Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
288/15.2PIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Nº do Documento: RP20160127288/15.2PIPRT.P1
Data do Acordão: 01/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 666, FLS.88-97)
Área Temática: .
Sumário: Se o arguido agrediu a sua ex companheira de forma barbara em público ao mesmo tempo que reclamava para si esse direito, por ser a mãe do seu filho, actuou de forma idónea a afectar o bem-estar psicológico, a saúde e a dignidade humana da vítima.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 288/15.2PIPRT.P1
Data do acórdão: 27 de Janeiro de 2016

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Fátima Furtado

Origem: Comarca do Porto
Instância Local do Porto | Secção Criminal

Acordam os juízes, acima identificados, da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos em que figura como recorrente o Ministério Público;
I - RELATÓRIO
1. No dia 24 de Setembro de 2015 foi proferida a sentença no âmbito dos presentes autos, que terminou com a condenação do arguido nos seguintes termos:
«Por todo o exposto, julgo improcedente, por não provada, a acusação deduzida contra o arguido B… pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152 n.º 1 b) do Código Penal, e em consequência absolvo-o do mesmo.
Julgo provada e procedente a prática pelo arguido B… pela prática de factos integradores de um crime de ofensa à integridade física simples previsto e punido pelo art. 143 n.º 1 do Código Penal (para o qual se convola a acusação pública), e em consequência condeno-o na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 5€, perfazendo o total de 600€.
Mais condeno o arguido nas custas do processo, fixando em 2 UC a taxa de Justiça
(…).»

2. Inconformado com a sentença proferida, o Ministério Público interpôs recurso da mesma, terminando a motivação com a formulação das seguintes conclusões:
(…) a douta sentença a quo enferma dos vícios de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão e de erro notório na apreciação da prova, nos termos das alíneas b) e c) do n.º 2, do art.º 410.º do C.P.P;
Incide a contradição entre a factualidade considerada provada nas alíneas d), l) e m), por um lado, e o ponto 5 dos factos não provados, excluído o segmento “atingindo-a no corpo e na saúde … repetidamente”.
III - Por sua vez, em face dos factos provados em g), h) i), k), l) e m) impunha-se uma decisão de sentido diferente.
IV- De acordo com a alínea d) dos factos provados, o arguido dirigiu à ofendida as expressões ali referidas no decurso de várias discussões que tiveram lugar desde Junho de 2013 até ao termo da vida em comum.
V- A considerar-se provado que as expressões injuriosas terão sido proferidas em várias ocasiões, como decorre da referida alínea d) e a manter-se o teor da alínea m) afigura-se-nos que tais expressões, pelo seu cariz objectivamente injurioso e ofensivo, não poderão deixar de traduzir e relevar para o preenchimento do tipo de ilícito.
VI- Tendo sido considerado provado que no tempo da vida em comum o arguido e a ofendida discutiam e eram proferidas palavras ofensivas da honra e consideração e que, no dia 20 de Fevereiro de 2015, o arguido apertou o pescoço e deu uma cabeçada na ofendida, causando-lhe lesões físicas e querendo esse resultado, haveria de extrair-se de tais condutas o desvalor e censurabilidade exigidos na previsão legal do crime de violência doméstica.
VI- Sendo certo que foi considerado provado um único episódio de violência física, importaria fazer relevar, para o seu enquadramento jurídico-penal, a factualidade constante da alínea i), a qual não poderá deixar de contribuir para a caracterização da conduta do arguido, na perspectiva de relação de domínio entre agressor e vítima, traduzindo uma atitude de desrespeito, a carecer da reforçada tutela penal visada pelo crime de violência doméstica, tal como tem sido caracterizado na doutrina e na jurisprudência, e melhor se encontra expendido nos doutos Acórdãos c.d.v. citados supra.
VII- Atento o exposto, decidindo em contrário, incorreu a douta sentença a quo nos vícios de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, e de erro notório, nos termos das alíneas b) e c) do n.º 2, do art.º 410.º, que afectam a essência da questão a decidir, impondo-se a sua clarificação com vista a estabelecer a responsabilidade ou irresponsabilidade criminal do arguido pelo crime que lhe vem imputado ou qualquer outro.
Nestes termos e nos melhores de Direito deverá ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a douta sentença recorrida ou determinando-se o reenvio do processo, nos termos do art.º 426.º do C.P.P., se assim for entendido.

3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo.
4. O arguido apresentou resposta à motivação do recurso, devidamente fundamentada, pugnando pela sua improcedência.
5. O Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu parecer, devidamente fundamentado, pugnando pela procedência do recurso, enfatizando que a sentença procedeu a um enquadramento jurídico errado, concluindo que o arguido incorreu na prática de um crime de violência doméstica (artigo 152º, 1, b) do Código Penal), pelo qual se encontrava acusado e, consequentemente, como tal deverá ser condenado na pena correspondente.
6. O recorrido não apresentou resposta ao douto parecer.
7. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal].

Questões a decidir
Do thema decidendum dos recursos:
Para definir o âmbito dos recursos, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as questões substanciais a seguir concretizadas – sem prejuízo de outra(s) de conhecimento oficioso -, que sintetizam as conclusões da recorrente, constituindo, assim, o seu thema decidendum:
a) vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão;
b) vício de erro notório na apreciação da prova;
c) os factos provados descritos nas alíneas d), m) e i) integram o tipo de ilícito pelo qual o arguido vinha acusado.

II – OS FACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES

Perante as questões suscitadas no recurso da sentença, torna-se essencial - para a devida apreciação do seu mérito - recordar a fundamentação de facto e de direito da decisão final:
«II – Fundamentação
2.1. – Motivação de facto
2.1.1. – Factos Provados
Discutida a causa, provou-se que:
a) A ofendida C… conheceu o arguido no ano 2010, tendo iniciado uma relação de namoro com ele em Outubro do ano seguinte.
b) Deste relacionamento existe um filho, o D…, nascido a 3 de Junho de 2013.
c) Em Junho de 2013 a ofendida e o arguido decidiram juntar-se e passar a viver debaixo do mesmo tecto, numa habitação sita na Rua …, no Porto, assim se mantendo até data indeterminada mas situada entre Maio de 2014 e Novembro de 2014.
d) Sucede que, a partir de Junho de 2013, e durante todo o tempo que viveram juntos na mesma habitação, o arguido e a ofendida tiveram várias discussões no decurso das quais o arguido chamou “vaca”, “puta” e “porca” à ofendida, sendo que ela lhe respondia no mesmo tom.
e) Em data indeterminada do período de convivência marital, no interior da habitação do casal, a ofendida verificou que o arguido tinha tatuado no braço o nome de outra mulher, pelo que o confrontou, gerando-se discussão.
f) No dia 20 de Fevereiro de 2015, cerca das 14h50, após ter mantido uma conversa telefónica com a ofendida, relacionada com as visitas ao D…, o arguido deslocou-se ao local de trabalho dela, na …, no Porto.
g) Ao avistar a C…, o arguido abordou-a e, ao mesmo tempo que lhe dizia “é assim que se apanha”, desferiu-lhe uma cabeçada e deitou-lhe as mãos ao pescoço, apertando-lho, assim a obrigando a recuar, até bater com a cabeça e as costas na parede de um edifício existente no local.
h) Na sequência desta atuação do arguido, a ofendida sofreu traumatismo da cabeça e do pescoço.
i) Quando foi chamado à atenção por transeuntes que passavam no local, o arguido ainda proferiu, alto e bom som, o seguinte “ela é mãe do meu filho, eu faço o que quiser”.
j) No dia 4 de Março de 2015, foram aplicadas ao arguido as medidas de coacção de afastamento da ofendida e de proibição de com ela estabelecer quaisquer contactos.
k) O arguido actuou de forma livre, deliberada e consciente, sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei penal.
l) Sempre que insultou, bateu e dirigiu palavras à ofendida o arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo o que estava a fazer e que não podia nem devia fazê-lo, dado que nada justificava o seu comportamento.
m) O arguido agiu com a intenção conseguida de maltratar fisicamente a ofendida e de a atingir na honra e consideração, o que logrou.
n) O arguido mostrou-se arrependido.
o) Vive com a sua mãe, que o sustenta e convive alguns fins de semana com o filho.
p) É estudante em curso profissional.
q) Foi anteriormente condenado por crime de furto, cometido em 2011 em pena de multa substituída por admoestação; 4 crimes de roubo, cometidos em 2011 na pena de 1 ano e 9 meses de prisão suspensa na execução.
2.1.2 - Factos não provados:
Com pertinência ao objecto do processo não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contrário dos constantes no ponto anterior, designadamente que:
1. Nas discussões referidas em d) o arguido tenha agredido a ofendida, com bofetadas na cara e murros no corpo, e lhe tenha dirigido, em tom de voz grave e sério, as expressões seguintes: “qualquer dia mato-te”.
2. Em data não apurada, mas no período de tempo compreendido entre Junho de 2013 e Dezembro de 2014, porque a ofendida se atrasou a chegar à estação de metro, o arguido lhe tenha desferido um estalo que a atingiu na face, provocando-lhe dores e um hematoma.
3. Noutra ocasião, no interior da habitação do casal, porque a ofendida o afastou de si durante uma discussão, o arguido lhe tenha dado um murro na cabeça, junto a um dos ouvidos, causando-lhe igualmente dores e ferimentos que contudo não careceram de tratamento hospitalar.
4. Na ocasião referida em e) o arguido tenha batido na ofendida, desferindo-lhe murros por todo o corpo.
5. O arguido tenha maltratado psicologicamente a sua companheira, e mãe do seu filho, atingindo-a no corpo e na saúde, na honra e na consideração, repetidamente.

2.1.3 – A convicção do Tribunal
O arguido prestou declarações. Confirmou o que consta em a), b), c) (situando o fim da convivência em Outubro, Novembro de 2014), d) (dizendo que a discussão era entre dois e que a ofendida respondia no mesmo tom, sendo que se confessou a primeira parte não havia razão para, sem mais, omitir a segunda parte), e) (esclarecendo que foi durante a convivência, e antes de Dezembro 2014), f), g) (embora tenha dito que não deu cabeçada e só “encostou” a sua cabeça à da C… e ela não bateu na parede, só encostou), e i).
O demais constante de g) e h) foi assente tendo em conta a informação aposta a fls. 4, que dá conta, logo na ocasião, da existência de ferimentos ligeiros, e não é credível que uma pessoa, nervosa ao ponto de apertar o pescoço a outra, como o arguido reconheceu ter feito, vá apenas “encostar” a sua cabeça à do outro e o vá apenas “encostar” à parede.
O demais constante de k), l) e m) resultou também do que o arguido admitiu.
O arguido negou a prática dos factos considerados não assentes. Admitiu que possa ter dito em algum momento que mataria a ofendida mas disse também que não falava a sério.
A ofendida optou por não prestar declarações. Aquando da sua identificação confirmou apenas a data em que iniciou a vida em comum com o arguido mas disse que deixaram de viver juntos em 19 de Maio de 2014. Ficou por apurar o momento preciso da separação.
No demais, apenas foi inquirida E…, que vive em união de facto com um irmão da ofendida. Conhecimento directo dos factos descritos a testemunha não tinha nenhum, já que na sua frente nada se passou. Apenas pode relatar o que viu depois ou o que a ofendida lhe contou que tinha acontecido. Mas se a própria ofendida entendeu não depôr em audiência, o que contou a terceiros não releva, até por força do disposto no art.º 130 Código de Processo Penal. A testemunha reportou-se a um telefonema que recebeu da ofendida, teria o D… meses de idade, foi a casa dela e ela apresentava-se com uma marca num olho. Como foi a marca produzida só sabia o que a ofendida lhe dissera. Referiu que uma vez ouviu uma “ameaça”. Exactamente o que ouviu, quando e onde não explicou. Disse que não tinha muita proximidade com a C… – o que explica o seu depoimento vago - e que a dada altura até decidiu afastar-se do convívio porque houve situações em que “a C… dizia uma coisa, o B… outra, depois eles ficavam bem e nós (a própria e companheiro) é que ficávamos com os problemas”.
Sendo esta prova a produzida em audiência, não havendo exames periciais relevantes a considerar nem comprovação médica de lesões físicas, admitindo o arguido alguns factos e negando outros, não se pôde ir mais além na matéria provada.
Os antecedentes criminais do arguido estão descriminados do CRC junto aos autos e as suas condições de vida actuais foram descritas pelo próprio.
Os descritos meios de prova, analisados à luz das regras de experiência, serviram para formar a convicção supra expressa.

2.2 – Motivação de Direito
2.2.1 A questão da culpabilidade
O arguido vem acusado da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152 n.º 1 b) do Código Penal, nos termos do qual " quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
Com a criminalização da conduta descrita no tipo legal, espelho da progressiva consciencialização da sociedade da gravidade de certos comportamentos desenvolvidos no âmbito da família, pretendeu o legislador proteger a dignidade humana de cada pessoa individual (cônjuge), reiteradamente lesada por uma panóplia de actos sobre si praticados pelo outro cônjuge.
O bem jurídico protegido pelo tipo de crime é, pois, a saúde, entendida esta num sentido amplo (abarcando a física, psíquica e mental), sendo os seguintes os seus elementos típicos:
Conduta desenvolvida por cônjuge ou por quem conviva ou tenha convivido com outrem em condições análogas às dos cônjuges, sobre o outro elemento do casal;
Conduta que inflija maus tratos físicos (ofensa no corpo ou na saúde de outrem) ou psíquicos;
Conduta reiterada ou habitual ou conduta única especialmente lesiva ou reveladora de subjugação.
Actuação dolosa.
No caso dos autos, e em face da matéria assente, ficou demonstrado que o arguido e a ofendida mantiveram relacionamento, têm um filho em comum e viveram durante algum tempo em união de facto.
Ficou igualmente demonstrado que no tempo da vida em comum o arguido e a ofendida discutiam e eram proferidas palavras ofensivas da honra e consideração
Provou-se ainda que no dia 20 de Fevereiro de 2015 o arguido apertou o pescoço e deu cabeçada na ofendida, causando-lhe lesões físicas e querendo esse resultado.
Todavia, dos factos assentes não consta qualquer outro episódio concreto e determinado, susceptível de traduzir ilícito criminal, sendo certo que os factos relevantes terão que estar fixados no tempo e no espaço, de forma a que possam ser individualizados e traduzir um momento específico da vida do casal.
Assim, constata-se que da matéria provada não se extrai a ocorrência de uma pluralidade de actos ilícitos parciais, que, somados, constituam o evento do crime único, nem se pode extrair das condutas provadas um especial desvalor ou censurabilidade que permita concluir pela subjugação de um conjuge ao outro, pelo exercício de um domínio emocional de facto de um sobre o outro. E apenas nestas circunstâncias se poderia ter por preenchida a previsão legal do crime de violência doméstica.
Na verdade o episódio de violência física provada é apenas um, e com relevância mediana. Os insultos aconteciam no âmbito de discussões e não eram unilaterais, o que equivale por dizer que o seu desvalor ou censurabilidade também não podem ser vistos de forma unilateral e que estes episódios de modo nenhum traduzem subjugação, mas antes paridade.
Todavia, as condutas descritas) em d) subsistem, como a descrita em g).
A descrita em d) seria apta a preencher, porventura, o crime de injúria.
Mas o crime de injúria tem natureza particular. A ofendida não se constituiu assistente nem aderiu à acusação pública, pelo que processualmente esta conduta não pode ser conhecida.
Já não sucede o mesmo relativamente ao descrito em d), que é apto a preencher a previsão legal do crime de ofensa à integridade física simples, punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa".
Os elementos (objectivos e subjectivos) do tipo legal de crime de ofensa à integridade física simples são, pois:
Acção voluntária do agente;
Acção causadora de ofensa no corpo ou na saúde de outrem;
Actuação dolosa.
No caso dos autos, e face ao que acima se expôs e consta dos factos assentes, pode dizer-se que se encontram preenchidos todos os elementos do tipo legal de crime em causa, para o qual se convola a acusação pública, sendo que a fls. 5 a ofendida declarou expressamente pretender procedimento criminal contra o arguido.

III – FUNDAMENTAÇÃO EM MATÉRIA JURÍDICA

1ª questão:
O Ministério Público interpôs recurso da sentença, começando por suscitar uma "contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, nos termos da alínea b) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal", que consiste na contradição entre as alíneas d), l) e m) dos factos provados e o facto não provado 5.
Apreciando.
Em primeiro lugar, importa recordar os factos visados na motivação de recurso:
d) Sucede que, a partir de Junho de 2013, e durante todo o tempo que viveram juntos na mesma habitação, o arguido e a ofendida tiveram várias discussões no decurso das quais o arguido chamou “vaca”, “puta” e “porca” à ofendida, sendo que ela lhe respondia no mesmo tom.
l) Sempre que insultou, bateu e dirigiu palavras à ofendida o arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo o que estava a fazer e que não podia nem devia fazê-lo, dado que nada justificava o seu comportamento.
m) O arguido agiu com a intenção conseguida de maltratar fisicamente a ofendida e de a atingir na honra e consideração, o que logrou.
Em contradição com:
5. O arguido tenha maltratado psicologicamente a sua companheira, e mãe do seu filho, atingindo-a no corpo e na saúde, na honra e na consideração, repetidamente.

De jure
Constitui entendimento pacífico na jurisprudência que a contradição insanável de fundamentação consubstancia um vício previsto no artigo 410º, 2, alínea b), do Código de Processo Penal.
"Por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade ou na qualidade".[3]
Para integrar o aludido vício formal da decisão, constitui apenas uma contradição aquela que for insanável e não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência.
Cumpre, pois, comparar os factos assinalados, de modo a concluir se existe, ou não, a contradição apontada pelo recorrente.
Na tese do Ministério Público, junto do tribunal recorrido, o Tribunal a quo entrou em contradição quando:
a) considerou não provado que o arguido tenha maltratado psicologicamente a sua companheira - atingindo-a no corpo e na saúde, na honra e na consideração -, repetidamente, ao mesmo tempo que…
b) considerou provado que durante todo o tempo que viveram juntos na mesma habitação, o arguido chamou "vaca", puta" e "porca" à ofendida e, sempre que o fazia, actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo o que estava a fazer e que não podia nem devia fazê-lo, dado que nada justificava o seu comportamento, tendo agido com a intenção conseguida de maltratar fisicamente a ofendida e de a atingir na honra e consideração, o que logrou.
Porém, lendo atentamente o texto da fundamentação em matéria de facto, conclui-se que a julgadora apenas pretendeu destacar – através do facto não provado 5) - não se ter provado o carácter reiterado, repetido, dos maus tratos psicológicos e físicos (aliás, confessadamente) infligidos. Essa conclusão resulta da utilização do advérbio de modo "repetidamente", que abrange toda a frase.
Por outras palavras, o Tribunal a quo considerou não provado que o arguido tenha maltratado repetidamente a sua companheira.
O recorrente ainda sustenta que tal ainda entra em contradição com o facto provado d) – que consiste na circunstância do arguido ter discutido diversas vezes com a sua companheira, chamando-lhe "puta", "vaca" e "porca", tendo agido com a intenção de ofendê-la na sua honra e consideração, o que conseguiu -.
No entanto, tais ofensas verbais não configuram, no caso em apreço, maus tratos psicológicos: repare-se que, em todas essas discussões, a ofendida respondia no mesmo tom [facto provado d)], o que denota um contexto relacional pessoal em que não existe uma subjugação desta em relação àquele, surgindo na comunicação interpessoal a utilização de expressões injuriosas proferidas, com naturalidade, por ambos.
A repetição, durante um período temporal alargado, de expressões injuriosas nas conversas e discussões de um casal pode, ou não, ter consequências psicológicas significativas, ao ponto de consubstanciar um mau trato psicológico.
Porém, no caso em apreço, tais consequências não só não resultaram provadas, como a conduta do arguido não tinha idoneidade para as mesmas serem atingidas: resultou provado que a ofendida respondia no mesmo tom, o que desvaloriza, de algum modo, o desvalor de tal linguajar no âmbito do casal.

2ª questão:
O segundo argumento recursório do Ministério Público é referente a um alegado "erro notório" na apreciação da prova.
Porém, para motivar o recurso, nesta parte, limita-se a argumentar com uma referência legal e doutrinária (a folhas 173), não chegando a concretizar o necessário silogismo, de modo a identificar esse vício na sentença recorrida.

3ª questão
Erro em matéria de direito: a inexistência de crime de violência doméstica;
1. Segundo o recorrente, secundado pelo douto parecer formulado pelo Ministério Público junto deste Tribunal, ocorreu um erro em matéria de direito, uma vez que "(…)Sendo certo que foi considerado provado um único episódio de violência física, afigura-se-nos relevante, para o seu enquadramento jurídico-penal, a factualidade constante da alínea i), a qual não poderá deixar de contribuir para a caracterização da conduta do arguido, naquela aludida perspectiva de relação de domínio entre agressor e vítima, traduzindo uma atitude de desrespeito, a carecer da reforçada tutela penal visada pelo crime de violência doméstica (…)" (motivação de recurso, a folhas 176)
Além disso, "(…) a considerar-se provado que as expressões injuriosas terão sido proferidas em várias ocasiões, como decorre da alínea d) e a manter-se o teor da alínea m) afigura-se-nos que tais expressões, pelo seu cariz objectivamente injurioso e ofensivo, não poderão deixar de traduzir e relevar para o preenchimento do tipo de ilícito. (…)"
2. Por seu turno, o douto parecer enfatiza, nomeadamente, que "(…) o tipo legal de crime de maus tratos, p. e p. pelo disposto no artigo 152º do Código Penal (na sua redação anterior), visava já a proteção da pessoa individual e da sua dignidade humana, incluindo no seu âmbito punitivo os comportamentos que, de forma reiterada, lesavam essa mesma dignidade.(…)", acrescentando, na sua nota 4, que "Elemento típico (reiteração) que foi, agora, afastado do correspondente tipo legal de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º do Código Penal, na redação da Lei nº 59/2007, de 4.09, cujo tipo abrange que,, de modo reiterado, ou não…, pondo fim à querela jurisprudencial sobre a subsunção ao conceito de maus tratos de uma conduta isolada (…)".
3. A sentença recorrida afastou o preenchimento do tipo legal de crime de violência doméstica, de forma fundamentada, nos termos a seguir reproduzidos:
"No caso dos autos, e em face da matéria assente, ficou demonstrado que o arguido e a ofendida mantiveram relacionamento, têm um filho em comum e viveram durante algum tempo em união de facto.
Ficou igualmente demonstrado que no tempo da vida em comum o arguido e a ofendida discutiam e eram proferidas palavras ofensivas da honra e consideração
Provou-se ainda que no dia 20 de Fevereiro de 2015 o arguido apertou o pescoço e deu cabeçada na ofendida, causando-lhe lesões físicas e querendo esse resultado.
Todavia, dos factos assentes não consta qualquer outro episódio concreto e determinado, susceptível de traduzir ilícito criminal, sendo certo que os factos relevantes terão que estar fixados no tempo e no espaço, de forma a que possam ser individualizados e traduzir um momento específico da vida do casal.
Assim, constata-se que da matéria provada não se extrai a ocorrência de uma pluralidade de actos ilícitos parciais, que, somados, constituam o evento do crime único, nem se pode extrair das condutas provadas um especial desvalor ou censurabilidade que permita concluir pela subjugação de um conjuge ao outro, pelo exercício de um domínio emocional de facto de um sobre o outro. E apenas nestas circunstâncias se poderia ter por preenchida a previsão legal do crime de violência doméstica.
Na verdade o episódio de violência física provada é apenas um, e com relevância mediana. Os insultos aconteciam no âmbito de discussões e não eram unilaterais, o que equivale por dizer que o seu desvalor ou censurabilidade também não podem ser vistos de forma unilateral e que estes episódios de modo nenhum traduzem subjugação, mas antes paridade."
Cumpre apreciar e decidir a questão controvertida.
De jure:
O artigo 152.º do Código Penal prevê e estatui o seguinte:
«1. Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a) (…);
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;»
A factualidade provada evidencia, pacificamente, que o arguido manteve algumas condutas que ofenderam o direito à integridade física e a honra de uma pessoa de outro sexo, com o qual o arguido manteve uma relação análoga a dos cônjuges [facto provado c) e seguintes].
A questão controvertida submetida à apreciação deste tribunal superior resume-se a saber se os factos provados consubstanciam, ou não, um "infligir de maus tratos físicos ou psíquicos" à ofendida.
O recorrente sustenta que a resposta não pode deixar de ser positiva.
O recorrido defende a solução consubstanciada na sentença recorrida.
A sentença recorrida:
A fundamentação jurídica da sentença evidencia a circunstância das condutas provadas não terem revelado um comportamento especialmente censurável que permita concluir pela subjugação de um cônjuge a outro, pelo exercício de um domínio emocional de facto de um sobre o outro, o que, segundo o Tribunal a quo, determina a improcedência da acusação pela prática do crime de violência doméstica pelo qual o arguido vinha acusado.
A sentença recorrida seguiu, assim, o entendimento jurisprudencial plasmado no acórdão desta Relação, de 29 de Fevereiro de 2012 (processo nº 368/09.3PQPRT.P1)[4] e da Relação de Guimarães, de 2 de Novembro de 2015 (77/14.1TAAVV.G1)[5], além de muitos outros.
O último acórdão proferido nesta Secção/Tribunal sobre essa matéria segue a mesma doutrina:
"merece consagração constitucional, quer o princípio da dignidade da pessoa humana, quer o da intervenção mínima do direito penal, donde, tanto a definição normativa do crime, como a subsequente estatuição de uma reacção penal, apenas encontram justificação se estiver em causa a protecção de um bem jurídico que pela sua importância e relevo sociais justifique ser alcandorado ao patamar de merecedor de dignidade e tutela penais.
(…)
O objectivo desta incriminação é a de prevenir as frequentes e, por vezes, tão subtis, quão perniciosas, formas de violência no âmbito da família, quer para a saúde física e psíquica e ou para o desenvolvimento harmonioso da personalidade ou para o bem-estar.
(…)
O relevante é que os factos praticados, isolados ou reiterados, apreciados à luz da intimidade do lar e da repercussão que eles possam ter para a vida comum, sejam susceptíveis de colocar a vítima na situação de, mais ou menos permanentemente, sofrer um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade no seio da sociedade conjugal."
Concordando-se com esse entendimento jurídico, importa recordar os factos apurados e proceder à sua valoração em relação ao tipo legal de crime citado pelo recorrente, de modo a concluir se, perante a jurisprudência apontada, as condutas provadas do arguido integram, ou não, a prática de um crime de violência doméstica.
Já se concluiu, anteriormente, que as injúrias verbais dirigidas pelo arguido à sua companheira não chegaram a constituir maus tratos psicológicos.
Resta apreciar a agressão física provada:
- o arguido abordou a sua ex-companheira num local público e, ao mesmo tempo que lhe dizia "é assim que se apanha", desferiu-lhe uma cabeçada e deitou-lhe as mãos ao pescoço, apertando-lho, assim a obrigando a recuar, até bater com a cabeça e as costas na parede de um edifício. Em consequência dessa conduta, a ofendida sofreu um traumatismo da cabeça e do pescoço. Além disso, quando foi chamado à atenção por transeuntes, o arguido ainda exclamou "ela é mãe do meu filho, eu faço o que quiser". O mesmo agiu com a intenção de maltratar fisicamente a ofendida, tendo agido de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Entende-se que o desferir de uma cabeçada de um homem numa mulher, sua ex-companheira, seguida de um apertar do seu pescoço, obrigando-a a recuar até bater com a cabeça e as costas numa parede, causando-lhe um traumatismo na cabeça e no pescoço, contextualizando o agressor a sua conduta, em público, com os dizeres "ela é mãe do meu filho, eu faço o que quiser", integra os elementos objetivos do tipo legal de crime de violência doméstica:
- o arguido infligiu “maus-tratos físicos” na sua ex-companheira e violou os bens jurídicos protegidos pelo tipo legal de crime.
Os elementos subjetivos do tipo legal de crime também se mostram preenchidos, uma vez que o arguido agiu com dolo direto – e, tratando-se de um crime de mera atividade, bastaria o dolo de perigo de afetação da saúde, do bem-estar psíquico e da dignidade humana do sujeito passivo -.
Tendo em atenção os factos apurados, não há dúvidas de que o arguido bem sabia que manteve com a ofendida uma relação análoga à dos cônjuges e que atuou de forma idónea a afetar o bem-estar psicológico, a saúde e a dignidade humana desta, pois agrediu a sua ex-companheira de forma bárbara, em público, ao mesmo tempo que reclamava para si esse direito, por esta ser a mãe do seu filho.
Esse comportamento singular é suficiente para integrar o crime, por revelar uma intensa insensibilidade e desprezo pela consideração do outro como pessoa.
A ratio legis da criminalização da violência doméstica abrange a conduta provada do arguido, uma vez que a agressão, nos termos e contexto provados, justifica a sua autonomização de um mero crime de ofensa à integridade física, tendo em conta o especial desvalor da conduta.
Por conseguinte, o recurso é julgado parcialmente provido, devendo o Tribunal a quo determinar a pena correspondente (a determinação da pena concreta, por este Tribunal, integra uma nova questão jurídica que não foi, como não podia ser, colocada em sede de recurso).

Das custas processuais:
Sendo o recurso julgado provido, com a oposição do arguido, este deverá ser condenado no pagamento das custas [artigos 513º, nº 1, do Código de Processo Penal e 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais, tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal], fixando-se a taxa de justiça, de acordo com o grau de complexidade reduzido do recurso, em 3 (três) unidades de conta (mínimo legal).

IV – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, acima identificados, em:
a) julgar parcialmente provido o recurso interposto da sentença, pelo Ministério Público e, em consequência:
a. revogar a absolvição do arguido B… pela prática de um crime de violência doméstica (artigo 152º, 1, b), do Código Penal);
b. revogar a sua condenação pela prática de um crime de ofensa À integridade física simples(artigo 143 1, do Código Penal); e
c. condenar o arguido pela prática de um crime de violência doméstica (artigo 152º, 1, b), do Código Penal); e
d. determinar que os autos baixem à primeira instância, para a necessária determinação da pena concreta a aplicar em relação a esse crime.
b) Custas do recurso a cargo do arguido recorrido, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta.

Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 27 de Janeiro de 2016.
Jorge Langweg
Fátima Furtado
_________
[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme por todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1, este pesquisável, nomeadamente, através do aplicativo de pesquisa de jurisprudência disponibilizado, pelo ora relator, em http://www.langweg.blogspot.pt.
[3] Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, pág.739.
[4] Sumário:
“I - Os maus-tratos previsto pelo crime de Violência doméstica, do art. 152.º do Cód. Penal, têm subjacente um tratamento degradante ou humilhante de uma pessoa, capaz de eliminar ou limitar claramente a sua condição e dignidade humanas.
II - Com a Reforma de 1995, os maus tratos psíquicos passaram a estar contemplados com um leque mais alargado de condutas, como humilhações, provocações, ameaças (de natureza física ou verbal), insultos, privações ou limitações arbitrárias da liberdade de movimentos, ou seja, condutas que revelam desprezo pela condição humana do parceiro, podendo provocar sentimentos de culpa ou de fraqueza mas não, necessariamente, um sofrimento psicológico.
III - O relevante é que os maus-tratos psíquicos estejam associados à posição de controlo ou de dominação que o agressor pretenda exercer sobre a vítima, de que decorre uma maior vulnerabilidade desta.”.
[5] Sumário:
I) O tipo legal do artº 152º, do CP previne e pune condutas perpetradas por quem afirme e actue, dos mais diversos modos, um domínio, uma subjugação, sobre a pessoa da vítima, sobre a sua vida ou (e) sobre a sua honra ou (e) sobre a sua liberdade e que a reconduz a uma vivência de medo, de tensão, de subjugação.
II) Este é, o verdadeiro traço distintivo deste crime relativamente aos demais onde igualmente se protege a integridade física, a honra ou a liberdade sexual.
III) In casu, os factos assentes não são suficientes para integrarem o referido ilícito de violência doméstica, não se seguindo daí, sem mais, a absolvição do recorrente.