Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
25601/16.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
MEIO PROCESSUAL
INVERSÃO DO CONTENCIOSO
Nº do Documento: RP2017062925601/16.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/29/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTO N.º 101, FLS. 163-174)
Área Temática: .
Sumário: I - Formulando os requerentes pedidos característicos da que seria a acção principal e não do procedimento cautelar esquecem a instrumentalidade e a provisoriedade do procedimento cautelar.
II - Tais pedidos só poderiam ser apreciados e decididos em processo declarativo comum e não em procedimento cautelar, não sendo consentâneos com tal meio processual, pelo que estamos perante a nulidade do erro na forma de processo.
III - A possibilidade de inversão do contencioso não legitima a inversão da essência do procedimento cautelar, caracterizado pela celeridade e provisoriedade, por forma a transferir para o procedimento cautelar a acção definitiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
Processo n.º 25601/16.1T8PRT.P1
Relator: Paulo Dias da Silva
1.º Adjunto: Des. Teles de Menezes
2.º Adjunto: Des. Mário Fernandes
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
B… e C…, residentes na Rua …, n.º .., no Porto instauraram os presentes autos de procedimento cautelar comum contra D…, residente na Avenida …, …, …. - … Lisboa, E…, residente na Rua …, ..., …. - … Coimbra, F…, residente na Rua …, …, …. - … Porto, G…, residente na Rua …, n.º …, …. - … Coimbra e H…, residente na …, …, …. - … Vila Real onde concluíram pedindo:
- seja decretado a realização de todas as obras referidas na petição inicial, bem como as demais que se revelarem necessárias no bem imóvel identificado nos autos com vista à realização do fim a que se destina o locado;

- sejam condenados os requeridos no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, de valor não inferior a €200,00 (duzentos euros) por cada dia de atraso na realização das obras indicadas;

- seja invertido o contencioso e realizada a composição definitiva do litígio, por terem os requerentes produzido toda a prova da existência do seu direito nos presentes autos, dispensando-os da propositura da acção principal, nos termos e para os efeitos dos artigos 369.º e ss. do Código de Processo Civil e, por via disso:

- seja reconhecida a posição dos requerentes na invocada qualidade, de detentores do direito de arrendamento do imóvel identificado no artigo 2.º;

- sejam condenados os requeridos a realizar, de imediato, as obras identificadas na petição inicial, bem como as que se vierem revelar necessárias à realização do fim a que se destina o locado;

- sejam condenados os requeridos a assegurar provisoriamente aos requerentes e seus familiares que com o mesmo habitam, um bem imóvel na mesma área geográfica, com semelhante tipologia e área, enquanto não forem concluídas as obras necessárias à reparação e conservação do locado, caso as mesmas não se coadunem com a permanência dos requerentes no imóvel;

- seja determinada a aplicação do regime da excepção de não cumprimento do contrato prevista no artigo 428.º, n.º 1 do Código Civil e consequentemente seja determinado que os requerentes se encontram dispensados do pagamento da renda, enquanto o locado não reunir as condições necessárias para a habitação condigna dos requerentes ou, caso não entenda desta forma, seja proporcionalmente reduzido o valor a pagar, segundo critérios de equidade;

- sejam condenados a indemnizar os requerentes pelos danos não patrimoniais sofridos - em virtude da omissão dos requeridos na realização das obras supra descritas - em montante não inferior a €35.000,00 (trinta e cinco mil euros) cuja exacta quantificação relegam para execução de sentença, dada a impossibilidade da sua determinação por ora.
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Na sequência das diligências com vista à citação dos requeridos e, em face da notícia do óbito de quatro dos requeridos, dispensou-se o contraditório prévio relativamente aos requeridos não citados.
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Citado, deduziu o requerido F… oposição invocando várias excepções e, entre elas, a da nulidade do processo por erro na forma do processo, falta de constituição de advogado por parte do requerente e não pagamento da taxa de justiça.
Refere, para tanto, que os pedidos formulados pelos requerentes não têm qualquer natureza conservatória ou antecipatória invocando, quanto ao demais, que não se encontram junto aos autos nem procuração forense outorgada pelo requerente, nem comprovativo de liquidação da taxa de justiça, sendo que apenas à requerente foi concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e de nomeação e pagamento de compensação a patrono.
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A fls. 236 e ss. vieram os requerentes pronunciar-se sobre a matéria de excepção, designadamente quanto ao erro na forma do processo, que entendem não existir por terem solicitado a inversão do contencioso, referindo, ainda, que a introdução deste instituto teve como objectivo, precisamente, dispensar o requerente de uma providência cautelar comum do ónus de propositura de uma acção condenatória ulterior.
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Em 19.04.2017 a Senhora Juiz a quo declarou verificado o erro na forma de processo aplicável e determinou a absolvição dos requeridos da instância.
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Não se conformando com a decisão proferida, a recorrente “C…” veio interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

I. Não se conforma a aqui Recorrente com o conteúdo da, aliás, douta sentença proferida nestes autos que decidiu “verificar-se erro na forma do processo aplicável (cf. art.º. 193.º do CPC), o que na impossibilidade de aproveitamento dos atos já praticados, por diminuição das garantias dos requeridos, determina - o que desde já declaro - a absolvição dos requeridos da instância (...).”

II. Confessa a Recorrente a sua manifesta incapacidade para compreender a fundamentação e consequente decisão proferida pelo Tribunal a quo na douta sentença recorrida, a qual já foi transcrita supra, nomeadamente a fundamentação constante dos parágrafos 4.º, 5.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º e 12.º referentes à parte da sentença impugnada que se refere à apreciação do erro na forma do processo, para onde se remete por facilidade de exposição e economia processual.

III. Dado que, os pressupostos necessários para a instauração de um procedimento cautelar comum são:
i) a probabilidade séria de existência do direito que se pretende acautelar (fumus bonus juris) - art. 362.º, n.º 1 do CPC;

ii) o fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável desse direito antes de ser proferida decisão na acção de que a providência é dependência (periculum in mora) - cfr. art. 362.º, n.º 1 do CPC;

iii) inexistência de procedimento tipificado aplicável ao caso - cfr. art. 362.º, n.º 3 do CPC;

iv) adequação do procedimento à remoção do periculum in mora - art. 362.º, n.º 1 CPC;

v) o prejuízo resultante para os Requeridos, decorrente do decretamento do procedimento, não exceder consideravelmente o dano que se pretende evitar - cfr. art. 368.º, n.º 2 do CPC;

IV. Pressupostos esses que, in casu, se encontram preenchidos na íntegra.

V. Conforme decorre da prova documental junta aos autos pela Recorrente.

Senão vejamos

VI. Tal como referido nos artigos 15.º, 16.º, 17.º, 18.º,19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 38.º, 39.º, 40.º, 42.º, 43.º do requerimento inicial que instruiu estes autos, os direitos existentes que se pretendem acautelar são o direito à vida, à integridade física, à saúde, ao bem-estar, à habitação e ao arrendamento pertencentes à Recorrente, seu companheiro e seu filho de 11 anos de idade.

VII. E dúvidas não subsistem quanto à existência do direito à vida - constitucionalmente previsto - bem como à integridade física, à saúde e ao bem-estar, tutelados pelo artigo 70.º, n.º 1 do Código Civil “o qual tutela a personalidade, como direito absoluto, de exclusão, na perspectiva do direito à saúde, à integridade física, ao bem-estar, que são os aspectos que individualizam o ser humano, moral e fisicamente, e o tornam titular de direitos invioláveis.” - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15.05.2013, processo n.º 2612/07.2TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt;

VIII. Nem tão pouco quanto aos direitos de habitação e arrendamento, que emergem do artigo 65.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e do artigo 1031.º, alínea b) do código civil, respectivamente.

IX. O fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável destes direitos é documentalmente comprovado por força dos diversos relatórios - nomeadamente os juntos como documentos n.ºs 10, 12, 13, 14 e 38 - que descrevem o estado do imóvel em questão, elaborados, designadamente, pelo departamento municipal de fiscalização e pelo departamento municipal de protecção civil, ambos da Câmara Municipal do Porto, os quais foram juntos aos autos com a apresentação do requerimento inicial e supra transcritos - nas páginas 7 a 12 e 21 e 22 das alegações do presente recurso - para onde se remete por manifesta economia processual;

X. Não existe um procedimento cautelar específico para a pretensão da Recorrente, bem como o procedimento intentado é adequado a remover o periculum in mora existente, supra exposto e documentalmente comprovado e bem ainda o decretamento do procedimento cautelar em questão não comportaria um prejuízo maior para os Requeridos do que o dano que se pretende evitar com a mesma - repita-se, pela sua importância, o direito à vida, integridade física, à saúde, bem-estar, habitação e arrendamento da Recorrente e seu agregado familiar;

XI. Acresce que, “Com a reforma do Código de Processo Civil, possibilita a lei o requerimento de inversão do contencioso, deixando o procedimento cautelar de ser necessariamente instrumental e provisório uma vez que se permite que se forme convicção sobre a existência do direito apta a resolver de modo definitivo o litígio, verificados os pressupostos legalmente previstos.” - cf. Caderno III do Centro de Estudos Judiciários, obra melhor identificada supra e sob a nota de rodapé n.º 3, e para onde se remete por facilidade de exposição e economia processual;

XII. Assim, os requisitos para ser invocado e aplicado o instituto da inversão do contencioso - e explanados com maior rigor supra nas páginas 18 a 21 e 26 a 31 das alegações deste recurso - são: i) a matéria adquirida no procedimento permitir ao Juiz formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado; e ii) que a natureza da providência decretada seja adequada a realizar a composição definitiva do litígio - cfr. art. 369.º, n.º 1 do CPC;

XIII. Mas para tanto, é necessário que o Tribunal a quo permita a produção de prova requerida, para a final fazer o juízo devido quanto aos pressupostos de aplicação do referido instituto; o que, manifestamente não ocorreu in casu;

XIV. O que não pode ocorrer é o Tribunal a quo absolver os requeridos da instância por entender existir erro na forma do processo, face a vários pedidos realizados ao abrigo da inversão do contencioso que só a final é possível aferir da possibilidade da sua aplicação;

XV. Muito menos, sustentando tal decisão no entendimento vertido numa citação descontextualizada de um acórdão deste Colendo Tribunal da Relação, que conforme resultou da transcrição feita supra no “corpo” deste recurso - concretamente nas páginas 14 a 17 das alegações do presente recurso, para onde se remete por facilidade de exposição e manifesta economia processual - em nada se assemelha à situação em discussão nestes autos;

XVI. Pois, de facto, utilizar um procedimento cautelar comum, requerendo a inversão do contencioso, com vista a obter a anulação de um contrato de compra e venda e consequente cancelamento do registo de aquisição, tendo por fundamento o receio de que o bem fosse transmitido a terceiro - como no acórdão referenciado na sentença impugnada - não é em nada semelhante a requerer-se um procedimento cautelar com vista à realização de obras urgentes com vista a impedir que o prédio sofra outra derrocada parcial e com este procedimento pretender-se obviar ao perigo que o direito à vida - entre os outros direitos supra referenciados - da Recorrente e seu agregado familiar está a ser alvo, por força do péssimo estado de conservação do prédio onde a sua habitação se encontra, a qual é directamente afectada por esse mesmo estado de conservação;

XVII. Pelo que, com o devido respeito, o raciocínio feito pelo Tribunal a quo, o qual terminou com a prolação da sentença recorrida, encontra-se fatalmente inquinado;

XVIII. De entre vários casos em que os tribunais superiores aplicaram a inversão do contencioso a procedimentos cautelares destacamos o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04.06.2015, processo n.º 290/13.9YHLSB-8 e os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, datados de 19.5.2014, processo n.º 2727/13.8TBPVZ.P1 e de 08.11.2016, processo n.º 1264/15.0T8GDM.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt e supra transcritos parcialmente, nas páginas 26 a 31 das alegações deste recurso, para onde remetemos por manifesta economia processual;

XIX. Diga-se, ainda, que, ao contrário do que é sugerido pelo Tribunal a quo, o que a Recorrente requereu, fora do âmbito do requerimento de inversão do contencioso, foi a condenação dos Requeridos na realização de todas as obras sinalizadas como necessárias, nos diversos relatórios das entidades competentes para tanto, a assegurar a segurança e salubridade da habitação da Recorrente;

XX. Obras essas que, conforme decorre dos relatórios juntos aos autos teriam de ser realizadas na totalidade do prédio onde se insere a habitação da Recorrente, dado o péssimo estado de conservação em que o mesmo se encontra;

XXI. Inclusive algumas das obras urgentes e imprescindíveis a assegurar a segurança da Recorrente e seu agregado familiar bem como o gozo pleno do locado reportam-se a zonas comuns do prédio - corredor de entrada, rés-do-chão e escadas de acesso à habitação - bem como no 3.º andar e telhado do prédio, cujo estado péssimo de conservação influi directamente no actual estado da habitação da Recorrente, conforme decorre dos relatórios juntos aos autos e supra referidos e transcritos;

XXII. Todos os outros pedidos de carácter definitivo foram deduzidos ao abrigo do instituto da inversão do contencioso, supra dissecado;

XXIII. Pelo que, não colhe este argumento do Tribunal a quo;

XXIV. Até porque, o Tribunal a quo até poderia, após a produção de toda a prova requerida, entender que a inversão do contencioso não deveria ter lugar in casu, por não ter formado a convicção plena da existência dos direitos invocados;

XXV. O que não sucedeu dado que o Tribunal a quo não permitiu que fosse produzida nenhuma da prova requerida - para além da documental referida ao longo desta peça (a qual foi, parece-nos total e incompreensivelmente desconsiderada pelo Tribunal a quo), a testemunhal e a muito relevante inspeção ao local requerida - a qual poderia, caso fosse entendido que não se verificavam os pressupostos da inversão do contencioso, permitir ao Tribunal a quo determinar quais as obras mais urgentes e de realização imediata com vista a assegurar os referidos direitos da Recorrente e seu agregado familiar;

XXVI. Mais se diga, que não se concebe como o Tribunal a quo entende que o que a Recorrente requereu no âmbito deste procedimento - e fora do alcance da inversão do contencioso - não foi “a intervenção de forma preventiva” na sua habitação, simplesmente porque foram referidas a urgência de realização de obras nas zonas comuns - designadamente no tecto do corredor de entrada, rés-do-chão, escadaria de acesso ao 2.º andar e 3.º andar e telhado;

XXVII. Isto porque, naturalmente, que a Recorrente para aceder à sua habitação localizada no 2.º andar, tem, necessariamente, de passar pelo corredor de entrada, rés-do-chão e 1.º andar, e pelas zonas comuns do edifício em questão.

XXVIII. Ora, se os tectos do corredor de entrada e rés-do-chão, estão em risco de queda e se as águas residuais domésticas se estendem pelo pavimento do corredor de entrada, conforme resulta do relatório junto aos autos como documento n.º 10, necessariamente que as obras com vista à reparação dessas patologias são necessárias a garantir à Recorrente o acesso em condições de segurança e salubridade ao seu locado, e por via disso, estão directamente relacionados com o gozo do seu locado.

XXIX. Bem como se na escadaria de acesso à habitação os degraus encontram-se inclinados e cedem à passagem, esta terá de ser intervencionada por forma à Recorrente e seu agregado familiar acederem à habitação em segurança;

XXX. Como também se há infiltração de águas pluviais nas instalações sanitárias do imóvel da Recorrente, devido ao estado em que se encontra o telhado e o 3.º andar, estes terão, necessariamente, de ser intervencionados, por forma a eliminar essas patologias.

XXXI. Por isso, o que pretendia a Recorrente - repita-se fora do âmbito do requerimento de inversão do contencioso - era que o Tribunal a quo decretasse a realização das obras, que face à prova produzida e a produzir, fossem sinalizadas como mais urgentes e prementes para que a habitação da arrendatária ficasse dotada das condições de segurança e salubridade exigíveis e necessárias à preservação dos direitos já supra identificados, por a isso obrigar a situação em questão.

XXXII. Isto, caso o Tribunal a quo entendesse não ter elementos bastantes para, após a produção de prova, decretar a inversão do contencioso e dessa forma resolver de modo definitivo o litígio;

XXXIII. Pelo que, as normas jurídicas violadas pelo Tribunal a quo na sentença recorrida foram as constantes nos artigos 362.º, 368.º e 369.º do Código de Processo Civil;

XXXIV. Face a todo o exposto, deverá o presente recurso ser totalmente procedente e, por via disso, ser a douta sentença ora recorrida revogada, com o consequente prosseguimento dos autos, com as legais consequências;

Subsidiariamente,

Da Impossibilidade de aproveitamento dos actos já praticados

XXXV. Caso assim não se entenda, o que somente por mera cautela de patrocínio se equaciona - sem se conceber ou conceder, só se equacionando como mera hipótese de raciocínio - e se entenda existir erro na forma de processo, sempre não se poderá concordar com o seguinte segmento decisório: “ (...) Do que se deixa dito resulta verificar-se erro na forma do processo aplicável (cf. art. 193º do CPC), o que, na impossibilidade de aproveitamento dos atos já praticados, por diminuição das garantias dos requeridos (...)”.

XXXVI. Dado que, atentando na oposição apresentada pelo Recorrido, resulta que na mesma são invocadas 5 excepções e deduzidos 66 artigos a impugnar o teor da peça processual apresentada pela Recorrente, e bem ainda juntos 7 documentos e arroladas 4 testemunhas. Tendo, ainda, tido oportunidade de se pronunciar quanto ao pedido de inversão do contencioso, o que o fez, nos termos constantes do art.º. 95.º da oposição por si apresentada;

XXXVII. Donde resulta que o Recorrido teve oportunidade e exerceu na plenitude os seus direitos de defesa, contraditório e igualdade das partes.

XXXVIII. Pelo que se pergunta, em que se verifica, em concreto, a diminuição das garantias dos Requeridos? Não se sabe, até porque não foi dito!

XXXIX. Mais se refira, porque é pertinente fazê-lo, que dos Requeridos constantes da certidão predial do imóvel em crise - junta com o requerimento inicial como documento n.º 7 - constam como co-proprietários do imóvel em questão, D… e cônjuge I…, E…, J… e cônjuge F…, G… e H….

XL. Sendo que a data da ap. de aquisição do imóvel a favor dos referidos co-proprietários, é de 19/08/2015.

XLI. Ora, se I… - cônjuge de D… - E…, H…, J… e seu marido F… e G… faleceram em datas muito anteriores à referida na conclusão antecedente, conforme é alegado pelo Recorrido na sua oposição, não se entende como é que os seus nomes constam como co - proprietários na mencionada apresentação datada de 19/08/2015;

XLII. Pois de facto, os seus nomes constam como co-proprietários na certidão predial do imóvel em questão.

XLIII. Registo predial que, como se sabe, destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário.

XLIV. Sendo que não pode ser imputada à Recorrente o facto dos co-proprietários reais do imóvel em questão terem logrado lavrar um registo de seis co-proprietários falecidos à data, nem a preservação dos direitos à vida, integridade física, à saúde, ao bem-estar, à habitação e ao arrendamento, da Recorrente e seu agregado familiar, podem ser colocados ainda mais em risco por uma circunstância que, somente ao Recorrido e respectivos familiares pode ser imputada;

XLV. Pelo que, somente pela única e exclusiva responsabilidade dos co-proprietários do prédio em questão é que os reais e actuais proprietários desse prédio não exerceram, até à presente data, o seu direito ao contraditório, dado que foram citados todos os co-proprietários inscritos no registo predial do prédio em crise.

XLVI. Por esta razão, se a não citação prévia dos co-proprietários “desconhecidos” - que aliás é uma prerrogativa dos procedimentos cautelares, em determinadas situações - for considerada uma diminuição das suas garantias de defesa, tal diminuição foi causada única e exclusivamente pelos próprios, por isso a sua alegação - constante da oposição do Recorrido - sempre consubstanciaria um manifesto abuso de direito e má-fé processual;

XLVII. Contudo, sempre não será despiciendo referir que, conforme resulta do teor do requerimento inicial e das várias missivas juntas aos autos, a relação material controvertida desenrolou-se entre a recorrente e o aqui recorrido, o qual exerceu na plenitude os seus direitos de defesa, contraditório e igualdade das partes.

XLVIII. Pelo que, em obediência ao disposto no artigo 193.º do CPC, conjugado com o dever de gestão processual e adequação formal previstos nos artigos 6.º e 547.º respectivamente, ambos do CPC, o Tribunal a quo deveria ter convolado o presente procedimento em acção declarativa de condenação,

XLIX. E consequentemente notificado o recorrido para este vir indicar aos autos, ao abrigo do dever de cooperação para a descoberta a verdade - art.º. 417.º do CPC - a identificação completa dos sucessores dos referidos falecidos e reais co-proprietários - já que não o fez na sua oposição - por forma a ser possível proceder à sua habilitação para contra eles seguir a presente lide;

L. A fim de ser possível a discussão do objecto deste litígio, descobrir-se a verdade material e garantir-se a justa composição deste litígio em prazo razoável, face aos direitos aqui em causa, o que se requer, subsidiariamente, seja ordenado, por via do presente recurso, para o caso de entender-se existir erro na forma do processo;

LI. No sentido defendido pela Recorrente, destaque-se os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, datado de 20.5.2013, processo n.º 216/11.4TTVCT.P1, e do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 16.11.2011, processo n.º 799/10.6TTLRS.L1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt e transcritos nas páginas 36 a 40 das alegações deste recurso;

LII. Pelo que, quanto a este segmento da decisão constante da sentença impugnada, as normas jurídicas violadas foram as constantes nos artigos 6.º, 193.º e 547.º, todos do Código de Processo Civil;

LIII. Bem como, no entendimento da Recorrente, a norma constante do artigo 193.º do Código de Processo Civil, deveria ter sido interpretada e aplicada no sentido referido na conclusão infra ccc);

Por tudo e em conclusão

LIV. Nestes termos e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas deverá o presente recurso ser julgado procedente, e por via disso, ser revogada a douta sentença recorrida que decidiu verificar-se erro na forma de processo, ordenando-se o prosseguimento dos autos, com as legais consequências,

LV. Ou, subsidiariamente, para o caso de assim não se entender - o que não se concebe nem concede, só se equacionando como mera hipótese de raciocínio - e em obediência ao disposto no artigo 193.º do Código de Processo Civil, conjugado com o dever de gestão processual e adequação formal previstos nos artigos 6.º e 547.º, respectivamente, ambos do Código de Processo Civil, ser convolado o presente procedimento cautelar em acção declarativa de condenação, e consequentemente notificado o Recorrido para este vir indicar aos autos, ao abrigo do dever de cooperação para a descoberta da verdade - art. 417.º do Código de Processo Civil - a identificação completa dos sucessores dos referidos falecidos e reais co-proprietários, por forma a ser possível proceder à sua habilitação para contra eles seguir a presente lide, com as legais consequências.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

2. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do presente recurso prendem-se com saber:
- Da verificação do erro na forma de processo;
- Da inversão do contencioso e convolação do procedimento numa acção declarativa de condenação.

3. Conhecendo do mérito do recurso:

Presente que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formulado, importando em conformidade decidir as questões nelas colocadas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, tendo presente o dispositivo da decisão proferida e em análise, resulta que as questões a apreciar consistem em saber se os autos padecem do vício do erro na forma de processo e se encontram reunidos os pressupostos de convolação do presente procedimento cautelar em acção declarativa de condenação.
Na decisão recorrida entendeu-se não estarem verificados tais requisitos e existir manifesto erro na forma de processo.
Deste entendimento dissente a recorrente.
Vejamos, então.
Ora, preceitua o n.º 1, do artigo 362.º do Código de Processo Civil que “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito pode requerer a providência concretamente adequada a assegurar a efectividade deste”.
Por seu turno, o artigo 368.º prescreve que a providência é decretada quando houver “probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão” (n.º 1), podendo o tribunal, no entanto, recusar a sua decretação “quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar” (n.º 2 do mesmo normativo)
Como diz Abílio Neto in Código Processo Civil, 13ª edição, pg. 187 “o decretamento de uma providência cautelar não especificada depende da concorrência dos seguintes requisitos: (a) que muito provavelmente exista o direito tido por ameaçado - objecto de acção declarativa -, ou que venha a emergir de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor; (b) que haja fundado receio de que outrem antes de proferida decisão de mérito, ou porque a acção não está sequer proposta ou porque ainda se encontra pendente, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito; (c) que ao caso não convenha nenhuma das providências tipificadas nos arts. 393.º a 427.º do CPC; (d) que a providência requerida seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado; (e) que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar”.
Como se sabe a providência cautelar não especificada visa a tutela provisória de um direito ameaçado, sendo instrumental de um processo principal instaurado ou a instaurar - cf. artigo 364.º do Código de Processo Civil.
Afirma Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, I Vol., pág. 623 que “A providência cautelar surge como antecipação e preparação duma providência ulterior: prepara o terreno e abre caminho para uma providência final. A providência cautelar, nota Calamendrei, não é um fim, mas um meio; não se propõe dar realização directa e imediata ao direito substancial, mas tomar medidas que assegurem a eficácia duma providência subsequente, esta destinada à actuação do direito material. Portanto, a providência cautelar é posta ao serviço duma outra providência, que há-de definir, em termos definitivos, a relação jurídica litigiosa. Este nexo entre a providência cautelar e a providência final pode exprimir-se assim: aquela tem carácter provisório, esta tem carácter definitivo”.
Ou seja, a providência cautelar, porque não constitui um meio para se criarem ou definirem direitos, não deve ser encarada como uma antecipação da decisão final a proferir na acção principal e da qual depende, apenas se justificando para se acautelar o direito invocado no sentido de evitar, durante a pendência da acção principal, a produção de danos graves e dificilmente reparáveis.
Sabido é, que estamos no âmbito de procedimento cautelar, em termos de composição provisória do litígio, indiciada como necessária para assegurar a utilidade da decisão, para que se obtenha a efectiva tutela jurisdicional, garantindo o efeito útil da acção.
Também não é despiciendo que a providência requerida seja adequada a remover o periculum in mora, ou seja o prejuízo da demora inevitável do processo, no caso concreto evidenciado, assegurando consequentemente a efectividade do direito que está a ser posto em causa ou ameaçado, para além do prejuízo decorrente do decretamento da providência não dever exceder o dano que com a mesma se pretende evitar.
Ora, é sabido que o erro na forma de processo ocorre nos casos em que a pretensão não seja deduzida segundo a forma geral ou especial de processo legalmente previstas.
Constitui entendimento hoje dominante que é pelo pedido final formulado, ou seja, pela pretensão que o requerente pretende fazer valer que se determina a propriedade ou impropriedade do meio processual empregue para o efeito.
Ou seja, é pelo pedido formulado pelo autor na sua petição inicial, isto é, pela pretensão que aí pretende fazer valer que se afere do acerto ou erro do meio processual que utilizou para atingir tal desiderato.
Quer isto dizer, que a correcção ou incorrecção do meio processual empregue pelo autor (nomeadamente no que concerne ao tipo de acção por si escolhido para atingir o fim por si visado) mede-se ou afere-se em função da pretensão da tutela jurisdicional que o mesmo pretende atingir, e não da natureza da relação substantiva ou do direito subjectivo que lhe serve de base - cf., entre outros, Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, 3ª edição, 1999, pág. 262 e Antunes Varela, in “Revista de Legislação e Jurisprudência” 115 - 245 e ss.
É de facto em função do pedido formulado pelo requerente que se poderá aquilatar da adequação (ou não) da forma de processo por si escolhida.
Desta forma, e transpondo tal princípio para o procedimento cautelar aqui em discussão, teremos que será pela análise da pretensão dos requerentes que se poderá verificar se a providência proposta é a que de acordo com a lei deveria ser intentada ou se, pelo contrário, caberia à situação uma outra tipificada no Código de Processo Civil, ou mesmo apurar se tal pedido seria inadequado para ser deduzido numa providência cautelar.
Sucede que, como vimos, os pedidos principais formulados pelos requerentes foram os seguintes:
“- seja decretado a realização, no bem imóvel identificado nos autos, de todas as obras referidas na petição inicial, bem como as que se revelarem necessárias à realização do fim a que se destina o locado;
- sejam condenados os requeridos no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, de valor não inferior a €200,00 (duzentos euros) por cada dia de atraso na realização das indicadas obras;
- seja invertido o contencioso e realizada a composição definitiva do litígio, por terem os requerentes produzido toda a prova da existência do seu direito nos presentes autos, dispensando-se os requerentes da propositura da acção principal, nos termos e para os efeitos dos artigos 369.º e seguintes do CPC e, por via disso:
- seja reconhecida a posição dos requerentes na invocada qualidade, de detentores do direito de arrendamento do imóvel identificado no artigo 2.º;
- sejam condenados os requeridos a realizar, de imediato, as identificadas obras, bem como as que se revelarem necessárias à realização do fim a que se destina o locado;
- sejam condenados os requeridos a assegurar provisoriamente aos requerentes e seus familiares que com o mesmo habitam, um imóvel na mesma área geográfica, com semelhante tipologia e área, enquanto não forem concluídas as obras necessárias à reparação e conservação do locado, caso as mesmas não se coadunem com a permanência dos requerentes no imóvel;
- seja determinado a aplicação do regime da excepção de não cumprimento do contrato - prevista no artigo 428.º, n.º 1 do Código Civil - e consequentemente seja determinado que os requerentes se encontram dispensados do pagamento da renda, enquanto o locado não reunir as condições necessárias para a habitação condigna dos requerentes, ou, caso não entenda desta forma, seja proporcionalmente reduzido o valor a pagar, segundo critérios de equidade;
- sejam condenados os requeridos a indemnizar os requerentes pelos danos não patrimoniais sofridos - em virtude da omissão dos requeridos na realização das obras supra descritas - em montante não inferior a €35.000,00 cuja exacta quantificação relega para execução de sentença, dada a impossibilidade da sua determinação por ora“.
Ora, muito embora os requerentes tenham intentado uma providência cautelar o certo é que formulam os pedidos característicos da que seria a acção principal e não do procedimento cautelar, esquecendo a instrumentalidade e a provisoriedade do mesmo.
Aliás, os factos enunciados no requerimento inicial como causa de pedir prestam-se a sustentar aqueles pedidos formulados.
Temos, pois, que os efeitos jurídicos enunciados pelos requerentes não são consentâneos com o procedimento cautelar.
Com efeito, os pedidos formulados traduzem-se na pretensão definitiva de satisfação dum direito ou interesse dos requerentes, e não na salvaguarda provisória desses, o que contraria a finalidade dos procedimentos cautelares.
Conforme referimos, o erro na forma de processo consiste em terem os requerentes usado de uma forma processual inadequada para fazer valer as suas pretensões.
É pelas pretensões que se pretendem fazer valer - e, portanto, pelos pedidos formulados - que se há-de aquilatar do acerto ou do erro do processo empregue, questão distinta das razões da procedência ou improcedência da acção. É, pois, em função da providência jurisdicional concretamente solicitada pelo autor em juízo que o juiz deve aferir da propriedade e da adequação do meio processual por ele escolhido.
Ora, como foi entendido na decisão recorrida, os pedidos formulados e supra transcritos só poderiam ser apreciados e decididos em processo declarativo comum e não em procedimento cautelar, não sendo consentâneos com tal meio processual, pelo que estamos perante a nulidade do erro na forma de processo.
Não ignoramos que nos termos do n.º 3 do artigo 392.º do Código de Processo Civil o Tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida.
A propósito diz-nos Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 288, estabelecer-se aqui, de forma expressa o poder-dever de o juiz convolar da providência concretamente requerida para a que considere legalmente adequada ou mais eficaz à prevenção do receado dano, acrescentando: «Cumpre, pois, ao juiz corrigir, mesmo oficiosamente, o erro na forma de processo, consistente em se requerer procedimento cautelar comum quando a situação é subsumível aos pressupostos de determinado procedimento nominado, ou vice-versa, bem como em ter-se requerido um destes, quando seja legalmente aplicável outro à hipótese “sub juditio”».
Estaremos, porém, perante casos em que sempre nos encontraremos no âmbito de procedimentos cautelares, pese embora o erro na forma de procedimento cautelar verificado - por exemplo é pedida a suspensão de uma deliberação social num denominado procedimento não especificado.
Não é esse o caso dos autos em que os pedidos principais formulados são característicos de uma acção declarativa comum, que não de um procedimento cautelar no qual são formulados.
Na realidade o que sucede é que, nos termos em que formulam os respectivos pedidos, os requerentes não pretendem que lhes seja concedida uma medida cautelar, mas definitiva - só aquela seria susceptível da adequação a que se refere o n.º 3, do artigo 392.º.
Isto é, os requerentes formularam na presente providência cautelar, pedidos que só poderiam formular na acção principal, atento todo o enquadramento factual inerente à situação em apreço.
Tal circunstancialismo traduz-se, também ele, numa situação de utilização de meio processual desadequado para a tutela da pretensão dos requerentes, equivalendo à figura jurídica de erro na forma de processo (art.º 199.º do Código de Processo Civil).
Afigura-se-nos, ainda, que atenta a natureza do facto que subjaz a tal erro - desadequação substancial dos pedidos face ao meio processual utilizado - não se torna viável o aproveitamento de quaisquer actos do processo, tendo em vista a sua aproximação à forma adequada, implicando assim a anulação de todo o processo conforme bem decidiu o Tribunal a quo.
Sustenta, todavia, a recorrente que se encontravam reunidos os pressupostos legais para inversão do contencioso e para convolação do presente procedimento cautelar em acção declarativa comum.
A esse propósito, o artigo 369.º, do Código de Processo Civil prevê a figura da inversão do contencioso, admitindo que, “mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência”, possa “dispensar o requerente do ónus de propositura da acção principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio”.
Com esta figura quebrou-se o princípio que vigorou nos Códigos de Processo anteriores “segundo o qual estes (os procedimentos cautelares) são - sempre e necessariamente - dependência de uma causa principal, obrigatoriamente proposta pelo requerente com vista a evitar a caducidade da providência cautelar decretada em seu benefício”, sendo certo que “esta tradicional configuração normativa conduz(ia) frequentemente a situações em que, na prática, se tenha de repetir inteiramente, no âmbito da acção principal, a mesma controvérsia que tinha acabado de ser apreciada e decidida no âmbito do procedimento cautelar - sendo duvidoso que o mero argumento, extraído do facto de, na causa principal, o requerido gozar de garantias processuais formais superiores às que caracterizam o procedimento cautelar, possa justificar cabalmente os custos e demoras decorrentes desta duplicação de procedimentos, ao menos nos casos em que, apesar das menores garantias formais, a decisão cautelar possa ter, na prática, solucionado efectivamente o litígio que opunha as partes” (Conselheiro Lopes do Rego, in Revista Julgar, n.º 16, Jan.-Abr. 2012, “Os princípios orientadores da reforma do processo civil em curso”, pág. 109).
A inversão do contencioso prevista no artigo 369.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, só é admissível se a tutela cautelar puder substituir a definitiva.
Para que o requerente seja dispensado do ónus de propor a acção principal, terão de estar verificados dois pressupostos cumulativos:
a) que a matéria adquirida no procedimento permite ao juiz formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado; e
b) que a natureza da providência decretada seja adequada a realizar a composição definitiva do litígio.
A lei define quais as condições que devem estar verificadas para que seja decretada a inversão. Trata-se, por isso, de uma decisão vinculada do Tribunal, e não de uma decisão tomada no uso de um poder discricionário.
Ora, no caso sub judicio, não podemos ignorar que ocorreu o óbito de alguns dos requeridos, sem que tenha ocorrido a respectiva habilitação não se encontrando, sequer, citados, sendo certo, ainda, que o aproveitamento do procedimento cautelar traduzir-se-ia numa diminuição injustificada dos direitos dos requeridos dado ser diverso o prazo de oposição num procedimento cautelar (10 dias) ou numa acção (30 dias).
Além disso, a possibilidade de inversão do contencioso não legitima a inversão da essência do procedimento cautelar, caracterizado pela celeridade e provisoriedade, por forma a transferir para o procedimento cautelar a acção definitiva.
Acresce que, o princípio da adequação formal, consagrado no artigo 547.º do Código de Processo Civil, não transforma o juiz em legislador, ou seja, o ritualismo processual não é apenas aplicável quando aquele não decida, a seu belo prazer, adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais, sob a invocação de, desse modo, assegurar um processo equitativo. Os juízes continuam obrigados a julgar segundo a lei vigente e a respeitar os juízos de valor legais, mesmo quando se trate de resolver hipóteses não especialmente previstas, e, daí, que o poder-dever que lhes confere o preceito em causa deva ser usado tão somente quando o modelo legal se mostre de todo inadequado às especificidades da causa, e, em decorrência, colida frontalmente com o atingir de um processo equitativo. Trata-se de uma válvula de escape, e não de um instrumento de utilização corrente, sob pena de subverter os princípios essenciais da certeza e da segurança jurídica.
Além disso, todas as decisões judiciais relativas à simplificação ou agilização processual, ou à adequação formal não devem contender com os princípios da igualdade ou do contraditório, sendo certo que, no caso vertente, o procedimento cautelar não foi julgado procedente e o prazo para oposição é diverso num procedimento cautelar (10 dias) ou numa acção (30 dias).
Afigura-se-nos, assim, que a decisão proferida pelo Tribunal a quo não merece reparo.
Impõe-se, por isso, a improcedência da apelação.
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Sumariando em jeito de síntese conclusiva:
“I) Formulando os requerentes pedidos característicos da que seria a acção principal e não do procedimento cautelar esquecem a instrumentalidade e a provisoriedade do procedimento cautelar.
II) Tais pedidos só poderiam ser apreciados e decididos em processo declarativo comum e não em procedimento cautelar, não sendo consentâneos com tal meio processual, pelo que estamos perante a nulidade do erro na forma de processo.
III) A possibilidade de inversão do contencioso não legitima a inversão da essência do procedimento cautelar, caracterizado pela celeridade e provisoriedade, por forma a transferir para o procedimento cautelar a acção definitiva”.
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4. Decisão
Nos termos supra expostos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e confirma-se a decisão recorrida.
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As custas da apelante.
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Notifique.
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Porto, 29 de Junho de 2017.
Paulo Dias da Silva (Relator; Rto 81)
Teles de Menezes
Mário Fernandes