Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2382/17.6T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE RECEPÇÃO E TRANSMISSÃO DE ORDENS DE AQUISIÇÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS POR CONTA DE OUTREM
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
OBRIGAÇÕES
RISCO DE CRÉDITO
SOLVABILIDADE DO EMITENTE
DEVER DE INFORMAÇÃO
Nº do Documento: RP201805302382/17.6T8VNG.P1
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º135, FLS.88-112)
Área Temática: .
Sumário: I - A Relação pode, mesmo oficiosamente, reponderar a decisão sobre pontos da matéria de facto cuja decisão não foi impugnada pelo recorrente desde que isso seja necessário para eliminar a contradição com outros pontos alvo dessa impugnação e alterados pela Relação desde que tenha à sua disposição a totalidade dos meios de prova.
II - Constitui um contrato de recepção e transmissão de ordens de aquisição de valores mobiliários por conta de outrem a relação bancária particular de intermediação financeira através do qual o banco apresenta aos clientes um produto financeiro de valores mobiliários e após a decisão dos autores de subscrever o produto, recebe e transmite as respectivas ordens de subscrição por conta dos autores.
III - As obrigações são instrumentos financeiros que representam um empréstimo contraído junto dos investidores pela entidade que as emite; o adquirente das obrigações (obrigacionista) torna-se credor da entidade emitente do valor representado pelo título, acrescido de um prémio ou um rendimento periódico, nos termos estipulados na emissão do valor mobiliário.
IV - Qualquer instrumento financeiro contém o chamado risco de crédito, isto é, o risco de a entidade que emite o instrumento enfrentar dificuldades financeiras e/ou vir a ser declarada insolvente e o investidor não receber o valor investido e/ou os juros.
V - O intermediário financeiro não responde pela solvabilidade do emitente das obrigações, apenas responde pelo incumprimento dos seus deveres perante o cliente, designadamente o dever de informação.
VI - Só existe relação de causalidade adequada entre a falha nos deveres de informação do intermediário financeiro e o dano do cliente de perda do capital por insolvência do devedor se se demonstrar que se a informação tivesse sido a devida o cliente não teria adquirido o instrumento financeiro.
VII - Não basta que o intermediário financeiro tenha a obrigação de na sua actividade adoptar elevados padrões de diligência e de profissionalismo para concluir que qualquer falha por ele cometida é sempre devida a culpa grave; para o efeito deve ter-se em conta a gravidade e notoriedade da falha, a sua relevância para o objectivo normativo da disposição legal violada e a intensidade da violação dos deveres do intermediário financeiro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2382/17.6T8VNG.P1
Comarca do Porto
Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia
Recurso de Apelação

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório:
B…, divorciado, contribuinte fiscal n.º ………, residente em …, Vila Nova de Gaia, e C…, divorciada, contribuinte fiscal n.º ………, residente em Espinho, instauraram acção judicial contra o D…, S.A., actualmente o Banco E…, S.A., sociedade anónima com sede em Lisboa, pessoa colectiva n.º ………, terminando a petição inicial com a dedução do seguinte pedido:
- Condenação do réu a pagar aos autores: a) a quantia de €400.000,00, correspondente ao valor das obrigações “F…” subscritas pelo réu; b) a quantia de €61.527,36 da diferença dos juros remuneratórios, referentes ao período compreendido entre 2010 e a presente data, que os autores deveriam ter recebido e dos que lhes foram pagos; c) a quantia de €25.000,00, a título de danos não patrimoniais; d) juros moratórios vincendos desde a data de citação do réu até efectivo e integral pagamento.
Para o efeito, alegaram que em 2004 lhes foi proposto pelo réu fazer uma aplicação para rentabilização do valor de €400.000,00, tendo o réu decidido aplicar a totalidade do referido valor em obrigações “F…” sem o conhecimento dos autores, a quem não entregou previamente qualquer documentação informativa do produto, e sem que os autores tivessem dado qualquer ordem de subscrição do referido produto ao réu. Desse modo, o réu incumpriu as instruções que lhe tinham sido dadas pelos autores, desrespeitou aquele que sabia ser o perfil de investidor dos autores, violou os deveres que sobre ele impendiam nos termos do disposto nos artigos 73.º a 76.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro), em especial o dever de informação previsto no artigo 77.º, números 1 a 5, do RGISCSF, e ainda os deveres de diligência, lealdade e transparência, não prestou aos autores a informação que lhe competia prestar relativamente ao produto que se propôs subscrever em seu nome e prestou aos autores informação falsa sobre o reembolso do capital investido.
O réu contestou, por excepção e por impugnação, defendendo a improcedência da acção. Excepcionando, invocou a incompetência territorial do tribunal, a prescrição do direito dos autores, a caduc
dade do direito à anulabilidade do negócio por erro e o abuso do direito. Por impugnação, sustenta que não foi fornecida informação falsa aos autores, que estes conheciam o produto que estavam a comprar, que lhes foi dada informação cabal sobre as obrigações em causa, que estas tinham garantia de reembolso de capital, o que é diferente da garantia da solvabilidade do emitente das obrigações.
Os autores responderam às excepções, refutando-as.
Após julgamento foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente e condenando o réu a pagar aos autores a quantia de €400.000,00 correspondente ao valor das obrigações, e juros moratórios desde a citação até integral pagamento.
Do assim decidido, o réu interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I. A decisão a Mma. Juiz a quo violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290.º n.º 1 alínea a), 304.º-A e 312.º a 314.º-D e 323.º a 323.º-D do CdVM e 4.º, 12.º, 17.º e 19.º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 220.º, 232.º e 236.º, 483.º e ss., 595.º e 615.º do C.C.
II. O Ponto 8 da matéria de facto provada tem que passar a não provado, pois o testemunha supra transcrito (e que aqui se dá por reproduzido) e o extracto de conta junto com a contestação do Réu, permitem concluir que os AA. não eram clientes apenas de D.P.'s e que com regularidade subscreviam outras obrigações e fundos de investimento, assim como tinham até contas em offshores!
III. O que resulta do depoimento supra citado da testemunha (e que aqui se dá por reproduzido) não é nada do que resulta como provado nos pontos 16, 17 e 18 da matéria de facto provada, por isso, estes pontos têm que ser considerados não provados.
IV. De facto, a versão que consta naqueles pontos 16, 17 e 18 da matéria de facto provada aponta no sentido de que o funcionário do Banco Réu enganou propositadamente os autores convencendo-os e dando-lhes a entender que estes estavam a contratar um Depósito a prazo, para depois, à revelia da vontade destes, ir clandestinamente subscrever 8 obrigações F….
V. Porém, o que a testemunha afirma não é nada disso!
VI. A testemunha admite não ter dito aos autores que se tratava de obrigações mas afiançou ter-lhes entregue o prospecto da emissão e estes assinaram o Boletim de Subscrição.
VII. Por isso, quando muito, podemos estar a falar de informação em falta, mas nunca, como consta dos pontos 16, 17 e 18, de informação falsa, tendente a criar um logro aos autores.
VIII. Os pontos 46 e 47 têm que ser dados como não provados. Na realidade, a fls (requerimento Citius com a refª 26614485 de 28/08/2017) o Réu juntou os autos o boletim de subscrição devidamente assinado pelo A. marido, sem que este tivesse sequer impugnado o documento
IX. Da mesma forma, a própria testemunha G… - cunhado dos autores e seu gestor de conta - disse ter entregue ao Autor marido o prospecto da emissão obrigacionista (ver depoimento acima transcrito e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
X. O ponto 46 também se dado como não provado. A testemunha (única que sobre isto falou) G… nada disso que sequer se assemelhe ao nexo causal que é enunciado nesse artigo.
XI. O que a testemunha disse e repetiu é que se os autores soubessem que não iam receber o seu dinheiro, não teriam feito o investimento... Pois na realidade para os AA. o que era essencial para decidirem subscrever o mesmo era tratar-se de capital garantido (na acepção que a própria CMVM e o Banco de Portugal prevêem no site do plano nacional de formação financeira www.todoscontam.pt), ou seja de retorno de 100% do capital e juros no fim do prazo de investimento, e isso as obrigações asseguravam em abstracto, como ainda asseguram!
XII. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma aplicação segura semelhante a um depósito a prazo, configura a prestação de uma informação falsa.
XIII. Porém, tal afirmação do funcionário do Banco Réu não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.
XIV. De facto, o uso de uma tal expressão apenas se pode ter como referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.
XV. É utópico pretender ver nesta singela referência qualquer espécie de garantia absoluta de investimento. Até porque essa garantia não existe.
XVI. O investimento efectuado era um investimento seguro e não um investimento em qualquer "produto de risco".
XVII. Temos para nós por evidente que, à data da subscrição das Obrigações, o Intermediário Financeiro não tinha obrigação legal de informar o investidor sobre os riscos do instrumento financeiro subscrito (Obrigações) e que, mesmo actualmente (depois de entrar em vigor o D.L. 357-A/2007 de 31/10), o intermediário financeiro não está obrigado a informar o investidor acerca dos efeitos do risco de insolvência dos emitentes ou do mero risco de não retorno do capital investido na data de maturidade do investimento, ou sequer de analisar a robustez financeira do emitente.
XVIII. Em lado algum do CdVM se levou tão longe a obrigação do intermediário financeiro e se lhe impôs a obrigação de se assegurar que o investidor compreendeu a informação que lhe foi prestada.
XIX. O art. 312.º-A n.º 1 alínea c) obriga que a informação seja apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio. E este é um critério objectivo de prestar a informação.
XX. O destinatário médio é um destinatário com o cuidado, zelo, e atenção médios, colocado na situação do destinatário concreto, nomeadamente no que toca às capacidades, conhecimentos e experiência deste.
XXI. O A., estando como está na posse do prospecto da emissão das obrigações e da nota interna (que até juntou aos autos com a P.I.), entendeu necessariamente que se tratava de uma emissão obrigacionista e que tinha subscrito obrigações.
XXII. Não houve da parte do Banco Réu a prestação de qualquer informação falsa, ou a utilização de qualquer artifício falacioso ou subterfúgio ardiloso que fosse a apto a enganar o Autor.
XXIII. O que nos parece a nós é que, quando muito, houve da parte do Autor um erro espontâneo, mas nunca um erro provocado!
XXIV. De facto, se é certo que o Banco pode não ter informado o Autor marido com toda a extensão, não é menos certo que lhe possibilitou toda a panóplia de documentação onde o Autor poderia buscar essa informação, seja o próprio boletim de subscrição, seja mesmo o prospecto da emissão das obrigações !
XXV. E, pensamos que para alguém como Autor marido, que já tinha investido (e continuou a investir) em obrigações e até tinha contas bancárias em offshores, a informação oferecida é mais do que suficiente, se julgada de acordo com o critério legal da proporcionalidade inversa à da sua necessidade.
XXVI. A condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo Autor é manifestamente excessiva e não cumpre com a critério teoria da diferença prevista no art. 566.º n.º 2 do CC, uma vez que dá azo a que o Autor venha depois a receber o que lhe couber do emitente do título e que acrescerá ao valor da indemnização já porventura pago pelo Réu e equivalente ao montante por ele desembolsado na subscrição do valor mobiliário.
XXVII. O que se passa é que a falta de informação está agora a servir de bode expiatório a um investimento que se veio a revelar ser um mau investimento.
XXVIII. Assim, ou o Autor alegava e provava que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teria realizado o investimento, ou então, tem que arcar com as normais consequências de um investimento que se tornou ruinoso, pois não há forma de corrigir a titularidade do risco, pela responsabilidade - the risk lies where it falls.
XXIX. A censura da conduta do Banco Réu nunca poderá ser reconduzida a um dolo ou a uma culpa grave.
XXX. O funcionário do Banco Réu nem sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria se estivesse devidamente informado.
XXXI. O funcionário do Banco Réu estava absolutamente convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do Autor.
XXXII. Uma tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência - a negligência inconsciente -, pois revela que o agente agiu por imprevidência, descuido, imperícia ou ineptidão, não chegando sequer a conceber a possibilidade do facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida.
XXXIII. Esta graduação da culpa do intermediário financeiro tem particular interesse, sobretudo em sede da prescrição, pois o art.º 324.º do CdVM permite o advento mais precoce da prescrição nos casos em que, como o presente, não há dolo ou culpa grave.
XXXIV. De facto, de acordo com os pontos 30.º e 32.º da matéria de facto provada, parece-nos evidente e manifesto que o Autor sabe, pelo menos desde Novembro de 2008, “da conclusão do negócio e dos respectivos termos” (art. 324.º n.º 2 do CdVM), máxime das exactas características do produto.
XXXV. Não obstante, a acção apenas foi proposta em 16 de Março de 2017. E portanto já se encontrava prescrita qualquer putativa responsabilidade do Banco Réu.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e a sentença recorrida substituída por outra que, julgando a acção integralmente improcedente, faça a mais inteira e sã justiça.
O réu juntou ainda dois pareceres jurídicos, subscritos respectivamente pelos Srs. Prof. Drs. Pinto Monteiro e Menezes Cordeiro.
A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado, formulando a propósito as seguintes conclusões:
I. Não assiste qualquer razão ao Recorrente em nenhuma (!) das críticas que lança à douta sentença recorrida que, no que respeita ao concreto âmbito objectivo do presente recurso, é inatacável.
Da impugnação da matéria de facto
Quanto ao ponto 8) dos factos provados.
II. Os factos dados como provados nos pontos 5) a 12) da douta sentença recorrida reportam-se, todos eles, à relação estabelecida entre os Recorridos e o D… desde a sua génese, em 30 de agosto de 2002, até Outubro de 2004, quando foram subscritas as obrigações "F…".
III. Tais factos atestam o histórico conservador dos produtos subscritos pelos Recorridos até Outubro de 2004 junto do Recorrente, demonstrando que aqueles eram clientes tradicionais, não qualificados, e sem conhecimento das características essenciais dos produtos financeiros habitualmente comercializados pelas instituições de crédito.
IV. O juízo formulado na douta sentença recorrida relativamente ao facto dado como provado sob o ponto 8) é inatacável, porque tem absoluto respaldo nos meios probatórios constantes do processo, de registo, ou da gravação nele realizada, em concreto:
(i) no requerimento apresentado pelo Recorrente aos presentes autos, em 28 de agosto de 2017, no qual informou que os Recorridos não subscreveram qualquer outro instrumento financeiro em data anterior à subscrição das obrigações subordinadas "F…";
(ii) no extracto da conta de depósito à ordem junto pelo Recorrente como documento número 1 com a contestação, donde resulta que, até ao dia 25 de Outubro de 2004, nunca os Recorridos subscreveram quaisquer obrigações ou participações em fundos de investimento;
(iii) no depoimento da testemunha G…, ex-funcionário do Recorrente, gerente do balcão do D… em …, que assegurou, com razão de ciência decorrente da circunstância de ser gestor da conta dos Recorridos, que, entre 2002 e Outubro de 2004, nunca estes contrataram ou subscreveram junto do D… qualquer produto ou aplicação diversos de depósitos a prazo;
(iv) no depoimento da testemunha H…, que confirmou ao Tribunal que os Recorridos eram e são clientes bancários conservadores, de depósitos a prazo.
Quanto aos pontos 16), 17) e 18) dos factos provados.
V. Por referência à impugnação que faz dos pontos 16), 17) e 18) dos factos provados, o Recorrente não deu integral cumprimento ao ónus de alegação previsto no artigo 640.º, números 1, alínea b), e 2, alínea a), do CPC, o que deverá ter como consequência a rejeição, nesta parte, do recurso interposto.
VI. A testemunha G… depôs em audiência de julgamento que, até 2004, os Recorridos apenas constituíram depósitos a prazo, nunca tendo subscrito qualquer outra aplicação financeira.
VII. A referida testemunha admitiu que, quando contactou os Recorridos em outubro de 2004, informou-os de que tinha um produto com capital garantido, e com uma boa rentabilidade, não os tendo informado, contudo, de que se tratavam de obrigações subordinadas "F…".
VIII. A mesma testemunha asseverou igualmente que os Recorridos estavam absolutamente convencidos de terem aplicado as suas economias num depósito a prazo a dez anos, com capital garantido, e com a possibilidade de mobilização antecipada.
IX. Os meios probatórios vindos de indicar, conjugados com as regras da experiência comum, impunham, portanto, que o Tribunal a quo decidisse como decidiu relativamente aos factos que deu como provados sob os pontos 16), 17) e 18).
X. Ademais, salienta-se que o boletim de subscrição que terá sido entregue pelo D… aos Recorridos após a subscrição consta de papel timbrado do próprio Recorrente, e que dele não consta expressamente que as obrigações em causa sejam da F1…, S.A. e não do próprio D….
XI. A decisão tomada relativamente aos referidos pontos 16), 17) e 18) dos factos provados constitui-se, portanto, e no limite, como uma verdadeira ilação necessária, com assento nos pontos 7), 8), 9), 10), 19), 20) e 21) dados como factos provados pela douta decisão recorrida.
Quanto aos pontos 43) e 44) dos factos provados.
XII. No entender do Recorrente, a douta decisão recorrida não devia ter dado como provados os factos provados 43) e 44).
XIII. Trata-se de mais uma censura apontada pelo Recorrente à decisão da matéria de facto que não tem qualquer fundamento.
XIV. Resultou absolutamente claro e inequívoco do depoimento da testemunha G… que, em Outubro de 2004, este não informou os Recorridos de que o produto que lhes estava a propor que subscrevessem eram obrigações subordinadas emitidas pela F1…, S.A..
XV. Tanto assim que os Recorridos ficaram convencidos que tinha constituído um depósito a prazo, que podiam, a qualquer momento, mobilizar.
XVI. Pergunta-se: como podiam os Recorridos conhecer detalhadamente as características das obrigações "F…" se eram, exclusivamente, clientes de depósitos a prazo, e se o D… nem sequer os informou de que o produto em que os estava a convidar a investirem as suas economias eram obrigações subordinadas emitidas por uma entidade terceira?
XVII. A testemunha G… afirmou ainda que, quer a entrega do prospecto, quer a assinatura do boletim de subscrição, ocorreram em data posterior à subscrição em si mesma.
XVIII. Esse o motivo que levou o Tribunal a quo a dar como provado que, na data em que as obrigações "F…" foram subscritas, os Recorridos não conheciam as características do produto financeiro - facto provado sob o ponto 42) - o que não foi objecto de recurso pelo Recorrente.
XIX. É curioso que o Recorrente não tenha junto aos presentes autos o prospecto de emissão disponibilizado pelo D… aos seus clientes, do qual pretende retirar que todas as informações sobre as características do produto constavam dele e foram comunicadas aos Recorridos, quando o ónus da prova do efectivo cumprimento do dever de informação impendia sobre ele [Recorrente]!
XX. Conjugando a prova documental junta aos autos, conclui-se que, na data aposta ao boletim de subscrição, os Recorridos não tinham, na conta à ordem de que eram titulares junto do D…, o valor de Eur. 400.000,00 (quatrocentos mil euros)!
XXI. Os testemunhos de H… e I… - o primeiro, ex funcionário do D… e, actualmente, funcionário do Recorrente; o segundo, ex-funcionário do D… e do Recorrente - foram também decisivos para o Tribunal a quo formar a sua convicção sobre a circunstância de o D… ter dado instruções aos seus funcionários para comercializarem as obrigações subordinadas "F…" como se de um depósito a prazo se tratasse, com garantia de pagamento religioso na data de vencimento.
Quanto ao ponto 46) dos factos provados.
XXII. Ao contrário do que o Recorrente pretende fazer crer, o juízo formulado pelo Tribunal a quo a respeito do facto dado como provado no ponto 46) dos factos provados tem total respaldo no depoimento da testemunha G….
XXIII. A referida testemunha depôs em audiência de julgamento que, até 2004, os Recorridos eram exclusivamente clientes de depósitos a prazo, que se preocupavam com a garantia do capital que aplicavam em tais depósitos e com a possibilidade de o mobilizarem antes do prazo.
XXIV. Foi porque as chefias do D… lhe passaram a informação que as obrigações "F…" não eram diferentes de um depósito a prazo que a testemunha contactou os Recorridos, dizendo-lhes que tinha o produto ideal para aqueles aplicarem as suas economias.
XXV. Questionado directamente sobre se os Recorridos teriam subscrito obrigações subordinadas da F1…, S.A. se este os tivesse informado que era esse produto em concreto que lhes estava a propor, a testemunha respondeu que aqueles não o fariam.
XXVI. O mesmo depôs a testemunha H…, ainda hoje funcionário do Recorrente.
Da impugnação da matéria de direito
XXVII. O artigo 800.º, número 1, do Código Civil estabelece que "[o] devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais factos fossem praticados pelo próprio devedor".
XXVIII. A actuação do gerente de balcão G… vinculou o D… nos seus precisos termos, responsabilizando-o pelos eventuais incumprimentos - incluindo cumprimentos defeituosos - perpetrados por aquele.
XXIX. O Recorrente admitiu, nas suas alegações de recurso, que decorreu da prova produzida nos autos que o seu funcionário G… não informou os Recorridos de que o produto que lhes estava a propor que subscrevessem eram obrigações subordinadas "F…", emitidas pela F1…, S.A..
XXX. Tendo por base a matéria de facto dada por provada pelo Tribunal a quo - de entre a qual se destacam as circunstâncias de o D… ter proposto aos Recorridos a subscrição de uma aplicação financeira; de o D… não ter informado os Recorridos que o produto em causa eram obrigações subordinadas "F…"; e de o D… ter informado que o produto tinha capital garantido -, é inquestionável que o Recorrente foi bem condenado no pagamento do valor de Eur. 400.000,00 (quatrocentos mil euros) aos Recorridos.
XXXI. Em 2004, o D…, enquanto instituição de crédito, estava vinculada à disciplina prevista no Regime Geral das Instituições de Crédito, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (RGIC), em particular aos deveres consagrados nos artigos 73.º a 75.º, todos destinados a proteger a confiança dos clientes dos bancos nas informações que estes lhes prestam.
XXXII. As referidas normas são a concretização especial, para a actividade bancária em concreto, das obrigações previstas, em termos gerais, no número 1 artigo 227.º do Código Civil.
XXXIII. A violação, pela instituição de crédito, dos deveres de informação e das regras de boa-fé na negociação e na formação do contrato bancário gera responsabilidade civil e, consequentemente, obrigação indemnizatória.
XXXIV. A factualidade dada como provada traduz, da parte do D…, a existência e a prática de uma actividade de intermediação financeira.
XXXV. Nos termos do disposto no artigo 314.º, número 1, do Código dos Valores Mobiliários - na versão em vigor na data da prática dos factos -,"[o]s intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes seja imposta por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública."
XXXVI. O número 2 do citado 314.º estabelece uma presunção de culpa do intermediário financeiro.
XXXVII. Os intermediários financeiros estão vinculados aos deveres inerentes ao exercício da actividade em sentido próprio, com destaque para aqueles decorrentes dos princípios orientadores consagrados no artigo 304.º do Código dos Valores Mobiliários (CdVM), como os ditames da boa fé, elevado padrão de diligência, lealdade e transparência.
XXXVIII. E, de outro, os deveres de informação, tal como consagrados nos artigos 7.º e 312.º, ambos do CdVM.
XXXIX. Como bem explicou o Supremo Tribunal de Justiça em aresto proferido em 12 de Janeiro de 2017, no processo n.º 428/12.3TCFUN.L1.S1: "[a] densidade do dever de informação resulta tanto das características do produto financeiro que o intermediário financeiro tem, obrigatoriamente, de fornecer ao cliente, como da necessidade de suprimento da insuficiência de conhecimento ou experiência revelada pelo cliente. O dever de informação, com semelhante densidade, pressupõe da parte do intermediário financeiro um comportamento activo, não podendo limitar-se à simples satisfação de eventuais pedidos de esclarecimento solicitados pelo cliente, num significativo reconhecimento da complexidade do mercado de capitais e da necessidade de salvaguardar a confiança dos investidores, condição fundamental para a sustentação e desenvolvimento de tal mercado, assim como as suas poupanças. Como reconhece a doutrina, a informação deve ser técnico jurídica, simples, directa e eficaz (A. Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 3.â edição, 2006, pág. 291).".
XL. Dúvidas não podem restar de que, ao actuar como actuou para com os Recorridos, o Recorrente violou efectivamente os deveres que sobre si impendiam no quadro legal vigente em 2004 porquanto:
(i) quando, em 2004, o D… propôs aos Recorridos a subscrição de uma aplicação financeira, não os informou de que o produto em causa eram obrigações subordinadas "F…", emitidas pela F1…, S.A. (nem sequer eram obrigações do próprio D…);
(ii) informou os Recorridos de que o retorno do capital estava garantido aquando do vencimento da aplicação e que estes podiam mobilizar o capital investido durante o prazo;
(iii) não entregou aos Recorridos, antes da subscrição, o denominado prospecto de emissão, avançando para a aquisição do produto sem que os Recorridos tivessem subscrito o boletim de subscrição que, nos termos definidos pelo próprio D…, constituía procedimento obrigatório de subscrição.
(iv) até essa data, os Recorridos nunca haviam subscrito, junto do D… quaisquer produtos ou aplicações financeiras diversas de depósitos a prazo.
XLI. Ao assim proceder, o D… inobservou, de uma assentada, os mais elementares princípios orientadores da actividade de intermediação financeira, assim como os deveres de informação que sobre si impendiam
XLII. A comercialização de um produto financeiro nestas condições envolve que a garantia prestada pelo intermediário financeiro seja também - ou sobretudo - do próprio D….
XLIII. Ao propor, nos termos em que o fez, a aquisição de um activo financeiro com a informação de capital garantido, o D… responsabilizou-se pelo reembolso do capital investido pelos Recorridos.
XLIV. Estes os factos inegavelmente ilícitos praticados pelo D….
XLV. Os quais foram praticados a título culpa (!), o que resulta da prova produzida, designadamente da circunstância de o Recorrente nem sequer ter dado cumprimento às regras por si fixadas para a subscrição do produto, adquirindo-o sem prestar informação completa aos Recorridos e sem estes assinarem qualquer boletim de subscrição.
XLVI. O artigo 304.º, n.º 2, do CdVM introduziu um novo padrão de aferição da culpa que transcende, na sua exigência, o do bom pai de família constante do artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, ex vi artigo 799.º, n.º 2, mesmo codex.
XLVII. No que concerne ao nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei, nomeadamente dos deveres de informação a que o D… estava obrigado, e os danos que os Recorridos alegam ter sofrido e cujo ressarcimento reclamam, parece não haver dúvidas quanto à conexão, porquanto é certo, da prova produzida -, que se o D… tivesse informado os Recorridos que o produto que lhes estava a propor não era um depósito a prazo mas obrigações "F…", aqueles nunca teriam subscrito o produto. O mesmo se passaria se o D… não tivesse dado garantia do retorno do capital investido no final do prazo da aplicação: os Recorridos nunca teriam subscrito obrigações subordinadas da F1….
Por tudo,
XLVIII. É apodíctico que o D… deve ser responsabilizado, como foi em sede de primeira instância, pelos danos que causou aos Recorridos ao não cumprir as obrigações de lealdade, boa fé e de informação que sobre si impendiam.
XLIX. O Recorrente admite ter agido com "imprevidência, descuido, imperícia ou ineptidão" quando violou os deveres de boa-fé, lealdade e informação que lhe são imputados nos presentes autos, tentando daí retirar, a seu favor, que a sua responsabilidade enquanto intermediário financeiro já prescreveu nos termos do disposto no artigo 324.º, número 2, do CdVM.
L. Ora, o Recorrente violou os ditames da boa-fé e da lealdade, e o dever de informação que sobre si recaem enquanto instituição de crédito -artigos 73.º a 76.º do RGIC - e intermediário financeiro - artigos 7.º e 312.º do CdVM - o que, tudo, o fez incorrer na responsabilidade de indemnizar os Recorridos por via do disposto nos artigos 762.º, números 1 e 2, do Código Civil, e 314.º do CdVM.
LI. O prazo ordinário de prescrição da responsabilidade civil contratual é, nos termos do disposto no artigo 309.º do Código Civil, de vinte anos.
LII. O prazo previsto no artigo 324.º, número 2, do CdVM só se aplica quando o intermediário financeiro haja actuado com culpa leve.
LIII. Quando actue com dolo ou culpa grave, aplica-se o prazo prescricional geral de vinte anos.
LIV. Todas violações de obrigações e deveres dados como provados nos presentes autos têm de ser imputados ao Recorrente a título de culpa, ou na modalidade de dolo, ou na modalidade de culpa grave.
LV. Sobre o Recorrente impendia um padrão de diligentíssimus pater famílias; um especialíssimo dever diligência, justificado pelo carácter altamente profissional e especializado da actividade que exerce, adensado pela circunstância de os Recorridos serem reconhecidamente inexperientes e ignorantes relativamente à actividade financeira.
LVI. Por esse motivo, o direito de indemnização que os Recorridos exerceram com a propositura da presente acção não prescreveu, improcedendo a excepção peremptória de prescrição invocada pelo Recorrente.
Nestes termos, e nos mais, de direito, aplicáveis, deve o presente recurso ser considerado totalmente improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida em todos os seus segmentos decisórios, assim se fazendo sã e correcta justiça.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
A] Quanto à matéria de facto:
i- se devem ser julgados não provados os factos dos pontos 8, 16-18, 43-44 (erradamente referidos nas conclusões como 46-47) e 46.
ii- caso sejam julgados não provados, o que fazer em relação a outros factos cuja decisão não foi objecto de impugnação mas que possuem uma redacção contraditória com a decisão de julgar não provados aqueloutros.
B] Quanto à matéria de direito:
i- se o réu, actuando como intermediário financeiro, violou os deveres de informação a que se encontra sujeito perante os autores.
ii- se existe nexo de causalidade entre a informação omitida ou deficiente e o dano do não reembolso do capital.
iii- se o direito dos autores está sujeito ao prazo de prescrição de 2 anos previsto no n.º 2 do artigo 324.º do CdVM
III. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
O recorrente discorda da decisão do tribunal a quo de julgar provados determinados factos, sustentando, ao invés, que os mesmos devem ser julgados não provados por os meios de prova produzidos não consentirem a demonstração de tais enunciados de facto.
Mostram-se cumpridos os requisitos específicos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Isso é assim mesmo relativamente ao requisito da indicação das concretas passagens da gravação dos depoimentos gravados que servem de fundamento à impugnação, porquanto o recorrente para além de transcrever a totalidade do depoimento, ao longo da transcrição indica os minutos e segundo da passagem correspondente na gravação. Nada obsta, pois, a que se conheça da impugnação na sua totalidade.
Antes de o fazer, impõe-se uma precisão.
Por manifesto lapso de escrita, que os recorridos logo enxergaram, os recorrentes incluem na sua impugnação a decisão relativa aos pontos 46 e 47 da matéria de facto, quando, lendo as suas alegações, se conclui com facilidade que tinham sim em mente a decisão sobre os pontos 43 e 44 que é onde se encontram os factos que defendem dever ser julgados não provados. Suprindo esse lapso, esta Relação conhecerá, pois, da impugnação realmente pretendida (43-44) e não da impugnação literalmente expressa (46-47).
Começa o recorrente por defender que deve ser julgado não provado que os autores aplicavam o seu dinheiro «sempre … mediante a constituição de depósitos a prazo, com capital garantido, e, em regra, por prazos não superiores a um ano» (ponto 8).
No final da petição inicial os autores pediram a notificação do réu para informar nos autos desde quando os Autores são seus clientes e de que agência e que produtos financeiros/depósitos a prazo foram subscritos pelos Autores antes da subscrição da “F…”. O réu, em resposta a essa notificação, informou que os autores «são clientes do Banco-R. pelo menos desde 2002.08.30» e que «não subscreveram ao balcão do Banco-R. qualquer outro instrumento financeiro em data anterior à subscrição do produto em causa nestes autos».
No extracto de conta junto pelo réu com a contestação, vê-se que a conta foi aberta com um depósito de €526.000, dos quais, dois dias depois, foram transferidos €525.000,00 não se sabe para onde ou para que finalidade. Mais se vê que até à subscrição das obrigações a que se refere a acção, não existe registo de qualquer aplicação dos recursos financeiros depositados, sendo a conta usada para pagamentos correntes de pequena monta ou municiada de quantias mais elevadas para pagamentos equivalentes logo a seguir realizados. Só nos dias 25 e 26 de Outubro de 2004 os autores fazem a subscrição destas obrigações, aplicando €400.000,00, e fazem ainda outra aquisição de títulos, aplicando mais €80.000,00.
Os autores juntaram ainda três documentos comprovativos de terem efectuado depósitos a prazo no D1… com sede em país estrangeiro nas datas de 11/03/2003, 09/09/2003 e 09/03/2004, cada um no valor de €475.000,00 e com prazo de 6 meses. Ignora-se a proveniência desse dinheiro.
Estes documentos que constituem prova com bem mais segurança que o depoimento de qualquer testemunha, permitem, com segurança, considerar provado que até Outubro de 2004, através da agência do réu, os autores aplicaram dinheiro em três depósitos no D1…, a prazo de seis meses, no valor de €475.000, cada um. Esse facto está provado por esses documentos.
Porém, desconhecendo-se a origem desses valores significativos, ignorando-se o destino da quantia de €525.000 que em 30/08/2002 os autores depositaram à ordem na conta aberta no réu e transferiram no dia 02/09/2002, e não se tendo produzido prova da forma como os autores se relacionam com os anteriores bancos com que trabalhavam, não se pode julgar provado que os autores só faziam mesmo esse tipo de aplicações, isto é, que em toda a sua anterior relação com outros bancos não tivessem feito qualquer outro tipo de aplicação.
Com efeito, entendemos que esse dado tinha de ser provado por documento uma vez que face aos montantes elevados de que os autores dispunham é expectável que tivessem procurado e/ou lhes tivessem sido oferecidas propostas de aplicações mais rentáveis, não se podendo aceitar como suficiente a afirmação da testemunha G…, anterior gerente de balcão da agência do réu e cunhado dos autores, de que já no banco onde antes exercia funções, os autores só tinham depósitos a prazo já que é improvável que a sua notória e compreensível intenção de propor aos cunhados o que julgava ser a melhor solução para eles, do ponto de vista financeiro, não o tivesse levado, já então, a convencê-los a fazer aplicações, como fez quando ao serviço do D…, para mais tendo eles disponível, em 30/08/2002, a quantia de €525.000 e tendo na mesma ocasião em que fizeram a aplicação em causa nos autos feito outra, noutro produto, no valor de mais €80.000,00.
Nesses termos decidimos alterar a redacção sobre o facto do ponto 8 da matéria de facto, julgando agora provado apenas que:
«Até Outubro de 2004, através da agência do réu, os autores só aplicaram dinheiro em três depósitos no D1…, a prazo de seis meses, no valor de €475.000, cada um
Nos pontos 16 a 18 da matéria de facto, foi julgado provado que:
16) Depois de conversarem entre si, os autores comunicaram ao funcionário do réu que estavam interessados em fazer um depósito a prazo com aquelas características, no valor de Eur. 400.000,00 (…), desde que fosse possível o resgate antecipado do capital aplicado.
17) O que o funcionário do réu garantiu ser possível, ainda que com perda de juros remuneratórios.
18) Os autores estavam convencidos que estavam a contratar directamente com o réu.
Ouvida a gravação da totalidade audiência, não pode escapar à análise do tribunal a circunstância, que não se encontra minimamente escalpelizada na motivação da decisão recorrida, de o contacto e a negociação estabelecidos entre os autores e o banco réu ter sido feito através da testemunha G…, o qual, além de gerente do balcão do réu, era ainda, segundo disse, o gestor de conta dos autores e cunhado destes (casado com uma irmã do autor).
Outra circunstância que não podia igualmente ter sido desprezada, prende-se com o facto de o autor ter o curso industrial (o que atenta a sua idade representa uma habilitação literária relevante), ter sido um empresário, ter tido uma empresa que vendeu e ter depois criado uma nova empresa com a mulher, o que explica a dimensão dos valores monetários reflectida nos documentos juntos aos autos.
O cunhado dos autores não era um simples funcionário subalterno, exercia já funções de gerente de agência e, segundo contou, tinha anteriormente trabalhado noutro banco. Por conseguinte, tinha conhecimentos da prática bancária para conhecer os produtos que comercializava e o modo como os podia e devia apresentar.
Segundo as regras da experiência, em virtude da relação familiar com os autores esta testemunha sabia, aceitava e comparticipava mesmo da preocupação dos cunhados com o seu património financeiro. É a testemunha que diz que os cunhados confiavam nele, que os informava da melhor forma de eles aplicarem o seu capital e deixava que fossem eles a decidir. Também é ela que revela que o produto em causa era muito procurado pela remuneração que oferecia e que por isso contactavam os clientes com muito capital que podiam interessar-se por este produto e obtida a receptividade do cliente reservavam o produto, vindo os clientes depois à agência para concretizar o negócio e assinarem o pedido de subscrição.
Daqui decorre que a testemunha não tinha nenhuma razão para ocultar e, pelo contrário, tinha interesse pessoal em fornecer aos cunhados a informação necessária para eles decidirem, pelo que é improvável, inverosímil e irrazoável que ele soubesse que os cunhados só queriam fazer depósitos bancários a prazo e lhes fosse propor a aquisição de obrigações, mentindo-lhes sobre a natureza do produto ou simplesmente não lha revelando apesar de conhecer aquela sua vontade!
Por sua vez o autor não é, perdoe-se-nos a expressão, o simplório em termos de relação com a banca que quer fazer crer na acção. As habilitações literárias, a experiência empresarial e o volume de capital de que dispunha não permitem acreditar que o autor não soubesse da existência de produtos financeiros de diversa natureza e níveis de risco e que perante a proposta de subscrição de um produto que lhe era dito ser «como» um depósito a prazo», logo percebia que não era «um» depósito a prazo (se o fosse, era um depósito a prazo, não era como que um depósito a prazo).
Qualquer pessoa no seu lugar, com a sua experiência, com a sua preocupação em aplicar bem o seu dinheiro, percebia que se as condições de remuneração superavam as de um depósito bancário a prazo, o produto tinha de ter diferenças em relação a um depósito a prazo. E se o cunhado, ao qual tinha acesso e no qual confiava em função das relações de família, lhe entregou, como diz que entregou, o panfleto publicitário que tinha no balcão e depois o boletim de subscrição do produto, o autor teve condições para ver que eram «obrigações» e não «depósito a prazo». Teria sido também sem saber exactamente o quê e o porquê que o autor depositou importâncias substanciais num banco situado no paraíso fiscal das Ilhas Caimão? É razoável admitir que alguém decidiria aplicar uma importância como esta (€400.000,00) sem analisar previamente que aplicação estava a fazer, sobretudo tendo à mão um cunhado com conhecimentos e prática bancária para obter através dele essa informação?
Estas duas circunstâncias são absolutamente expressivas para o caso. Sobretudo se tivermos presente, conforme é indispensável, que a análise e interpretação da prova não se bastam, em circunstância alguma, com a audição e transposição do que as pessoas afirmam.
Em regra, prova-se um facto quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz a ideia de que o facto, mais do que ser possível e verosímil, possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso.
Todavia, o meio de prova por declarações é particularmente débil (ao invés da prova documental ou pericial, por exemplo, que, no entanto, também têm as suas debilidades). É extremamente fácil (e infelizmente frequente) a qualquer testemunha afirmar o que lhe apetece, sustentar que sabe o que afinal desconhece, que viu o que apenas lhe foi contado por terceiros, ou ainda, por boas ou más razões, consciente ou inconscientemente, modificar ou deturpar os acontecimentos que relata designadamente por a memória ter sido entretanto refeita em resultado de acontecimentos posteriores e da forma como a pessoa reage do ponto de vista emocional a um acontecimento que considera traumático e onde se sente envolvido: o prejuízo sofrido pelos clientes com quem estabeleceu contactos.
Não menos importante, é particularmente difícil detectar, avaliar e medir a credibilidade, a sinceridade, a segurança dos depoentes, aspectos que sistematicamente são apresentados como decisivos para a formação da convicção e que podem sê-lo efectivamente, mas cuja afirmação carece a maior parte das vezes de um suporte técnico ou científico bastante (pelo que as mais das vezes é a convicção que leva à sua afirmação em vez do contrário, como deve ser).
A memória humana não efectua um registo dos acontecimentos de forma contínua nem continuada. A memória não é uma espécie de gravador que grave em simultâneo todo o género de ficheiros e os guarde no mesmo local, seguindo uma ordem histórica ou cronológica sistemática. Pelo contrário, a memória é construída e reconstruída a partir de pequenas porções de informação que são armazenadas separadamente no cérebro e que se ligam para formarem uma narrativa completa. O que a testemunha relata não é o facto em si, é o registo do acontecimento que guarda na sua memória. Esse registo é contaminado por factores relativos aos sentidos e aos valores da testemunha, mas também e sobretudo de acordo com o mais moderno conhecimento científico da área das neurociências por factores relativos aos processos físicos, químicos e psíquicos através dos quais se constrói e reconstrói a memória.
A forma como normalmente são conduzidas as inquirições das testemunhas despreza com frequência aquilo que é a essência do valor probatório de um depoimento: a espontaneidade, a liberdade mental e o esforço de recuperação da memória auto - promovido pelo depoente.
No interrogatório, a testemunha deve ser deixada fazer autonomamente uma descrição genérica dos factos, não deve ser sugestionada, guiada. As perguntas dever-lhe-ão ser formuladas não como estão redigidas na base instrutória, mas sempre a partir dos traços ou pormenores da descrição genérica que a testemunha começou por fazer. Ao contrário do que sistematicamente se observa nos interrogatórios dirigidos pelos advogados (e mesmo por juízes quando são estes a fazê-los), não são as testemunhas que se devem adequar aos factos alegados, mas o contrário. Deve insistir-se com a testemunha para que pense melhor, que faça um esforço, guiando a testemunha na descida aos pormenores do acontecimento mas sem a sugestionar. Finalmente, após os passos referidos deve procurar-se sistematizar a descrição da testemunha, agora já porventura com recurso às perguntas directas constantes da base instrutória, para a confrontar com as suas próprias afirmações e a respectiva lógica, obrigando-a a reflectir sobre os acontecimentos e a confirmar a exactidão do seu depoimento.
Quando, como se nota nesta gravação, não houve a preocupação de pedir à testemunha para contar aquilo de que se lembra deste caso, optando-se por fazer continuamente perguntas sugestivasfez isto, disse isto, aconteceu isto – que impedem a espontaneidade, não houve a preocupação de pedir à testemunha para explicar – o que era fundamental – o que entende por «capital garantido», para dar um exemplo em que o capital não é garantido, a distinguir risco de capital de risco de incumprimento, a descrever com as suas próprias palavras exactamente o que falou e como falou com o cunhado – em vez de se lhe perguntar se só disse isto, se não disse aquilo – e explicar porque não deu mais explicações, porque não lhe foram pedidas, etc., é evidente que o resultado probatório do depoimento, que já era escasso pelo notório empenhamento da testemunha em ajudar os cunhados – o que não é, note-se, censura porque seria a atitude normal de um qualquer cunhado – a resolver o problema em que os colocou, ficou mais enfraquecido.
Acresce que a Relação não tem à sua frente as testemunhas e, por isso, não pode avaliar, como se impunha ao tribunal de 1.ª instância que fizesse, aspectos como a serenidade da sua postura, a força simbólica dos seus gestos e movimentos, a empatia da inflexão do seu tom de voz, a reacção imediata às perguntas. Estes aspectos são absolutamente relevantes para a determinação da credibilidade dos depoentes e do seu desprendimento em relação ao objecto da lide, mas são também particularmente difíceis de detectar e avaliar correctamente.
A reapreciação da prova em sede de recurso, sem imediação da prova, conduz a que a segunda instância deva decidir sem o aport da imediação, obrigando-a a levar em conta outros aspectos do meio de prova e ter mais cuidado, por exemplo, na análise das afirmações da testemunhas, sobrevalorizando o seu contexto e sobrepondo-lhe a força das lógicas que se cruzam no pedaço de vida que está em julgamento. Neste contexto, o tribunal deve libertar-se da mera literalidade das afirmações e centrar mais a atenção na análise e interpretação da lógica dos acontecimentos relatados, colocados no seu contexto concreto.
Tendo isto presente, ouvida por mais de uma vez a gravação da totalidade da audiência e em particular o depoimento do cunhado dos autores (uma vez que não existe qualquer outro meio de prova do que se passou na negociação entre o banco e os autores), a fortíssima convicção que nos fica é a de que o facto do ponto 16 não é verdadeiro. Os autores não lhe pediram para fazer nem pretenderam fazer um depósito bancário.
Também não é verdadeiro o facto 17. Se os autores pretendessem resgatar total ou parcialmente o dinheiro antes do fim do prazo, caso tivessem necessidade dele, isso não era problema porque até esse momento, quando isso sucedia, arranjavam-se novo cliente para as obrigações e transferiam-se as obrigações para o novo cliente, pelo que se os autores colocaram ao cunhado essa questão foi essa a resposta que lhe foi dada, tanto mais que a nota interna com as indicações para a comercialização do produto e o boletim de subscrição que o autor assinou mencionava expressamente que as obrigações só podias ser reembolsadas antecipadamente por iniciativa da emitente, não se vislumbrando razão para que o cunhado dos autores lhes escamoteasse esse facto ou fizesse afirmação contrária. Este facto tem pois de ser julgado não provado. Não é verdade que os autores tivessem querido fazer uma aplicação com determinadas características e o banco tivesse feito outra aplicação diferente.
O mesmo se diga ainda do facto 18. O cunhado dos autores conhecia a F1… e a sua relação com o banco (era a sociedade «dona» do banco), pelo que representava para si que era tudo a mesma coisa, mas obviamente tinha condições para saber que não era assim. Os autores representaram essa circunstância (constava do boletim de subscrição e do folheto disponível no balcão), só não lhe deram relevo.
Os factos dos pontos 16, 17 e 18 devem assim ser julgados não provados porque não pode de forma alguma considerar-se produzida prova suficiente dos mesmos.
Nos pontos 43 e 44 foi julgado provado o seguinte:
43) Tais características [as características das obrigações] não foram explicadas aos autores nem constavam de qualquer documentação que lhes tivesse sido facultada pelo réu.
44) Acresce que as obrigações "F…" foram subscritas em nome dos autores sem que estes tivessem assinado qualquer documento para o efeito, designadamente o "…" a que se refere a "nota interna" do réu.
O primeiro destes factos foi julgado provado sem se concretizar ao menos as «características» do produto que não foram explicadas, como era necessário. Com efeito, a alegação deste facto vem feita na sequência de diversos outros factos, o que torna duvidoso a que características do produto se referem exactamente os autores. A todas as que constituem o próprio produto denominado por obrigações ou apenas a parte delas? Aparentemente, uma vez que os autores não alegam expressamente que desconheciam o que eram «obrigações», esta alegação parece reportar-se especificamente a duas das características destas obrigações: que o capital estava aplicado por 10 anos e não era mobilizável antes do fim desse prazo; que o pagamento dos juros e o reembolso do capital era obrigação da F1… emitente das obrigações.
Sendo assim e pelas razões já aduzidas a propósito da resposta aos factos 16 a 18 a decisão só pode ser a de julgar não provado este facto. No contexto que se assinalou e na ausência de outros meios de prova, é inverosímil que o prazo não tivesse sido afirmado aos autores, ou que estes tivessem perguntado pelo prazo e o cunhado lhes tivesse mentido. É inverosímil que o cunhado não tivesse usado a sua experiência sobre a «revenda» das obrigações a outros clientes para os convencer da possibilidade de mobilização antecipada do capital, mas bastava essa explicação para qualquer pessoa perceber que a regra, o normal, era afinal isso ser uma forma de contornar o prazo a que as obrigações estavam sujeitas. Quanto à indicação da F1… ela constava da nota interna e do folheto que o cunhado admite ter entregue aos autores; o que se passou foi que os autores e o cunhado entenderam que se a F1… era a dona do banco, ia tudo dar no mesmo, a diferença era irrelevante, o que a prática veio a demonstrar estar errado.
O facto do ponto 44 é contrariado pelo documento junto pelo banco e que constitui o boletim de subscrição devidamente assinado, o qual tem data de 11/10/2004, quando a transferência para a conta dos autores para permitir a aquisição das obrigações e o débito nessa conta do valor das obrigações adquiridas só ocorreram em 25/10/2004 (14 dias depois, assim contrariando o depoimento do cunhado dos autores que defendeu que o boletim só foi assinado depois da subscrição das obrigações; o que se passou, interpretando devidamente o seu depoimento, é que houve um primeiro contacto por telefone para reservar o produto porque este tinha muito procura e depois disso o autor deslocou-se à agência onde falaram e o autor assinou o boletim de subscrição e recebeu o folheto do produto).
Os factos 43 e 44 devem, por isso, ser julgados não provados, de novo por insuficiência da prova produzida e que constituía ónus dos autores.
Finalmente, no ponto 46 foi julgado provado que: «Os autores nunca subscreveriam obrigações "F…" se conhecessem as características deste produto financeiro, em concreto, se soubessem que se tratavam de obrigações subordinadas, que o capital não era garantido, e que o capital não podia ser resgatado total ou parcialmente durante o prazo da aplicação».
É um facto notório que os autores, ou qualquer outra pessoa, não teriam adquirido este produto financeiro se soubessem ou tivessem razões para suspeitar que não recuperariam o seu dinheiro aplicado ou sequer parte dele. Mas não é isso o que o enunciado de facto afirma. O que se afirma é que os autores nunca teriam adquirido o produto se soubessem que: i) se tratava de obrigações; ii) se tratava de obrigações subordinadas; iii) que o capital não era garantido; iv) que não podiam fazer resgates antecipados.
Ora, para este efeito, não releva o conhecimento que se tem hoje, releva o conhecimento e a confiança nos agentes do mercado financeiro e na economia em geral que se tinham em Outubro de 2004. Hoje, todos os cidadãos são desconfiados e aprenderam à força que nem nos bancos, nem nos revisores de contas, nem nos órgãos de fiscalização e regulação bancária podem confiar ou sequer acreditar que cumprirão sempre com eficácia as suas obrigações. À data não era assim e, pelo contrário, estava-se numa fase de desenvolvimento e expansão (percebe-se agora porquê) dos mercados financeiros.
Nesse contexto, não há nos autos prova suficiente para concluir que os autores não teriam adquirido as obrigações se soubessem que eram …obrigações, precisamente porque a convicção que os meios de prova geram é a de que os autores sabiam que eram obrigações … da dona de um banco.
A questão do capital garantido é nos autos um equívoco intencional: as obrigações são um produto com «capital garantido» porque no momento do respectivo reembolso o investidor tem sempre direito a receber a totalidade do capital aplicado e os respectivos juros remuneratórios, isto é, a aplicação não está sujeita aos riscos da evolução do mercado de capitais ou da flutuação do valor da cotação em resultado dos quais, segundo a configuração do produto, aquele capital pudesse diminuir ou aumentar. Portanto, as obrigações em causa eram uma aplicação de «capital garantido», não eram é uma aplicação em que houvesse a segurança absoluta de que o emitente das obrigações cumprisse a sua prestação, tal como não o são sequer os depósitos bancários, com a única ressalva de estes possuírem uma garantia pública de reembolso até um montante máximo (ou seja, ultrapassado este, nem o depósito bancário a prazo tem garantia absoluta de restituição do capital aplicado).
Quanto ao resgate antecipado já se disse que se extrai do depoimento do cunhado dos autores que este sabia da impossibilidade de o fazer e da via alternativa de cedência das obrigações a terceiro. Não tendo ele razões para não acreditar nisso à data, também não havia razões para o escamotear dos familiares que envolveu nesta situação para os ajudar – proporcionar melhor rentabilidade – já que sabendo da vida empresarial do cunhado não podia deixar de prever e preocupar-se com o facto de ele poder vir a necessitar de dinheiro. Logo, não podemos deixar de concluir que se os autores subscreveram a aplicação, se conformaram com aquela alternativa que acreditaram resolver o problema se tal fosse necessário.
Nessa medida, também o facto do ponto 46 deve ser julgado não provado por insuficiência de prova no contexto concreto assinalado.
Em suma, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto procede quanto aos factos dos pontos 8 (aqui só em parte) e 16 a 18, 43, 44 e 46, os quais vão julgados não provados (o primeiro, em parte).
Esta decisão sobre a impugnação da matéria de facto coloca um problema que na resposta ao recurso os recorridos detectaram e procuraram usar em seu proveito, aproveitando a decisão sobre outros factos para impedir a alteração pretendida pelo recorrente, como se a decisão sobre a matéria de facto pudesse basear-se não em meios de prova, mas noutros factos também sujeitos a prova.
Com efeito, deparamo-nos agora com a situação de a matéria de facto compreender outros pontos que contém factos iguais ou praticamente iguais aos que agora vão julgados não provados e que consequentemente entram em contradição com esta decisão.
Ao dar-se como não provado que as características do produto não foram explicadas aos autores e que estes não assinaram o boletim de subscrição (factos 43 e 44) gera-se uma antinomia com os factos dos pontos 20, 21, 22, 42 e 32 nos quais se dá como provado que os autores não assinaram nenhum documento, não receberam qualquer documentação sobre o produto, não conheciam o produto e as suas características, pensavam que o produto permitia o resgate antecipado de outra forma que não a que era conhecida pelo cunhado (cedência a outros interessados) e só tiveram conhecimento das características do produto após a nacionalização do banco.
Nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, essa contradição deve ser eliminada pela Relação mesmo oficiosamente, isto é, mesmo que os pontos de facto atingidos pela contradição não estejam incluídos no objecto da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Para tanto, basta que a Relação tenha à sua disposição a totalidade dos meios de prova que permitam a alteração; caso contrário, anulará a decisão. No caso essa condição está verificada, pelo que é imprescindível sanar a contradição antes de se proceder à aplicação do direito.
Já explicámos, com recurso aos meios de prova, a nossa convicção sobre a forma como o cunhado dos autores lhes propôs e os convenceu a adquirir as obrigações, bem como a improbabilidade e inverosimilhança de que os tenha enganado a esse respeito, o que aqui se dá por reproduzido. Já explicámos igualmente que não existem outros meios de prova que possam suprir essa debilidade e inconsistência do depoimento do familiar dos autores e que nesse contexto a matéria de facto deverá ser decidida conforme determinam as regras do ónus da prova, isto é, em desfavor dos autores.
Como assinalámos, os autores assinaram o boletim de subscrição e receberam o folheto do produto existente ao balcão do banco para promoção do produto. Logo, deve ser julgado não provado que «não foi facultado aos autores documentação identificativa do produto e das suas características nem assinado qualquer documento destinado a esse fim (20).
Também deve ser julgado não provado que os autores não conheciam o produto em causa ou as suas características (21 e 42).
O que pode ser julgado provado a esse respeito, por corresponder às regras da experiência e nesse ponto o depoimento do cunhado dos autores não ter como deixar de ser aceite, é que não lhes foi dada uma explicação detalhada sobre todas as características das obrigações subordinadas adquiridas.
Assim, decide-se alterar a redacção dos factos dos pontos 21 e 42 da matéria de facto julgando provado apenas o seguinte: «21/42) Antes da aquisição das obrigações não foi dada aos autores uma explicação detalhada sobre todas as características desse produto
Decide-se alterar a redacção do ponto 22) que passará a ter a seguinte redacção: «22) Julgavam terem subscrito uma aplicação financeira a dez anos, de capital garantido, em que poderiam fazer o resgate antecipado de capital cedendo, através do banco, as obrigações a outro interessado.»
Decide-se julgar não provado que no início de 2005 os autores souberam que não podiam proceder ao resgate parcial do capital investido de outra forma que não através daquela cedência a terceiros. Em consequência, altera-se a redacção do ponto 25) para a seguinte: «25) Foi dito aos autores que as obrigações só podiam ser resgatadas parcialmente através da cedência das mesmas a terceiros».
Decide-se julgar não provado que após a nacionalização do banco os autores soubessem que tinham adquirido as obrigações F…", de natureza subordinada. Por conseguinte, o facto 32) é julgado não provado.
Decide-se julgar não provado que só após a nacionalização do banco os autores ficassem a saber que a responsabilidade pelo pagamento dos juros e do reembolso das obrigações tinha sido transferido para a "F1…, S.A.". Por conseguinte, o facto 40) é julgado não provado.
Decide-se julgar não provado que só nessa altura os autores ouviram falar da F1…, cuja existência desconheciam até à data. O facto 41) é pois julgado não provado.
IV. OS FACTOS:
Estão, em definitivo, fixados os seguintes factos provados[1]:
1) Os autores foram casados entre si, no regime de comunhão de adquiridos entre 25 de Novembro de 1971 e 2 de Março de 2016, data em que o respectivo matrimónio foi dissolvido por decisão proferida no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento que correu os seus termos na Conservatória do Registo Civil de Espinho sob o n.º 191/2016.
2) O autor B… tem como habilitações literárias o curso industrial, e foi técnico de elevadores até 29 de Abril de 2013, data em que se reformou.
3) Já a autora C… tem como habilitações literárias o 5.º ano de escolaridade e é doméstica.
4) Enquanto casados, os autores foram, durante vários anos, clientes do réu.
5) Os autores eram titulares de uma conta à ordem, com o número …….., domiciliada inicialmente na agência do réu em …, Santa Maria da Feira, e que passou posteriormente para a agência de …, no mesmo concelho, e muito recentemente para a agência do réu em Espinho.
6) Os autores depositavam dinheiro na referida conta, que movimentavam, a crédito e a débito, dinheiro esse que resultava dos ganhos que obtinham quer em salários quer em lucros do exercício da sua actividade empresarial.
7) Esporadicamente os autores aplicavam - parcial ou totalmente - o saldo da referida conta à ordem, o que faziam com o duplo objectivo de constituírem poupança e de a rentabilizarem.
8) Até Outubro de 2004, através da agência do réu, os autores só aplicaram dinheiro em três depósitos no D1…, a prazo de seis meses, no valor de €475.000, cada um.
9) Outra das preocupações dos autores sempre foi a constituição de depósitos que permitissem a desmobilização antecipada do capital.
10) Os autores sempre foram clientes bancários de perfil conservador.
11) Os funcionários da agência do réu, quer em …, quer em …, conheciam as habilitações literárias dos autores e a sua falta de conhecimentos relativamente às características essenciais dos produtos financeiros normalmente comercializados pelos bancos.
12) E conheciam o perfil de investidor dos autores.
13) Em Outubro de 2004 o Autor B… foi contactado por um funcionário da Agência do réu em …, Santa Maria da Feira, que o informou ter a aplicação financeira ideal para alguém com o seu perfil de investidor.
14) O referido produto era, segundo o funcionário do réu, em tudo idêntico a um depósito a prazo, com capital garantido, e com uma taxa de juro de 4,25% ano, com pagamento semestral.
15) Era o produto ideal para alguém que quisesse aplicar as respectivas economias, sem risco, e com uma óptima rentabilidade.
19) Passo seguinte, o funcionário do réu adquiriu, em nome dos autores, oito obrigações “F…”, a dez anos, cada uma no valor de Eur. 50.000,00 (cinquenta mil euros).
21/42) Antes da aquisição das obrigações não foi dada aos autores uma explicação detalhada sobre todas as características desse produto.
22) Julgavam terem subscrito uma aplicação financeira a dez anos, de capital garantido, em que poderiam fazer o resgate antecipado de capital cedendo, através do banco, as obrigações a outro interessado.
23) No início de 2005, os autores tiveram necessidade de fazer face a um compromisso de valor significativo.
24) Deslocaram-se, então, à agência do réu em … para procederem ao resgate parcial do capital que haviam investido.
25) Foi dito aos autores que as obrigações só podiam ser resgatadas parcialmente através da cedência das mesmas a terceiros.
26) Os autores manifestaram o seu desagrado junto do funcionário da Agência do réu em … que os atendeu.
27) Os autores foram prontamente tranquilizados pelo funcionário do réu quanto à inexistência de qualquer risco inerente à aplicação financeira efectuada em seu nome no ano anterior.
28) Segundo foram então informados, o capital investido na aplicação financeira era 100% garantido.
29) Apenas lhes restava, portanto, aguardar pelo vencimento da aplicação financeira
30) Entretanto, no dia 2 de Novembro de 2008, os autores receberam com preocupação a notícia da nacionalização do réu.
31) Os autores deslocaram-se imediatamente à Agência do réu em … a fim de perceberem quais os efeitos que a nacionalização poderia ter relativamente às suas poupanças.
33) Ainda assim, os autores foram novamente informados de que, de acordo com uma "nota interna" do próprio réu enviada a todos os seus colaboradores em 2004, as obrigações "F…" garantiam 100% do capital investido.
34) De acordo com a referida "nota interna", as obrigações "F…" subscritas em seu nome tinham, efectivamente, um prazo de dez anos, com pagamento de juros semestral e postecipadamente, sem possibilidade de mobilização.
35) E tinham a característica de 100% do capital investido ser garantido.
36) Na referida "nota interna", o réu incentivava os seus colaboradores a lograrem a subscrição total da emissão de obrigações "F…", apresentando, para o efeito, um conjunto de incentivos à subscrição.
37) De entre o argumentário a ser apresentado pelos colaboradores do réu aos clientes constava a indicação de que "[o] F… é uma excelente oportunidade de investimento, uma vez que garante o capital investido e uma remuneração acima do mercado durante 10 anos".
38) Em termos procedimentais, a "nota interna" referia que a subscrição das obrigações "F…" tinha que ser feita mediante o preenchimento e assinatura do "…", com posto por duas vias, uma para a Agência e a outra para o subscritor.
39) Os autores questionaram o funcionário do réu quanto ao procedimento que tinham de adoptar para tentarem reaver o seu dinheiro.
45) Aos autores nunca foram entregues quaisquer documentos ou títulos demonstrativos de que fossem titulares de obrigações "F…”.
47) Nunca foi intenção dos autores aplicar as poupanças das suas vidas em produtos de risco, o que, atenta a relação pré-existente, o réu tinha obrigação de saber; i.e., o réu tinha obrigação de saber que, com o perfil conservador dos autores, estes nunca subscreveriam um produto financeiro da natureza e com as características das obrigações "F…"[2].
48) A partir de 2010 - após a nacionalização do réu em 2008 - os autores deixaram de receber, semestralmente, os juros à taxa que lhes fora comunicada em 2004.
49) E passaram a receber, semestralmente, um valor correspondente a juros de 2% ao ano.
50) À taxa de juro acordada em 2004, os autores deveriam ter recebido, entre 2010 e a presente data, juros no montante global de Eur. 101.920,00 (cento e um mil novecentos e vinte euros).
51) Ao invés, os autores apenas receberam, a título de juros remuneratórios referentes àquele mesmo período, a quantia total Eur. 40.392,64 (quarenta mil trezentos e noventa e dois euros e sessenta e quatro cêntimos).
52) Na data de maturidade das obrigações "F…", em 27 de Outubro de 2014, os autores tentaram proceder ao levantamento do valor de Eur. 400.000,00 (quatrocentos mil euros) que o réu investira em seu nome naquele produto financeiro.
53) O que não lograram fazer até à data, nem junto do réu, nem junto da F….
54) Desde 2008, após a nacionalização do réu, que os autores vivem em profundo estado de ansiedade, preocupação e stress.
55) Em 2008, os autores tinham 60 e 57 anos, respectivamente.
56) E, atento o valor que haviam logrado amealhar até àquela data, encaravam a sua reforma e a sua velhice com optimismo e descanso.
57) O facto de correrem o risco de perder todas as suas economias gerou grande angústia e desequilíbrio psicológico em ambos os autores.
58) A relação entre os autores passou a ser marcada por conflitos e discussões permanentes, em grande parte determinadas pela incapacidade de manterem o nível de vida que levavam anteriormente.
59) Em 2 de Março de 2016 - ao fim de quarenta e cinco anos de casamento - os autores divorciaram-se.
60) As Obrigações F… foram emitidas, como o próprio nome indica, pela F1…, S.A..
61) Sociedade que era titular de 100% do capital social do Banco- R..
62) Participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008.
63) Altura em que foi nacionalizada.
V. Matéria de direito:
Antes de entrar propriamente na análise das questões de direito que o recorrente submete à decisão desta Relação, cremos ser oportuno proceder ao destaque dos contornos factuais do caso a fim de compreender qual é exactamente a realidade sobre que deve recair a aplicação do direito.
Assim, quanto à caracterização dos autores:
O autor tem como habilitações literárias o curso industrial, foi técnico de elevadores, está reformado desde 29 de Abril de 2013 (2), a autora tem como habilitações literárias o 5.º ano de escolaridade e é doméstica. (3)
O dinheiro que possuíam depositados em bancos era proveniente do salário do autor e em lucros do exercício da sua actividade empresarial. (6)
Os autores faziam por vezes aplicações do seu dinheiro para constituírem poupança e a rentabilizarem. (7)
Era sua preocupação constituir depósitos que permitissem a desmobilização antecipada do capital. (9)
Nunca tiveram intenção de aplicar as poupanças das suas vidas em produtos de risco. (47)
Quanto à caracterização do relacionamento bancário entre os autores e o D…:
Os autores foram clientes do banco durante vários anos. (4)
Eram titulares de uma conta à ordem no banco. (5)
Sempre foram clientes bancários de perfil conservador. (10)
Os funcionários do banco sabiam da falta de conhecimento dos autores das características essenciais dos produtos financeiros normalmente comercializados pelos bancos. (11)
E conheciam o perfil de investidor dos autores. (12)
Até Outubro de 2004, através do banco, os autores só aplicaram dinheiro em três depósitos no D1…, a prazo de seis meses, no valor de €475.000,00, cada um. (8)
Em Outubro de 2004, os autores adquiriram 8 obrigações “F…”, a 10 anos, cada uma no valor de €50.000,00, fazendo um investimento total de €400.000,00[3].
Quanto à caracterização do produto financeiro adquirido:
O produto em causa, denominado comercialmente «F…», são obrigações emitidas pela F1…, S.A. (32 e 60)
A F1…, S.A. foi titular da totalidade do capital social do D… até Novembro de 2008, data em que foi nacionalizada. (61 a 63)
Nas instruções que deu aos seus funcionários para comercializarem o produto (“Nota Interna”) o banco determinou que o produto fosse descrito como uma aplicação financeira pelo prazo de 10 anos, com pagamento de juros semestrais, postecipadamente, sem possibilidade de mobilização, com «garantia 100% do capital investido, e fosse proposto como «uma excelente oportunidade de investimento, uma vez que garante o capital investido e uma remuneração acima do mercado durante 10 anos». (33 a 37)
Quanto à caracterização da relação que esteve na génese da aquisição das obrigações F1… pelos autores:
Em Outubro de 2004 o autor foi contactado por um funcionário do banco[4] que o informou ter a «aplicação financeira ideal para alguém com o seu perfil de investidor». (13)
Segundo o funcionário do réu, esse produto «em tudo idêntico a um depósito a prazo, com capital garantido, e com uma taxa de juro de 4,25% ano, com pagamento semestral». (14)
E era o produto ideal para alguém que quisesse «aplicar as respectivas economias, sem risco, e com uma óptima rentabilidade». (15)
Antes da aquisição das obrigações não foi dada aos autores uma explicação detalhada sobre todas as características desse produto. (21/42)
Na sequência desse contacto, o banco adquiriu para os autores as obrigações referidas[5].
Os autores julgavam terem subscrito uma aplicação financeira a dez anos, de capital garantido, em que poderiam fazer o resgate antecipado de capital cedendo, através do banco, as obrigações a outro interessado. (22)
No início de 2005, os autores quiseram proceder ao resgate parcial do capital e foi-lhes dito que as obrigações só podiam ser resgatadas parcialmente através da cedência das mesmas a terceiros. (23 a 25)
Definidos assim os contornos do caso, vejamos qual a solução jurídica a dar à pretensão dos autores de que seja o banco a reembolsá-los (indemniza-los) do capital investido nas obrigações emitidas por um terceiro e comercializadas através do banco.
Os autores configuraram a causa de pedir da sua pretensão de um modo complexo, jogando em simultâneo com várias valências ao nível dos fundamentos.
Em primeiro lugar, os autores alegaram que aquilo que ordenaram ao banco para fazer foi um depósito a prazo no próprio banco com a taxa de juro que lhe foi apresentada e que o banco não respeitou essa ordem e ao arrepio da mesma adquiriu as obrigações, sem os autores lho terem ordenado.
A ter sido assim estaríamos em sede de incumprimento ou cumprimento defeituoso das ordens dadas (o banco obrigou-se perante os autores a realizar uma prestação e realizou outra diversa) e da responsabilidade (contratual) daí emergente.
Sucede que esta alegação não se provou e se encontra mesmo feita nos autos prova documental do contrário, isto é, que os autores assinaram o boletim de subscrição das obrigações em causa, dando ordem ao banco para as adquirir para si[6]. O réu não pode, pois ser responsabilizado por um incumprimento ou cumprimento defeituoso de uma prestação – constituição de um depósito a prazo no banco – que não se demonstrou. Com esse fundamento a acção é claramente improcedente.
Depois, os autores fundamentam a sua pretensão na invocação de que o banco violou os deveres a que estava obrigado enquanto intermediário financeiro: deveres de informação, de diligência, lealdade e transparência - não respeitou o seu perfil de investidores, não os informou das características do produto, deu-lhes informação falsa sobre a possibilidade de reembolso parcial. É este fundamento que cabe apreciar.
São já inúmeras as decisões judiciais sobre casos relativos à comercialização de produtos financeiros antes do eclodir da crise financeira mundial de 2008 pelos bancos que tiveram de ser intervencionados pelo Banco de Portugal e mais em particular pelo D… que foi nacionalizado através da Lei n.º 62-A/2008 de 11 de Novembro.
Compulsadas muitas dessas decisões e a doutrina entretanto publicada sobre o assunto, destaca-se o facto de a tónica da discussão ser colocada precisamente na forma como tais produtos eram comercializados e mais propriamente com a forma como os clientes bancários eram ou não informados das características e do risco dos produtos em causa. Tal obriga a qualificar a relação jurídica estabelecida entre o banco e os autores e pela definição dos deveres principais e acessórios a que por via dessa relação o banco se vinculou em ordem a apurar depois se esses deveres foram violados e qual a consequência que daí resultará.
O artigo 289.º do Código dos Valores Mobiliários aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, estabelece que são consideradas actividades de intermediação financeira os serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros. Por sua vez o artigo 290.º do mesmo diploma dispõe que são serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros, designadamente, a recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem.
A relação estabelecida entre os autores e o banco réu integra-se nesta previsão: os autores eram clientes do banco no qual tinham uma conta bancária aberta e em determinado momento, por iniciativa do banco, transmitiram-lhe uma ordem de aquisição de instrumentos financeiros, o que o banco fez por conta dos autores, debitando-lhe o custo dessa aquisição no saldo da mencionada conta bancária.
Temos aqui reunida uma relação bancária geral, que consistiu num contrato de abertura de conta, e uma relação bancária particular de intermediação financeira que consistiu num contrato de recepção e transmissão de ordens de aquisição de valores mobiliários por conta de outrem, através do qual o banco apresentou aos autores um determinado produto financeiro de valores mobiliários e após a decisão dos autores de subscrever o produto, recebeu e transmitiu as respectivas ordens de subscrição por conta dos autores.
Os valores mobiliários de que esse produto é constituído são obrigações. As obrigações são instrumentos financeiros que representam um empréstimo contraído junto dos investidores pela entidade que as emite, a qual pode ser o Estado ou outra entidade pública ou mesmo entidades particulares. O adquirente das obrigações (obrigacionista) torna-se credor da entidade emitente do instrumento do valor representado pelo título, tendo o direito de que o valor que empresta seja, posteriormente, reembolsado, normalmente acrescido de um prémio ou um rendimento periódico (o juro), nos termos estipulados na data da emissão do valor mobiliário em questão.
Na negociação das obrigações deparamo-nos normalmente com uma dupla relação. A relação entre o investidor e a instituição financeira ao balcão da qual as obrigações são negociadas, a qual é essencialmente uma relação de informação geradora da vontade de ordenar a aquisição do instrumento e da obrigação da sua aquisição por conta do ordenante. E a relação entre o investidor e o emitente da obrigação que é essencialmente uma relação de crédito, ao fazer surgir entre o obrigacionista e o emitente uma relação creditícia por força da qual este é devedor e aquele é credor do valor representado pelo título das obrigações.
Se o banco não for ele mesmo o emitente das obrigações, o obrigacionista não é credor do banco. Não é ao banco que pode exigir o reembolso do empréstimo obrigacionista, apesar de ter sido a este que dirigiu a ordem de aquisição das obrigações. Tal direito tem de ser exercido contra o emitente das obrigações e só este responde pela satisfação do mesmo. Do banco, o obrigacionista apenas pode exigir responsabilidade (leia-se: uma indemnização) pelos danos que a actuação de intermediação financeira do banco lhe tenha causado.
Como em qualquer outra relação jurídica em que uma das partes assume a obrigação de efectuar uma determinada prestação, o credor corre inevitavelmente o risco de o devedor não cumprir ou não ter como cumprir a sua prestação. É o chamado risco de crédito, isto é, o risco de a entidade que emite as obrigações enfrentar dificuldades financeiras e/ou vir a ser declarada insolvente e o investidor não receber o valor investido e/ou os juros. O obrigacionista corre ainda, entre outros, um risco de liquidez que advém da impossibilidade ou dificuldade em alienar os títulos das obrigações por não haver comprador para eles ou o mercado não estar disponível para pagar por eles aquilo que o credor desembolsou e/ou quer receber.
No que concerne à garantia de capital, em regra as obrigações oferecem essa garantia: o emitente garante que o investidor (obrigacionista) será reembolsado da totalidade do capital investido no termo do prazo da aplicação ou no momento do reembolso antecipado, se tal for aplicável. Excepcionalmente essa garantia não existe, pelo que faz sentido colocar a questão de saber se no caso concreto ela existe ou não, não se podendo sem mais inferir da colocação dessa questão que tenha sido pretendida ou atribuída uma garantia superior ou de diferente natureza.
A garantia de capital (o ter «capital garantido») só importa que o direito do credor sobre o devedor tenha essa medida ou amplitude (que o credor possa exigir esse reembolso) já que se trata, em qualquer circunstância, de uma mera garantia (pessoal) do emitente das obrigações. Ela não anula nem evita o risco de crédito: a garantia só funcionará se no momento certo o emitente tiver condições para efectuar esse reembolso; se tais condições não existirem o credor estará nas mesmas condições dos outros credores: receberá o que o património do devedor permitir pagar e suportará o prejuízo da diferença em relação ao montante do seu crédito. E como a garantia é prestada pelo devedor naturalmente que a mesma apenas poderá ser exercida pelo obrigacionista perante o emitente das obrigações, não perante o intermediário financeiro que tenha intermediado a aquisição das obrigações.
Qual é o papel dos intermediários financeiros neste investimento? Precisamente o de intermediarem o negócio entre os obrigacionistas e as entidades emitentes das obrigações. Uma vez aprovado o lançamento das obrigações, estas são colocadas no mercado através dos intermediários financeiros, os quais irão divulgá-las e promovê-las, colocando a procura em contacto com a oferta e procurando captar, entre os seus clientes, interessados na aquisição das obrigações.
Essa actuação serve dois interesses distintos: o de proporcionar às entidades emitentes o acesso aos recursos financeiros dos investidores e ao capital de que necessitam para a sua actividade e o de facultar aos investidores o acesso ao mercado de valores mobiliários e aos respectivos proveitos financeiros.
Atenta a relevância do papel da intermediação financeira para o mercado e para os investidores, os intermediários encontram-se sujeitos a deveres de elevado grau.
O artigo 304.º do Código dos Valores Mobiliários (CdVM), na redacção em vigor à data da subscrição das obrigações (Outubro de 2004) estabelecia o seguinte:
«1- Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2- Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3- Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar. […]».
Por sua vez o artigo 312.º do mesmo diploma estabelecia os chamados «deveres de informação» nos seguintes termos:
«1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:
a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;
c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;
d) Custo do serviço a prestar.
2- A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3- A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.»
O artigo 314.º, relativo à responsabilidade civil dos intermediários financeiros, estabelecia que:
«1- Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2- A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.»
Ainda a propósito dos deveres de informação, convém ter presente o disposto no artigo 7.º relativo à qualidade da informação, segundo o qual:
«1- Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.
2- O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.
3- O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.
4- À publicidade relativa a valores mobiliários e a actividades reguladas neste Código é aplicável o regime geral da publicidade
Qual foi a informação que o réu não forneceu aos autores e estava obrigado a fornecer?
Resultou provado que «antes da aquisição das obrigações «não foi dada aos autores uma explicação detalhada sobre todas as características do produto» em causa.
Resultou ainda provado que «os autores julgavam terem subscrito uma aplicação financeira», o que para além de estar correcto revela afinal que os autores sabiam que não se tratava de um mero depósito bancário (a prazo), mas antes de uma aplicação financeira, a colocação do dinheiro noutro produto que não um depósito bancário.
Como foi referido, o autor assinou o boletim de subscrição do produto denominado «F…». Nesse boletim refere-se que se trata de uma «emissão de obrigações subordinadas» e que o reembolso antecipado das mesmas só é possível «por iniciativa da F1…, S.A.». Antes da assinatura do subscritor menciona-se que este declara «que tomei conhecimento do Prospecto desta emissão».
Neste contexto, não parece que se possa interpretar a matéria de facto como revelando que aos autores não tenha sido dada a informação de que o produto eram «obrigações» e que estas estavam a ser «emitidas pela F1…, S.A.».
E pode sustentar-se que os autores, já que não lhe foram explicadas com detalhe as características das obrigações, não sabiam o que eram obrigações, de modo que para poderem tomar uma decisão livre e informada deviam ter sido informados das respectivas características?
Face aos elevados recursos financeiros que os autores possuíam, à actividade empresarial do autor [o qual, sendo empresário, não pode ser ignorante no que respeita a questões financeiras e a relações com bancos], à decisão que tomaram de depositar somas importantes num banco sediado num paraíso fiscal [que não há porque supor que tenha sido também uma decisão desinformada], à relação de família com o gerente bancário que lhes propôs este produto, salvo melhor opinião, não há razões, objectivas ou subjectivas, para crer que os autores não soubessem o que são obrigações (ou que não tivessem antecedido a sua decisão de fazer a aplicação do pedido de informação sobre o que eram obrigações), que desconhecessem que ao subscrever esse produto se tornavam credores da sociedade emitente das obrigações, tal como ao fazer um depósito bancário se tornam credores do banco.
As obrigações são um produto financeiro muito simples, sem complexidade, nos antípodas dos produtos dos mercados de derivados ou de futuros, pelo que, face ao princípio estabelecido no n.º 2 do artigo 312.º do CdVM, só perante um cliente totalmente desprovido de informação sobre a banca, as sociedade ou o mercado financeiro e sem habilitações literárias ou profissionais ou aptidões próprias que lhe aportem um mínimo de capacidade para apreender o significado das decisões de investimento[7], se poderia entender que nesta situação o intermediário financeiro estava vinculado a explicar o que são obrigações, em que consiste esse produto. Pelas razões adiantadas, não parece ser essa a situação dos autores, nem de perto nem de longe.
É certo que os autores eram, segundo foi alegado e resultou provado, «clientes bancários de perfil conservador» e «nunca tiveram intenção de aplicar as suas poupanças em produtos de risco» e que essas características eram conhecidas do banco. O gerente da agência que levou os autores a subscrever este produto era cunhado dos autores pelo que não só tinha conhecimento dessas características dos autores como tinha interesse pessoal em as respeitar, excepto se os próprios autores decidissem fazer coisa diferente face à atractividade do produto.
Todavia, esse facto não os impediu de depositarem somas importantes num paraíso fiscal, sabendo [porventura, desejando] que dessa forma privavam esses depósitos da tutela proporcionada do regime da ordem jurídica nacional e que assim estavam a submeter-se a riscos que não conheciam e que não podiam dominar.
Acresce que as obrigações não são, na acepção em que essa expressão é utilizada no mercado de valores mobiliários, um produto de risco, isto é, são um produto que tem associada a garantia do emitente de que no final do prazo de maturidade reembolsará a totalidade do capital investido - um produto de capital garantido -, não estando esse capital dependente da evolução da cotação de referência ou de alguma variável ou indexante.
O risco associado a este produto é apenas o risco inerente a qualquer operação de transferência de fundos monetários para outrem que assuma a obrigação (pessoal) de fazer, no futuro, a respectiva restituição, ainda que se trate de um depósito bancário, ou seja, o risco de o devedor não ter meios ou património para fazer a restituição a que se vinculou.
O banco prestou informação falsa ou insuficiente sobre o risco inerente a este produto?
Provou-se que o funcionário do banco apresentou aos autores a aplicação como sendo «em tudo idêntica a um depósito a prazo», «com capital garantido», «sem risco». Provou-se ainda que a emitente das obrigações foi até Novembro de 2008, titular da totalidade do capital social do banco.
A expressão aplicação «em tudo idêntica a um depósito a prazo» não é fácil de entender porque não se sabe bem o que se pretendia comunicar através dela. Não se percebe designadamente se a expressão se reporta necessariamente a um depósito bancário (depósito num banco) ou somente ao prazo de subordinação do depósito (aplicação a prazo). Que não era um depósito bancário era claro para o banco e, como já foi referido, não pôde deixar de ser apreendido pelos autores. Se fosse para ser igual não havia necessidade de o comercializar sobre outra forma ou de lhe associar uma rentabilidade diferente. E se tinha mais rentabilidade era porque se afastava de um simples depósito a bancário a prazo, como qualquer destinatário minimamente interessado e diligente podia concluir.
De todo o modo, não se provou, e não foi sequer alegado, que o produto tivesse sido comercializado como sendo um produto cujo reembolso fosse garantido pelo próprio banco, que o banco, embora não fosse o emitente das obrigações e/ou o beneficiário do capital angariado com a sua colocação no mercado, assumisse por si mesmo a garantia de reembolso do capital. Também não se provou, e não foi também alegado, que os autores tivessem sido convencidos pelo funcionário do banco, que seria o próprio banco a fazer o reembolso no final do prazo.
Conforme observou Abrantes Geraldes na declaração de voto que proferiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.01.2013, proc. n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1, in wwww.dgsi.pt, a propósito de uma situação similar em que igualmente se provou que a aplicação financeira foi anunciada como tendo “garantia do montante de capital investido” e ser “um produto comercializado pelo Private Banking do Banco ...... com o capital garantido”, não é possível extrair desse facto que o intermediário financeiro «tenha assumido perante a autora o compromisso de, no final do período de maturidade do produto financeiro, proceder ao reembolso do capital aplicado. Devendo a interpretação das declarações negociais tomar em conta essencialmente os elementos percepcionáveis na data da sua prestação, em 2001, [tal] matéria de facto … apenas permite concluir que foi proposta pela intermediária financeira à autora a aplicação da quantia depositada na aquisição de um produto cujas características envolvia, em termos objectivos, para além da remuneração periódica, o reembolso ou resgate do respectivo capital. Característica que permitia diferenciar o produto de outros de maior rentabilidade, mas também de risco mais elevado, em que o reembolso não estaria acautelado. Por outras palavras, tendo sido proposta a aquisição, a favor da autora, de um produto financeiro com “capital garantido”, a matéria de facto apurada não me permite afirmar que a entidade bancária, excedendo o âmbito da correlativa actividade de intermediária financeira, se tenha vinculado à obrigação de proceder ao reembolso ou resgate dos títulos, obrigação que, como é natural, impendia sobre a respectiva entidade emitente (sobre a distribuição do risco nos contratos de intermediação financeira, cfr. Carneiro da Frada, Revista da Ordem dos Advogados, ano 69º, vol. III/IV, págs. 656 e segs., em artigo intitulado “Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias: contratos de depósito vs. contratos de gestão de carteiras”)
Também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.01.2017, Olindo Geraldes, proc. n.º 428/12.3TCFUN.L1.S1, in www.dgsi.pt, se afirma a esse propósito: «É verdade ter ficado provado que o Banco Recorrido, através do seu funcionário, o Recorrido DD, garantiu aos Recorrentes que o capital investido seria reembolsado na data do vencimento. Todavia, não está provado que a garantia do reembolso do capital investido coubesse ao Recorrido Banco. A afirmação do reembolso do capital investido tem de ser entendida no contexto do investimento que se apresentava seguro, designadamente face ao bom rating das entidades estrangeiras emitentes das obrigações, sendo certo também que o maior rendimento de qualquer aplicação financeira anda, igualmente, associado a mais elevado risco. De resto, e contrariando a ideia da garantia absoluta do reembolso do capital investido, os Recorrentes não lograram provar que o “negócio não envolvia qualquer risco” (resposta negativa ao artigo 20.º da petição inicial - fls. 938). O risco, com efeito, é inerente a qualquer aplicação financeira, sendo embora variável, consoante o tipo de aplicação. Na verdade, até aplicações de depósito a prazo, com juros baixos, não estão totalmente isentas de riscos, dado que as instituições financeiras, como se tem observado um pouco por todo o lado, também não estão completamente imunes à insolvência, apesar da sua sujeição à supervisão de entidades públicas. A possibilidade de risco poderá ser remota, mas não poderá ser inteiramente excluída. Ora, desde que o risco não seja, especificamente, assumido por uma qualquer entidade, não pode deixar de correr por conta do titular do direito, porquanto quem goza das suas vantagens também está sujeito a suportar as suas desvantagens (ubi commoda, ibi incommoda)
Podiam os autores, não obstante, na posição de declaratários comuns, fazer essa interpretação da expressão «em tudo idêntico a um depósito a prazo»?
Tornamos ao ponto de partida. Por que razão haveria o banco de garantir ele mesmo o reembolso de obrigações emitidas por terceiros? Que interesse económico haveria de presidir a essa resolução estranha aos vínculos jurídicos próprios do produto? Os autores não eram pessoas sem relações com bancos e/ou desconhecedoras das formas de aplicar o seu dinheiro e/ou sem experiência ou conhecimentos para fazer um mínimo de avaliação das aplicações que lhe eram propostas. Em Outubro de 2004, antes da eclosão da crise financeira mundial, aquele entendimento podia justificar-se noutras pessoas, mas não se justificava nos autores, face ao modo como os vemos no contexto factual concreto que se apurou.
O banco prestou informação falsa ou insuficiente sobre o prazo de maturidade das obrigações e as possibilidades de resgate antecipado?
Não se provou que os autores tivessem pretendido que esta aplicação financeira fosse amortizável a qualquer altura e apenas por vontade sua. Aliás, se o funcionário do banco disse tratar-se de algo semelhante a um depósito a prazo e os próprios autores estavam convencidos que se tratava de uma aplicação a 10 anos, não se alcança como podiam os autores ter confiado que lhes bastaria querer o seu dinheiro de volta para que o emitente das obrigações tivesse de fazer o seu reembolso antecipado[8].
Na nota interna que os autores invocam para justificar a forma como o produto foi proposto pelo banco menciona-se expressamente que a aplicação financeira era feita pelo prazo de 10 anos, sem possibilidade de mobilização. Ora se se fixa um prazo para o vencimento de uma determinada obrigação, em condições normais isso significa que pelo menos uma das partes tem interesse no prazo. Se ao investidor interessa o recebimento dos juros mais elevados possíveis, ao devedor interessará a disponibilidade do dinheiro investido pelo prazo que estabeleceu e em função do qual se dispôs a pagar aqueles juros. Logo, em regra, a fixação de um prazo para o cumprimento de determinada prestação significa que as partes se vincularam a só poderem exigir o cumprimento decorrido esse prazo.
Fazendo da matéria de facto esta leitura e interpretação não é, a nosso ver, possível imputar ao banco réu a prestação de informação falsa, incorrecta ou insuficiente sobre o produto financeiro em causa.
A ausência de explicação detalhada de todas as características das obrigações não é bastante para se considerar que a informação foi insuficiente, deficiente ou errada atenta a simplicidade do produto em causa e o domínio que os autores não podiam deixar de ter das características essenciais das obrigações. De todo o modo, na acção não estão em causa danos que tenham sido causados por alguma das características específicas e particulares das obrigações; o que está em causa é o dano do incumprimento do dever de reembolso das obrigações pelo emitente, para o que não tem qualquer relevância, designadamente, a natureza subordinada das obrigações.
Também a informação de que se tratava de um produto em tudo idêntico a um depósito a prazo, com capital garantido, não se mostra, a nosso ver, falsa, pois a garantia de capital existe e o facto de no final do prazo o investidor ter direito a receber o capital investido e os respectivos juros remuneratórios faz com que o produto em causa tenha de facto características idênticas a uma depósito bancário, com a diferença de o devedor não ser um banco.
Nesse sentido, afigura-se-nos não se poder imputar ao banco, a título de responsabilidade civil por violação dos deveres legais do intermediário financeiro, a obrigação de indemnizar os autores do dano proveniente do incumprimento do emitente das obrigações de efectuar o seu reembolso.
O que se poderia suscitar era uma questão diferente que, todavia, não foi eleita como causa de pedir da acção. Tratava-se da questão de saber se entre o banco e a sociedade emitente das obrigações existia uma relação especial em resultado da qual o banco tinha ou devia ter conhecimento da situação financeira em que esta se encontrava, designadamente porque o seu maior activo era a propriedade do banco e este não podia deixar de conhecer a sua própria falta de saúde financeira, e, consequentemente, em virtude do dever de lealdade para com os seus clientes bancários, se devia ter abstido de comercializar um produto financeiro que sabia ou devia saber encerrar um elevado risco de incumprimento, ainda que não lhe coubesse a aprovação da operação nem dos respectivos folhetos.
Ao configurarem a acção os autores não ancoraram a sua pretensão nesse fundamento e, como tal, além do mais que respeita aos limites dos poderes de cognição do tribunal, não se encontram provados factos jurídicos bastantes para nos pronunciarmos sobre esse possível alicerce de responsabilidade civil do réu na comercialização dos produtos financeiros da F1….
Ainda que, ao contrário de nós, se entenda que o banco violou mesmo os seus deveres de informação ao ter informado que se tratava de uma aplicação «em tudo idêntica a um depósito a prazo» quando não era o banco que garantia o reembolso das obrigações, entendemos que ainda assim a pretensão dos autores não pode proceder por falha de um dos pressupostos da responsabilidade civil: o nexo de causalidade entre a actuação ilícita e os danos cujo ressarcimento se reclama.
Foi alegado pelos autores mas não se provou que os autores nunca subscreveriam obrigações F… se conhecessem as características deste produto financeiro, em concreto, se soubessem que se tratavam de obrigações subordinadas, que o capital não era garantido, e que o capital não podia ser resgatado total ou parcialmente durante o prazo da aplicação.
Conforme se mencionou na motivação da decisão sobre este facto, os autores seguramente não subscreveriam o produto se soubessem ou tivessem motivos para suspeitar que o emitente das obrigações não tinha condições para as cumprir. Só que uma coisa era aquilo que em Outubro de 2004 (quatro anos antes da grande crise financeira mundial) se sabia[9] (que as entidades reguladoras sabiam das pessoas colectivas subordinada à regulação, que as instituições financeiras sabiam umas das outras, que o público em geral sabia do funcionamento do mercado de capitais) e outra coisa, bem diferente, foi aquilo que se descobriu no último trimestre de 2008 e que mudou radicalmente a economia, o mercado de capitais, as finanças de muitos Estados e a vida de milhões de pessoas.
É certo que se o banco não tivesse proposto aos autores a aquisição deste produto e através da sua acção comercial logrado que eles se decidissem pela sua aquisição, os autores nunca se teriam visto na posição em que se encontram de correr o risco de não receber o capital que investiram no produto (conditio sine qua non).
Todavia, isso não chega para que se possa afirmar a existência de um nexo de causalidade juridicamente relevante entre a actuação do réu e o dano suportado pelos autores porque o mesmo se pode dizer de vários outros factores que contribuíram para a situação gerada, designadamente o incumprimento da sociedade emitente, o que determinou que esta não tivesse condições para cumprir as suas obrigações e, porventura mesmo, a própria nacionalização do D… que privou a sociedade emitente do seu maior activo, sem que seja sustentável defender que todos esses factores, ou qualquer um deles, foram causa adequada do dano.
Nos termos do artigo 483.º do Código Civil, a obrigação de indemnização a cargo do autor do facto ilícito culposo compreende apenas os danos que forem resultantes do evento lesivo. O artigo 563.º do mesmo diploma concretiza que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Por detrás desta simplicidade, as expressões da lei (ser resultado de; que provavelmente não teriam ocorrido) escondem a imensa e difícil questão da causalidade.
Ninguém aceita que as citadas normas legais tenham em vista a causalidade natural, isto é, que a causa se possa afirmar por aplicação de critérios puramente naturalísticos ou relativos às regras de sucessão dos acontecimentos próprios da natureza das coisas. A mera simultaneidade ou sequência espácio-temporal não é suficiente para se afirmar a existência de uma relação de causa efeito entre um evento e uma consequência para outrem.
A regra legal é antes de mais uma regra de actuação humana ou que pretende funcionar como tal, daí que nos elementos da sua previsão deva estar reflectida a lógica das actuações humanas, ponderando, designadamente, aquilo com que a pessoa, no caso concreto, pode ou deve contar, porque é esse factor (humano) espoletador dos acontecimentos e suas consequências que a regra estigmatiza e torna responsável (por que danos, é a questão a que responde a teoria da causalidade).
Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 5.ª edição, Vol. I, pág. 845, nota 1, citando as teses de Trimarchi aparentemente divergentes da teoria da causalidade adequada, acentua que «verdadeiramente útil e exacta é a ideia de que a causalidade (jurídica) se não resolve forçosamente por uma fórmula unitária, válida para todos os casos. A formulação que mais convém à responsabilidade baseada nos factos ilícitos pode, com efeito, não ser a que melhor se adapta à responsabilidade baseada no risco ou na prática dos factos ilícitos danosos
Defendendo que a teoria da causalidade adequada é o “rumo certo” para a resolução da causa (jurídica) relevante este autor (loc. cit., pág. 846) ensina que «O pensamento fundamental da teoria é que, para impor a alguém a obrigação de reparar o danos sofrido por outrem, não basta que o facto praticado pelo agente tenha sido, no caso concreto, condição (s.q.n.) do dano; é necessário ainda que, em abstracto ou em geral, o facto seja uma causa adequada do dano. Há que escolher, entre os antecedentes históricos do dano, aquele que, segundo o curso normal das coisas, se pode considerar apto para o produzir, afastando aqueles que só por virtude de circunstâncias extraordinárias o possam ter determinado. Que o facto seja condição do dano será requisito necessário; mas não é requisito suficiente, para que possa ser considerado como causa desse dano. (…) Tudo está, entretanto, em saber quando é que um facto pode, abstractamente considerado, ser apontado como causa de certo dano. (…)»
Para Pessoa Jorge, in Direito das Obrigações, 1976, pág. 569, “para saber se certo prejuízo decorre do acto ilícito em termos de ser indemnizável pelo autor deste, é necessário averiguar. 1.º se o acto ilícito foi conditio sine qua non do prejuízo, e não o será se estes se tivesse dado mesmo sem aquele; Se o acto ilícito é, abstractamente considerado, causa adequada do prejuízo; 3.º Se, concretamente, o prejuízo resultou do acto ilícito pelo processo ou forma que atribui a este abstractamente a natureza de causa adequada”.
Na nossa leitura, os deveres impostos aos intermediários financeiros de prestação de informação verdadeira, actual, lícita, objectiva e completa, visam criar condições para que o cliente tome decisões livres, conscientes e informadas. Mas a decisão é sempre do cliente, é a ele que cabe avaliar a informação que lhe chega e decidir segundo o seu critério. Tais deveres não servem para impedir o cliente de tomar decisões erradas ou que venham a mostrar-se ruinosas, porque a função do intermediário financeiro não é a de assegurar que o cliente nunca corre risco, tem sempre lucro, sai sempre a ganhar.
Não há mercado financeiro em que ninguém corra riscos e todos ganhem! Quando parece que se elimina o risco de todos, somos afinal todos que corremos o risco e suportamos as respectivas consequências, ou seja, o risco não desaparece, apenas é nacionalizado. O retorno que queremos obter do nosso dinheiro e que outrem está disposto a pagar pela disponibilidade do mesmo, são sempre resultado das expectativas que ambos criam sobre o que irá ocorrer no futuro e, como todos aprendemos de forma crua nos últimos anos, mesmo sectores que dispõem de amplos mecanismos de regulação e vigilância representam para os investidores riscos tão insuspeitos, porventura mesmo imprevisíveis, quanto inevitáveis, sem que se possa dizer que todos os agentes sabem do que se passa na casa dos outros porque nesse sector o segredo é fundamental e tem ampla cobertura legal.
Ao sugerir a aquisição de um produto por cujo reembolso é responsável o emitente, o intermediário financeiro não está a garantir ao cliente que esse reembolso se concretizará sempre e em qualquer circunstância, imputável ao devedor ou mesmo alheia. E também não está a garantir esse reembolso com o seu próprio património, no caso de o devedor não cumprir ou não ter com que cumprir. Supor que a indicação de que o «capital» é «garantido» tem esse conteúdo ou consequência, por mais atractivo que possa parecer, é, com todo o devido respeito, subverter o mercado financeiro e alterar de forma significativa os papéis e responsabilidades que nele desempenham os diversos intervenientes e produtos.
Por outro lado, se o reembolso das obrigações cabe ao respectivo emitente e o exercício da actividade de intermediação financeira não gera para o intermediário o encargo desse reembolso. Não sendo o intermediário financeiro a entidade à qual cumpre aprovar a operação em causa (Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) verificando os pressupostos do seu lançamento e publicitação, em regra não será previsível para o intermediário financeiro que o emitente virá a incumprir as suas obrigações. Ao invés, a regra de funcionamento do mercado, sem a qual este, aliás, não existiria sequer, é a de que os seus agentes irão cumprir as obrigações a que se vinculam com os produtos financeiros que colocam no mercado. O que é expectável e previsível é que isso suceda, pois só dessa forma se cria a confiança sem a qual o mercado de capitais não se desenvolveria.
Nessa medida, cremos que o intermediário financeiro só pode ser responsabilizado pelas consequências que advierem da frustração do objectivo que preside ao estabelecimento dos deveres a que nessa actividade devem legalmente respeito. Se a decisão de investir do investidor foi determinada pela falta de informação ou pela informação incorrecta, insuficiente, desactualizada ou equívoca o acto ilícito do intermediário financeiro foi causa adequada dos danos gerados pelo investimento, designadamente do dano da perda do capital no caso de esta ocorrer (ainda que a causa directa e imediata deste seja o incumprimento do devedor).
Mas para que isso suceda é necessário que o investidor prove essa relação entre a (deficiência da) informação e a decisão, isto é, prove que se tivesse recebido a informação devida não teria tomado a decisão que tomou ou, noutra perspectiva, que só a tomou porque a informação que recebeu não foi a devida. Se isso não acontecer, o dano do investidor continua a ter como causa adequada apenas o incumprimento do devedor, não o incumprimento do intermediário financeiro. Desse modo, uma vez que no caso não se provou que os autores não teriam adquirido as obrigações se o réu lhe tivesse fornecido mais informação que tinha à sua disposição, não é possível considerar que a (deficiente ou insuficiente) informação prestada pelo réu sobre o produto foi causa adequada do não reembolso do capital pela sociedade emitente. O que faz soçobrar um dos pressupostos da responsabilidade civil[10].
Passemos então por fim à questão da prescrição do direito dos autores (deixada para último dada a necessidade de enquadrar devidamente os contornos desse direito). Se os autores tivessem o direito que alegam estaria o mesmo já prescrito?
A norma que prevê o prazo de prescrição invocado pelo réu é o n.º 2 do artigo 324.º do CdVM, nos termos da qual «salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos».
A responsabilidade do intermediário financeiro pela sua actuação no âmbito de um contrato de intermediação financeira encontra-se assim sujeita a dois prazos de prescrição distintos: se a actuação ilícita (em sede contratual, o incumprimento da prestação devida) resultou de dolo ou culpa grave, a responsabilidade prescreve no prazo de prescrição ordinária previsto no artigo 309º do Código Civil (20 anos); caso contrário, a responsabilidade prescreve no prazo de 2 anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.
Citando Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª edição, pág. 547, afirma-se no Acórdão da Relação do Porto de 02.03.2015, Carlos Gil, proc. n.º 1099/12.2TVPRT.P1, in www.dgsi.pt, que «a culpa lata, mais frequentemente chamada culpa grave “consiste em não fazer o que faz a generalidade das pessoas, em não observar os cuidados que todos em princípio adoptam. A culpa leve seria a omissão da diligência normal (podendo o padrão da normalidade ser dado em termos subjectivos, concretos, ou em termos objectivos, abstractos). A culpa levíssima seria a omissão dos cuidados especiais que só as pessoas mais prudentes e escrupulosas observam.” Esta classificação dos graus de culpa tem a ver com a gravidade ou a intensidade da violação dos deveres que recaem sobre o agente do facto, sendo sobreponível com a classificação que atende à previsão ou não do facto ilícito. Assim, pode um agente agir com culpa ou negligência consciente e dever essa culpa qualificar-se como leve ou levíssima, podendo também agir com negligência inconsciente e dever essa conduta qualificar-se como uma culpa ou negligência grave
Se fosse bastante invocar o especial dever de diligência dos intermediários financeiros e a obrigação de que na sua actividade adoptem elevados padrões de diligência e de profissionalismo para daí concluir que qualquer falha cometida seria sempre devida a culpa grave por inobservância do grau de diligência requerido a tal profissional, a norma era absolutamente desnecessária porque a mesma só trata da responsabilidade do intermediário financeiro e essa estaria então sempre sujeita ao prazo de prescrição de 20 anos.
A norma só faz algum sentido admitindo-se que mesmo um intermediário financeiro cuja actividade se encontra sujeita a esses dever particular e padrão elevado pode incorrer em falhas perante o cliente que não podem considerar-se devidas a culpa grave. Nessa medida, porque a culpa consiste um juízo ético-normativo de avaliação do comportamento devido, a qualificação da culpa do intermediário financeiro deve ter em conta a gravidade e notoriedade da falha (quanto mais notada ela devia ser, maior será o grau de culpa), a relevância da mesma para o objectivo normativo da disposição legal violada (quanto mais relevante ela for, maior será o grau de culpa) e a intensidade da violação dos deveres do intermediário financeiro (mais grave a falha, maior a culpa).
Conforme assinalámos antes, a única falha que se demonstrou ter sido cometida pelo réu foi a de não ter dado uma explicação detalhada sobre todas as características das obrigações. Essa falha assume importância porque no caso tratava-se de obrigações subordinadas e estas representam um maior risco para o investidor que as obrigações não subordinadas. Todavia, não está demonstrado que os autores só não foram ressarcidos do capital por causa da natureza subordinada das obrigações e que se elas não tivessem essa natureza teriam obtido o reembolso do capital.
Na nossa leitura as afirmações de o capital ser garantido e de haver uma proximidade em relação a um depósito a prazo, não constituem nem uma falsa informação nem uma falha de informação.
Por outro lado, a natureza simples da aplicação financeira em causa e as circunstâncias em que aos autores foi proposta a sua aquisição, tornam menos gravoso que aos autores não tenham sido explicadas com detalhe todas as características das obrigações. Por isso entendemos que no caso concreto não se deve entender que essa falha seja imputável a culpa grave do réu.
Não se diga que dessa forma se sujeita o investidor a um prazo curto para o exercício do seu direito. Com efeito, se bem interpretamos a norma em questão, o prazo de dois anos apenas se conta da data em que o investidor tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos. Ora se por virtude da informação omitida o investidor não chega a apreender os concretos termos do negócio celebrado através do intermediário financeiro, o prazo de prescrição apenas se iniciará quando o investidor alcançar esse conhecimento.
No caso o prazo de prescrição não se iniciou em Outubro de 2004 quando os autores adquiriram as obrigações, mas sim no dia 2 de Novembro de 2008 quando os autores souberam da nacionalização do banco réu e se deslocaram à agência deste para saber o que iria suceder com as obrigações, altura em que, segundo os próprios admitem, ficaram a saber que obrigações eram estas, a sua natureza subordinada, a entidade emitente, a impossibilidade de amortização antecipada. Nessa ocasião, portanto, os autores ficaram em condições de responsabilizar o réu pela omissão da informação que tivesse ocorrido, sem necessidade de esperar, como esperaram, mais quase nove anos para instaurar a acção. Consequentemente, a existir, o direito dos autores mostrava-se já prescrito quando em 15.03.2017 instauraram a acção de indemnização.
Procede assim o recurso, devendo o réu ser absolvido do pedido.
VI. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, alteram a decisão recorrida, absolvendo agora o réu do pedido.
Custas da acção e do recurso pelos autores, que vão condenados a pagar ao réu as custas de parte e os eventuais encargos.

Porto, 23 de Maio de 2018.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto421)
Inês Moura
Francisca Mota Vieira
______
[1] Mantém-se a numeração de origem para não criar confusão com o que se expendeu em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
[2] Este ponto da matéria de facto tem uma redacção inadequada pois compreende um facto (parte inicial: a intenção de … ) e, a seguir, já não um facto mas um juízo de valor de natureza jurídica (segunda parte: i.e., o réu tinha obrigação de …), o qual não apenas se encontra totalmente deslocado na matéria de facto (a sua sede é o domínio da aplicação do direito aos factos), como se trata de uma conclusão puramente jurídica que deve ser considerada não escrita na medida em que se pretendeu que a mesma seja um facto, isto é, algo fixável através dos meios de prova e imposto ao tribunal como um dado a se aquando da subsunção jurídica, e não o resultado da ponderação do tribunal sobre as implicações da relação jurídica estabelecida entre as partes.
[3] Em resultado da reponderação dos meios de prova e com base em documentos não impugnados (extracto de conta) sabemos, que na mesma ocasião os autores adquiriram ainda outro produto financeiro no valor de €80.000,00 que não está em causa.
[4] Em resultado da reponderação dos meios de prova, sabemos que o funcionário em questão era em simultâneo, gerente da agência do banco, gestor da conta dos autores e cunhado dos autores (casado com uma irmã do autor).
[5] Por ser absolutamente necessário para compreender os factos que seguem, importa assinalar que foi junto aos autos pelo réu e não foi impugnado pelo autor o boletim de subscrição do produto, o qual se encontra assinado pelo réu, e menciona expressamente que se trata de obrigações subordinadas, que o prazo de emissão é de 10 anos e que o seu reembolso antecipado só seria possível a partir do 5.º ano por iniciativa da F1…, S.A., obtido o acordo prévio do Banco de Portugal.
[6] No artigo 75.º da petição inicial os autores alegaram, inveridicamente como se veio a verificar, que o banco adquiriu as obrigações em nome dos autores «sem que os Autores tivessem dado qualquer ordem de subscrição do referido produto».
[7] Esta é a enorme diferença em relação, por exemplo, ao caso decidido no Acórdão da Relação do Porto de 11-04-2018, Carlos Querido, proc. n.º 984/17.0T8PNF.P1, in www.dgsi.pt, cuja solução acompanharíamos dados os concretos contornos factuais ali julgados provados.
[8] A explicação encontra-se no depoimento do funcionário do banco que tratou com os autores desta aplicação. Segundo ele o que se passava à data é que havia sempre interessados no produto e portanto embora não fosse possível a amortização antecipada pelo emitente conseguia-se arranjar outro interessado nas obrigações e transferiam-se estas para o novo titular, recebendo o cedente a remuneração correspondente ao período decorrido. Não se demonstrou que isso não fosse verdade nessa altura, nem, tão pouco, que essa afirmação, verídica à data, não tivesse sido bastante para convencer os autores ou que o banco dispusesse de informação bastante para dever prever que isso se iria alterar.
[9] O caso difere por isso do tratado no Acórdão da Relação do Porto de 02.03.2015, Carlos Gil, proc. n.º 1099/12.2TVPRT.P1, in www.dgsi.pt, porque aí estamos perante uma intermediação financeira realizada menos de dois meses antes da (e não mais de 4 anos antes) nacionalização do banco sobre papel comercial de uma sociedade pertencente ao banco (e não proprietária do banco), circunstâncias em que o intermediário financeiro não podia deixar de saber do seu estado financeiro e do estado financeiro da sociedade emitente do papel comercial.
[10] De todo o modo, também não está demonstrado que o montante do dano dos autores corresponda já à totalidade do capital investido. O prejuízo para os autores corresponderá sempre à diferença entre o que venham a receber do devedor e o capital investido. Tendo-se atingido o prazo de maturidade das obrigações, teria de se demonstrar que a sociedade emitente não tem património que permita satisfazer, ainda que por via coerciva, sequer parcialmente, a obrigação de reembolso para se quantificar o dano no equivalente à totalidade do capital. Não só essa prova não foi feita, como nada foi alegado sobre a impossibilidade de a sociedade emitente liquidar alguma parte das obrigações.