e em caso de alguma eventual anomalia dos exames, sempre afastaria a responsabilidade da A.
Por fim, no que toca à “desautorização” da A. relativamente ao episódio descrito nos nºs 7, 8, 25, 26, 27 e 28 dos factos provados remete-se para o que já acima se deixou dito.
Ora, tudo ponderado e ainda que num juízo de menor exigência da gravidade do que aquele que é exigido na apreciação da justa causa de despedimento, não se nos afigura que o comportamento da Ré seja de tal forma grave, em si e/ou nas suas consequências, que determine a imediata impossibilidade/inexigibilidade de a A. manter a relação laboral, sendo a mencionada factualidade insuficiente para o efeito.
Assim sendo, improcedem as conclusões do recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida.

2. Dos lapsos de cálculo e de escrita invocados pelo Ministério Público no seu parecer

2.1. No seu parecer, o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto fez referência à existência de lapso no cálculo das retribuições que se consideram ser devidas à A. [e que vieram a ser objeto de compensação, pela Ré, com o crédito pela indemnização por falta de aviso prévio decorrente da resolução do contrato de trabalho sem justa causa – arts. 399º, 401º e 400º, nº 1, do CT/2009], transcrevendo a sentença e concluindo que: “Assim somando os valores em dívida de 919,02€, de 1.459,64€ e 1.315,86€, o valor total em dívida, cremos que é, não de “€2.775,50” mas de 3.694,52€.

Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“Pede ainda a autora os créditos laborais relativos à retribuição e subsídio de alimentação dos dias de trabalho do mês de junho de 2021; a 14 dias de férias não vencidas no dia 1/1/2021 e não gozadas e os proporcionais de férias, e subsídios de férias e de natal do ano da cessação do contrato de trabalho.
Aquando da cessação do contrato de trabalho a ré pagou à autora, entre o mais, as seguintes quantias:
- €1.684,87 a título de retribuição base referente a junho de 2021, deduzida da quantia de €449,00 referente ao período de 22 a 30 de junho;
- €144,97 por 19 dias de subsídio de refeição;
- €192,30 a título de dois dias de férias não gozadas;
- €961,52 a título de subsídio de férias, por referência a 10 dias de férias;
- €1.146,80 a título de crédito por formação profissional.
A estas quantias a ré descontou a quantia de €3.274,39 referente à falta de pré-aviso.
Resulta dos factos provados que a retribuição da autora ascendia a €1.684,87 aquando da cessação do contrato de trabalho.
Deste modo, e tendo trabalhado apenas 21 dias no mês de junho de 2021, é de concluir pelo correto pagamento da retribuição desse mês. De igual modo foi também processado pela ré o subsídio de refeição pelos dias de trabalho em junho de 2021.
Pretende a autora que a ré proceda a pagamento da retribuição de 14 dia de férias, vencidas a 1/1/2021. A ré procedeu à liquidação de 2 dias de férias, alegando que no ano de 2021 a autora penas tinha direito a 10 dias de férias, proporcional ao tempo de trabalho de 2020, por força do disposto no art. 239º, n.º 6, do Código do Trabalho, já que esteve de baixa médica entre 2 de dezembro 2020 a 13 janeiro de 2021
Vejamos,
Resulta dos factos provados que a autora esteve numa situação de incapacidade temporária por doença por um período de um mês e 11 dias, entre o dia 2/12/2020 e o dia 13/1/2021.
Tratando-se de uma situação de incapacidade temporária por facto que não lhe é imputável, mas que decorreu por um período superior a 30 dias, determina o art. 296º n.º 1 do Código do Trabalho que ocorreu uma suspensão do contrato de trabalho
De acordo com o n.º 6 do art. 239º do Código do Trabalho, no “ano de cessação de impedimento prolongado iniciado em ano anterior, o trabalhador tem direito a férias nos termos dos n.os 1 e 2.
Por sua vez, dispõem estes n.ºs 1 e 2 do mesmo art. 239º:
1 - No ano da admissão, o trabalhador tem direito a dois dias úteis de férias por cada mês de duração do contrato, até 20 dias, cujo gozo pode ter lugar após seis meses completos de execução do contrato.
2 - No caso de o ano civil terminar antes de decorrido o prazo referido no número anterior, as férias são gozadas até 30 de Junho do ano subsequente.
Da conjugação destas normas resulta que em janeiro de 2021 (após a cessação da suspensão do contrato), a autora tinha direito ao gozo das férias referentes ao ano anterior (2020) na proporção da duração do contrato nesse ano, as quais só poderia gozar decorridos seis meses das execução do contrato. Tendo a execução do contrato de trabalho decorrido durante 11 meses no ano de 2020, é de considerar que, pelo trabalho prestado nesse ano, a autora tinha direito a 20 dias de férias.
Tendo gozado 8 desses dias de férias, tem a autora direito à retribuição dos restantes 12 dias, que ascende à quantia de €919,02.
Por outro lado, dispõe ainda o art. 245º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho, que no ano da cessação do contrato de trabalho tem o trabalhador direito à retribuição de férias e respetivo subsídio proporcional ao tempo de duração do contrato nesse ano – 5 meses e 9 dias. Correspondendo este tempo de duração do contrato a 9,57 dias de férias, é de considerar que a autora tem ainda direito à retribuição de férias no montante de €732,92 pelo ano da cessação do contrato.
Do exposto resulta que o crédito da autora decorrente da retribuição de férias por férias vencidas e não gozadas e proporcionais ao ano da cessação do contrato ascende a um total de €1.651,94. Uma vez que a ré lhe pagou, a esse título, a quantia de €192,30, é ainda devedora da quantia de €1.459,64.
No que respeita ao subsídio de férias, o raciocínio exposto tem inteira aplicação considerando que este é correspondente à duração mínima das férias.
Assim, pelos 20 dias de férias referentes ao ano de 2020, que se venceram em janeiro de 2021, a autora tem direito ao respetivo subsídio pelo valor de €1.544,46; e pelos 5 meses e 9 dias de duração do contrato no ano de 2021 tem a autora direito ao subsídio de férias pelo valor de €732,92, num total de €2.277,38. Uma vez que a ré pagou à autora a quantia de €961,52 a título de subsídio de férias aquando da cessação do contrato é ainda devedora do montante de €1.315,86.
Pretende ainda a autora a condenação da ré no pagamento da quantia de €1.146,80 a título de proporcionais do subsídio de natal no ano da cessação do contrato de trabalho (direito que lhe confere o art. 263º, n.º 2, al. b), do Código do Trabalho).
Considerando a retribuição base da autora e o tempo de duração do contrato no ano de 2021, é de entender que a autora teria direito a um subsídio de natal de €732,92. Considerando que a ré lhe pagou a esse título a quantia de €940,15, nada mais tem a autora a exigir a esse título, improcedendo nesta parte o peticionado.
Insurge-se ainda a autora quanto à dedução efetuada pela ré do valor de €3.274,39 por violação do aviso prévio de denúncia do contrato de trabalho.
De acordo com o disposto no art. 399º do Código do Trabalho, “não se provando a justa causa de resolução do contrato de trabalho, o empregador tem direito a indemnização dos prejuízos causados não inferior ao montante calculado nos termos do art. 401º”; a qual equivale ao valor da retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta do aviso prévio em caso de denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador. Por força do disposto no n.º 1 do art. 400º do Código do Trabalho o prazo do aviso prévio no contrato de trabalho em causa seria de 60 dias.
Assim, não tendo a autora justa causa para resolução de seu contrato de trabalho, é lícita esta compensação operada pela ré, pelo que nada há a ordenar quanto a tal.”
Na sentença recorrida considerou-se, pois, que a A. era credora da quantia global de €2.775,00 a título de:
- €1.459,64, de 12 dias de férias vencidas em 2021 (referentes a 2020) e de férias proporcionais a 5 meses e 9 dias de trabalho prestado em 2021, já descontada a quantia de €192,30 [€919,02 referentes aos 12 dias de férias + €732,92 referentes ao proporcional a 5 meses e 9 dias - €192,30 já pagos pela Ré];
- €1.315,85 referentes a 20 dias de subsídio de férias relativo às férias vencidas em 2021 (pelo trabalho prestado em 2020) e ao subsídio de férias proporcional ao trabalho prestado em 2021, já descontada a quantia de €916,52 paga pela Ré [€1.544,46 referente aos mencionados 20 dias + 732,92, referentes ao proporcional de 5 meses e 9 dias - €916,52 já pagos pela Ré);
-Nada sendo devido a título de subsídio de Natal proporcional a 2021 pois que, a tal título, teria a A. direito a €732,92, sendo que a Ré pagou €940,15.
A mencionada liquidação não foi impugnada pela A. no recurso e, por outro lado, não se verifica o mencionado lapso.
Com efeito, no parecer foram autonomizadas as quantias de 919,02€ e de 1.459,64€ quando, como decorre do que se disse, a quantia de 1.459,64€ referida na sentença já inclui a de €919,02 [€919,02 referentes aos 12 dias de férias + €732,92 referentes ao proporcional a 5 meses e 9 dias - €192,30 já pagos pela Ré = 1.459,64€], totalizando o somatório das quantias de 1.459,64€ e de 1.315,86€ o valor total de “€2.775,50” considerados na sentença.

2.2. Por fim, invoca ainda o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto a existência, na sentença recorrida, do seguinte lapso de escrita: “lapso de escrita: A fls. 16 da sentença em recurso deu-se como provado que “A carta reproduzida em 14. e data de sua receção pela ré, referida em 15., resultam ainda do documento juntos aos autos a fls. ?????????????????????”, sem que que fosse indicada a página na qual se encontra junta a referida carta”.
Tal lapso reporta-se à fundamentação da decisão da matéria de facto relativa ao nº 15 dos factos provados [“15. A carta foi recebida pela ré a 22/6/2021”], o qual não foi impugnado no recurso por nenhuma das partes, lapso que, assim, se mostra irrelevante, pelo que nada há a determinar. De todo o modo, sempre se dirá que tanto a A., no art. 40º da p.i. [“40. A carta foi recebida pela Ré a 22/06/2021 – Doc. 7 data em que cessou o contrato”], como o Réu, no art. 87º da contestação [“87. O contrato de trabalho cessou no dia 22 de junho de 2021”], estão de acordo que o contrato de trabalho cessou no dia 22.06.2021, tal como dado como provado.
***
IV. Decisão

Em face do exposto acorda-se em julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 17.04.2023
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas
______________
[1] Com as alterações introduzidas pelas Leis 14/2018, de 19.03 e 93/2019, de 04.09.
[2] Com a alteração introduzida pela Lei 14/2018, que aditou o nº 5.
[3] Cfr., designadamente, Acórdãos do STJ de 05.02.2009, Proc. 08S2311 e de 18.04.2007, Proc. 06S4282., ambos in www.dgsi.pt; e Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª Edição, Principia, pág.540.
[4] Essa impossibilidade prática, por não se tratar de impossibilidade física ou legal, remete-nos, necessariamente, para o campo da inexigibilidade, a determinar através do balanço, em concreto, dos interesses em presença.
[5] Este preceito foi objeto de alteração introduzida pela Lei 73/2017, de 16.08, mas sem relevância para o caso.