Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
232/16.0T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
LEGITIMIDADE PASSIVA
CONDOMÍNIO
IMPUGNAÇÃO DA DELIBERAÇÃO
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
Nº do Documento: RP20170213232/16.0T8MTS.P1
Data do Acordão: 02/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS N.º 643, FLS.268-274)
Área Temática: .
Sumário: As ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser instauradas contra o condomínio que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 232/16.0TBMTS.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 232/16.0T8MTS.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
As ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser instauradas contra o condomínio que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito.
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório
Em 15 de janeiro de 2016, na Secção Cível da Instância Local de Matosinhos, B… e C… instauraram ação declarativa comum contra a Administração do Condomínio D…[1] e E… Lda., Administração e Gestão de Condomínios pedindo que se declare a nulidade da assembleia de condóminos realizada em 20 de setembro de 2015 e, em consequência que todas as deliberações aí tomadas sejam também consideradas nulas e que a segunda ré, que se arroga detentora da administração do condomínio reconheça a sua falta de mandato e se determine a nulidade de qualquer ato feito por esta como consequência da declaração de nulidade antes requerida.
Citadas, as rés contestaram impugnando alguns dos factos alegados pelos autores e imputaram-lhes abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, concluindo pela total improcedência da ação.
A audiência prévia foi dispensada, fixou-se o valor da causa no montante de €30.000,01, proferiu-se despacho saneador tabelar e dispensou-se a identificação do objeto do litígio, bem como a enunciação dos temas de prova, designando-se dia para realização da audiência final.
Produziu-se na audiência final a prova pessoal oferecida pelas partes, após o que foram ambas as partes notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre a eventual ilegitimidade passiva dos réus.
Em 07 de outubro de 2016[2], por magistrado judicial diverso do que presidiu à audiência final, foi proferida sentença que julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva dos réus, absolvendo-os da instância.
Em 17 de outubro de 2016, B… e C… vieram requerer a intervenção dos restantes condóminos do Condomínio do Prédio sito na …, nº …, …[3].
Em 14 de novembro de 2016, foi proferido o seguinte despacho que se reproduz na parte pertinente:
Vieram os autores B… e C…, notificados da sentença que julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, absolvendo os réus da instância, requerer a intervenção principal provocada dos condóminos votantes a favor da deliberação de assembleia impugnada por via da presente ação, nos termos do art. 318.º, Cód. Processo Civil.
Dispensa-se o contraditório, atenta a manifesta simplicidade da questão.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do artigo 613.º, n.º 1, Cód. Processo Civil, uma vez “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.”
Ora, no que diz respeito à sentença que julga extinta a instância em função da absolvição dos réus pela procedência da exceção de ilegitimidade passiva, impõe-se concluir que está esgotado o poder jurisdicional, visto que, ao contrário do que parece ser defendido pelos autores, não estamos perante uma decisão final anterior à fase de julgamento, nomeadamente, um despacho saneador-sentença.
Com efeito, o disposto no art. 318.º, Cód. Processo Civil, com remissão para a previsão normativa do art. 261.º, do mesmo diploma legal, entende-se aplicável em fase posterior aos articulados, mas sempre antes da realização do julgamento, nomeadamente da audiência final, como sucedeu nos presentes autos.
Isso mesmo decorre da jurisprudência citada pelos autores acerca da interpretação das disposições conjuntas dos referidos normativos, no sentido em que o autor poderá deduzir o incidente de intervenção principal, mesmo depois do despacho saneador, desde que seja para assegurar o litisconsórcio necessário, mas sempre, e necessariamente, segundo um argumento de interpretação sistemática, antes de proferida sentença após produção de prova.
Os argumentos de economia e celeridade processual invocados são, pois, imediatamente rebatidos pela constatação de que, a proceder o pedido de intervenção provocada, tal equivaleria a renovar a fase dos articulados e a designar nova data para repetição do julgamento, o que está manifestamente circunscrito ao julgador, por aplicação do disposto no art. 613.º, n.º 1 do Cód. Processo Civil.
Conclui-se, pois, que o requerimento apresentado meio idóneo a suscitar o incidente de intervenção provocada de terceiros, carecendo de fundamento legal para o efeito, atenta a inaplicabilidade dos preceitos ou disposições conjuntas dos arts. 318.º e 261.º do Cód. Processo Civil, em face do disposto no art. 613.º, n.º 1 do Cód. Processo Civil.
Isto posto, indefiro liminarmente ao requerido por falta de fundamento legal para a intervenção provocada de terceiros.
Em 14 de Novembro de 2016, B… e C… interpuseram recurso de apelação da sentença proferida em 17 de outubro de 2016, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1. A douta sentença recorrida decidiu mal, com o devido respeito, que é muito, que “a questão da impugnação das deliberações é, pois, uma questão entre condóminos: a legitimidade para impugnar e para defender a deliberação radica, sem dúvida, nos próprios condóminos”, considerando “procedente a
exceção dilatória de ilegitimidade passiva, absolvendo os réus da instância.”
2. Absolvendo os réus da instância, porque considera o tribunal a quo que “nem a administração do condomínio, (ainda que representada pela 2.º ré), nem o próprio condomínio, nem a segunda ré – E… – Administração de Condomínios Unipessoal, Lda. (não agindo em presentação judiciária de ninguém, conforme configuraram os autores a ação) têm legitimidade passiva para a presente ação, pelo que terá de ser julgada procedente a exceção de ilegitimidade oficiosamente suscitada.”
3. Defendendo o Tribunal a quo que a questão da legitimidade passiva nas ações de anulação/impugnação de deliberações de assembleia de condóminos não tem sido pacífica na jurisprudência e doutrina.
4. Que só quanto a atos respeitantes a encargos comuns, aos atos conservatórios ou relativos à prestação de serviços comuns o administrador pode demandar e ser demandado nessa qualidade.
5. E que, consequentemente, no que respeita às ações de impugnação das deliberações tomadas pela assembleia de condóminos, não estamos no âmbito dos poderes do administrador, pelo que, nesse domínio, o condomínio não goza de personalidade judiciária como resulta do art.º 6, al. e), segunda parte, do Cód. Processo Civil, e já resultava implicitamente do disposto no art.º 1437.º do C. Civil.
6. Daí que, neste âmbito, são os próprios condóminos que devem ser pessoalmente acionados, dada a falta de personalidade judiciária do condomínio, embora a sua representação em juízo caiba ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito.
7. Ou seja, defende o Tribunal a quo que, embora a legitimidade passiva para as ações onde se impugne uma deliberação tomada na assembleia de condóminos seja dos próprios condóminos, porque essa anulação produz efeitos em relação a todos eles, a sua representação judiciária compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito.
8. Entendendo assim, a Mm.º juíza da primeira instância, que a presente ação, de impugnação de deliberação em assembleia de condóminos terá de ser proposta contra os condóminos que as votaram.
9. No entender dos requerentes, o tribunal a quo, fez uma incorreta valoração do caso em si, optando por uma corrente que a seu ver, não será a mais correta.
10. No despacho saneador datado de 07/04/2016, o tribunal a quo, e reconhece que “A ilegitimidade constitui uma exceção dilatória (arts. 576.º, 2 e 577.º, al. e) do CPC), que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância (art. 278.º, d) do CPC). Nos termos do disposto no artigo 576º, n.º1 do CPC “as exceções são dilatórias ou perentórias”, esclarecendo o artigo 577º, al. e) do mesmo diploma que consubstancia exceção dilatória, entre outras, “a ilegitimidade de alguma das partes”,
11. Nesse mesmo despacho saneador considera que o tribunal é competente, “Inexistem outras nulidades principais, nem vêm arguidas quaisquer outras. As partes gozam de personalidade judiciária, capacidade judiciária e estão devidamente representadas. As partes são legítima. Inexistem outras excepções, nulidades ou vícios que obstem ao conhecimento do mérito da causa.”
12. O tribunal a quo, marcou e realizou a audiência de discussão e julgamento, sempre sem levantar a questão da ilegitimidade, ilegitimidade esta que nunca foi levantada inclusive pelos réus,
13. Tendo os autores defendido a legitimidade dos réus em requerimento posterior á audiência de discussão e julgamento, defendendo a legitimidade dos mesmos, baseando a sua convicção em jurisprudência e doutrina existente no nosso ordenamento jurídico.
14. Esta posição é sufragada por diversos Acórdãos, nomeadamente, no Acórdão da Relação de Guimarães, Processo Nº 1360/10.0TBVCT.G1, de 03/04/2014 que num caso semelhante aos do autos, defende, precisamente o contrário do defendido pelo tribunal a quo, quando defende que “As ações de impugnação de deliberação resultante de Assembleia de Condóminos, devem ser intentadas contra o condomínio representado pelo seu Administrador;”
15. E continua, “com a reforma processual civil de 1995 a lei passou a reconhecer ao condomínio resultante da propriedade horizontal personalidade judiciária relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes (repare-se que a lei fala em poderes – o que engloba o poder de representação - e não, como no art. 1436º do CCivil, em funções) do administrador (al. e) do art. 6º do CPC), o que significa que aquele entendimento deixou de ser menos sustentável.”
16. Dentro do mesmo registo, sustenta Sandra Passinhas (v. Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, pp. 346 e 347) que o administrador “age como representante orgânico do condomínio” e que “a deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados). E, sendo um acto do condómino, a legitimidade passiva cabe ao administrador”. Acrescenta ainda a mesma autora que “As controvérsias respeitantes à impugnação de deliberações da assembleia só satisfazem exigências colectivas da gestão condominial, sem atinência directa com o interesse exclusivo de um ou vários participantes, com a consequência que, nessas acções, a legitimidade para agir cabe exclusivamente ao administrador”, e por isso, subscreve o entendimento do supra citado Ac. da RL de 14 de Maio de 1998 aí onde se sustenta que “o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia”.
17. É bem certo que no nº 6 do art. 1433º do CCivil se dá literalmente a entender que a acção de impugnação da deliberação é proposta contra os condóminos.
18. Mas, como observa Sandra Passinhas (ob. e loc. citados), a redacção do nº 4 do art. 1433º do CCivil (cujo teor passou entretanto, com a reforma de 1994, para o nº 6) não foi objecto de actualização, de modo que a norma ficou literalmente fora do contexto da nova orientação legislativa (a processual de 1995) em matéria de legitimação do condomínio. Ou, no limite, é de entender, como se entendeu no Ac da RL de 28 de Março de 2006 (www.dgsi.pt), que o legislador minus dixit quam voluit, devendo o inciso constante do n.º 6 do art.º 1433º do Cód. Civil «a representação judiciária dos condóminos contra quem as acções são propostas (...)» passar a ser interpretado extensivamente, por forma a ver nele escrito que «a representação judiciária do conjunto dos condóminos contra quem as acções são propostas (...)», já que o condomínio, a quem o legislador veio a conceder personalidade judiciária após a reforma processual de 1995/96, é o conjunto organizado dos condóminos.”
19. Também neste sentido o Acórdão da Relação do Porto, no processo nº 0650237 de 06-02-2006, que acompanha a posição dos requerentes, quando defende que “O condomínio, representado pelo seu administrador, tem legitimidade passiva, em acção de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, não tendo tal acção que ser intentada contra todos os condóminos a título singular.”
20. Tendo o Tribunal da Relação do Porto, também aqui se socorrido de Sandra Passinhas ("A ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS E O ADMINISTRADOR NA PROPRIEDADE HORIZONTAL", 2.ª Ed., p. 346), “A deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados, ou dos que aprovaram a deliberação). E, sendo um acto do condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador”.
Não foram oferecidas contra-alegações.
Atenta a natureza estritamente jurídica da questão decidenda, com o acordo dos Excelentíssimos Juízes-adjuntos, decidiu-se dispensar os vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
A única questão a decidir é a da legitimidade passiva na ação para impugnação de deliberação da assembleia de condomínio.
3. Fundamentos de facto
Os fundamentos de facto necessários ao conhecimento do objeto do recurso constam do relatório desta decisão, resultam dos próprios autos, nesta parte com força probatória plena e não se repetem por evidentes razões de economia processual.
4. Fundamentos de direito
Da legitimidade passiva na ação para impugnação de deliberação da assembleia de condomínio
Os recorrentes pugnam pela revogação da decisão recorrida sustentando que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos compete ao condomínio e não aos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada.
Cumpre apreciar e decidir.
A questão decidenda tem dividido a jurisprudência dos tribunais superiores, embora a que provém do Supremo Tribunal de Justiça seja maioritária no sentido da decisão recorrida.
A doutrina também se apresenta dividida e, nalguns casos, com algumas ambiguidades, embora pareça dominante a que se pronuncia no sentido sustentado pelos recorrentes.
Vejamos então.
Ao nível da jurisprudência, no sentido da decisão recorrida, sem preocupações de exaustividade, destacam-se os seguintes acórdãos:
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de março de 1998, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Torres Paulo, no processo nº 98A845, cujo sumário está acessível no site da DGSI;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de junho de 2005, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Moitinho de Almeida, no processo nº 05B4296, acessível no site da DGSI;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de novembro de 2006, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Moreira Alves, no processo nº 06A2913, acessível no site da DGSI;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de novembro de 2007, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Bettencourt de Faria, no processo nº 07B787, com dois votos de vencido, um do Sr. Juiz Conselheiro Quirino Soares, que segue a orientação sustentada pelos recorrentes e outro do Sr. Juiz Conselheiro Santos Bernardino, relativamente a um procedimento processual, mas também no sentido defendido na decisão recorrida, acessível no site da DGSI;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de junho de 2008, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Moreira Camilo, no processo 08A1755, com um voto de vencido mas não sobre este concreto problema, acessível no site da DGSI;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de novembro de 2008, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Santos Bernardino, no processo 08B2784, acessível no site da DGSI;
- acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de fevereiro de 2009, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador José Eduardo Sapateiro no processo nº 271/2009-6, acessível no site da DGSI;
- acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de julho de 2010, relatado pelo então Sr. Juiz Desembargador Olindo Geraldes, no processo nº 1063/09.9TVLSB.L1-6, acessível no site da DGSI;
- acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa relatado pela Sra. Juíza Desembargadora Márcia Portela, no processo nº 1842/05.6TVLSB.L1-6, acessível no site da DGSI;
No sentido por que propugnam os recorrentes, também sem preocupação de exaustividade, destacam-se os seguintes acórdãos:
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de fevereiro de 1991, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Pereira da Silva, no processo nº 080355, acessível no site da DGSI;
- acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de maio de 1998, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Silva Pereira, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XXIII, Tomo III, páginas 96 a 100;
- acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Dezembro de 2006, relatado pelo Sra. Juíza Desembargadora Rosa Ribeiro Coelho, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXI, Tomo V/2006, páginas 121 a 125;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de maio de 2007, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Urbano Dias, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XV, tomo II-2007, páginas 97 e 98;
- acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de Junho de 2009, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Ilídio Sacarrão Martins, acessível no site da DGSI;
- acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03 de abril de 2014, relatado pela Sra. Juíza Desembargadora Isabel Rocha, no processo nº 1360/10.0TBVCT.G1, acessível no site da DGSI;
- acórdão do Tribunal da Relação do Porto, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Manuel Domingos Fernandes, no processo nº 1167/14.6TBGDM.P1[4] acessível no site da DGSI.
No sentido da decisão recorrida, na doutrina, pronuncia-se Abílio Neto in Manual da Propriedade Horizontal, Ediforum 3ª edição – Outubro 2006, páginas 348 e 349, numa formulação algo ambígua[5] pois refere que “[c]omo demandados devem figurar nominativamente todos os condóminos que aprovaram a deliberação ou deliberações impugnadas, por serem estes que têm interesse em contradizer, embora representados seja pelo administrador, seja pela pessoa que a assembleia tiver designado para esse efeito (art. 1433.º-6).
Assim, tal acção não deve ser intentada contra os condóminos a título singular, nem apenas contra o condomínio, nem contra o administrador, uma vez que este apenas intervem como representante judiciário dos condóminos que, através da sua vontade individual, contribuíram para a formação da vontade colectiva.
No mesmo sentido, parece pronunciar-se o Sr. Juiz Conselheiro Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos nas suas Notas ao Código de Processo Civil, Volume I, 3ª edição revista e actualizada, Lisboa 1999, página 57, escrevendo o seguinte:
- “O condomínio não é uma pessoa colectiva pelo que, em princípio, não dispõe de personalidade judiciária; porém, como a lei (Cód. Civ., art. 1437º) concede ao seu administrador legitimidade para agir em juízo, no desempenho das funções que lhe pertencem, ou quando autorizado pela assembleia dos condóminos, o legislador entendeu, na alínea e) da norma em apreço, que lhe é de atribuir tal veste relativamente às acções em que intervenha o administrador dentro da competência funcional que a lei lhe reconhece.
Ainda no mesmo sentido, o Sr. Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume (4ª edição revista e actualizada), Almedina 2010, página 109, escreve o seguinte:
- “Já quanto à legitimidade passiva, diversamente do que ocorre com as sociedades, não pertence à entidade a quem a lei reconhece personalidade judiciária (condomínio urbano, nos termos do art. 6.º al. e), do CPC), mas aos condóminos que tenham aprovado a deliberação, conforme resulta do art. 1433.º, n.º 6, do CC.
Na doutrina, pronunciam-se abertamente no sentido por que pugnam os recorrentes, os seguintes autores, ainda que com alguns matizes:
- Sandra Passinhas in A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina 2000, páginas 336 a 338, ainda que referindo que a legitimidade passiva cabe exclusivamente ao administrador, entidade que, como é sabido, representa o condomínio;
- Miguel Mesquita in Cadernos de Direito Privado, nº 35, Julho/Setembro 2011, páginas 41 a 56 em artigo intitulado “A Personalidade Judiciária do Condomínio nas Acções de Impugnação de Deliberações da Assembleia de Condóminos” e em a notação ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de junho de 2009, acima citado;
- José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª edição, Coimbra Editora 2014, página 41, anotação 5[6].
Em sentido aparentemente convergente com aquele por que se batem os recorrentes, mas com alguma ambiguidade, pronuncia-se o Sr. Juiz Conselheiro Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, nos seus Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2ª edição - 2004, Almedina, página 43, anotação VI, pois que, por um lado, vinca que a personalidade judiciária conferida ao condomínio se cinge às ações que por força do estatuído no artigo 1437º do Código Civil se inserem no âmbito dos poderes da administração e da legitimidade do administrador, normativo que não tem referência expressa à legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, e por outro lado, cita para abonar a anotação o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de maio de 1998, antes citado e que se pronuncia abertamente no sentido por que se batem os recorrentes.
Que dizer?
Os normativos pertinentes, antes de mais.
De acordo com o previsto na alínea e), do artigo 12º do Código de Processo Civil, a personalidade judiciária estende-se ao condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
Esta disposição legal remete diretamente para o artigo 1437º do Código Civil, que prevê especificamente a “legitimidade” para agir em juízo ativa e passivamente, nalguns casos, e também para o artigo 1436º que discrimina as diversas funções que competem ao administrador, nas quais se inclui a execução das deliberações da assembleia (alínea h), do artigo 1436º do Código Civil).
Finalmente, o nº 6, do artigo 1433º do Código Civil prevê que a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito[7].
A deliberação de condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (artigo 1431º e 1432º, ambos do Código Civil), órgão a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (artigo 1430º, nº 1, do Código Civil), sendo o administrador o órgão executivo da assembleia de condóminos (artigos 1435º a 1438º, todos do Código Civil).
Se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação.
Por outro lado, mal se percebe que os condóminos, pessoas singulares ou coletivas, dotados de personalidade jurídica, careçam de ser representados judiciariamente pelo administrador do condomínio. De facto, a representação judiciária apenas se justifica relativamente a pessoas singulares desprovidas total ou parcialmente de capacidade judiciária ou relativamente a entidades coletivas, nos termos que a lei ou respetivos estatutos dispuserem, ou ainda relativamente aos casos em que as pessoas coletivas ou singulares se venham a achar numa situação de privação dos poderes de administração e disposição dos seus bens por efeito da declaração de insolvência.
Serve isto para vincar que quando no nº 6, do artigo 1433º, do Código Civil se faz referência aos condóminos, o legislador incorreu nalguma incorreção de expressão e de facto parece ter-se tido na mira, uma entidade coletiva, a assembleia de condóminos corporizada pelos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada, o condomínio vinculado pelas deliberações impugnadas e cuja execução compete ao administrador, como já antes se viu.
Ora, também por aqui se chega à conclusão de que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, compete ao condomínio, representado pelo administrador, pois que se a este cabe executar as deliberações da assembleia de condóminos (artigo 1436º, alínea h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.
Esta solução, como refere o Professor Miguel Mesquita[8] é a que permite um exercício mais ágil do direito de ação, pois que os “pressupostos processuais não devem servir para complicar, desnecessariamente, o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, finalidades precípuas do processo civil.
Por tudo quanto precede, deve a decisão recorrida ser revogada e determinar-se que os autos voltem à primeira instância a fim de que a Sra. Juíza que presidiu à audiência final, em obediência ao disposto nos nºs 3 e 4, do artigo 605º do Código de Processo Civil profira sentença, julgando de facto e de direito, se outro obstáculo de ordem processual não existir, pois que, não tendo sido julgada a matéria de facto pelo tribunal a quo, não sendo ainda caso de reapreciação da decisão da matéria de facto, nem sendo caso de nulidade da sentença recorrida, esta instância não dispõe dos elementos necessários para se substituir ao tribunal recorrido, nos termos previstos no nº 2, do artigo 665º, do Código de Processo Civil.
As custas do recurso são da responsabilidade do vencido a final.
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar procedente o recurso de apelação interposto por B… e C… e, em consequência, em revogar a decisão proferida em 07 de outubro de 2016, determinando-se que os autos voltem à primeira instância a fim de que a Sra. Juíza que presidiu à audiência final, em obediência ao disposto nos nºs 3 e 4, do artigo 605º do Código de Processo Civil profira sentença, julgando de facto e de direito, se outro obstáculo de ordem processual não existir.
As custas do recurso são da responsabilidade do vencido ou vencidos a final e na proporção que dessa decisão resultar.
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O presente acórdão compõe-se de onze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.
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Porto, 13 de fevereiro de 2017
Carlos Gil
Carlos Querido
Alberto Ruço
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[1] No formulário do citius, corretamente a nosso ver, indica-se como primeiro réu o Condomínio do Prédio sito na …, nº ..., em ….
[2] Notificado às partes em expediente eletrónico elaborado em 10 de outubro de 2016.
[3] Pode questionar-se se este requerimento envolve a aceitação da decisão que veio posteriormente a ser recorrida. É duvidoso que assim possa ser entendido porque nos parece que os requerentes do incidente de intervenção de terceiros entenderam a decisão de absolvição da instância fundada numa preterição de litisconsórcio necessário e por isso invocaram o disposto no artigo 261º do Código de Processo Civil para fundamentar o incidente deduzido, além de que no artigo 3 do requerimento do incidente reiteram o seu entendimento em oposição ao do tribunal a quo. Porém, não é de facto aquele o sentido da decisão que veio posteriormente a ser impugnada.
[4] Este acórdão reproduz integralmente a fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de Junho de 2009 antes identificado, sem o citar.
[5] Numa formulação também algo obscura veja-se por exemplo o Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora 1985, da autoria de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, página 112, que consideram que a lei confere personalidade judiciária àqueles bens que pertençam a um conjunto de pessoas, ao qual não seja reconhecida personalidade jurídica, exemplificando com os condóminos, na propriedade horizontal, citando os artigos 1433º, nº 4 e 1437º, nº 1, ambos do Código Civil, mas sem se referirem ao condomínio, propriamente dito.
[6] Aqui se refere o seguinte: “A alínea e) concede personalidade judiciária ao condomínio, relativamente às acções em que, por ele, pode intervir o administrador, nos termos dos art. 1433-6 CC (como réu) e 1437 CC (como autor ou réu), o que já resultava, pelo menos, desta última disposição.
[7] Em sede de procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, esta norma é replicada no nº 2, do artigo 383º, do Código de Processo Civil.
[8] Veja-se a anotação antes citada, na página 56.