Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
530/16.2IDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: CRIME DE FRAUDE FISCAL
LIQUIDAÇÃO
MÉTODO DE PROVA PROIBIDO
AVALIAÇÃO POR MÉTODOS INDIRECTOS
PRINCÍPIO NEMO TENETUR
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA AUTOINCRIMINAÇÃO
Nº do Documento: RP20200701530/16.2IDPRT.P1
Data do Acordão: 07/01/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: JULGAR IMPROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Nada impede que a liquidação seja efectuada pela autoridade fiscal por avaliação indirecta, pois que essa actividade está sujeita a tributação, conforme decorre do artigo 10º da LGT, sob pena de se incentivar a prática de actos ilícitos, porque, por exemplo, o autor não tem contabilidade organizada, e se incentivar os prevaricadores no não cumprimento das normas legais e ainda serem exonerados dos impostos que seriam devidos.
II – E, portanto, é perfeitamente legítima e legal a avaliação indirecta, estando esta prevista e regulada nos artigos 83º, 87º e 88º da LGT, quando ocorram anomalias na contabilidade ou esta inexista, sendo que tal sistema de avaliação por métodos indirectos não é afastada pela CRP.
III – A prova documental emergente do E-Fatura, se obtida com a colaboração do arguido que permitiu o acesso ao mesmo, não constitui prova proibida, nem violação do princípio da proibição da autoincriminação, o qual tem a ver primeiramente com a validade da prova.
IV – O principio "nemo tenetur”, apesar de não constituir um princípio constitucional, pois não está previsto directamente na CRP, considera-se princípio implícito que se integra nas garantias de defesa do arguido em processo penal, inscritas no artigo 32º CRP, e visa a liberdade de declaração no sentido de não contribuir para a sua própria incriminação, impedindo a transformação daquele em meio de prova por via de uma colaboração involuntária obtida com recurso a meios coercivos e enganosos e tem como conteúdo material a imposição de deveres de esclarecimento ou advertência ao mesmo e a nulidade, ou não valoração, das provas obtidas em desconformidade com esse princípio.
V – Assim, a obtenção de documentos pré-existentes e independentes da vontade do arguido, que não implicam a interferência na sua esfera pessoal/psíquica, e em obediência a um dever de colaboração expressamente previsto na lei no âmbito de uma inspecção tributária, não interfere com a validade dessa prova e o seu uso no processo crime subsequente, não ofendendo o princípio da não autoincriminação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec nº 530/16.2IDPRT.P1
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc. C. S. nº 530/16.2IDPRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo Local Criminal de Paços de Ferreira em que são arguidos:
B…, Unipessoal, Lda., sociedade unipessoal por quotas com NIPC ………, e
C…, que também representa a sociedade arguida

Por sentença de 17/12/2019 foi decidido:
“Pelo exposto, o Tribunal decide:
1. condenar o arguido C… como autor material de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos artigos 103, nº 1, alínea b) do Regime Geral das Infrações Tributárias, conjugados com o disposto nos artigos 30.º, n.º2 e 79.º do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à razão diária de €6 (seis euros), perfazendo o montante global de €1200 (mil e duzentos euros),
2. Condenar a arguida “B…, Unipessoal, Lda.” como autora material de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 103.º, nº 1, alínea b) e 7.º, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias, conjugados com o disposto nos artigos 30.º, n.º2 e 79.º do Código Penal, na pena de €250 (duzentos e cinquenta euros) dias de multa à taxa razão diária de €5 (cinco euros), perfazendo o montante global de €1250 (mil duzentos e cinquenta euros).
3. Deferir o pedido formulado pelo Ministério Público e, em consequência, decretar a obrigação de entrega ao Estado pelos arguidos do valor de €66.538,65 correspondente à perda da vantagem patrimonial obtida mediante a prática do crime pelo qual cada um dos arguidos vai condenado.
4. Condenar os arguidos no pagamento das custas do processo, fixando-se em 2 UCs a Taxa de Justiça (cf. artigos 513.º e 514.º do CPP).
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Após trânsito em julgado:
Remeta Boletins ao Registo Criminal.
Comunique esta sentença, nos termos do disposto no art.º 50 do RGIT.”

Recorre o arguido C… o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes e extensas conclusões:
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Invoca o recorrente que foi valorada prova proibida e violado o principio nemo tenetur se ipsum acusare, e a inconstitucionalidade da norma permissiva ou impositiva do dever de colaboração, e ainda o indevido recurso a métodos indirectos para determinar o valor do impsto a pagar, e isto porque a sociedade foi alvo de uma acção inspectiva pela AT de cujo relatório resultou que a mesma não procedeu à entrega das declarações de imposto devidas (que lhe são imputadas) e não procedeu ao pagamento dos valores de imposto relativos aos períodos em causa, a título de IVA. E a tais dados a AT teve acesso por a lei impor o dever de colaboração (cujo objectivo é permitir à AT a investigação e determinação de facos fiscalmente relevantes) “pelo que, realizar uma inspeção tributária para depois utilizar os elementos aí obtidos para decisão em posterior processo crime, é subverter as mais elementares regras do processo e obrigar o arguido, sob coação, a contribuir para a sua condenação”
E que os elementos contabilísticos da sociedade, foram obtidos através do E-Factura e foi, essa prova documental utilizada no processo, fornecida no âmbito de ação inspetiva, ao abrigo dos deveres de colaboração do aqui Recorrente, sem ser devidamente esclarecido, e no E-factura não estão todos os dados necessários para fazer a dedução do IVA, daí resultando um valor inferir a pagar, sendo indevido o recurso a métodos indirectos.
Começando por esta última questão, não tem razão o recorrente, desde logo porque, como expressa na motivação foram utilizados todos os dados utilizados na E-factura que permitiam essa dedução (únicos disponíveis e na medida em que podiam ser dedutíveis) e o que se ficcionou foram despesas, em beneficio do arguido.
Mas como escrevemos noutro local (rec 8095/08-2TAVNG:P1) “Nada impede …que a liquidação, … seja efectuada pela autoridade fiscal, por avaliação indirecta, pois que essa actividade … está sujeita a tributação – artº 10º LGT “ O caracter ilícito da obtenção de rendimentos ou da aquisição de bens, titularidade ou transmissão dos bens não obsta à sua tributação quando esses actos preencham os pressupostos das normas de incidência aplicáveis”, sob pena de se incentivar a pratica de actos ilícitos e v.g. o autor não tem contabilidade organizada, etc., se incentivar os prevaricadores no não cumprimento das normas legais e ainda serem exonerados dos impostos que seriam devidos.
E portanto é perfeitamente legítimo e legal a avaliação indirecta, estando esta prevista e regulada nos art.º 83º, 87º e 88º da LGT, quando ocorram anomalias na contabilidade ou esta inexista, visando uma verdade material aproximada (cf. Paulo Marques, Infracções tributárias, Vol. I, pág. 154), ou exista “b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto” por não poder ser obtida de outro modo (v.g ausência de facturas … em causa), sendo que tal sistema de avaliação por métodos indirectos não é afastada pela CRP- art.º 104º2 – dizendo-se no artº 83º2 LGT que “2 - A avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha.” Cf. Rui Marques, A liquidação do imposto e o processo penal tributário, in RMP nº 145, ano 37, Jan/Mar 2016, págs. 153 a 173;
Nem podia ser de outro modo, pois se a mercadoria tem valor e não se sabe realmente qual o seu valor (v.g. real: valor de compra e/ou de venda) só por mercadoria equivalente / igual se pode chegar ao seu valor, e de outro modo (impossibilidade de determinar o valor para fins tributários) seriam violados os princípios fundamentais tributários inerentes à verdade material, à igualdade equitativa, solidariedade e prossecução do interesse publico na actividade tributária do Estado. (…)
Cf. sobre a sua admissibilidade: Luis Gominho, Valoração da prova na criminalidade económico-financeira, in Direito Penal e Processual Penal (2012-2015),in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/penal/eb_Penal_ProcessualPenal.pdf, onde a pág. 187 refere: “ Uma outra hipótese de funcionamento de presunção legal, pode ser encontrada nos métodos indiciários, contidos na Lei Geral Tributária (DL n.º 398/98, de 17/12, e suas inúmeras actualizações, 36 até ao momento).
Com efeito, “a avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha” – assim art. 83.º, n.º 2.
É uma via excepcional para tal cálculo e apuramento, já que a administração tributária só a ela pode recorrer “nos casos e condições expressamente previstos na lei”. (art. 81.º, n.º 1). Essas situações são as contempladas no art. 87.º, n.º 1…”
Improcede assim esta questão.

No mais também não tem razão o recorrente.
A prova documental emergente do E-Fatura, se obtida com a colaboração do arguido que permitiu o acesso ao mesmo, não constitui prova proibida nem violação do principio da proibição da autoincriminação.
O princípio da não autoincriminação em causa tem a ver primeiramente com a validade da prova.
Diz Costa Andrade, Nemo tenetur se ipsum accusare e direito tributário (…) RLJ, ano 144, Nov/Dez 2014, pag.156 “Concretamente, o nemo tenetur só pode ser violado na hora da utilização/valoração em processo penal dos dados de sentido autoincriminatório que o contribuinte foi obrigado a levar ao procedimento…”
O arguido enquanto sujeito do processo é dotado de direitos e deveres e entre estes, impõe-lhe o artº 61º 3 d) CPP, o dever de “sujeitar-se a diligencias de prova … especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade competente” e o artº 59º 1 e 4 LGT dispõe:”1 - Os órgãos da administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco.
4 - A colaboração dos contribuintes com a administração tributária compreende o cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei e a prestação dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações económicas que mantenham com terceiros”
Poderia questionar-se a validade de tal norma em face do texto constitucional e a validade da prova daí resultante, em face dos métodos proibidos de prova (artº 126º CPP).
Mas cremos que sem razão. Decidiu-se no ac. de 7/04/2015 a R.Ev. “III. O direito á não autoincriminação refere-se ao respeito pela vontade do arguido em não prestar declarações, não abrangendo o uso, em processo penal, de elementos que se tenham obtido do arguido por meio de poderes coercivos, mas que existam independentemente da vontade do sujeito, …- www.dgsi.pt, - o qual abarcando um conceito restrito sobre o âmbito do principio da não autoincriminação, pois incidente sobre a prestação de declarações (direito ao silencio), questiona o seu sentido amplo consistente em saber se tal principio proíbe outras formas de obter do arguido contra sua vontade materiais probatórios incriminadores, como seria a obtenção de documentos da empresa.
Num âmbito mais geral escrevemos no Rec 195/18.7PTPRT.P1 em 10/12/2019 www.dgsi.pt “… tendo em conta o seu fundamento entre outros radicado no respeito pela dignidade humana, liberdade geral de acção, do Estado de direito e seus corolários (estrutura acusatória do processo, presunção de inocência, de ausência, do due process) e em face do disposto no artº 18º2 CRP “ A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” que impõe a ponderação dos interesses e valores em causa, tendo o TEDH delimitado negativamente a proibição de não autoincriminação (nemo tenetur se ipso accusare) considerando que “ o direito a não contribuir para a própria condenação não se estenderia à “ utilização no processo criminal de materiais probatórios que, obtidos do arguido com recurso a poderes compulsórios, existam independentemente da sua vontade, entre os quais os documentos recolhidos em virtude de um mandado, as amostras de ar expirado, sangue e urina e ainda tecido corporal com vista à análise do ADN” – Sandra Oliveira e Silva, O arguido como meio de prova contra Si mesmo, considerações em torno do principio Nemo tenetur se ipso accusare” pág. 375 ou ainda de acordo com o critério da conduta distinguindo entre os deveres de tolerância passiva (o arguido nada faz) e as de colaboração activa, sendo apenas esta proibida, ou a recolha dos elementos que existem independentemente da vontade do visado (como expressa o TEDH).
O principio nemo tenetur, apesar de não constituir um principio constitucional pois não está previsto directamente na CRP, considera-se principio implícito, que se integra nas garantias de defesa do arguido em processo penal, inscritas no artº 32º CRP e visa a liberdade de declaração no sentido de não contribuir para a sua própria incriminação, impedindo a transformação do arguido em meio de prova por via de uma colaboração involuntária obtida com recurso a meios coersivos e enganosos – ac TC 298/2019, - e tem como conteúdo material a imposição de deveres de esclarecimento ou advertência ao arguido e a nulidade (ou não valoração) das provas obtidas em desconformidade com esse principio.
Como critérios gerais distintivos das situações em que deve prevalecer a prerrogativa de não autoincriminação (ou auto-inculpação) têm sido referenciados e adoptados: o critério da conduta, de acordo com a qual só a conduta activa gozava dessa prerrogativa; o critério da existência de elementos independentes da vontade do arguido, em que só os dependestes da vontade do arguido gozavam dessa mesma prerrogativa do TEDH e adoptado pela Directiva (EU) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece: “O exercício do direito de não se autoincriminar não impede a recolha pelas autoridades competentes de elementos de prova que possam ser legitimamente obtidos através do exercício legal de poderes coercivos e cuja existência é independente da vontade do suspeito ou do arguido; o critério da ponderação de interesses, que resultaria do disposto no artº 18º CRP que admite a restrição de direitos ou a sua imposição coativa, posto que exista lei prévia (geral e abstracta) emane da autoridade competente, não ofenda o núcleo essencial do direito restringido e pondere os interesses em confronto, protegendo o mais relevante.
Tem sido este ultimo o critério mais aceite pela jurisprudência e doutrina portuguesa em face da norma do artº 18º CRP, justificado pelo facto de “O conflito frequente entre procedimentos probatórios com implicação corporal no âmbito processual penal e o alcance de direitos fundamentais como o direito à presunção de inocência, postulam soluções que não pressupõem combinações de equilíbrio prefixadas”- Jorge Bravo, Testis contra se - a possibilidade de um direito ao silencio corporal, in revista CEJ, 2018, I, pág169- não sendo viável em função da natureza das coisas garantir o direito ao silencio corporal, nomeadamente pela recolha de vestígios que ele leva ou trás consigo.
Outros critérios tem, sido avançados, o de preservar a autonomia do arguido a revelar o seu conhecimento dos factos (o conteúdo da mente), consoante resultasse da esfera mental do sujeito ou da sua esfera física, de acordo com o qual se diz respeito à esfera mental a prerrogativa nemo tenetur é absoluta, e se diz respeito á esfera física já não é e na ausência de consentimento pode ser coagido, existindo uma obrigação legalmente imposta de submissão a dado exame ou acto semelhante, e inexistindo essa obrigação especifica a prerrogativa nemo tenetur dependeria do critério de ponderação de interesses. Cfr. Sandra Oliveira e Silva, Direito ao silencio e deveres de colaboração nos processos por delitos económico-financeiros, in Julgar nº 38, Maio/agosto 2019, págs 135 a 150;
Tal principio não é absoluto, e quer-nos parecer que embora a autodeterminação do arguido deva ser assegurada no sentido de ser ele a decidir da posição que quer tomar no processo, podendo ser restringido, com respeito pela CRP, nomeadamente o citado artº 18º, deve tal restrição estar sujeita a lei prévia de caracter geral e abstracto, respeitar o principio da proporcionalidade e não diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial do preceito constitucional restringido (cf. ac TC 155/2007) e insere-se nesse âmbito o estabelecimento legal dos deveres de colaboração por parte do arguido que podem ser impostos coercivamente, tendo o TEDH considerado que tais deveres são compatíveis com o artº 6º CEDH, nos termos assinalados supra.
E estando estes deveres genericamente previstos no artº 61º CPP, exige-se todavia, que a colaboração está limitada às diligencias de prova admissíveis nesse mesmo processo (cf. o Ac TC 298/2019, e a declaração de inconstitucionalidade ali proferida), e a analise caso a caso dos custos e benefícios da restrição, …;
Ora visto o artº 18º CRP e o mencionado artº 61º CPP eles estão em consonância, e bem assim o artº 59º LGT, na medida em que abrange apenas as diligencias probatórias legalmente previstas “especificadas na lei”.
Assim a obtenção de documentos pré-existentes e independentes da vontade do arguido e que não implicam a interferência na esfera pessoal / psíquica do arguido e em obediência a um dever de colaboração expressamente previsto na lei, no âmbito de uma inspecção tributária, não interfere com a validade dessa prova e o seu uso no processo crime subsequente, não ofendendo o principio da não autoincriminação.
No ac R G de 12/3/2012 www.dgsi.pt, já se decidira “I) Podem ser usados em processo penal documentos validamente obtidos na fase administrativa inspectiva ao abrigo do dever de cooperação e depoimentos de quem procedeu a essa inspecção. II) Tal utilização não viola os direitos consagrados do arguido, ao silêncio e à não “auto-inculpação”.
Na verdade o Tribunal Constitucional sempre entendeu que não ocorria violação da Constituição, e assim, por exemplo no ac. n.º 340/2013 decidiu “não julgar inconstitucional a norma resultante da interpretação do disposto nos artigos 61.º, n.º 1, d), e 125.º, do Código de Processo Penal, com o sentido de que os documentos obtidos por uma inspeção tributária, ao abrigo do dever de cooperação imposto nos artigos 9.º, n.º 1, 28.º, n.º 1 e 2, 29.º e 30.º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro, e nos artigos 31.º, n.º 2, e 59.º, n.º 4, da LGT, podem posteriormente vir a ser usados como prova em processo criminal pela prática do crime de fraude fiscal movido contra o contribuinte”
O recente ac. n.º 298/2019, de 15/05 do TC, que “julga inconstitucional a interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Penal, segundo a qual os documentos fiscalmente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e no artigo 59.º, n.º 4, da lei geral tributária por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, durante a fase de inquérito de um processo criminal pela prática de crime fiscal movido contra o contribuinte inspecionado e sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, podem ser utilizados como prova no mesmo processo”, tem a ver exatamente com isso: foram obtidos não aquando da realização da inspeção tributária mas durante a existência do processo criminal, e nessa circunstância só poderiam ser obtidos pelos meios previstos no processo criminal e não pela via do cumprimento de um dever de colaboração.
Ora não foi o caso dos autos, e daí a referencia e afirmação contida na parte final da fundamentação da matéria de facto do acórdão.
Improcedem assim estas ultimas questões
Na ausência de outras questões de que cumpra conhecer improcede o recurso.

Dado o decaimento do recorrente no recurso que interpôs, é responsável pelo pagamento da taxa de justiça (artº 5134º CPP) cujo valor é fixado entre 3 e 6 Uc (art.º 8º nº 9º e Tabela III do RCP) e tendo em conta o trabalho, extensão e a complexidade do processo, afigura-se-nos justo fixar a taxa em 5 UC´s
+
Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido C… e em consequência mantém a sentença recorrida.
Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 5 Uc e nas demais custas.
Notifique.
Dn
+
Porto, 01/7/2020
José Carreto
Paula Guerreiro