Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1527/13.0TBOAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ANULABILIDADE
INFORMAÇÕES OMITIDAS OU INEXACTAS
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RP201707121527/13.0TBOAZ.P1
Data do Acordão: 07/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 656, FLS 43-57)
Área Temática: .
Sumário: I - Os depoimentos de testemunhas relativos a matéria científica carecem, em regra, de força persuasiva para a formação positiva da convicção do juiz, pois o juiz não tem forma de aquilatar o real saber ou competência científica das testemunhas no momento em que prestam declarações.
II – Após o contrato de seguro ter sido celebrado, este ou padece de vício que o torna anulável pelas razões indicadas no artigo 25.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril), ou está isento de vício, sendo, por isso, irrelevante, para este efeito, a verificação ou não de um nexo de causalidade entre as informações omitidas ou transmitidas de forma inexacta e a causa que originou a morte do segurado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação do Porto – 5.ª Secção.
Recurso de Apelação.
Processo n.º 1527/13.0TBOAZ do Tribunal Judicial da Comarca de Comarca de Aveiro – Oliveira Azeméis – Instância Local – Secção Cível – J1
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Juiz relator………….Alberto Augusto Vicente Ruço
1.º Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto
2.º Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim
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Sumário:
I - Os depoimentos de testemunhas relativos a matéria científica carecem, em regra, de força persuasiva para a formação positiva da convicção do juiz, pois o juiz não tem forma de aquilatar o real saber ou competência científica das testemunhas no momento em que prestam declarações.
II – Após o contrato de seguro ter sido celebrado, este ou padece de vício que o torna anulável pelas razões indicadas no artigo 25.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril), ou está isento de vício, sendo, por isso, irrelevante, para este efeito, a verificação ou não de um nexo de causalidade entre as informações omitidas ou transmitidas de forma inexacta e a causa que originou a morte do segurado.
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Recorrentes/Autores…………..B..., Lda., pessoa colectiva n.º ........., com sede no ..., n.º ...., ....-... ..., Oliveira de Azeméis,
.......................................................C..., residente na Rua ..., n.º ..., ..., Oliveira de Azeméis,
.......................................................D..., residente na Avenida ..., n.º ..., 3.º Esq., .... S. João da Madeira; e
.......................................................E..., residente na Rua ..., Edifício ..., n.º ., ..., .... Santa Maria da Feira.
Recorrida/Ré……………………..F..., S. A., pessoa colectiva n.º ........., com sede na Avenida ..., n.º ..., ..º Edifício ..., ....-... Porto.
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I. Relatório [1]
Com a presente acção os Autores pretendem obter a condenação da Ré a pagar-lhes o capital seguro de EUR 50.000,00, pagando ao G... o valor que ainda se encontrar em dívida referente ao débito mencionado no artigo 24.º da petição inicial e que em 03 de Abril de 2013 era de EUR 15.625,00; à autora B... a diferença entre esse valor e a quantia de EUR 31.250,00, que era devida à data do óbito da segurada, e a quantia remanescente de EUR 18.750,00 à segunda, terceiro e quarta autores.
Para o efeito, os Autores alegaram que em 20 de Maio de 2011 foi subscrita uma proposta de seguro junto dos serviços da Ré, tendo como tomador do seguro a sociedade B... e como primeira pessoa segura H....
Como beneficiário do aludido contrato de seguro, em caso de morte, foi indicado o G..., pelo capital em dívida, e os herdeiros legais da pessoa segura – segunda, terceiro e quarta autores – quanto ao remanescente.
A pessoa segura, H..., faleceu, mas a Ré seguradora recusou-se e recusa-se a pagar o mencionado capital, argumentando que aquando da subscrição do seguro foram omitidas informações relevantes relativas ao estado de saúde da pessoa segura, circunstância que os Autores não aceitam ter corrido e daí a presente demanda.
No final o tribunal proferiu sentença absolvendo a Ré do pedido, por ter considerado que efectivamente foram omitidas informações relevantes relativas ao estado de saúde da pessoa segura, omissão que conferiu à Ré o direito à anulação do contrato, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 24.º, n.º 1, 25.º, n.º 1 e 3, da LCS e 287.º, do Código Civil.
b) É desta decisão que recorrem os Autores.
Concluíram do seguinte modo:
1. O presente recurso tem por objecto não só discordâncias de direito, mas também de facto, logo tem também por objecto a reapreciação da prova gravada, conforme previsão do nº 7 do artigo 638º do CPC.
2. A discordância dos Autores, relativamente à matéria de facto, prende-se com os n.º 40, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49 e 50 dos factos provados constantes na Douta decisão proferida, os quais se consideram incorrectamente julgados.
3. Os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa sobre os factos impugnados constam dos registos de gravação realizada, mencionados na acta de audiência de julgamento de 25-11-2016.
4. E são os referentes aos testemunhos de três clínicos, a Sr. a Dra. I..., especialista em reumatologia, que foi ouvida entre as 10.07.24 (h/m/s) e as 10.48.22., ficando pois o seu depoimento gravado durante 40 minutos e 57 segundos, a Sra. Dra. J..., médica de família, que foi ouvida entre as 14.15.35 e as 14.46.10, ficando pois o seu depoimento gravado durante 40 minutos e 57 segundos e o Sr. Dr. K..., especialista em angiologia e cirurgia vascular, que foi ouvido entre as 15.02.47 e as 15.47.44, ficando pois o seu depoimento gravado durante 44 minutos e 56 segundos.
5. Concretizando ainda mais, no que respeita à Sra. Dra. I..., as passagens da gravação em que se funda este recurso, para a modificação da matéria de facto, são as que constam nos minutos 2.38, 3.25, 3.55, 4.30, 4.48, 5.10, 5.35, 7.15, 8.45, 15.20, 19.30, 21.20, 29.15, 3l.15, 34.40, 35.13, 35.22, 35.35, 36.15 e 37.45 da respectiva gravação (atrás supracitados).
6. No que respeita ao Sr. Dr. K..., as passagens da gravação em que se funda esta recurso para a modificação da matéria de facto, são as que constam nos minutos 0.49, 1.29, 4.09, 4.20, 5.25, 5.28, 6.30, 6.51, 8.22, 12.30, 15.40, 16.40, 16.51, 17.37, 32.28, 35.15, 36.11, 38.35, 39.11, 39.55, 40.20 e 42.21 da respectiva gravação (atrás supracitados).
7. No que respeita à Sra. Dra. J..., as passagens da gravação em que se funda esta recurso para a modificação da matéria de facto, são as que constam nos minutos 3.29, 3.44, 4.11, 5.40, 6.01, 6.50, 7.00, 9.01, 9.20, 11.08, 15.20, 15.30, 20.25, 20.30, 20.41, 23.49, 23.54, 23.55, 24, 24.10, 24.15, 24.50, 29.38 e 30.20 da respectiva gravação (atrás supracitados).
8. Não existe nos autos prova no sentido de que a H... tinha a capacidade de compreender e seccionar, no seu entendimento, que ia além da doença que a afectava, a fibromialgia.
9. Nos factos provados, a MM Juiz dissocia a depressão da fibromialgia, o que no entendimento dos recorrentes não corresponde à realidade do julgamento.
10. Dos três clínicos em causa, aquele que inquestionavelmente mais conhecimento deveria ter e de facto revelou ter, da doença que afligia a H..., a fibromialgia, era a Dra. I..., quer porque é especialista em reumatologia, ou seja a especialidade adequada ao diagnóstico e tratamento desta doença, quer porque acompanhou a H..., ainda que de forma irregular.
11. Segundo a testemunha Dra. I... um doente com fibromialgia, é um doente que precisa invariavelmente de ajudas de psiquiatria, psicologia, de medicina física e reabilitação, entre outras.
12. Separar pois a depressão grave da fibromialgia, autonomizando-a, é defraudar a audiência de julgamento no que a este ponto se refere.
13. A realidade simples é que, para a médica reumatologista, a especialista da área, a depressão é uma associação natural à fibromialgia, tendo até especificado que a percentagem dos resultados desta associação é de 30 a 70%, ao longo da vida com maior equidade nas mulheres (vide minuto 34.40 atrás reproduzido).
14. Para esta Exa. clínica, diagnosticar que alguém tem fibromialgia é diagnosticar algo que nunca terá cura e com probabilidade próxima dos 70%, no caso da H..., mulher, de vir a sofrer de depressão, associada a essa doença.
15. O que Exmo. clínico da Ré seguradora manifestou, com o seu depoimento, foi um desconhecimento desta associação natural, que deveria ter sido uma associação imediatamente por si conjecturada, se conhecedor fosse da realidade da fibromialgia.
16. E se vem agora dizer, em defesa do seu próprio diagnóstico, que caso soubesse da depressão, juntamente com a fibromialgia, não teria aprovado o risco, a consequência a tirar será apenas que realizou uma incorrecta avaliação do risco.
17. A depressão não era autonomizável da fibromialgia, sendo sim uma das suas componentes, sendo por isso obrigação do clínico avaliador do risco saber disso mesmo, ou se não souber ou tiver dúvidas, bastava perguntar, o que no caso concreto não sucedeu.
18. Para que a H... reportasse a depressão (e nesse caso seria necessário saber qual a inexistente quadrícula do questionário para tal efeito), seria também necessário que reportasse dores em todo o corpo, fadiga muscular constante, sensação de impossibilidade física e todos os demais condicionantes existentes pelo facto de ter uma doença chamada fibromialgia.
19. Quanto às demais doenças que a H... de facto não minuciou, julga-se ser natural, ou melhor dizendo, compreensível, que esta não tenha feito das mesmas especificação, pois para esta, a sua "doença" era a fibromialgia, sendo esta naturalmente, para si, a causadora dos seus males e das suas incapacidades, incluindo naturalmente as depressivas.
20. Para se compreender a vida da H... é preciso perceber que esta iniciou um calvário de anos com dificuldades múltiplas, que não se ajustavam nem se explicavam entre si, incluindo naturalmente os factores depressivos e só mais tarde veio a saber que sofria de fibromialgia e que a conjugação das suas dificuldades se explicavam por isso mesmo (incluindo naturalmente os factores depressivos).
21. O restante, como a hipertensão e as demais indicações que se lhe apresentam, nunca foi interiorizado como doença, muito menos com gravidade de ser contada, pela razão simples de não lhe acarretar nenhuma dificuldade prática no seu dia a dia e de não ter meio de comparação com a sua fibromialgia.
22. Pode ainda questionar-se porque razão se há-de exigir a uma pessoa que sofre de fibromialgia mais rigor técnico sobre a informação das suas doenças, do que aquele rigor que deve ser o conhecimento de um clínico, que dedica parte da sua vida profissional a verificar tais informações,
23. Não se pode exigir que a H... tivesse uma percepção exacta e clínica dos seus padecimentos, devendo sim compreender-se a razão de ser das suas respostas, as quais poderão ser negligentes, mas não intencionais, no sentido de omitir ou enganar a seguradora.
24. Sem prejuízo da globalidade de toda a prova produzida, entendem os Autores, ora recorrentes que os quesitos impugnados, os inicialmente indicados n.º 40, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49 e 50 dos factos provados constantes na Douta decisão proferida, indicando-se de seguida a decisão que se julga dever ser produzida sobre estes:
40)
"Apresentava ainda, também associada à fibromialgia, depressão grave."
43)
"E encontrava-se com medicação associada à fibromialgia, hipertensão e isquemia do miocárdio."
44)
"A H... tinha conhecimento das patologias referidas em 41) e 42) em data anterior ao preenchimento do questionário de saúde médico e da subscrição do contrato de seguro."
45)
"Mas omitiu essa informação de forma involuntária."
46)
(não provado)
47)
"A Ré apenas teve conhecimento das patologias referidas em 41) e 42) por intermédio dos autores, que lhes remeteram aquelas informações clínicas na sequência de participação de sinistro".
48)
(não provado)
49)
(não provado)
25. É necessária a existência de um nexo causal entre uma eventual omissão e o sinistro, para se permitir a anulação do contrato de seguro, o que no caso concreto inquestionavelmente não existe.
26. Pelo que, ainda que se aceitasse que foram omitidas informações clínicas à data da formação do contrato de seguro, se essas omissões não vierem a ter nenhum nexo causal com o facto que acciona o sinistro, no caso dos autos, a morte da H..., o contrato deve permanecer válido e por isso válida a obrigação de indemnização contratualmente prevista.
27. Não resulta da matéria de facto, modificada, que a seguradora não tivesse contratado se soubesse da existência das informações omitidas, ainda que de forma negligente.
28. A considerar-se omissão ou inexactidão de relevo algo que a H... não disse, deve entender-se que tal resultou de uma declaração negligente, uma vez que denunciou o que para si era grave e que de facto a preocupava, a fibromialgia,
29. Sendo obrigação clínica da seguradora saber quais as implicações desta doença, nomeadamente a nível de depressão e de medicação.
30. As declarações prestadas pela H..., tendo em conta a forma como lhe são solicitadas (o impresso com as cruzinhas), a forma como foram respondidas, a informação concreta da fibromialgia e da medicação para a mesma, seriam suficientes para que a seguradora, se bem esclarecida estivesse, pudesse saber as concretas dificuldades da H....
31. E se dúvidas tinha a seguradora sobre o relatório médico que lhe foi apresentado aquando da subscrição, deveria ter solicitado melhores esclarecimentos para essas mesmas dúvidas.
32. Eventuais omissões e inexactidões da H... na informação do seu estado clínico, resultaram apenas de uma actuação negligente e por isso e por não haver nexo causal entre as mesmas e a morte da H..., o contrato de seguro não deve ser anulado, devendo sim ser considerado válido.
33. o que ocorreu foi uma análise incorrecta de risco, sendo certo que tal análise incorrecta em nada influenciou o acionamento da apólice, uma vez que não resulta provado qualquer nexo causal entre a morte e qualquer uma das patologias anteriores conhecidas da H....
34. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 24.º, n.º 1, 25.º, n.º 1 e 3 da LCS, 287.º do CC e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC.
35. Devendo ser revogada, alterando-se a matéria de facto, nos termos expostos e proferida decisão que considere o pagamento da Ré aos Autores, da totalidade do valor seguro (cinquenta mil euros).
c) A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.
II. Objecto do recurso
De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e por fim com as atinentes ao mérito da causa.
Tendo em consideração que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes [2]:
1 – Em primeiro lugar, colocam-se as questões relativas à impugnação da matéria de facto declarada provada sob os factos provados n.º 40, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49 e 50 [3], pretendendo os recorrentes que as respostas passem a ser as seguintes:
Facto 40 - «Apresentava ainda, também associada à fibromialgia, depressão grave».
Facto 43 - «E encontrava-se com medicação associada à fibromialgia, hipertensão e isquemia do miocárdio».
Facto 44 - «A H... tinha conhecimento das patologias referidas em 41) e 42) em data anterior ao preenchimento do questionário de saúde médico e da subscrição do contrato de seguro».
Facto 45 - «Mas omitiu essa informação de forma involuntária».
Facto 46 - Não provado.
Facto 47 - «A Ré apenas teve conhecimento das patologias referidas em 41) e 42) por intermédio dos autores, que lhes remeteram aquelas informações clínicas na sequência de participação de sinistro».
Facto 48 - Não provado.
Facto 49 - Não provado.
2 – Em segundo lugar, colocam-se as questões jurídicas.
a) Cumpre verificar se é necessário para que surja o direito de anulação do contrato de seguro, a existência de um nexo causal entre uma eventual omissão de informações sobre o estado de saúde e a morte da segurada, nexo causal que, no entender do recorrente, no caso dos autos não existe, pelo que o contrato deve permanecer válido.
b) Cumpre verificar se resulta da matéria de facto, eventualmente modificada, que a seguradora não teria contratado se soubesse da existência das informações omitidas.
c) Cumpre verificar se a omissão ou inexactidão resultou de uma declaração negligente, uma vez que a segurada denunciou o que para si era grave e que de facto a preocupava, a fibromialgia.
d) Saber se a Ré seguradora tinha o obrigação de saber quais as implicações desta doença, nomeadamente a nível de depressão e de medicação, tendo ocorrido por parte desta uma análise incorrecta de risco.
III. Fundamentação
a) Impugnação da matéria de facto
A divergência dos Autores relativamente à matéria de facto prende-se com a ligação entre a fibromialgia e a depressão que afectavam a segurada H....
Os Autores pretendem que se considere que a depressão está associada à fibromialgia de um modo necessário.
Não se expressam com estas palavras, mas é essa a conclusão que tem de se retirar das suas alegações, pois pretendem que a Ré seguradora devia ter como certa a depressão apenas a partir da informação prestada pela segurada que referiu no questionário padecer de fibromialgia.
Ora, esta conclusão não pode ser afirmada pelas seguintes razões:
E primeiro lugar, estamos perante duas patologias diversas.
Em segundo lugar, a fibromialgia não implica necessariamente a depressão.
Nesta parte, a testemunha em que os Autores mais se estribam, a Sra. Dra. I..., referiu (minuto 34:40) que quando a fibromialgia é diagnosticada em mais de metade dos doentes padecem de depressão e ao longo da vida destes doentes 70% sofrem de depressão.
Verifica-se, por conseguinte, segundo este depoimento, que não há uma relação de necessidade, mas apenas de frequência entre 50% a 70%.
Em terceiro lugar, cumpre referir que a prova produzida, de natureza científica, sobre esta matéria, foi feita através do uso de da prova testemunhal e não através do uso de prova pericial, que era a adequada.
Por conseguinte, os depoimentos prestados neste sentido carecem, em regra, de força persuasiva para a formação da convicção do tribunal no sentido pretendido pelos Autores, pois o juiz não tem forma de aquilatar o real saber ou conhecimento científico das testemunhas, no momento em que as prestaram.
Tem-se em mente a situação de poder ter existido uma falta de preparação prévia da testemunha para responder a uma questão que é colocada na audiência de julgamento, pois nem sempre, mesmo os especialistas, estão em condições de responder com rigor científico a questões que são colocadas de imprevisto.
Já o mesmo não ocorre na produção de prova pericial, pois aqui o perito conhece de antemão a questão e estuda-a antes de se pronunciar.
Por estas razões, apenas se pode afirmar que existe uma associação entre a fibromialgia e a depressão, no sentido de que estando presente a fibromialgia esta pode desencadear uma depressão.
Cumpre ainda referir que se adere à motivação exposta em 1.ª instância quando refere:
«Por isso, em face das respostas dadas ao questionário clínico e especialmente do teor da declaração médica que o acompanhou, as conclusões a que os serviços médicos da ré chegaram são razoáveis, não lhes sendo exigível pressupor que por estarem perante uma doente fibromiálgica a mesma padecesse ainda de uma depressão tida por grave pela sua médica de família.
E perante isto, associando-se uma doença psiquiátrica grave à fibromialgia, a recusa da ré em celebrar o contrato (“recusa liminar” disse a testemunha) é concebível, em virtude do risco de suicídio existente, com importância fundamental para o tipo de contrato e respectiva cobertura acordada.
Por outro lado, a testemunha também referiu que no relatório médico a que os serviços clínicos da ré tiveram acesso após a participação de sinistro, ou seja, o constante de fls. 55 v.º (295), menciona-se ainda hipertensão arterial e isquemia do miocárdio, doenças que, caso tivessem sido conhecidas pela ré, implicariam um agravamento do prémio de seguro, tendo em conta as possíveis complicações a elas associadas e que, acrescentamos nós, são do conhecimento comum (a hipertensão é uma das maiores causas de acidentes vasculares cerebrais, por exemplo).
[...]
Aqui chegados, importa dizer, em jeito de síntese útil, por apego às regras da experiência comum e do que é a normalidade social prevalente, a atitude da falecida segurada e da tomadora para com as perguntas, de carácter simples e imediato, sobre o seu estado de saúde e que não exigiam, para um cidadão médio, explicações ou esclarecimentos de maior, no que toca à situação de hipertensão, de doença cardíaca, de depressão grave, é de omissão deliberada tais factos, que eram do seu conhecimento pessoal.
Na verdade, padecendo a mesma de tais doenças há já longos anos, fazendo medicação regular para as mesmas – medicação que também omitiu, pois só referiu a que fazia para tratamento da fibromialgia -, tendo inclusivamente passado por períodos de baixa médica relacionados com o estado depressivo, ao ser confrontada com perguntas directas, não podia ignorar que as doenças aí questionadas assumiam relevância para a seguradora e, como tal, seriam objecto de ponderação no risco a contratar.
Acresce que, diz-nos a experiência comum que a circunstância de alguém padecer de hipertensão e isquemia do miocárdio, considerando que, no caso concreto, estamos perante um contrato de seguro cujo objecto é a cobertura de risco associado à saúde de uma pessoa, é imperioso concluir que a omissão daquela informação - através de resposta negativa, como foi o caso – influi ou pode influir na aceitação ou não da proposta de adesão.
Dir-se-ia que quanto à depressão grave não existe qualquer pergunta directa no questionário e que a seguradora/tomadora, por isso mesmo, não estava obrigada a declará-la nem o podia fazer. Só que assim não se poderá entender, porquanto embora o questionário constitua um guia, não limita as informações que podem e devem ser prestadas relativamente ao estado de saúde, donde impendia sobre a segurada/tomadora a obrigação de informar com verdade a ré seguradora de todos os factos relativos ao seu estado de saúde que pudessem influir na avaliação do risco ou na determinação, em caso de aceitação, na correta determinação do prémio de seguro, decorrência da princípio da boa-fé e do que é “normal acontecer” neste tipo de contratos. Ora, uma depressão grave, ainda que intimamente conexionada com a fibromialgia, não pode deixar de ser uma informação relevante, quando se pretende contratar um seguro de vida».
Ou seja, não era exigível que a Ré se tivesse apercebido na altura em que decidiu celebrar o contrato que a segurada H... padecesse de depressão, aliás depressão grave, apenas por padecer de fibromialgia, tendo esta omitido qualquer informação sobre a depressão grave.
E tem de se considerar que a Ré não celebraria o contrato de seguro se possuísse a informação de que a segurada padecia de depressão grave, atendendo ao risco de suicídio.
Com efeito, do ponto de vista comercial, mesmo que o suicídio esteja excluído da cobertura do seguro, numa situação concreta poderá não ser discernível e passar por mero acidente, pelo que é de considerar como adequada a postura comercial da seguradora que rejeita liminarmente celebrar um contrato de segura do ramo vida quando detecta na pessoa do segurado variáveis que potenciam o suicídio.
A análise e resposta à matéria de facto impugnada terá em consideração o que acaba de ficar referido.
Facto 40
A resposta dada foi esta: «Padecia ainda de depressão grave».
Os recorrentes pretendem que seja alterada para «Apresentava ainda, também associada à fibromialgia, depressão grave».
Aceita-se esta alteração, com exclusão da conjunção «também», pois a prova produzida indica que a depressão foi desencadeada pela fibromialgia.
Facto 43
A resposta dada foi esta: «E encontrava-se com medicação associada à fibromialgia, depressão, hipertensão e isquemia do miocárdio».
Os recorrentes pretendem que seja alterada para «E encontrava-se com medicação associada à fibromialgia, hipertensão e isquemia do miocárdio».
Não se aceita a alteração, pois fibromialgia e depressão são situações clínicas que se somam uma à outra e não se confundem, podendo a fibromialgia existir sem depressão e esta sem aquela.
A resposta ao facto 40 esclarece esta questão.
Facto 44
A resposta dada foi esta: «A B... e H... tinham conhecimento das patologias referidas em 40) a 42) em data anterior ao preenchimento do questionário de saúde médico e da subscrição do contrato de seguro».
Os recorrentes pretendem que seja alterada para «A H... tinha conhecimento das patologias referidas em 41) e 42) em data anterior ao preenchimento do questionário de saúde médico e da subscrição do contrato de seguro».
Assiste razão aos recorrentes, pois não há prova de que os representantes da sociedade B... conhecessem as doenças da segurada.
Facto 45
A resposta dada foi esta: «Mas omitiram essa informação de forma voluntária e consciente».
Os recorrentes pretendem que seja alterada para «Mas omitiu essa informação de forma involuntária».
Procede a alteração na parte em que restringe a resposta à segurada, mas não quanto ao resto.
O tribunal não pode adquirir a convicção de que a segurada ao fazer um seguro de vida e lhe perguntam pela sua saúde, tendo omitido informações sobre as suas doenças e medicação o fez de modo involuntário.
Em primeiro lugar, o tribunal tem de partir de situações de normalidade, ou seja, que quem padece de doenças e anda em tratamento sabe em geral que doenças tem, embora possa desconhecer os termos científicos exactos, pois fala com os médicos e outros profissionais de saúde sobre as doenças, compra e toma medicação para as combater e certamente fala com familiares e amigos que a interrogam acerca das mesmas para saberem se a doente está a recuperar a saúde ou não.
Em segundo lugar, quem pretende fazer um contrato de seguro para cobrir o risco de morte ou incapacidade absoluta e é interrogado pela seguradora, ainda que através de um questionário escrito previamente elaborado, com reduzidos espaços para a escrita, acerca das doenças que tem, não pode deixar de ter em mente que a seguradora pretende conhecer exactamente a situação relativa à saúde da pessoa em questão.
Isto é assim por força das leis que governam a racionalidade humana e permitem que as pessoas comuniquem umas com as outras.
Quer-se com isto dizer, que a segurada H... quando estava a preencher o questionário não podia «cancelar» na sua mente os conhecimentos que tinha sobre as suas doenças, e se tal fosse possível e o fizesse, tinha ainda que se concluir que as conhecia.
Ou seja, não sendo possível ao sujeito «apagar» as informações que tem na mente acerca das suas doenças e estado da sua saúde, então quando lhe fazem perguntas acerca destas matérias, tais informações surgem involuntariamente na sua mente.
Nestas condições, se o sujeito não passa para o papel as informações que surgem na sua mente procede assim porque quer, ou seja, voluntariamente.
Por conseguinte, tem de se manter a resposta dada ao facto 45, com a indicada restrição quanto aos sujeitos.
Facto 46
A resposta dada foi esta: «Não podendo ignorar que o conhecimento dessas patologias era relevante para a análise do risco de vida e de invalidez que a ré se propôs suportar».
Os recorrentes pretendem que seja alterada para «Não provado».
Não procede esta pretensão pelas razões já referidas ao facto 45.
Facto 47
A resposta dada foi esta: «A ré apenas teve conhecimento de tais doenças por intermédio dos autores, que lhes remeteram aquelas informações clínicas na sequência da participação do sinistro».
Os recorrentes pretendem que seja alterada para «A Ré apenas teve conhecimento das patologias referidas em 41) e 42) por intermédio dos autores, que lhes remeteram aquelas informações clínicas na sequência de participação de sinistro».
Não assiste razão aos recorrentes.
Com a alteração os recorrentes pretendem incluir a depressão grave no leque de doenças de que a segurada deu conhecimento à Ré ao referir-lhe que sofria de fibromialgia.
Resulta do quem vem sendo dito que não era exigível à Ré saber que a segurada padecia de depressão e depressão grave, apenas por ter sido informada que a segurada padecia de fibromialgia.
Aliás, do relatório médico entregue à seguradora Ré (está a fls. 47) constava que a segurada padecia de fibromialgia, «...podendo manter a sua actividade diária normal».
Por conseguinte, a seguradora perante a informação de que a segurada podia «...podendo manter a sua actividade diária normal», na falta de qualquer outra informação, não tinha elementos para suspeitar que a segurada padecesse também de depressão grave.
Acresce que é dever de quem contrata este tipo de seguro prestar o máximo de informação possível à outra parte.
Este dever funda-se no facto das informações pretendidas pela outra parte respeitarem à pessoa do segurado que é precisamente a parte contratual, e a única, que domina os factos que dizem respeito à sua própria vida.
Por isso, o segurado não é juiz em causa própria, não avalia o que a outra parte deve saber ou não deve saber sobre a sua saúde, ou sobre o que pode ser dito de forma expressa, tácita, subentendida, etc.
O segurado apenas tem que enumerar todas as doenças de que padeceu ou padece e os tratamentos feitos ou preconizados.
Improcede, por isso a alteração proposta.
Facto 48
A resposta dada foi esta: «Se tivesse tido conhecimento das doenças da pessoa segura a ré nunca teria aceitado celebrar o contrato de seguro nos moldes em que o fez, concretamente, o conhecimento da hipertensão arterial e da isquemia do miocárdio determinaria o agravamento do prémio».
Os recorrentes pretendem que seja alterada para «Não provado».
Improcede esta alteração.
Pelas razões já explicitadas nos fundamentos da convicção indicados em 1.ª instância, o conhecimento da hipertensão arterial e da isquemia do miocárdio não são situações inócuas na avaliação do risco de vida ou de incapacidade absoluta, pois, como é lógico, quem padece destes problemas tem menos saúde e se tem menos saúde o risco é mais elevado e se é mais elevado o prémio também é mais elevado.
Mantém-se, por isso, a resposta.
Facto 49
A resposta dada foi esta: «O conhecimento da depressão grave associada à fibromialgia determinaria a recusa da celebração do contrato».
Os recorrentes pretendem que seja alterada para «Não provado».
Improcede esta alteração.
Pelas razões já explicitadas nos fundamentos da convicção indicados em 1.ª instância, e as supra referidas, o conhecimento da depressão grave implicava a recusa do seguro.
Mantém-se, por isso, a resposta dada.
b) Matéria de facto provada
1) H..., nascida a 11 de Dezembro de 1948, faleceu no dia 06 de Fevereiro de 2012, na freguesia ..., concelho do Porto, no estado de viúva e com última residência na ..., n.º .., ..., Oliveira de Azeméis.
2) Deixou a suceder-lhe os seus três filhos, C..., D... e E....
3) A ré é uma seguradora, com sede na Avenida ..., no Porto, tendo pois como escopo principal a realização de contratos de seguro, de múltiplos tipos.
4) Com data de 20 de Maio de 2011, foi subscrita a “Proposta Crédito Habitação” junto dos serviços da ré, tendo como tomador do seguro a sociedade B..., Lda., e como primeira pessoa segura H....
5) A proposta em causa foi mediada pela sociedade L..., Lda., que fez constar na mesma essa sua intervenção.
6) A subscrição da proposta ocorre em impressos previamente fornecidos pela ré, nos quais se torna necessário preencher os espaços vagos, bem como a colocação de cruzes nas quadrículas para as quais existe opção, estas também pré-definidas.
7) A proposta, preenchida que foi pela B... e pela H..., através do referido mediador, identificava a B... como “tomador do seguro”, a H... como “pessoa segura”, o início pretendido em 20-05-2011, um prazo de empréstimo de quatro anos, um “capital seguro constante durante a vigência do contrato de 50.000,00€” e identificava ainda como beneficiários:
“1- Relativamente à parte do capital em dívida: G.... A cláusula beneficiária é irrevogável na parte relativa ao capital em dívida.
2- Pelo eventual remanescente:
a) Em caso de morte: G... pelo capital em dívida e o remanescente aos herdeiros legais”.
8) Em tal proposta constava também um questionário clínico, o qual foi preenchido relativamente à identificada H....
9) Neste questionário clínico, após cada questão e para resposta por parte dos interessados no seguro, existiam duas quadrículas, uma seguida da palavra “não” e outra seguida da palavra “sim”, após as quais se encontram duas linhas para escrita, com uma extensão de seis centímetros (dois centímetros na parte superior e quatro centímetros na parte inferior).
10) Esse questionário foi preenchido por H... da seguinte forma, na parte que ora importa atender:
5. Já esteve hospitalizado? Se sim, quando e porquê? Não Sim x “Partos (3) Joanetes”
6. Foi submetido a alguma intervenção cirúrgica? Se sim, qual e quando.
Não Sim x
8. Tem ou teve alguma doença que o tenha obrigado a interromper a sua actividade por mais de 15 dias nos últimos 4 anos? Se sim, qual?
Não Sim x “Fibromialgia”
10. Tem ou teve doença cardíaca, hipertensiva, pulmonar, de estômago, intestinos, fígado, infecto-contagiosa, diabetes ou outra?
Se sim especifique. Não x Sim
11. Tem deficiências de audição, visão ou motoras? Se sim, indique qual o motivo e se lhe foi atribuído grau de desvalorização. Não Sim x “Visão”
14. Consome ou consumiu medicamentos e/ou estupefacientes? Se sim, quais e porquê? Não Sim x “Tratamento Fibromialgia”
16. Dados actuais – 1.ª Pessoa Segura Peso 58 Kg Altura 150 cm Tensão arterial 12 Máx. 07 Mín.
18. Sofreu ou sofre de queixas de doença ginecológica? Se sim, quando e quais? Não Sim x “Histerectomia”
11) Na parte final do questionário clínico existia ainda um espaço de duas linhas, precedido da palavra “Observações”, tendo H... mencionado nesse espaço “Em anexo relatório médico e simulação”.
12) H... entregou aos serviços da ré, juntamente com a proposta em causa, um relatório médico respeitante à sua situação à data, do seguinte teor: “Declara-se para os devidos efeitos que a Sr.ª H... é portadora de fibromialgia podendo manter a sua actividade diária normal”.
13) Em 24 de Maio de 2011, a ré enviou a H..., uma carta do seguinte teor:
“Assunto: Pedido de Elemento para Seguro SPV Crédito Habitação 1CAB 1.ª Pessoa Segura: H....
Exmo(a) Senhor(a)
Acusamos a recepção de proposta de seguro em assunto que mereceu a nossa melhor atenção.
De modo a instruir o respectivo processo e para que nos seja possível pronunciar sobre a aceitação do risco proposto solicitamos:
Envio de relatório médico detalhado, sobre a fibromialgia, com referência à situação clínica actual.
Envio de relatório médico detalhado, sobre a histerectomia, com referência à situação clínica actual, bem como envio de cópia do exame anatomo-patológico.
Informamos que aceitação do seguro em assunto fica pendente da recepção e análise dos elementos solicitados. (…)”.
14) H... entregou, nos dias seguintes, todos os elementos solicitados.
15) Na sequência disso, a ré dirigiu à autora B... em 03 de Junho de 2011 uma missiva do seguinte teor:
“Assunto: Condições de Aceitação SPV Crédito Habitação 1CAB 1.ª Pessoa Segura: H....
Exmo(a) Senhor(a)
(…)
No seguimento da análise efectuada, informamos que o risco proposto se encontra aceite nas seguintes condições:
1.ª Pessoa Aceite cobertura base, sem agravamento ou restrições, e recusada a cobertura complementar de Invalidez Total e Permanente, por motivos clínicos associados à Fibromialgia e Prolapso do Útero.
Caso no prazo de 20 dias não nos comunique o seu desinteresse no seguro, consideraremos as condições propostas aceites, pelo que procederemos à emissão da respectiva Apólice.
(…)”.
16) A sociedade B... e a H... aceitaram essas restrições apresentadas pela seguradora.
17) Assim, a B... subscreveu com a ré o acordo escrito titulado pela apólice n.º 07/......, datada de 27 de Junho de 2011, aí figurando como “tomador do seguro” essa sociedade B..., como “pessoa segura” a identificada H..., com início em 03 de Junho de 2011, sendo anualmente renovável, com o capital seguro de 50.000,00€, tendo como cobertura principal, em caso de morte, o capital de 50.000,00€, sendo “beneficiário” o G..., S.A. pelo capital que se encontrar em dívida e o remanescente para os herdeiros legais de H....
18) O crédito que se pretendia garantir com este seguro contratado com a ré, tinha sido concedido pelo G..., S.A., em 11/06/2010, no montante inicial de 50.000,00€, perante o qual era devedora e principal responsável pelo pagamento a sociedade B... e reportava-se ao contrato PME Investe V, número ...........
19) Consta do artigo 2.º, n.º 1 das Condições Gerais do acordo de seguro celebrado que: “Nos termos consignados neste contrato, o segurador assume a cobertura do risco de morte da pessoa segura na vigência do mesmo, garantindo o pagamento do capital seguro fixado nas condições particulares”.
20) À data do óbito de H... o acordo em causa celebrado com a ré encontrava-se em vigor.
21) Na sequência da morte de H..., a sociedade B... e os herdeiros de H..., participaram o óbito à ré, de modo a accionar o seguro.
22) Por carta datada de 15 de Maio de 2012, a ré comunicou aos autores que:
Exma. Senhora,
No seguimento da análise efectuada por esta seguradora face aos elementos remetidos por V. Exa. na sequência de participação do sinistro em referência, constatamos que, aquando da subscrição do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 7/......, foram omitidas na proposta de seguro informações que seriam determinante, no caso em concreto, para a rejeição imediata do risco.
Assim, e de acordo com o disposto no artigo 6.º das Condições Gerais, as omissões e declarações inexactas ou incompletas, feitas pela Pessoa Segura, que alterem a apreciação do risco, tornam nulas, nos termos legais, as garantias do contrato susceptíveis de por elas serem influenciadas pelo que vimos por este meio informá-la de que consideraremos nulo e sem qualquer efeito o contrato acima referenciado, desde o seu início, declinando qualquer responsabilidade no pagamento do sinistro e sem restituição de prémios. (…)”.
23) A autora C..., enquanto representante dos demais herdeiros, dirigiu escrito à ré, datado de 22 de Maio de 2012, referindo:
“Exmos. Senhores(as),
Vimos pela presente contestar a decisão tomada por parte da vossa companhia, pela carta datada de 15/05/2012, referente à nossa mãe, H..., com a apólice 07/.......
Desta forma, não compreendemos o teor da vossa carta bem como a vossa decisão, pois no preenchimento da proposta de seguro de vida colocamos todas as patologias que a nossa mãe tinha até ao momento, nada tendo omitido.
No entanto, após vossa análise à proposta de seguro, foi solicitado da vossa parte relatórios médicos, os quais foram enviados, e após o envio destes, a proposta foi aceite com um sobre-prémio.
Perante estes factos, solicitamos que nos informe qual foi a base da vossa decisão, e quais os elementos que consideram que foram omitidos, pois os resultados da autópsia e do hospital provam que a doença da nossa mãe foi fulminante. (…) Em anexo, enviamos análises efectuadas que comprovam que a D. H... não tinha nenhum problema referente à doença que a vitimou. (…)”.
24) Juntamente com tal escrito, os autores fizeram seguir o relatório médico do serviço de cuidados intensivos do Centro Hospitalar do Porto, EPE Hospital Geral Santo António, acompanhado do relatório de autópsia do serviço de anatomia patológica desse mesmo hospital.
25) A ré respondeu aos autores, por escrito datado de 06 de Junho de 2012, com o seguinte teor:
“Exma. Senhora,
Acusamos a recepção da carta de V. Exa., datada de 22/05/2012, cujo teor mereceu a nossa melhor atenção.
No seguimento da mesma, vimos reforçar o teor da nossa carta de 15/05/2012.
Ao procedermos à habitual análise da informação clínica, os nossos serviços médicos concluíram que havia patologias pré-existentes, não declaradas no questionário médico da proposta de seguro, nomeadamente Depressão Grave, HTA, Isquémia do miocárdio, polimedicação e gravidade da fibromialgia, que apesar de declarada no questionário médico, foi omitida a repercussão da mesma na sua actividade física normal, bem como o facto de se encontrar medicada devido à doença.
Como certamente compreenderá, o conhecimento do historial clínico da Pessoa Segura influencia a aceitação do risco por parte do nosso departamento clínico, Assim, ao serem omitidas informações, tornam as garantias do contrato nulas e impedem-nos de aceitar a responsabilidade do sinistro.
Vimos deste modo reiterar a nossa posição, uma vez que, face ao exposto, não podemos aceitar a responsabilidade no sinistro em causa.
Aproveitamos ainda para esclarecer que o risco foi aceite às condições normais de tarifa sem qualquer sobreprémio. (…)”.
26) Na conclusão do relatório de autópsia relativo a H... fez-se constar: “Cadáver de mulher com 63 anos transplantada hepática há 3 dias por hepatite fulminante de etiologia desconhecida.
Extensa necrose hepática em pontes. Não se identificam lesões de rejeição celular aguda.
Necrose tubular aguda.
Dano alveolar difuso”.
27) Nunca a H..., anteriormente ao ano de 2011, teve alguma dificuldade conhecida relacionada com essa causa da sua morte mencionada no relatório de autópsia.
28) Não existe entre a causa da morte referida no relatório de autópsia e as patologias indicadas aquando da subscrição do seguro qualquer ligação ou nexo causal.
29) O parecer clínico definitivo sobre a hepatite de que H... veio a padecer só foi obtido em 19 de Janeiro de 2012, na sequência de contactos entre a médica assistente daquela e o cirurgião do Hospital de Santa Maria no Porto.
30) Com tal diagnóstico foi-lhe recomendado repouso absoluto, evicção total de hepatotóxicos e repetição de novas análises a 24 de Janeiro de 2012.
31) Estas análises vieram a demonstrar declínio da função hepática com claro agravamento do estado geral de H..., razão pela qual esta deu entrada a 24 de Janeiro de 2012 no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho.
32) Na sequência do agravamento progressivo da doença hepática procedeu-se, em 1 de Fevereiro de 2012, à sua transferência para o Hospital de Santo António, no Porto, onde foi submetida a transplante hepático no dia 3 imediatamente subsequente.
33) No seguimento desta dificuldade específica, a H... veio a falecer.
34) À data do óbito de H..., o valor em débito por parte da B... junto do G... era de 31.250,00€.
35) Face ao não assumir da responsabilidade por parte da ré, a autora B... continuou a liquidar, após tal óbito, pontualmente, as prestações mensais junto do G..., ascendendo o valor em dívida, em 03 de Abril de 2013, a 15.625,00€.
36) E, em 29 de Janeiro de 2014, a obrigação de restituição da quantia mutuada por parte da B... ao Banco G... mostrava-se integralmente cumprida.
37) Na sequência da participação do sinistro e com vista à instrução do respectivo processo, a ré solicitou à autora B... o envio de diversa documentação, designadamente, relatório do médico assistente e relatório de autópsia.
38) Posteriormente foram entregues à ré os seguintes documentos:
a. Informação Clínica, datada de 04 de Abril de 2012, emitida pela Sr.ª Dr.ª J..., do seguinte teor: “A D. H... (…) apresentava uma fibromialgia. Tinha uma depressão grave e múltiplas queixas osteo-articulares inerentes à sua fibromialgia. Era também hipertensa. Apresentava em prova de esforço de 08-05-2007, isquemia do miocárdio e em ecocardiograma da mesma altura, perturbação do relaxamento ventricular, insuficiência mitral e aórtica ligeiras. (…)
Encontrava-se medicada com cymbalta 60 mg + metanor 100 mg + socian 50 mg +preterax 2.5 + 0.625 + stilnox 10 mg”.
b. Relatório médico datado de 30 de Março de 2012 emitido pela Sr.ª Dr.ª M..., do qual consta que: “À data da primeira observação (Julho de 2011) foi realizado um exame médico global, com a constatação de fibromialgia diagnosticada desde há 9 anos e quadro depressivo agravados pela perda recente do marido, medicada e controlada com Flexiban, Metanor, Exxiv, Cymbalta 60 mg, Triticum 150 mg…”.
c. Relatório médico do serviço de cuidados intensivos do Centro Hospitalar do Porto.
39) Aquando da subscrição do contrato de seguro em 20 de Maio de 2011, para além da fibromialgia, H..., apresentava, associada àquela doença, múltiplas queixas osteo-articulares.
40) Apresentava ainda, associada à fibromialgia, depressão grave.
41) Era hipertensa.
42) E tinha, pelo menos desde 08 de Maio de 2007, isquemia do miocárdio, perturbação do relaxamento ventricular, insuficiência mitral e aórtica ligeiras.
43) E encontrava-se com medicação associada à fibromialgia, depressão, hipertensão e isquemia do miocárdio.
44) H... tinha conhecimento das patologias referidas em 40) a 42) em data anterior ao preenchimento do questionário de saúde médico e da subscrição do contrato de seguro.
45) Mas omitiu essa informação de forma voluntária e consciente.
46) Não podendo ignorar que o conhecimento dessas patologias era relevante para a análise do risco de vida e de invalidez que a ré se propôs suportar.
47) A ré apenas teve conhecimento de tais doenças por intermédio dos autores, que lhes remeteram aquelas informações clínicas na sequência da participação do sinistro.
48) Se tivesse tido conhecimento das doenças da pessoa segura a ré nunca teria aceitado celebrar o contrato de seguro nos moldes em que o fez, concretamente, o conhecimento da hipertensão arterial e da isquemia do miocárdio determinaria o agravamento do prémio.
49) O conhecimento da depressão grave associada à fibromialgia determinaria a recusa da celebração do contrato.
50) O facto de os serviços da ré terem um questionário clínico pré-formatado, com limitações de espaço e com questões concretas, em que se responde “sim” e “não”, revela que as informações que lhe interessavam e são relevantes para a contratação em causa são as que constam do questionário.
II.B – FACTOS NÃO PROVADOS.
51) Só é permitido ao segurado o preenchimento dos espaços vagos do formulário referido em 6).
52) Que sejam só as informações que constam do questionário as relevantes para a contratação e com interesse para a ré.
53) A causa da morte de H... nada tem a ver com nenhuma das patologias que a ré diz desconhecer.
54) O conhecimento pela ré das múltiplas queixas osteo-articulares e das patologias referidas 41) e 42), determinaria a recusa da celebração do contrato.
55) O conhecimento pela ré das múltiplas queixas osteo-articulares determinaria o agravamento do prémio.
c) Apreciação das restantes questões objecto do recurso.
1 – Vejamos se é necessário para que surja o direito de anulação do contrato de seguro, a existência de um nexo causal entre uma eventual omissão de informações sobre o estado de saúde e a morte da segurada, nexo causal que no caso dos autos não existe, pelo que o contrato deve permanecer válido.
A resposta a esta questão é negativa pelas seguintes razões:
Nos termos do n.º 1, do artigo 25.º (Omissões ou inexactidões dolosas), do Regime jurídico do Contrato de Seguro (Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril), «Em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.º 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro».
O n.º 1 do artigo 24.º (Declaração inicial do risco) do mesmo diploma dispõe que «O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador».
Face a estas normas verifica-se, com suficiente clareza, que a causa da invalidade, se existir, ocorre no momento em que o segurado presta as informações que a contra-parte lhe solicita aquando da declaração inicial do risco.
Ou, dito de outro modo, para aferir da validade ou invalidade do contrato não é necessário esperar que o segurado morra, para verificar, então, se a causa da morte se insere num processo causal em que o elo causal que levou à morte foi omitido pelo segurado ou declarado de forma inexacta, quando foi celebrado o contrato.
Se fosse necessário esperar pela morte, então o contrato estaria durante a sua vigência num limbo de incerteza, oscilando entre uma zona de validade e outra de invalidade.
Este fenómeno jurídico não existe neste caso: o contrato, após ter sido celebrado, ou padece de vício que o torna anulável pelas razões indicadas nas normas transcritas ou está totalmente isento de vício.
Por conseguinte, o apontado nexo de causalidade não pode ter relevo [4].
O que se prova considerando que não é necessário que o segurado morra para que seja permitido à seguradora declarar ao segurado que anula o contrato por padecer de causa que determina a sua anulação e obtê-la, se necessário, em juízo.
O que sucederá, em regra, é que antes da morte do sinistrado a seguradora não tem conhecimento dos factos que tornam o contrato anulável.
Dir-se-á que seria de todo desproporcionado sancionar com o vício da anulabilidade o seguro em que o evento que espoletou o pagamento do risco assumido seja completamente alheio aos elementos inexactos ou omitidos [5].
Não se duvida que colocado o problema nestes termos possa ocorrer esta desproporcionalidade, mas a questão da anulabilidade é, como se disse, muito anterior à morte, há-de ocorrer no momento da celebração do contrato.
Aliás, a seguradora também poderá argumentar, pelo menos em casos como o dos autos, que a desproporcionalidade alegada nunca chegaria a ser invocada se não tivesse havido omissão de informações ou informações inexactas por parte do segurado, pois se este vício não tivesse ocorrido, a seguradora não tinha sequer celebrado o contrato.
O que faz mais sentido é indagar se existe, sim, um nexo de causalidade entre a omissão de informações ou a prestação de informações inexactas e a celebração do contrato.
Improcede, pelo exposto, este fundamento do recurso.
2 – Cumpre agora verificar se resulta da matéria de facto, modificada, que a seguradora não teria contratado se soubesse da existência das informações omitidas.
Esta questão fica prejudicada porque os factos não foram alterados no sentido pretendido pelos recorrentes.
Permaneceu provado que «49) O conhecimento da depressão grave associada à fibromialgia determinaria a recusa da celebração do contrato».
Passando à questão seguinte.
3 – Vejamos se a omissão ou inexactidão resultou de uma declaração negligente, uma vez que a segurada denunciou o que para si era grave e que de facto a preocupava, a fibromialgia.
A resposta a esta questão é negativa porque resultou provado que «44) H... tinha conhecimento das patologias referidas em 40) a 42) em data anterior ao preenchimento do questionário de saúde médico e da subscrição do contrato de seguro» e que «45) ... omitiu essa informação de forma voluntária e consciente», «46) Não podendo ignorar que o conhecimento dessas patologias era relevante para a análise do risco de vida e de invalidez que a ré se propôs suportar».
4 – Por fim, cumpre verificar se a Ré seguradora tinha o obrigação de saber quais as implicações desta doença, nomeadamente a nível de depressão e de medicação, tendo ocorrido por parte desta uma análise incorrecta de risco.
A resposta é negativa.
Já acima se referiu na análise da matéria de facto que não era exigível à Ré saber se a segurada padecia de depressão e depressão grave, apenas por ter sido informada por esta que padecia de fibromialgia.
O relatório médico entregue à seguradora Ré (está a fls. 47) referia que a segurada padecia de fibromialgia, «...podendo manter a sua actividade diária normal».
Por conseguinte, a seguradora perante a informação de que a segurada podia «...podendo manter a sua actividade diária normal», na falta de qualquer outra informação, não tinha elementos para suspeitar que a segurada padecesse também de depressão grave.
Além disso, era dever de quem contratava este tipo de seguro, da segurada H..., portanto, prestar o máximo de informação possível à outra parte.
Dever assente no facto das informações pretendidas pela outra parte respeitarem à pessoa do segurado que é precisamente a parte contratual, e a única, que domina os factos que dizem respeito à sua própria vida.
Por isso, se a segurada nada disse a respeito da depressão grava de que padecia, que não podia ignorar, a seguradora tinha razões para confiar que nada mais existia de patológico para além do declarado.
Improcede, por isso, este fundamento do recurso.
5 – à excepção da questão do nexo de causalidade referido no anterior ponto «1», a reanálise do aspecto jurídico da sentença estava fundamentalmente dependente da procedência do recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto, a qual não sofreu alteração relevante.
Improcede, pelo exposto o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
IV. Decisão
Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
*
Porto, 12 de Julho de 2017
Alberto Ruço
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
___________
[1] Segue-se o relatório da sentença recorrida com pequenas alterações.
[2] A sequência das questões pressupõe que cada uma delas, ao ser resolvida, não irá prejudicar o conhecimento das seguintes.
[3] Os recorrentes omitiram a indicação das razões e da resposta a dar ao facto 50, quer nos fundamentos do recurso, quer nas conclusões, pelo que nada se dirá a seu respeito.
[4] Neste sentido, cfr. Ac. do STJ de 09-09-2010, processo 2617/03.2TBAVR.C1.S1,onde se ponderou que «O momento em que se tem de verificar a exactidão ou a reticência a que alude o artigo 429º do Código Comercial é o momento em que a proposta do segurado chega ao conhecimento da seguradora – cfr. artigo 224.º do Código Civil.
- Ou seja, foi na altura em que o segurado preencheu a proposta e declarou que não tinha qualquer problema de saúde ou doença crónica, que se tinha que aferir da omissão de que padecia de hemofilia.
- E, pois, irrelevante o nexo de causalidade entre o facto omitido e a morte do segurado para se aferir da inexactidão ou reticência da declaração do mesmo.
Bem como o Ac. do STJ de 2 de Dezembro de 2008, processo n.º 08A3737: «Irreleva, outrossim, o nexo de causalidade naturalístico entre a omissão (ou reticência) e o sinistro», ambos em www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido, admitindo a relevância do apontado nexo de causalidade, Ac. do STJ de 8 de Janeiro de 2009, no processo n.º 08B3903, em www.dgsi.pt: «Ainda que não seja pacífica a questão de saber se é imprescindível à invalidade do contrato a existência de nexo de causalidade entre a inexactidão e/ou omissão de elementos essenciais e o sinistro, afigura-se-nos mais defensável a resposta positiva, já que seria de todo desproporcionado sancionar com o vício da anulabilidade o seguro em que o evento que despoletou o pagamento do risco assumido seja completamente alheio aos elementos inexactos ou omitidos».