Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
171/13.6TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
DOMICÍLIO
NACIONALIDADE
PAGAMENTO POR TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA
LUGAR DO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO
Nº do Documento: RP20140310171/13.6TVPRT.P1
Data do Acordão: 03/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 2º, 24º DO REGULAMENTO (CE) Nº 44/2001, DE 22/12/2000
Sumário: I - A competência é aferida em relação ao objecto da acção tal como é apresentado pelo autor na petição inicial.
II - No artigo 2º, nº 1, do Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000, consagra-se a regra geral do domicílio do requerido (localizado num Estado-Membro), como critério fundamental de conexão, para fixação da competência internacional, independentemente da sua nacionalidade.
III - No artigo 24º do regulamento, prevêem-se aquelas situações em que, apesar de uma acção ter sido instaurada no tribunal de um Estado-Membro para a qual, em princípio, não era competente, a comparência nele do demandado torna-o competente, a não ser que essa comparência se tenha destinado, exclusivamente, a arguir a incompetência.
IV - Tendo sido acordado, na versão da autora, que o pagamento das facturas seria efectuado por transferência bancária, o cumprimento da obrigação que aquela peticiona em juízo ocorre por este modo.
V - Uma vez que a transferência bancária se considera cumprida, quando o montante transferido entra na conta da autora, domiciliada em Portugal, o tribunal português é o competente, nos termos do artigo 5º, nº 1, alínea a), do Regulamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 171/13.6TVPRT.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B…, Lda., com sede em Portugal, intentou uma injunção de pagamento europeia contra C…, SRL, com sede em Itália.

Por despacho de fls. 151, considerando que, nos termos do artigo 17º, nº 1, do Regulamento (CE) 1896/2006, e por força da oposição a presente deveria seguir a forma ordinária.
Nesse sentido, a autora apresentou a petição inicial a fls. 157 e seguintes, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia 36.359,53, acrescida de juros vencidos desde a entrada da acção, no montante de €2053,40, bem como os que posteriormente se venceram e vencerem, até integral pagamento.

A ré contestou e deduziu reconvenção, mas não arguiu a incompetência internacional do Tribunal Judicial da Maia.

A autora apresentou réplica, na qual contestou o pedido reconvencional, concluindo pela sua improcedência.

Após os articulados, ré arguiu a excepção de incompetência internacional, alegando que competente é o tribunal italiano, já que a causa de pedir é o cumprimento do contrato de parceria comercial celebrado entre as partes e, nos termos do artigo 2º, nº 1, do Regulamento44/2001, «sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante tribunais desse estado».

A autora não se pronunciou sobre a questão.

Por decisão proferida a fls. 309 e seguintes, foi julgada procedente a excepção de incompetência internacional e, em consequência, a ré absolvida da instância.

Como fundamento de tal decisão, além do mais, refere-se que, «em termos contratuais, as partes teriam que ter previsto qual o lugar do cumprimento da obrigação em caso de uma delas assumir o pagamento de danos provocados a clientes, bem como qual o lugar do pagamento das obrigações que resultem do contrato celebrado.
Ora, a verdade é que, no caso em apreço, (…) a autora peticiona o pagamento de quantias que alegadamente pagou a terceiros em resultado de danos provocados em mercadorias, danos esses que eram responsabilidade da ré. E peticiona o pagamento de transportes e acomodação de mercadorias.
Não alega a autora que tais obrigações deveriam ter sido cumpridas no lugar da sua sede ou estabelecimento comercial.
Não resulta dos autos qualquer elemento que nos permita concluir que essas obrigações deveriam ser cumpridas em Portugal.
E nem se diga que, nesse caso, deverá recorrer-se à regra do artigo 774.º do Código Civil, que prevê que se a obrigação tiver por objecto certa quantia em dinheiro, deve a prestação ser efectuada no domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.
Com efeito, salvo o devido respeito por opinião contrária, essa regra pode ser contrária à legalmente prevista no direito italiano. Na verdade, pode acontecer que o regime jurídico italiano preveja que, no caso de obrigações pecuniárias, deve a prestação ser efectuada no lugar do domicílio do devedor.
Parece-nos que este tribunal apenas poderia considerar que é competente o tribunal português se concluísse que as partes contrataram o lugar do cumprimento dessas obrigações, não podendo recorrer às regras de direito civil interno para esse efeito.
Se assim não fosse, o Regulamento 44/2001 determinaria que, no caso de obrigações pecuniárias, deveria ser atendida a regra interna do Estados Membros na determinação do lugar do cumprimento da obrigação. E a verdade é que o Regulamento não refere isso; determina, sim, que a regra no caso dos contratos é a do domicílio do réu.
Tal como é referido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/2/2013, processo 3082/11.6TBCLD.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, as regras do direito civil apenas são aplicáveis quando se concluir pela competência internacional dos tribunais portugueses.
Como anotam José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Volume 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 156, citado no referido acórdão as “regras de competência territorial, são normas de competência interna, que só funcionam depois de estabelecida a competência internacional dos tribunais portugueses”.
E, acrescentaremos nós, devem ser interpretadas nessa conformidade.
A violação das regras de competência internacional constitui excepção dilatória, de conhecimento oficioso (artigos 96.º, al. a), 99.º, n.º 1 e 3, 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, al. a), e 578.º todos do Código de Processo Civil na versão que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6)».

Inconformada, a autora recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
I. O Tribunal a quo julgou-se internacionalmente incompetente por violação das normas constantes do Regulamento nº 44/2000, decisão com a qual a recorrente não pode concordar.
II. O artigo 24º do referido Regulamento dita: “Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições de presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 22º”.
III. No pleito em apreço, não estão em causa matérias de competência exclusiva do artigo 22º.
IV. Ora, a recorrida compareceu em juízo, apresentando um requerimento de oposição datado de 2 de Abril de 2013, e em 1 de Julho de 2013 um requerimento de aperfeiçoamento, através do qual contestou, por impugnação e por excepção, e reconveio.
V. Não tendo a recorrida, nos referidos requerimentos, alegado a excepção da incompetência, vindo apenas a fazê-lo posteriormente, nunca se poderá dizer que se apresentou a juízo com o único objectivo de arguir a incompetência.
VI. Assim, é forçosa a conclusão de que a Recorrida compareceu nos termos e para os efeitos do artigo 24º do Regulamento44/2001,
VII. Pelo que, nos termos dessa disposição, o Tribunal Judicial da Maia é competente para julgar os presentes autos.
VIII. A douta sentença proferida viola o artigo 24º do Regulamento44/2001, devendo ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a excepção da incompetência internacional.
IX. Ainda que assim se não entenda, o que se admite por necessidade processual e dever de patrocínio, os tribunais portugueses sempre seriam internacionalmente competentes para julgar a acção por força da a) do nº 1 do artigo 5º do Regulamento (CE) nº 44/2001.
X. As partes acordaram, conforme acordo celebrado junto aos autos, que o pagamento das facturas aceites deveria ser feito por transferência bancária.
XI. A recorrente pugna pelo cumprimento do pagamento de facturas emitidas no âmbito do referido contrato, as quais deveriam ser assim liquidadas por transferência bancária.
XII. Ora, os pagamentos realizados por transferências bancárias consideram-se efectuados quando os montantes transferidos entram na conta bancária do receptor.
XIII. Sendo a conta bancária em causa domiciliada em Portugal, este seria o lugar do cumprimento da obrigação em questão.
XIV. Assim sendo, os tribunais portugueses são competentes para julgar o caso dos autos, por força do disposto no nº 1 do artigo 5º do Regulamento (CE) nº 44/2001, na medida em que são os tribunais do lugar do cumprimento da obrigação.
XV. Acontece que a conta em causa está domiciliada num balcão na cidade do Porto, pelo que seriam competentes as Varas Cíveis do Porto.
XVI. Assim, o Tribunal Judicial da Maia poderia ser julgado incompetente, não internacionalmente, mas sim em razão do território.
XVII. Como tal, estaríamos perante uma incompetência relativa nos termos do artigo 102º do Código de Processo Civil.
XVIII. E, sendo a incompetência relativa uma excepção dilatória, caso tivesse sido arguida, deveria quando muito o tribunal a quo julgar essa excepção procedente, e remeter o processo para o tribunal competente nos termos conjugados do nº 2 do artigo 576º e do artigo 105º, ambos do Código de Processo Civil.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Com interesse para a decisão da excepção de incompetência internacional, descrevem-se os seguintes factos alegados pela autora na petição inicial:
1. A autora tem a sua sede em Portugal.
2. A ré tem a sua sede em Itália.
3. Para fundamentar a acção, a autora alegou que se dedica, tal como a ré, à actividade de agente transitário e, no seu exercício, no ano de 2011, ambas entraram em negociações para trabalhar o tráfego de mercadorias existente entre Portugal e Itália, mercados em que, respectivamente, actuam.
4. Essas negociações culminaram em sucesso, tendo ficado estabelecido que iriam explorar em conjunto as viagens a realizar pelos camiões de transporte internacional para transporte de mercadorias dos respectivos clientes.
5. Para o efeito, os representantes das duas empresas acordaram nas regras de colaboração, as quais foram transpostas para o texto de um acordo escrito a outorgar, ao qual foi dado o nome de “Protocol Agreement”.
6. Nesse “Protocol Agreement” encontra-se estabelecido o seguinte:
«Ponto 6.2 – Conciliação e liquidação de contas
Cada partner deve remeter ao outro o seu extracto mensal de contas até ao dia 10 de cada mês. Até ao 20º dia desse mês, a C… deve fazer a conciliação das contas, e será feito o pagamento das facturas aceites apenas, que será feito até ao dia 10 do mês seguinte.
O pagamento deve ser feito por Transferência Bancária».

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do novo C.P.C.
A questão a decidir consiste em saber se, face às regras estabelecidas no Regulamento44/2001, de 22 de Dezembro, o tribunal português, no caso, o Tribunal Judicial da Maia, é internacionalmente competente para o julgamento da presente acção.

I. A competência internacional, no dizer de A. Varela, «designa a fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, para julgar as acções que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídicas estrangeiras. Trata-se, no fundo, de definir a jurisdição dos diferentes núcleos de tribunais dentro dos limites territoriais de cada Estado». Manual de Processo Civil, pág. 188.
É um pressuposto processual, ou seja, uma condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa. A competência é aferida em relação ao objecto da acção, tal como é apresentado pelo autor na petição inicial.
Como salienta Manuel de Andrade, «a competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e da pretensão do autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão». Noções Elementares de Processo Civil, pág. 91.
No mesmo sentido, o Acórdão do STJ, de 9.12.1999, refere que «a competência do tribunal afere-se sempre pelos termos em que a acção foi proposta, independentemente da apreciação do seu acerto substancial, e não em função da versão carreada pelo réu». Col./STJ, Tomo III, pág. 283.
Estamos perante um litígio privado internacional e, portanto, a competência do estado do foro competente para o seu julgamento deverá ser encontrada no que estabelece o Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000.
Este Regulamento aplica-se em matéria civil e comercial – artigo 1º, nº 1.
O artigo 2º, nº 1, estabelece que, «sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse estado».
No artigo 3º, por sua vez, dispõe-se o seguinte:
1 – As pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado-Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.
2 – Contra elas não podem ser invocadas, nomeadamente, as regras de competência nacionais constantes do anexo I. (No caso de Portugal, essas regras são as estabelecidas nos artigos 59º, 62º e 63º do novo C.P.C.).
Destes preceitos, resulta que o Regulamento, como regime regra, em matéria civil e comercial, estabeleceu o domicílio do demandado.
Como se refere nas considerações prévias do Regulamento, «as regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular-se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, excepto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão. No respeitante às pessoas colectivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição».
Consagra-se, portanto, a regra geral do domicílio do requerido (localizado num Estado-Membro), como critério fundamental de conexão, para fixação da competência internacional, independentemente da sua nacionalidade.
No entanto, apesar do regime regra da competência ser o do domicílio do demandado, o Regulamento enumera nas secções 2 a 7 (artigos 5º a 24º) um conjunto de critérios especiais.
Naquele citado artigo 24º, que prevê a chamada competência convencional tácita, preceitua-se que, «para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 22º».
Aqui, prevêem-se aquelas situações em que, apesar de uma acção ter sido instaurada no tribunal de um Estado-Membro para a qual, em princípio, não era competente, a comparência nele do demandado torna-o competente, a não ser que essa comparência se tenha destinado, exclusivamente, a arguir a incompetência.
Em tais situações, a competência do tribunal resulta de um acordo tácito «ocorrido no decurso da acção, ou seja, tudo se passa como se o réu, em acordo com o autor, tivesse aceitado tal competência (que assim fica determinada)». Acórdão da Relação de Coimbra, de 28.9.2010, in www.dgsi.pt.
Mas, como refere Luís de Lima Pinheiro, a jurisprudência comunitária (Tribunal de Justiça das Comunidades) vem entendendo que a comparência do réu não fundamenta a competência do tribunal se o mesmo, além de contestar a competência, apresentar a sua defesa quanto ao mérito da causa. Ponto é que essa contestação da competência seja prévia a toda a defesa de mérito ou, quando menos, tenha lugar o mais tardar até ao momento da tomada de posição considerada pelo direito processual do foro como o primeiro acto de defesa formulado no processo. Direito Internacional Privado, Volume III, pág. 147.
No mesmo sentido, salienta Sofia Henriques que «a excepção de incompetência e a defesa quanto ao fundo que a mesma acompanha devem ser apresentadas, o mais tardar, ao mesmo tempo que as excepções dilatórias. (…) Assim, sempre que o demandado compareça e se defenda não apenas com a excepção de incompetência, mas apresente também a sua defesa quanto ao fundo, tal afasta a prorrogação tácita de competência. (…) Na verdade, se assim não fosse, poderia o demandado ver coarctada a sua defesa, por ficar impedido de deduzir ulteriormente a sua defesa quanto ao fundo da questão, face ao princípio da preclusão ou concentração, em vigor em vários países da União Europeia». Os Pactos de Jurisdição no Regulamento (CE), nº 44 de 2001, pág. 98 e 102.
No caso, a ré/apelada, como se referiu, contestou e deduziu reconvenção, mas não arguiu a incompetência internacional do Tribunal Judicial da Maia.
A autora apresentou réplica, na qual contestou o pedido reconvencional, concluindo pela sua improcedência.
Só após os articulados, a ré arguiu a excepção de incompetência internacional, alegando que competente é o tribunal italiano, já que a causa de pedir é o cumprimento do contrato de parceria comercial celebrado entre as partes e, nos termos do artigo 2º, nº 1, do Regulamento44/2001, «sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante tribunais desse estado».
A contestação da competência, como referem os citados autores, não foi prévia a toda a defesa de mérito, nem teve lugar “o mais tardar até ao momento da tomada de posição considerada pelo direito processual do foro como o primeiro acto de defesa formulado no processo”. Ou, a excepção de incompetência e a defesa quanto ao fundo que a mesma acompanha não foram apresentadas, “o mais tardar, ao mesmo tempo que as excepções dilatórias”.
Deste modo, a descrita intervenção da ré/apelada no processo deve ser considerada como tácita aceitação da competência do Tribunal Judicial da Maia, por força do disposto no citado artigo 24º do Regulamento (CE) nº 44/2001.
Mas, a competência daquele tribunal português também encontra fundamento no artigo 5º, nº 1, alínea a), do Regulamento.
Preceitua-se neste preceito que, «uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandado noutro Estado-Membro: 1 – a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão».
Interessa averiguar em que lugar a obrigação reclamada na presente acção deve ser cumprida.
A autora tem sua sede em Portugal e ré em Itália.
De acordo com o “Protocol Agreement” descrito na petição inicial, o pagamento reclamado pela autora deveria ser feito por transferência bancária.
Tendo sido acordado, na versão da autora, que o pagamento das facturas seria efectuado por transferência bancária, o cumprimento da obrigação que aquela peticiona em juízo ocorre por este modo. Uma vez que a transferência bancária se considera cumprida, quando o montante transferido entra na conta da autora, domiciliada em Portugal, o tribunal português é o competente, nos termos do artigo 5º, nº 1, alínea a), do Regulamento.
Ou seja, em causa está uma obrigação que, de acordo com o contrato invocado na petição inicial, deveria ser cumprida por transferência bancária, e considerando-se que essa obrigação se encontra cumprida, aquando da entrada do dinheiro transferido na conta da autora/apelada, sendo a mesma conta domiciliada em Portugal, este é o lugar de cumprimento, para efeito de preenchimento do critério especial previsto no preceito citado.
Procedem, assim, as conclusões das alegações e o recurso da autora B…, Lda.

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão e reconhecendo-se a competência internacional do Tribunal Judicial da Maia.

Custas pela ré/apelada.

Sumário:
I. A competência é aferida em relação ao objecto da acção tal como é apresentado pelo autor na petição inicial.
II. No artigo 2º, nº 1, do Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000, consagra-se a regra geral do domicílio do requerido (localizado num Estado-Membro), como critério fundamental de conexão, para fixação da competência internacional, independentemente da sua nacionalidade.
III. No artigo 24º do regulamento, prevêem-se aquelas situações em que, apesar de uma acção ter sido instaurada no tribunal de um Estado-Membro para a qual, em princípio, não era competente, a comparência nele do demandado torna-o competente, a não ser que essa comparência se tenha destinado, exclusivamente, a arguir a incompetência.
IV. Tendo sido acordado, na versão da autora, que o pagamento das facturas seria efectuado por transferência bancária, o cumprimento da obrigação que aquela peticiona em juízo ocorre por este modo.
V. Uma vez que a transferência bancária se considera cumprida, quando o montante transferido entra na conta da autora, domiciliada em Portugal, o tribunal português é o competente, nos termos do artigo 5º, nº 1, alínea a), do Regulamento.

Porto, 10.3.2014
Augusto de Carvalho
Rui Moura
José Eusébio Almeida