Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1751/14.8TBVCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ MANUEL ARAÚJO DE BARROS
Descritores: SEGURO DESPORTIVO
COBERTURAS
TOMADOR
DEVER DE INFORMAR
Nº do Documento: RP201811151751/14.8TBVCD.P1
Data do Acordão: 11/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ACÇÃO COMUM
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 152, FLS 253-261)
Área Temática: .
Sumário: I - A cobertura prevista no artigo 6º, nº 2, alínea a), do Regime Jurídico do Seguro Desportivo Obrigatório, aprovado pelo DL 10/2009, de 12 de Janeiro, relativa ao pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, decorrente de sinistro no âmbito de actividade desportiva, abrange também os danos morais sofridos pelo segurado.
II - O artigo 16º do mesmo diploma que, sob a epígrafe «coberturas mínimas abrangidas pelo seguro desportivo», dispõe na alínea d) que este garante «invalidez permanente parcial – 25.000,00€, ponderado pelo grau de incapacidade fixado», deve ser interpretado como garantindo o pagamento daquela quantia sempre que os danos decorrentes da incapacidade, total ou parcial, ultrapassem o valor da mesma, que não pelo resultado da aplicação àquele capital da percentagem de incapacidade fixada.
III – A obrigação que, nos seguros de grupo, nos termos primitivamente estabelecidos no artigo 4º, nº 1, do DL nº 176/95, de 26 de Julho, e ora constantes do artigo 78º, nº 1, do DL nº 72/2008, de 16 de Abril, impende sobre o tomador, de informar «os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador», tem uma eficácia confinada às relações deste com o tomador, não valendo como uma transferência de tal dever, que desresponsabilize o segurador perante os segurados, impedindo estes de lhe oporem a exclusão de cláusula não informada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 2ª SECÇÃO CÍVEL – Processo nº 1751/14.8TBVCD.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 4

SUMÁRIO
(artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
RELATÓRIO
b... intentou acção comum contra C..., SA, e D..., pedindo a condenação da primeira ré a pagar-lhe 58.908,76 € e da segunda ré a pagar-lhe 55.531,51, quantias relativas a danos patrimoniais e morais decorrentes de acidente sofrido pelo autor, por via de vinculação das rés em contratos de seguro desportivo cobrindo responsabilidade por acidentes no exercício da actividade na qual aquele ocorreu.
Citadas, apresentaram-se as rés a contestar. A ré D... invocou ter já procedido ao pagamento de parte do devido, bem como ter posto à disposição do autor o restante que entende estar em dívida, que este não quis receber, sendo certo que o contrato em causa não abrangia quaisquer danos não patrimoniais. A ré C... invocou o pagamento parcial da indemnização devida, discordou da forma como o autor calculou a indemnização peticionada e sustentou não abranger o contrato em causa quaisquer danos não patrimoniais.
Respondeu o autor, afirmando desconhecer o conteúdo da apólice de seguro celebrada com a ré C..., designadamente quanto ao montante indemnizatório devido por invalidez permanente, nunca lhe tendo sido facultadas por esta ré nem pela ré D... as condições gerais, especiais e particulares das apólices em vigor, desconhecendo o conteúdo dos contratos de seguro, não tendo sido informada das cláusulas cujo esclarecimento se mostrava pertinente.
Foi realizada audiência prévia. Elaborou-se o despacho saneador, sendo fixado o objecto do litígio e enunciados os factos assentes por acordo das partes e os temas da prova.
Após a audiência, foi proferida sentença, cujo trecho decisório seguidamente se transcreve.
a) Condeno a ré C..., SA, no pagamento ao autor da quantia de € 1.244,86, acrescida dos juros de mora peticionados (contados desde 29 de Abril de 2014 e até integral pagamento) e ainda dos juros de mora que se venceram, desde 29 de Abril de 2014 até 3 de Novembro de 2014, sobre a quantia de € 2.762,78.
b) Absolvo a ré C..., SA, do restante peticionado.
c) Absolvo a ré D... de todo o pedido contra si deduzido.
Custas por autor e ré C..., na proporção dos respectivos decaimentos.
Inconformado, veio o autor interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Juntou as respectivas alegações.
A ré C... contra-alegou.
Foram dispensados os vistos.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1.FACTOS
O autor é um atleta praticante de desporto equestre, inscrito na Federação Equestre Portuguesa e na Associação Portuguesa de Atrelagem.
No dia 1 de Junho de 2013, no decurso de uma prova de atrelagem que se estava a realizar na E..., no âmbito do “Concurso Internacional de Atrelagem de Tradição”, o autor sofreu um acidente durante a prova, decorrente de o cavalo que conduzia, sem motivo aparente, se ter assustado e, inusitadamente, começar a galopar desenfreadamente e com muita velocidade.
O autor tentou, por várias formas, impedir que o cavalo e respectiva atrelagem viessem a atingir pessoas e bens.
Contudo, e não obstante o esforço, viu-se incapaz de controlar o animal e acabou por embater contra uma árvore, ficando o carro completamente desfeito.
Na sequência do embate contra a aludida árvore, o autor sofreu lesões corporais com particular incidência nos membros inferiores.
Como consequência directa do acidente relatado, resultou para o autor as seguintes lesões: fractura exposta do fémur direito que, devido a lesão vascular sem recuperação, determinou a amputação transefemural pelo terço superior; fractura exposta do fémur esquerdo e da rótula esquerda, tendo sido submetido a encavilhamento do fémur e cerclage da rótula e dois fios de Kirshner.
O acidente que o autor sofreu determinou mais de três meses de internamento hospitalar, tendo sido submetido a diversas intervenções cirúrgicas.
Aquando do acidente o autor foi transportado, em estado muito grave, para o Hospital I..., em Lisboa, onde foram prestados os primeiros cuidados médicos tendo sido, de imediato, submetido a uma intervenção cirúrgica de emergência.
Estabilizado o estado de saúde e já depois de decorrido o período de perigo de vida, o autor foi transferido para o Hospital F..., no Porto, onde permaneceu alguns dias, tendo sido, posteriormente, transferido para o Hospital G... onde teve alta médica em 26 de Julho de 2013, permanecendo, contudo, em tratamento ambulatório.
O acidente que o autor sofreu obrigou-o a iniciar um programa de reabilitação funcional para doentes amputados.
Aliada a toda a recuperação funcional da perna esquerda o autor necessita da utilização de prótese para o membro amputado.
Tendo tido necessidade de ser submetido a nova cirurgia ortopédica em 11.10.2013, para retirada de parafusos inferiores do encavilhamento.
O autor subscreveu o seguro de acidentes pessoais – módulo A – que vigorava em 2013, em que o tomador do contrato era a Federação Equestre Portuguesa, titulado pela apólice nº ../....., cuja cópia juntou aos autos como doc. nº 3 com a petição inicial.
O contrato de seguro celebrado, entre autor e 1ª ré, tinha como objecto garantir, em qualquer parte do mundo, os acidentes decorrentes da prática desportiva amadora federada, incluindo deslocações de e para os locais onde tenham lugar as referidas actividades.
O aludido contrato de seguro garantia a cobertura no caso de morte ou invalidez permanente, por acidente, o montante de € 25.350,00 e despesas de tratamento por acidente no montante de € 5.000,00.
O autor procedeu ao pagamento pontual do respectivo prémio.
O acidente que o autor sofreu foi participado à 1ª ré.
Em 8 de Agosto de 2013 a 1ª ré comunicou ao autor que: “…cumpre-nos informar que, após análise, o sinistro foi devidamente enquadrado e aceite…”.
Na mesma missiva foi solicitado ao autor “… o envio de relatórios médicos, bem como originais juntamente com o seu NIB, para reembolso, tendo em conta o limite de capital para despesas de tratamento no valor de € 5.000,00…”
O autor remeteu, via correio electrónico, em 24 de Setembro de 2013, o relatório médico conforme solicitado pela 1ª ré.
Em 23 de Outubro foram enviadas diversas facturas relativas a consultas médicas e diversos tratamentos que foram liquidados ao autor, tudo no montante de € 3.960,43.
Em 10 de Dezembro de 2013, o autor remeteu à 1ª ré as facturas comprovativas de honorários clínicos, no montante de € 1.054,85.
O valor total das despesas de tratamento que o autor enviou á 1ª ré, perfaz, assim, o montante global de € 5.015,28.
Atento o silêncio da 1ª ré, o autor viu-se compelido a solicitar a intervenção da Federação Equestre Portuguesa, uma vez que o tempo decorria e a 1ª ré nada dizia, nem procedia ao pagamento, quer da indemnização por incapacidade permanente, nem ao reembolso das despesas com tratamento, tudo conforme melhor se alcança da mensagem de correio electrónico, datado de 6 de Janeiro de 2014, junta com a como doc. nº 9.
Em resposta, a 1ª ré comunicou, em 22 de Janeiro de 2014, que iria proceder ao pagamento das facturas nºs ..../....., ..../..... e ..../..., tudo no montante global de € 740,902.
Na mesma comunicação a 1ª ré solicitou ainda, o envio de comprovativos de liquidação das facturas da Medigab, no montante de € 2.720,91, bem como do “…recibo final da cirurgia/internamento…”.
O autor remeteu à ré todos os elementos solicitados e comprovativos da liquidação das despesas médicas.
A 1ª ré liquidou, em 18.02.2014, a quantia de € 992,36, referente á factura nº ..../....., emitida pela H... que se reportava a serviços médicos de cirurgia e internamento do autor.
O autor, face ao não reembolso daquelas despesas de tratamento contactou a 1ª ré no sentido de obter informação sobre o motivo que obstava àquele pagamento.
Tendo a 1ª ré solicitado os relatórios médicos justificativos dos tratamentos efectuados, que foram remetidos pelo autor.
O autor cumpriu todos os procedimentos que constam do contrato de seguro e facultou todos os documentos comprovativos das despesas efectuadas.
Bem como, compareceu para consulta de avaliação do dano por perito médico indicado pela 1ª ré.
O autor subscreveu o contrato de seguro, como segurado, na cobertura designada por “Módulo A”.
No âmbito daquela cobertura, o autor tem direito a ser reembolsado pelas despesas de tratamento, por acidente, no montante máximo de € 5.000,00, valor este largamente excedido, tendo em conta a gravidade das lesões que resultaram do sinistro ocorrido em 01.06.2013.
O autor tem igualmente direito a ser indemnizado, no montante de € 25.350,00, por força de incapacidade permanente, nos termos da modalidade subscrita.
O autor subscreveu o seguro de acidentes pessoais, desporto, cultura e recreio, em que o tomador do contrato era a Associação Portuguesa de Atrelagem, titulado pela apólice nº ................
O contrato de seguro, celebrado entre autor e a 2ª ré, tinha como objecto garantir os acidentes decorrentes da prática desportiva não profissionalizada de atrelagem, incluindo deslocações ao estrangeiro organizada pelo tomador de seguro em todo o mundo com excepção dos países em estado de guerra declarada ou não.
O aludido contrato de seguro garantia a cobertura no caso de morte ou invalidez permanente, o montante de € 25.000,00 e despesas de tratamento o montante de € 5.000,00.
O autor procedeu ao pagamento pontual do respectivo prémio.
O acidente que o autor sofreu foi participado à 2ª ré.
A 2ª ré, em 21.10.2013, procedeu ao pagamento integral das despesas de tratamento, como estava contratualmente obrigada.
No tocante à indemnização resultante da incapacidade permanente do autor, a 2ª ré apenas considera um grau de incapacidade de 55%, pretendendo liquidar apenas a quantia de € 13.750,00.
O contrato de seguro a que o autor aderiu estabelece que a 2ª ré, em caso de morte ou invalidez permanente assegura uma cobertura de € 25.000,00.
Entre a ré D..., na qualidade de seguradora, e a Associação Portuguesa de Atrelagem, na qualidade de tomadora, foi celebrado o contrato de seguro do ramo «Acidentes Pessoais, Desporto, Cultura, e Recreio», titulado pela apólice nº ..............., com as condições gerais, especiais e particulares juntas com a contestação da ré D... respectivamente, como doc.s nºs 1 e 2.
Tendo por pessoa segura, além de outros, o autor.
Aquele contrato cobria exclusivamente os riscos extra-profissionais da pessoa segura (cf. doc. nº 2, «condições particulares e doc. nº 1, artº 2º/2 e 3º/1 e 2, das «condições gerais» da apólice), nos casos de: morte ou invalidez permanente, com o capital seguro, por pessoa, de € 25.000; despesas de funeral, com o capital seguro, por pessoa, de € 3.000,00; despesas de tratamento e repatriamento, com o capital seguro, por pessoa, de € 5.000,00.
Prevendo uma franquia de € 50,00 por sinistro/pessoa.
E, para a avaliação do dano corporal, uma tabela de desvalorização própria, que, no caso, remetia para a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, a aprovada, como anexo II, pelo DL. 352/07, de 23 de Outubro.
Na verdade, sob a epígrafe Definição das coberturas e depois b) Invalidez Permanente no artº 4º, nº 1, alínea b), ponto ii) das «condições gerais» da sobredita apólice previa-se o seguinte: “ii) O montante da indemnização será obtido pela aplicação ao valor seguro, da respectiva percentagem de invalidez permanente estabelecida na Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, aprovada pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro, adiante designada por Tabela de Desvalorizações, que faz parte integrante destas condições gerais. (sic)
E no seu ponto iv) previa-se o seguinte: “As indemnizações por lesões corporais serão calculadas sem ser tomada em linha de conta a actividade profissional da pessoa segura.” (sic).
Este contrato de seguro estava em vigor na data do sinistro invocado na petição, a de 1 de Junho de 2013.
A sobredita tomadora do seguro participou o sinistro em apreço à ré D....
Em cumprimento do sobredito contrato de seguro esta considerou verificados os sobreditos riscos de seguro de € 5.000, diminuídas, da franquia contratual.
Ainda de acordo com a sobredita cláusula contratual a indemnização a que o autor tinha, pois, direito correspondia à de € 13.750 (€ 25.000/capital seguro para risco de invalidez permanente x 55% de incapacidade geral).
O autor terá de ser submetido a nova intervenção para dinamização da fractura da perna esquerda, para retirada de parafusos inferiores e da cerclage da rótula.
O acidente que o autor sofreu determinou um défice permanente da integridade físico-psíquica fixável em 55 pontos, sendo que em termos de repercussão permanente na actividade profissional são impeditivos do exercício da actividade profissional habitual, sendo no entanto compatíveis com outras despesas de tratamento e invalidez permanente, e, por força daquele primeiro, o de despesas de tratamento, pagou ao autor a quantia de € 4.950, que aquele recebeu, correspondente a despesas no valor do capital profissões da sua área de preparação técnico profissional, nomeadamente na área financeira que hoje o autor desempenha.
O autor não consegue locomover-se na via pública sem o auxílio de canadianas ou cadeira de rodas.
Além de necessitar de tratamento fisiátrico por tempo indeterminado, para a sua reabilitação e recuperação funcional.
Desde finais de Abril de 2014 que a 1ª ré possui todos os elementos que solicitou ao autor.
O autor, é um amputado da perna direita e com graves lesões na perna esquerda, que foi objecto de encavilhamento do fémur e cerclage da rótula esquerda.
O autor deambula com enorme dificuldade por impossibilidade de apoio na perna esquerda.
As lesões que o autor sofreu são graves e irreversíveis, comprometendo em definitivo a sua autonomia e qualidade de vida.
As lesões sofridas pelo autor provocaram-lhe e provocam um sofrimento físico profundo e uma forte angústia psicológica.
As dores que o autor sofre são permanentes e determinam a necessidade de utilização de medicação.
O autor tem necessidade de frequentar, por tempo indeterminado, sessões de fisioterapia para reabilitação das sequelas graves que possui na perna esquerda, sendo o prognóstico quanto á sua capacidade de recuperação incerto.
O autor encontra-se muito limitado na prática de actos habituais e normais do seu quotidiano, não conseguindo andar sem o apoio de bengala ou auxílio de terceiras pessoas.
Todo o sofrimento que o autor passou e continua a passar impede que viva com a tranquilidade que sempre viveu, sofrendo perturbações do sono, forte irritabilidade e uma angústia e desgosto inultrapassáveis.
O autor é economista e uma pessoa muito reputada no meio em que vive e trabalha.
É presidente do conselho de administração de um grupo empresarial e possui participações em diversas empresas em vários ramos de negócio, com uma vida profissional muito activa e preenchida.
A actividade profissional que o autor desenvolvia obrigava-o amiudadas vezes a ter deslocações ao estrangeiro e reuniões de trabalho em diversos locais do país.
O autor era, igualmente, um atleta de elite que competia em provas nacionais e internacionais, na modalidade de atrelagem, com grande reconhecimento público na modalidade.
Por força do acidente de que foi vítima viu-se impedido da prática desportiva, o que o deixa profundamente triste, angustiado e deprimido.
Recordando diariamente a experiência extremamente dolorosa por que passou e continua a passar.
O autor era uma pessoa robusta, sadia, pessoal e profissionalmente realizado, tendo perdido definitivamente a tranquilidade com que sempre viveu.
O acidente que o autor sofreu impede-o irremediavelmente de ser, até final dos seus dias, a pessoa activa, empreendedora, realizada e feliz que era até ao fatídico dia 1 de Junho de 2013.
A ré D... efectuou a avaliação do dano corporal do autor nos termos previstos na supra citada cláusula contratual (do artº 4º/1, al. b), ii) das CG da apólice).
Tendo fixado ao autor em 19.11.2013 a incapacidade parcial permanente geral de 55%, de acordo com a Tabela Nacional de Avaliação de Incapacidades em Direito Civil, a aprovada sob o anexo II do DL. 352/07, de 23 de Outubro, e prevista naquela dita cláusula contratual (cf. sequelas ali previstas Mc0503 = 50 pontos e Mc0632 = 5 pontos).
Indemnização esta que a ré ofereceu, e oferece, ao autor.
Tendo, para o efeito, emitido o correspondente recibo e enviado àquele uma carta, ambos datados de 19.12.2013, que o autor recebeu.
De acordo com o contrato celebrado, o dano corporal deve ser avaliado com base na incapacidade geral prevista na tabela do anexo II do DL 352/07 de 23 de Outubro.
No âmbito do contrato de seguro celebrado com a 1ª ré a cobertura de despesas é de € 5.000,00 e a cobertura de invalidez permanente é de € 25.350,00.
O autor recebeu da 1ª ré, em 03.11.2014, após a propositura da presente acção, a quantia de 2.762,78€ (dois mil setecentos e sessenta e dois euros e setenta e oito cêntimos.
O autor foi submetido a perícia médico-legal, constando do relatório pericial, emitido pelo Instituto de Medicina Legal, a dependência permanente de ajudas, designadamente, tratamentos médicos regulares, ajudas técnicas e adaptação de veículo.
O relatório pericial do Instituto de Medicina legal teve, em consideração, entre outros, a informação prestada pelo Centro de Reabilitação Profissional de Vila Nova de Gaia – CRPG – que concluiu que o autor tem indicação para acompanhamento médico na área da medicina física e de reabilitação, para prescrição de próteses/substituição dos seus componentes e reabilitação periódica dos seus componentes, tendo em vista reduzir a sintomatologia dolorosa e potenciar a capacidade de marcha com prótese.
O autor, após o sinistro, teve de efectuar obras de adaptação na sua residência, teve de adaptar o seu veículo automóvel e adquirir ajudas técnicas tudo a expensas próprias, tendo em vista fazer face às sequelas de que ficou a padecer por força do sinistro que se discute nos presentes autos.
De entre as várias ajudas técnicas, o autor adquiriu uma prótese transfemural com interface em silicone, joelho hidráulico com controle por microprocessadores e módulo hidráulico de tornozelo-pé, bem como um conjunto de produtos de apoio como sendo adaptação do automóvel, banco de duche, barras de apoio no quarto e na sanita, bengala e cadeira de rodas manual.
Para além dos produtos de apoio já adquiridos pelo autor, os Técnicos do CRPG consideram, ainda, imprescindível para o bem-estar do autor a aquisição de um banco de apoio às actividades de higiene bem como uma cadeira de rodas eléctrica com comando de direcção manual.
Conforme resulta do quadro constante do relatório do aludido CRPG (pags 5/7) o custo com a aquisição dos novos produtos de apoio – banco de apoio à higiene, prótese transfemural de banho e cadeira de rodas eléctrica com comando de direcção manual tipo scotter - que se considera imprescindíveis a minorar o impacto do acidente na vida do autor, ascendem aos 11.550,00 €.
Sucede, porém, que as ajudas técnicas têm uma duração temporal limitada, necessitando de substituição a médio prazo – adaptações de automóveis cinco anos; cadeira de duche e barras de apoio dez anos; bengala um ano; cadeira de rodas manual e prótese transfemural com estrutura endosquelética com interface em silicone, joelho hidráulico com controle por microprocessadores e módulo hidráulico de tornozelo-pé três anos.
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2. CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES DE RECURSO
a. Com o devido respeito, o Apelante não concorda com o decidido, considerando que a sentença sob recurso errou na determinação das normas jurídicas aplicáveis, não se encontra devidamente fundamentada de facto e de direito, não tendo sido efectuado o correcto enquadramento dos factos ao direito aplicável.
b. Da conjugação dos documentos juntos aos autos, da posição assumida pelos RR nas contestações, bem como da prova produzida em audiência de julgamento, o Tribunal recorrido nunca poderia ter decidido da forma que o fez.
c. A douta sentença em crise considerou que os seguros titulados pelas apólices n.ºs ../..... e ............... são contratos de seguro de acidentes pessoais facultativos.
d. Os seguros titulados pelas apólices n.ºs ../..... e ............... foram celebrados pela Federação Equestre Portuguesa e pela Associação Portuguesa de Atrelagem, enquanto tomadores de seguro.
e. Tais contratos de seguros destinavam-se a cobrir os riscos inerentes à prática desportiva amadora federada relativamente à 1ª Ré e à prática desportiva não profissionalizada de atrelagem no que tange à 2ª Ré.
f. Os contratos são de seguro desportivo obrigatório, celebrados ao abrigo do Decreto-lei n.º 10/2009, de 12.01, como, aliás, resulta expressamente indicado no texto dos contratos junto aos autos.
g. O autor/Apelante aderiu aos seguros de seguro desportivo obrigatório, titulados pelas apólices n.ºs ../..... e ..............., pois enquanto praticante de desporto equestre a isso estava obrigado.
h. O acidente que o Apelante sofreu, em 01.06.2013, ocorreu no âmbito da prova desportiva - “Concurso Internacional de Atrelagem de Tradição” -, promovido pela Federação Equestre Portuguesa.
i. Foi no âmbito da prática do desporto equestre, que se produziu o acidente de que foi vitima o Apelante e que estava, à data, coberto pelo seguro obrigatório, nos termos do Decreto-Lei nº 10/2008, cobrindo, entre outros, os riscos de acidentes pessoais inerentes à prática desportiva.
j. Os contratos junto aos autos, a que o Apelante aderiu, são de acidentes pessoais desportivos e são obrigatórios.
k. O seguro desportivo obrigatório cobre os riscos de acidentes pessoais, inerentes à actividade desportiva, incluindo os decorrentes dos transportes e viagens em qualquer parte do mundo.
l. O Apelante para participar no concurso internacional de atrelagem de tradição, bem como em todos os eventos organizados quer pela Federação Equestre Portuguesa, quer pela Associação Portuguesa de Atrelagem, tinha que subscrever o seguro desportivo obrigatório.
m. À data em que ocorreu o acidente infortunístico do Apelante o risco estava coberto pela Apólice nº ../....., subscrito á 1ª Ré/Apelada e pela Apólice nº ..............., subscrito á 2ªRé/Apelada.
n. O acidente de que foi vítima o Apelante foi devida e atempadamente participado às RR/Apeladas, pelas tomadoras dos seguros, in casu a Federação Equestre Portuguesa e a Associação Portuguesa de Atrelagem.
o. Na sequência da participação do sinistro pela Associação Portuguesa de Atrelagem a 2ª Ré/Apelada considerou o acidente que sofreu o Apelante aceite e enquadrado e liquidou a quantia de 4.950€, deduzida a franquia de 50€, valor relativo a despesas de tratamento.
p. A 2ª Ré/Apelada considerou que o Apelante ficou a padecer de uma incapacidade permanente parcial de 55%, tendo colocado á sua disposição a quantia de 13.750€, relativa ao valor da indeminização por “Incapacidade permanente parcial”, posição que ainda mantém.
q. Na sequência da participação do sinistro pela Federação Equestre Portuguesa a 1ª Ré/Apelada aceitou o sinistro e considerou-o enquadrado no contrato titulado pela apólice n.º ../......
r. O Apelante, em 10.09.2014, foi submetido avaliação do médico da 1ª Ré/Apelada tendo o mesmo concluído por um incapacidade parcial permanente de 70%, conforme resulta do relatório junto aos autos pela 1ª Ré, em 04.05.2017.
s. As RR/Apeladas nunca impugnaram o direito do Apelante a ser indemnizado pela incapacidade parcial permanente de que ficou a padecer por força do acidente infortunístico.
t. Do acidente de que foi vítima o Apelante resultou como consequência directa uma fractura exposta do fémur direito que, devido lesão vascular sem recuperação, determinou a amputação, bem como a fractura exposta do fémur esquerdo e da rotula esquerda, tendo sido submetido a encavilhamento do fémur e cerclage da rotula e dois fios de kirshner.
u. O acidente que o Apelante padeceu determinou-lhe três meses de internamento e diversas intervenções cirúrgicas e um défice permanente da integridade físico-psíquica fixável em 55 pontos.
v. As lesões sofridas pelo Apelante são graves e irreversíveis e condicionam a sua vida, limitando a autonomia e provocando um sofrimento profundo e uma forte angústia psicológica, impedindo-o de ser, até ao final dos seus dias, uma pessoa activa, empreendedora realizada, que era até ao fatídico dia 01 de junho de 2013.
w. O Apelante necessita de tratamentos fisiátricos por tempo indeterminado, e ajudas técnicas, adaptações na sua residência e no automóvel, para minorar o impacto do acidente na sua vida, que tem vindo a suportar a expensas próprias, bem como terá ainda de obter equipamentos de apoio no montante de 11.550€, conforme refere o relatório do Centro de Reabilitação Profissional de Gaia, inserido no Relatório Pericial do Instituto de Medicina Legal do Porto.
x. O Apelante aderiu a um seguro desportivo obrigatório na firme convicção que estava protegido pelo risco decorrente da sua actividade desportiva e que, em caso de acidente que determinasse qualquer tipo de incapacidade, iria ser indemnizado no valor constante dos contratos de seguro.
y. Os termos e as coberturas mínimas que devem constar do contrato de seguro desportivo estão previstos no artigo 5º do referido Decreto-Lei n.º 10/2009 de 12.01, que considera como riscos - “acidentes pessoais inerentes à respectiva actividade desportiva, nomeadamente os que decorrem dos treinos, das provas desportivas e respectivas deslocações, dentro e fora do território português”.
z. As coberturas mínimas a que alude o referido art.º 5º do Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12.01, referem-se a “… morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da actividade desportiva”, como é a situação sub Júdice.
aa. No caso do seguro de acidente desportivo obrigatório não está em causa, como erroneamente interpretou o Tribunal Ad quo, a perda do ganho para o trabalho, mas sim a incapacidade permanente que o Apelante ficou a padecer, por força das lesões sofridas com o acidente infortunístico.
bb. O Tribunal Ad quo socorre-se da jurisprudência constante do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/09/2008 que, salvo melhor entendimento, reporta-se a seguro de vida que não se confundem com os seguros de acidentes pessoais obrigatórios, como é caso dos presentes autos.
cc. O Apelante alegou que as RR/Apeladas não o informaram do conteúdo das condições dos contratos, os quais só teve conhecimento integral com a notificação das contestações, consubstanciando-se, para si, em contratos de adesão.
dd. Facto este que a douta sentença considerou que “…Na situação em apreço, alegada a falta de comunicação e informação pelo autor, não provaram as rés que tais comunicações tivessem sido efectuadas e que o autor houvesse sido informado das definições de invalidez permanente constante das clausula do contrato de seguro…”, concluindo o Tribunal Ad quo por considerar que o autor/Apelante “… a ela não aderiu…”.
ee. O Apelante limitou-se a aderiu a um seguro desportivo obrigatório, sem ter intervenção ou conhecimento do conteúdo do seu clausulado, apenas lhe foram facultados pelas Rés/Apeladas o “Manual de Procedimento e Serviços Médicos Convencionados – Federação Equestre Portuguesa” (documento n.º 3, junto com a pi) e a Ata n.º 2 (documento n.º 15, junto com a pi).
ff. O Apelante, em face dos documentos disponibilizados pelas RR/Apeladas, estava convicto de que em caso de acidente no decurso de uma prova desportiva, promovida pela Federação Equestre Portuguesa e/ou Associação Portuguesa de Atrelagem teria direito em caso de morte ou invalidez permanente, total ou parcial, ao capital constante dos documentos nºs 3 e 15 juntos com a pi.
gg. Na verdade, um indivíduo sem conhecimentos técnico-jurídicos e sem qualquer esclarecimento ou informação, depreenderia que, verificando-se qualquer um dos eventos – Morte ou Invalidez Permanente –teria direito a receber da 1ª Ré/Apelada a quantia de 25.350€ e da 2ª Ré/Apelada a quantia de 25.000€, ou seja, o pagamento do capital por invalidez permanente total ou parcial, por acidente decorrente da actividade desportiva.
hh. As RR/Apeladas não invocaram e, muito menos provaram, que prestaram o dever de informação ao tomador do seguro, não podendo o Tribunal Ad quo presumir, como fez, que tal dever de informação foi prestado.
ii. No caso concreto, não tendo sido feita prova pelas RR do dever de informação junto dos tomadores dos seguros é inoponível ao Apelante o art.º 78º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
jj. O seguro de adesão é um conjunto de cláusulas previamente elaboradas e que são insusceptíveis de qualquer alteração por parte do segurado/aderente, estando limitada a liberdade contratual do aderente que apenas pode aderir ou não.
kk. O Apelante não foi previamente informado das condições das apólices dos seguros que subscreveu com as 1ª e 2ª Rés /Apeladas, não tendo sido as cláusulas constantes dessas mesmas apólices objecto de qualquer negociação por parte do Apelante.
ll. O Apelante aderiu a um seguro desportivo obrigatório, tendo esse seguro sido celebrado com o recurso a cláusulas padronizadas, previamente elaboradas pelas 1ª e 2ª Rés/Apeladas, na convicção que o risco estava coberto.
mm. Se o Apelante tivesse conhecimento de qualquer cláusula limitativa dos seus direitos, não teria subscrito o seguro junto das 1ª e 2ª Rés/Apeladas, atendendo que é praticante de uma actividade desportiva que envolve riscos, e que, no caso de ser vítima de um acidente, como aconteceu, não seria ressarcido pelos danos de que viesse a padecer.
nn. As Rés/Apeladas não lograram provar que prestaram toda a informação aos tomadores dos seguros, não se podendo concluir, como fez a douta sentença que essa informação tivesse sido prestada. Na dúvida, a interpretação deve ser favorável à parte mais fraca do contrato de seguro, que aqui é manifestamente o Apelante.
oo. Quanto aos danos não patrimoniais peticionados pelo Apelante o Tribunal Ad quo, de forma lacónica e insuficientemente fundamentada, considerou, sem mais, que os contratos não abrangem os danos não patrimoniais.
pp. Os danos não patrimoniais não estão excluídos nem dos contratos nem da lei, não existe qualificação da natureza do dano indemnizável e, como tal, não existe exclusão de que o dano a cobrir seja de natureza não patrimonial.
qq. O seguro aqui em causa visa uma cobertura aplicada ao risco – trata-se de um seguro de pessoas que cobre os riscos relativos à integridade física dos praticantes desportivos – não exclui que se indemnizem danos não patrimoniais, desde que estes, como refere a parte final do nº 1 do artigo 496º do CC “… pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
rr. A cobertura de danos não patrimoniais em sede de responsabilidade pelo risco é genericamente aceite pela doutrina, designadamente, entre outros, Mário Júlio de Almeida Costa que refere: “quanto à responsabilidade civil pelo risco, a solução logo decorre de se lhe estenderem [à responsabilidade pelo risco], na parte aplicável, as disposições respeitantes à responsabilidade por factos ilícitos (artigo 499º [do CC]” in (Direito das Obrigações, 11ª ed., revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2008, p. 603).
ss. Na mesma senda verte o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/07/2014, proferido no proc. n.º 1118/2002.L1.2, Relator Olindo Geraldes, disponível em www.dgsi.pt que refere “….Na sentença recorrida, foi arbitrada a indemnização, por danos não patrimoniais, no valor de € …………. a Apelante, no entanto, discordou da atribuição dessa indemnização, por, no seu entendimento, o seguro de acidentes desportivos não contemplar a cobertura dos danos de natureza não patrimonial. O art. 4.º, n.º 1, do DL n.º 146/93, contudo, não exclui a atribuição da indemnização por danos não patrimoniais, isto é, aqueles danos que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito – art. 496.º, n.º 1, do Código Civil (CC). Na verdade, a lei, quanto ao contrato de seguro desportivo, que cobre, por um lado, o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, e, por outro, o pagamento de despesas de tratamento, incluindo hospitalar, e de repatriamento, não distingue entre o dano patrimonial e o dano não patrimonial. Não distinguindo a lei, também o intérprete não pode distinguir, sob pena de subversão do espírito do legislador. Este, quando entendeu diferenciar, fê-lo claramente, como sucedeu no âmbito das exclusões, no seguro obrigatório, ou da garantia material do Fundo de Garantia Automóvel, em cujas normas se referem, especificamente, os “danos materiais” por contraposição aos danos não patrimoniais (arts. 14.º e 49.º do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto). Deste modo, contemplando o seguro desportivo também a reparação dos danos não patrimoniais, apresenta-se justa e legal a atribuição da indemnização por danos não patrimoniais, assente na responsabilidade objectiva, resultante do seguro desportivo….”
tt. Os danos sofridos pelo Apelante em consequência do infortunístico acidente são graves e irreversíveis, comprometendo, em definitivo, a sua autonomia e qualidade de vida até ao final dos seus dias, pelo que merecem, pela sua gravidade, serem tutelados do direito.
uu. Por tudo isto, a Douta Sentença violou as normas constantes do Decreto-lei n.º 10/2009, de 12.01, os artigos 138º, n.º 2 e 146º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10 e o n.º 1 do art.º 496º do Código Civil, pelo que deve ser revogada.
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3. DISCUSSÃO
3.1. Começa o recorrente por sublinhar que os seguros em causa nos autos são obrigatórios e não facultativos. Com razão. Se bem que a relevância de tal circunstância será bem menor do que a que daí se pretendeu extrair.
Assim, não nos parece que a senhora juiz a quo tenha trilhado o melhor caminho, ao considerar que os contratos em apreço apenas abarcassem indemnização por invalidez total e absoluta. Ambos se reportam a invalidez permanente. A qual, como sabemos, tanto pode ser total como parcial. Nem outra coisa seria de esperar, dado que, ao contrário do expendido na sentença, estamos perante seguro obrigatório, modelado nos seus aspectos essenciais pelo regime legal respectivo. Qual seja o do DL 10/2009, de 12 de Janeiro (Regime Jurídico do Seguro Desportivo Obrigatório). Que, no seu artigo 5º, sob a epígrafe “coberturas mínimas”, dispõe que «o seguro desportivo cobre os riscos de acidentes pessoais inerentes à respectiva actividade desportiva, nomeadamente os que decorrem dos treinos, das provas desportivas e respectivas deslocações, dentro e fora do território português» (nº 1). Prevendo, entre as coberturas abrangidas pelo seguro, o «pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da actividade desportiva» (nº 2, alínea a). Mais se acautelando expressamente no artigo 6º que «as apólices de seguro desportivo não podem conter exclusões que, interpretadas individualmente ou consideradas no seu conjunto, sejam contrárias à natureza da actividade desportiva ou provoquem um esvaziamento do objecto do contrato de seguro». Preceito que se considerou estruturante, merecendo referência expressa no preâmbulo do diploma que aprovou o regime. Sendo certo que este esvaziamento do objecto só se pode reportar a estipulações que contrariem o regime que resulta daquela lei. Pelo que, mesmo que os contratos contivessem disposições que restringissem a responsabilidade aos casos de invalidez permanente total, tal exclusão da invalidez parcial seria uma cláusula nula. De qualquer modo, dos contratos em apreço nada consta que afaste expressamente essa responsabilidade.
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3.2. E, a existir uma tal cláusula, teria a mesma de ser excluída.
Na verdade, nesse particular se discordando do pela recorrida C... sustentado, não parece que, nos seguros de grupo, as obrigações de comunicação e de informação ao segurado das cláusulas de contratos não negociados impenda tão só sobre o tomador, que não também sobre a seguradora. No que concerne aos fundamentos de tal entendimento, remetemos por facilidade para o que aduzimos no por nós subscrito recente acórdão desta Relação do Porto de 27 de Setembro de 2018, in www.dgsi.pt. Cujo sumário transcrevemos – “I - O artigo 8º do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, aplicável a cláusulas contratuais não negociadas, dispõe que se «consideram excluídas dos contratos singulares: a) as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º; b) as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo». II - A obrigação que, nos seguros de grupo, nos termos primitivamente estabelecidos no artigo 4º, nº 1, do DL nº 176/95, de 26 de Julho, e ora constantes do artigo 78º, nº 1, do DL nº 72/2008, de 16 de Abril, impende sobre o tomador, de informar «os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador», tem uma eficácia confinada às relações deste com o tomador, não valendo como uma transferência de tal dever, que desresponsabilize o segurador perante os segurados, impedindo estes de lhe oporem a exclusão de cláusula não informada.”
Face ao que, mesmo que as cláusulas supra aludidas devessem ser interpretadas no sentido de abarcarem tão só a invalidez total, sempre haveria a obrigação de as comunicar e de as explicar ao autor. Ora, como resulta da matéria de facto provada, as rés não cumpriram tal dever. O que arrostaria a exclusão das mesmas do contrato.
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3.3. Aliás, a interpretação por nós sufragada, contrária à pela qual a senhora juiz a quo enveredou, foi também a da ré D..., que se dispôs a pagar ao autor o capital do seguro. Ou melhor, o correspondente ao resultado da aplicação ao capital de 25.000,00 € da percentagem de incapacidade de 55%. E aqui passamos a abordar a segunda questão que interessa à decisão.
Efectivamente, não nos parece curial a redução do capital a pagar ao segurado por referência à percentagem da incapacidade que o afecta. Não sendo esse seguramente o sentido com que deve ser interpretado o artigo 16.º do diploma supra aludido que, sob a epígrafe «coberturas mínimas abrangidas pelo seguro desportivo», dispõe na alínea d) que este garante «invalidez permanente parcial – 25.000,00€, ponderado pelo grau de incapacidade fixado». Julgamos que a referência ao grau de incapacidade não passa de uma alusão genérica ao juízo de valor ínsito na avaliação da invalidez permanente parcial. Se não, resultaria incompreensível o mesmo limite mínimo de 25.000,00 € previsto para invalidez permanente absoluta, constante da alínea c) do mesmo artigo. Assim, o procedimento correcto passará pela prévia avaliação dos danos decorrentes da invalidez, absoluta ou parcial. Seguidamente se considerando o valor ponderado ou, caso ultrapasse o capital seguro, apenas este.
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3.4. A última questão que importa analisar é a relativa à cobertura do seguro abranger ou não o ressarcimento de danos morais. Tendo a sentença recorrida entendido que não. O que parece não ter qualquer fundamento válido. Desde logo porque, como é óbvio, da incapacidade permanente não resultam tão só danos patrimoniais. Nesse inequívoco sentido, o acórdão do STJ de 9 de Julho de 2018 (Olindo Geraldes), in www.dgsi.pt“Quanto ao contrato de seguro desportivo, que cobre, por um lado, o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, e, por outro, o pagamento de despesas de tratamento, incluindo hospitalar, e de repatriamento, não distingue entre o dano patrimonial e o dano não patrimonial. Não distinguindo a lei, também o intérprete não pode distinguir, sob pena de subversão do espírito do legislador. Este, quando entendeu diferenciar, fê-lo claramente, como sucedeu no âmbito das exclusões, no seguro obrigatório, ou da garantia material do Fundo de Garantia Automóvel, em cujas normas se referem, especificamente, os “danos materiais” por contraposição aos danos não patrimoniais (artigos. 14º e 49º do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto). Deste modo, contemplando o seguro desportivo também a reparação dos danos não patrimoniais, apresenta-se justa e legal a atribuição da indemnização por danos não patrimoniais, assente na responsabilidade objectiva, resultante do seguro desportivo”.
O que já não podemos é concordar com o recorrente, quando pretende que esses danos sejam pagos sem qualquer limitação. Na verdade, no prejuízo decorrente da invalidez que passou a afectar o segurado estarão necessariamente incluídos os danos morais por ele sofridos. Não sendo de os autonomizar, por essa via se procurando uma indevida e anómala ampliação do capital abrangido pelo seguro, cujo limite mínimo, nesse particular, se quis fixar nos 25.000,00 €.
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3.5. Compulsemos o pedido do autor, à luz do supra exposto.
Face à matéria de facto dada como provada nos autos, relativa ao grande desgosto e sofrimento que para o autor decorreu da amputação da perna direita e da perda de agilidade na perna esquerda, mesmo que indagássemos tão só qual o montante adequado ao ressarcimento dos danos morais que sofreu e continuará a padecer com essa relevantíssima incapacidade que o afecta, desprezando o cálculo dos danos patrimoniais desta decorrentes, sempre concluiríamos que o mesmo ultrapassaria largamente os 25.350,00 € e 25.000,00 € previstos nos contratos de seguro. E, ainda sem qualquer dúvida, os 50.350,00 € resultantes da consideração conjunta do capital dos dois contratos.
Assim sendo, impõe-se a alteração da sentença, devendo as rés ser condenadas a pagar ao autor o capital dos seguros concernente aos danos decorrentes de invalidez permanente.
A tais quantias, atenta a natureza da responsabilidade em causa, deverão acrescer juros vencidos após a citação, calculados à taxa legal, nos termos da previsão do artigo 805º, nº 3, do Código Civil.
Não se altera a condenação constante da alínea a) do dispositivo da sentença, aliás nem sequer questionada no recurso.
III
DISPOSITIVO
Acorda-se em, na procedência parcial do recurso, alterar a sentença recorrida, condenando:
A ré C..., SA, a pagar ao autor as quantias de
- 1.244,86 €, acrescida de juros de mora, contados desde 29 de Abril de 2014 e até integral pagamento, e ainda dos juros de mora que se venceram, desde 29 de Abril de 2014 até 3 de Novembro de 2014, sobre a quantia de 2.762,78 €;
- 25.350,00 €, acrescida de juros, calculados à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.
A ré D..., a pagar ao autor a quantia de 25.000,00 €, acrescida de juros, calculados à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.
No mais, absolvendo as rés do pedido.
Custas por recorrente e recorridas, na proporção do respectivo decaimento (autor - 62.845,41 / 114.440,27; 1ª ré – 26.594,86 / 114.440,27; 2ª ré 25.000,00 / 114.440,27)

Notifique.

Porto, 15 de Novembro de 2018
José Manuel de Araújo Barros
Filipe Caroço
Judite Pires