Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0635834
Nº Convencional: JTRP00039697
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: TELEFONE
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP200611090635834
Data do Acordão: 11/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 691 - FLS. 49.
Área Temática: .
Sumário: I- A satisfação das necessidades básicas e de interesse geral que o telefone prossegue tanto é alcançada pelo serviço fixo como pelo serviço móvel de telefones, pelo que este é, tanto como aquele, um serviço de telecomunicações de uso público.
II- Assim sendo, ambos os serviços estão sob a alçada da protecção da Lei 23/96, de 26.07.
III- A prescrição prevista no artº 10º-1º da aludida Lei nº 23/96, tem natureza extintiva ou liberatória, e não natureza presuntiva.
IV- O prazo prescricional previsto no mesmo artº 10º-1º inicia-se após a prestação do serviço e não após a sua facturação, servindo a apresentação da factura apenas como acto adequado a interromper a prescrição do direito de exigir o pagamento, acrescendo às situações de interrupção da prescrição contemplados nos arts. 323 a 325 do CC.
V- Não é de aceitar a existência de dois tipos de prazos prescricionais para a situação em referência, um de seis (6) meses para a apresentação da facturação, seguido de outro de cinco (5) anos para a exigência do pagamento. É que, não estabelecendo a lei dois prazos sucessivos de prescrição, o prazo da nova prescrição é o mesmo da prescrição primitiva interrompida (art. 326 do CC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO:

No …º Juízo Cível do Porto (…ª Secção) veio B……….. S.A., com sede no ………, …… - Maia, instaurar acção declarativa de condenação sob a forma sumária contra C……….., residente na Rua ……….., nº ………, … …, 1350-300 Lisboa.

Pede:
A condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 4 544,65, acrescida de juros vincendos à taxa legal sobre € 3 083,58, até efectivo e integral pagamento.

Alega:
Que forneceu à Ré os serviços discriminados nas facturas juntas e que não se encontram pagos.

A fls. 22 e ss., contestou a R., excepcionando a prescrição do direito da autora de exigir da ré o pagamento dos serviços prestados ou, quando assim se não entender, sustenta que sempre a acção apenas deve ser julgada apenas parcialmente procedente.

A fls. 34 e ss. veio a A. responder à contestação, sustentando a improcedência da excepção da prescrição e concluindo como na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador e, aí, julgada procedente a excepção da prescrição invocada pela Ré, com a consequente absolvição desta do pedido.

Inconformada com tal decisão, veio a Autora interpor recurso, de apelação, apresentando alegações que remata com as seguintes

CONCLUSÕES:
“1ª- Apenas o serviço universal de telecomunicações concessionado à D……….., SA, é serviço público, independentemente de saber se é ele fixo ou não„ pelo que o serviço de Telefone móvel prestado pela recorrida B…………., Sa., não é qualificável como serviço público, não lhe sendo aplicável a lei 23/96, de 26 de Julho;
2ª- Pela sua essencialidade ou complementaridade, o Estado sempre estabeleceu regime jurídicos diferentes para os SFT e os STM;
3ª - A prestação do SFT é considerada como um serviço essencial e a do STM como um serviço complementar;
4ª- Como os STM são um serviço complementar, não se lhes aplica a Lei 23/96, de 26/07, pelo que o Tribunal "a quo" praticou um erro na determinação da norma aplicável;
5ª - Devia o ter o Tribunal "a quo" ter antes aplicado o art° 310, da ai. g), do C. Civil.
6ª- Caso assim não se entenda, a prescrição prevista no art°10, n°1, da Lei 23/96, de 26/07, tem natureza presuntiva e não extintiva, pelo que devia ter sido interpretada pelo Tribunal " a quo " como uma prescrição presuntiva.
7ª - O prazo de seis meses ali aludido, refere-se unicamente ao direito a enviar a factura e não ao direito de exigir judicialmente o crédito pelo serviço prestado pelos operadores dos SMT;
8ª- Após o envio da factura dentro daquele prazo de seis meses, o direito de exigir o pagamento pelos serviços prestados operadores dos SMT, prescreve no prazo de cinco anos, nos termos do ai. g) do art° 310, do C. Civil, norma que devia ter sido aplicada ao caso sub judice;
9ª - Assim, e contrariamente ao decidido pelo "Tribunal a quo" o crédito da apelante não prescreveu.

Deverá, assim, ser [ …) revogada a decisão recorrida”.

A recorrida contra-alegou sustentando a manutenção da decisão impugnada.

Foram colhidos os vistos.


II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. AS QUESTÕES:
Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

As questões a resolver são as seguintes:
Do âmbito de aplicação da Lei nº 23/96, de 26.07: Se os serviços de telefones móveis devem ser considerados serviços públicos e, como tal, se caem sob a alçada daquela Lei.
Da prescrição: se o direito de haver da ré o pagamento das accionadas facturas se encontra prescrito -- o que implica saber:
- Da natureza da prescrição do artº 10º-1º, da Lei nº 23/96;
- Quando se inicia tal prazo de prescrição; se o prazo de seis meses do artº 10º, nº1 dessa Lei se refere apenas ao direito a enviar a factura.

II. 2. FACTOS:

São os seguintes os factos que no tribunal a quo se deram como provados:
A A. e a R. celebraram um contrato de prestação de serviço e telecomunicações móveis, conforme doc. de fls. 4 a 8 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido ;
A A. forneceu à ré os serviços discriminados nas facturas juntas a fls. 9 a 15 dos autos, que totalizam 3.038,58 euros.
3 – Tais facturas têm como datas de emissão, respectivamente, 05.04.2001, 27.04.2001, 15.05.2001, 15.06.2001, 10.07.2001, 31.07.2001 e 29.08.2001 e não foram pagas na data do seu vencimento, nem posteriormente.

Provado está, ainda, - resulta dos documentos juntos e é aceite pelas partes - que:
- A data de vencimento das supra aludidas facturas é, respectivamente, 25.04.2001, 17.05.2001, 04.06.2001, 05.07.2001, 30.07.2001, 20.08.2001 e 18.09.2001.
- A presente acção foi instaurada em 15.06.2005 (fls. 2).

III. O DIREITO:

Vejamos, então, as questões suscitadas nas conclusões das alegações de recurso.

Sobre as questões aqui suscitadas já nos pronunciámos várias vezes, designadamente nos acórdãos desta Relação (3ª Secção) lavrados nos processos nºs 4575/05, 6784/05, 3464/06, 982/06 - em todos estes interviemos como adjunto - e 7122/05 - este por nós relatado.
Em todos estes arestos entendemos que o direito de exigir judicialmente o pagamento dos serviços prestados prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação - havendo, apenas, alguma divergência no que toca à interrupção do prazo de prescrição, já que alguns entendem que essa interrupção não ocorre com a apresentação da factura no aludido prazo de seis meses, ao contrário do que sempre foi por nós entendido, pois nos parece que esse prazo de seis meses se interrompe com tal apresentação da factura (desde que ocorra naquele prazo inicial), reiniciando-se, então, novo prazo de prescrição de seis meses (por isso mesmo votámos vencido no acórdão lavrado no citado processo nº 3463/06).

Atento o referido supra - e porque não vemos razões válidas para mudar de posição--, manteremos aqui a posição que temos seguido, designadamente, naqueles arestos, em especial no que foi por nós relatado (processo nº 1722/05, desta 3ª Secção Cível da Relação do Porto).

Primeira questão-- Do âmbito de aplicação da Lei nº 23/96: se os serviços de telefones móveis são públicos e, como tal, se caem sob a alçada daquela Lei.

Sobre esta questão escrevemos - e aqui reiteramos-- no aludido processo nº 1722/05):
“A questão a decidir tem, desde logo, a ver com a aplicação, ou não, ao caso sub judice, da Lei nº 23/96, DE 26.07 - que veio consagrar as “regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente” ( ut artº 1º).
Ou seja, há que ver, desde logo, se apenas o serviço universal de telecomunicações concessionado à D………, SA, é serviço público - o que, a ser verdade, afastaria a aplicação da aludida Lei 23/96 ao SMT (serviço móvel terrestre) prestado pela apelante.
É claro para nós que também o serviço móvel terrestre (SMT) presta um serviço público e, como tal, encontra-se abrangido pela Lei nº 23/96.
Efectivamente, como resulta do citado artº 1º, nº1, a aludida Lei visou criar no nosso ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais.
O nº 2 do artº 2º da mesma Lei refere como serviços público por ela abrangidos os serviços de fornecimento de água, energia eléctrica, gás e de telefone – serviços públicos que, como é bom de ver, são idóneos a satisfazer necessidades essenciais, fundamentais dos cidadãos.
Por outro lado, a tutela conferida por esta Lei estende-se a todos os consumidores, pessoas singulares ou colectivas a quem o prestador do serviço se obriga a prestá-lo, assim se qualifica o utente no nº 3 do art. 1º, de bens ou serviços públicos nela enumerados.
Um dos serviços públicos essenciais considerado na Lei 23/96 é precisamente o serviço de telefone.
Compreende-se, portanto, que a Lei nº 23/96 indique expressamente o serviço de telefone como um dos serviços públicos essenciais por ela abrangidos. E, naturalmente, que essa essencialidade tanto existe no SFT como no SMT, já que a satisfação das necessidades básicas e de interesse geral que o telefone prossegue tanto é alcançada pelo serviço fixo como pelo serviço móvel, já que este é, tal como aquele, um serviço de telecomunicações de uso público, autónomo e fundamental na satisfação das necessidades actuais dos cidadãos.
Assim sendo, tanto o SFT como o STM estão abrangidos pela Lei 23/96. Não fazendo esta Lei qualquer distinção, não vemos motivo para o fazermos nós. Pelo contrário, veja-se que a Lei até impõe a todos os operadores de serviços de telefone, fixo ou móvel, o dever de informar os utentes sobre as tarifas aplicáveis aos serviços prestados, designadamente as respeitantes à comunicação entre a rede fixa e a rede móvel ( ut artº 4º, nº2).
Saliente-se que também o Professor Menezes Cordeiro - como se extrai designadamente do próprio Parecer que a apelante junta aos autos--, afasta a ideia sufragada pela apelante, de que apenas o serviço universal de telecomunicações concessionado à D…………., SA, é serviço Público.
Efectivamente, escreveu-se no aludido Parecer (fls. 65/66):
“Em suma: neste momento, “serviço público” é, aqui, o serviço acessível ao “público” e não o serviço do Estado. Os serviços de telefones móveis são acessíveis ao público: são públicos. Caem sob a alçada do artº 1º/2 da Lei nº 23/96.
IV. No actual momento legislativo, a Lei nº 23/96 é aplicável a todos os serviços “essenciais” (leia-se: enumerados no seu artigo 1º/2). Desde que disponíveis ao “público””.
Nesse mesmo Parecer (Nota 111), Menezes Cordeiro cita ainda Calvão da Silva, salientando ter este último demonstrado que foi esse o entendimento que prevaleceu no Parlamento aquando da feitura da Lei.
Efectivamente, Calvão da Silva sustenta, in R.L.J., 132º-143, que, básico, fundamental e essencial para os utentes em geral é o serviço de telefone, independentemente da rede (fixa ou móvel) que o suporte e transporte, melhor, independentemente do sistema (fixo ou móvel) de acesso de assinante, pelo que não faria sentido deixar o telemóvel fora do âmbito (ditado pelo fim de protecção) da Lei n.º 23/96.
É patente que assim não pode deixar de ser entendido, pois não se compreenderia que, sendo o serviço de telefone móvel essencial para o cidadão, o Estado se demitisse do seu poder interventor e não impusesse regras na prestação destes serviços, à imagem do que acontece na rede fixa.
Em suma, portanto, não é apenas o serviço universal de telecomunicações concessionado à D………., SA, que se qualifica como serviço público. Também o é o serviço prestado por qualquer outra rede, seja fixa, seja móvel.
Daqui que caia no âmbito da Lei nº 26/96 todo o serviço de telefone, seja fixo, seja móvel.”

Improcede, por isso, a primeira questão suscitada pela apelante.

Sobre as demais questões, limitar-nos-emos, de novo, a repetir o que escrevemos no acórdão que relatámos no citado processo nº 1722/05, que passamos a transcrever:

“………………………………………….
Segunda questão - Da prescrição: Se o direito de haver da ré o pagamento das accionadas facturas se encontra prescrito.

a)- Da natureza da prescrição do artº 10º-1º, da Lei nº 23/96:

Discute-se, desde logo, se a prescrição em questão tem natureza extintiva ou, ao invés, se é presuntiva.
Como é sabido, a prescrição extintiva ou liberatória extingue o exercício do direito e, decorrido o respectivo prazo, o devedor pode opor ao credor a excepção da prescrição. Se entretanto cumprir, fá-lo não por que a tal esteja juridicamente vinculado, mas apenas no cumprimento de uma obrigação natural.
Já a prescrição presuntiva baseia-se numa presunção legal de pagamento, dispensando o devedor da prova do mesmo por isso lhe poder ser muito difícil. Trata-se normalmente de créditos exigidos a curto prazo e que o devedor satisfaz prontamente, de que não exige ou não guarda recibo.
Enquanto a prescrição extintiva opera mesmo que o devedor confesse que não pagou, na presuntiva se o devedor confessa que deve, mas não pagou, é condenado a satisfazer a obrigação (cfr. Prof. Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 452).

Dispõe o aludido artº 10º/1, de Lei nº 23/96:
“o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”.
O Prof. Calvão da Silva sustenta a natureza extintiva dessa prescrição (RLJ, ano 132) - argumentando que essa é a regra geral, além de que ali se não estabelece uma presunção de pagamento, mas sim se determina uma causa extintiva da obrigação.
Já o Prof. Menezes Cordeiro - conforme Parecer com cópia junta aos autos - sustenta a natureza presuntiva de tal prescrição - conclusão a que chega pela análise da história do instituto da prescrição e pela lógica do direito português.

Temos entendido - e continuamos a sustentar - que estamos perante uma presunção extintiva.
As razões podem resumir-se da seguinte forma:
Antes da entrada em vigor da Lei 23/96, entendia-se que os créditos por fornecimento de energia, água ou aquecimento, por utilização de aparelhos de rádio, televisão ou telefones estavam sujeitos à prescrição extintiva ou liberatória da alínea g) do art. 310º do CC (cfr. neste sentido, Ac. da Rel. de Lisboa, de 24.11.1976, Pires de Lima e Antunes Varela, in C.Civil Anotado, I, pág. 201 e Rodrigues Bastos, Relações Jurídicas, vol. IV, pág. 134)).
Ora, cremos que a prescrição de cinco anos estabelecida neste preceito é de natureza extintiva desde logo por contraposição ao art. 312º C.Civil que se reporta apenas às prescrições presuntivas.
Com a entrada em vigor da Lei 23/96, as coisas alteraram-se neste domínio: os créditos periódicos provenientes da prestação de serviços públicos essenciais, como é o serviço de telefone, passaram a prescrever no prazo de seis meses após a sua prestação.
Ora, não fazendo esta Lei nº 23/96 qualquer referência à natureza do prazo prescricional nela estabelecido, limitando-se apenas a fixar um prazo de prescrição mais curto que o aludido no art. 310º C.Civil, obviamente que se deve entender ter-se mantido a natureza da prescrição aí prevista.
Por outro lado, é a própria letra da lei (nº 1 do mencionado art. 10º) a sugerir a natureza extintiva da aludida prescrição, ao dispor que o direito de exigir o pagamento do preço prescreve. O que significa que decorrido o aludido prazo, o crédito e a respectiva obrigação se extinguiram.
Por outro lado, não se deve olvidar que a prescrição extintiva é a regra, sendo a presuntiva a excepção - como se extrai dos arts. 312º CC (« As prescrições de que trata a presente subsecção fundam-se na presunção de cumprimento») e 315º CC (« As obrigações sujeitas a prescrição presuntiva estão subordinadas, nos termos gerais, às regras da prescrição ordinária»). Pelo que a prescrição presuntiva só funciona nos casos expressamente previstos. E tal previsão não existe expressamente - e nem, sequer, de forma implícita - na aludida Lei.
Assim, a prescrição prevista no art. 10º da Lei 23/96 é de natureza extintiva.
Vários têm sido os arestos a sustentar a natureza extintiva da prescrição ora vem análise - cita a apelada os Acs. da Relação do Porto, de 20.3.2000 ( Col. Jur., Ano XXV, T. 2, págs. 207 ss) e de 6.5.2003, 18.05.2004, da relação de Lisboa, de 12.05.2005 e da Rel. de Évora, de 15.03.2001 (na mesma Colectânea, Ano XXVI, T. 2, a págs. 250 ss), mas vários outros arestos podiam ser indicados.

Em sustento desta posição é de capital relevo o entendimento do Professor Cavão da Silva, que, a págs. 153 da sua anotação na R.L.J. atrás citada, escreveu:
«... o legislador foi no sentido oposto, ao escrever que "o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação"».

O que o legislador visou foi proteger o utente dos serviços abrangidos pela aludida Lei 23/96 (fornecimentos de água, energia eléctrica, gás, serviço de telefone), como emerge do artº 1º, nº1. Pretendeu-se evitar o avolumar das dívidas dos utentes de tais serviços, com acumulação de juros de mora, por causa da inacção do credor/prestador dos serviços na cobrança do preço dos mesmos. Entendeu-se que o tal avolumar das dívidas se tornava, por vezes, insustentável, e injusto, se o prazo prescricional fosse o de cinco anos previsto na al. g) do artº 310º do CC.
Foi esta a razão da diminuição do prazo prescricional. Jamais pretendeu o legislador modificar a natureza de tal prescrição – de extintiva para presuntiva. O que parece obvio, pois a não ser assim então o legislador não diria que “o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação” ( cit. artº 10º, nº1 da Lei 23/96), mas, v.g, diria que se presumia o pagamento, decorrido o prazo de seis meses após a emissão da factura com o preço do serviço prestado.
Limitou-se, assim, o legislador da Lei nº 23/96 a - entre as prescrições extintivas - criar um novo prazo de prescrição, na defesa do utente dos respectivos serviços - qualquer utente em geral, pessoa colectiva ou singular, para uso profissional ou não - contra o já referido sobreendividamento resultante do excessivo montante a que poderiam ascender as suas dívidas se não fossem diligente e oportunamente exigidas pelo credor, como poderia acontecer mesmo sem incúria do devedor por ser perfeitamente aceitável que este desconheça a quantia que, em cada período, corresponde ao valor dos bens ou serviços que utilizou.

Concluindo, temos que a prescrição em questão é, não presuntiva, mas, apenas, de curto prazo - sendo aplicável às relações que subsistam à data da entrada em vigor da citada Lei ( que ocorreu em 24.10.1996- ut artº 14º da mesma Lei).
Neste sentido, ver, ainda, o Ac. do STJ, de 13.05.2004, (Relator Consº Silva Salazar), no site da dgsi.pt.

b)- Do decurso do prazo prescricional: quando se inicia; se o prazo de seis meses do artº 10º, nº1 dessa Lei se refere apenas ao direito a enviar a factura:

[……………………………………………………………]
Temos para nós como mais consentâneo com o espírito da lei – […..] – a interpretação de que o prazo prescricional relativo aos falados créditos se inicia após a prestação do serviço e não após a sua facturação, servindo esta como facto interruptivo daquela (prescrição) e aparecendo a apresentação da factura, [……….] como acto adequado a interromper a prescrição do direito de exigir o pagamento, acrescendo às situações de interrupção da prescrição contempladas nos arts. 323 a 325 do CC – v. neste sentido os Acs. do STJ de 6.2.03, de 5.6.03 e 13.5.04, todos disponíveis na base de dados do MJ.
O que de todo não se nos afigura aceitável é contemplar dois tipos de prazos prescricionais para a situação que vimos analisando, um de seis meses para a apresentação da facturação, seguido de outro de cinco anos para a exigência do pagamento.
Tal contende com o princípio de que, não estabelecendo a lei dois prazos sucessivos de prescrição, o prazo da nova prescrição é o mesmo da prescrição primitiva interrompida (art. 326 do CC).
Daí que sejamos levados a afirmar que, quer a liquidação da factura, quer o direito de exigir o preço, prescrevem no prazo curto de seis meses.
[………………………….]
Também a este respeito escreveu o Prof. Calvão da Silva, a págs. 155 da anotação na RLJ supra referida:
«Nos termos do n° 1 do art. 10° da lei n° 23/96, "o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação". Vimo-lo já, os assinantes de serviços públicos essenciais têm o dever de pagar as suas obrigações periodicamente, nos termos contratuais, em regra mês a mês. Para o efeito, as quantias pecuniárias são devidamente facturadas, também periodicamente, mês a mês. Pelo principio geral (art. 306°, n° 1 do Código Civil), o prazo de seis meses da prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido. In casu, a dívida vence-se e torna-se exigível no termo de cada período mensal da relação obrigacional duradoura, de execução continuada. Logo, é no dia imediato ao do último mês do serviço prestado que o prazo da prescrição começa a contar-se: desde esse dia existe exigibilidade da obrigação e o direito está em condições de poder ser exercido pelo seu titular. Pelo exposto, o n° 1 do art. 10° da lei n° 23/96, deve ler-se assim: O direito de exigir judicialmente o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação mensal, data da exigibilidade da obrigação e da possibilidade de exercício do direito.».
E a págs. 156 acrescentou o mesmo autor:
«Em síntese: porque o legislador quis um prazo novo e mais curto do que o estabelecido na al. g) do art. 310° do Código Civil, o direito de exigir judicialmente o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a prestação (mensal), e não após a sua facturação.»
Mais adiante, a págs. 157, afirma, ainda:
«Neste sentido também a "liquidação" e não só o direito ao preço prescreve no prazo de seis meses após a prestação mensal do serviço correspondente». «Não pode é pensar-se que o n° 1 do art. 10° da Lei n° 23/96 valha (só) para a liquidação da dívida, enquanto para o crédito assim apurado ou liquidado se continuaria a aplicar a al. g) do art. 310° do Código Civil. Semelhante interpretação não tem fundamento válido, consistente, constituiria um non-sense e seria mesmo contra legem.».

Ponderando os interesses em jogo e o disposto no artº 9º do C Civil - salvo, naturalmente, o devido respeito por diferente opinião - cremos que não assiste razão ao Prof. Doutor A. Menezes Cordeiro, no entendimento que sufraga, expresso no Parecer junto aos autos, de que enviada a factura no prazo de seis meses o direito de exigir o pagamento foi oportunamente exercido e a partir daí caímos na prescrição extintiva (de cinco (5) anos) do artº 310\º, al. g) do Cód. Civil.
Veja-se que - como, aliás, bem acentua a apelada (fls. 144)--, a seguir-se a tese sustentada pelo Ilustre Professor acabado de citar, teríamos que, na prática, o consumidor estaria sujeito a um prazo prescricional, no mínimo de cinco anos e….seis meses (seis meses para o envio da factura mais cinco anos para a prescrição extintiva) !!
Não foi isto que o legislador da Lei nº 23/96 quis, seguramente, pois o que pretendeu foi, nem mais nem menos, defender o consumidor, impondo, para isso, um prazo curto de prescrição (extintiva - de seis meses).

Em suma, portanto, entendemos que o prazo de prescrição de seis meses - referido no artº 10º, nº1 da Lei nº 23/96, de 26 de Julho - inicia-se ( e corre) após a prestação do serviço e não após a sua facturação. A apresentação da factura funciona, apenas, como facto interruptivo da prescrição de seis meses que se iniciou com a possibilidade da liquidação do preço dos serviços - que ocorreu precisamente após a sua prestação --, contando-se a partir da apresentação da factura os seis meses para a extinção do direito ao pagamento.
Não pode valer o aludido prazo de seis meses apenas para a liquidação da dívida, fazendo acrescer aos aludidos seis meses (para apresentação da factura) o (novo) prazo de cinco anos previsto na al. g) do artº 310º do CC.
Tais (dois) prazos sucessivos são, na verdade, inaceitáveis e não têm qualquer apoio legal, pelo que, ocorrendo (com o envio da factura) a aludida interrupção do prazo (prescricional) de seis meses, o prazo da nova prescrição não pode deixar de ser o mesmo (seis meses) da prescrição primitiva que foi interrompida.
Neste sentido, ver, ainda, os Acs desta Relação, de 04.03.2004 (relator Fernando Vasconcelos, apelação nº 703/04), de 02.06.20 (relator Alves Velho) e de 03.02.06 (relator Teles de Menezes) - todos desta 3ª Secção, disponíveis in www.dgsi.pt, e, ainda, o Ac. da Rel. de Évora, de 01.03.15 (in Col. Jur. 2001, T. V, pág. 200)”.

Atendendo a todo o exposto e bem assim: às datas em que os serviços da Autora-- cujo preço vem exigir da Ré - foram prestados (cfr. docs. de fls. 9 a 15); às datas de emissão das facturas - que ocorreram dentro do prazo de seis meses supra referido, com a (provável) interrupção (?) do prazo prescricional (dizemos “provável” porque neste segmento temos algumas reservas sobre se ocorreu, de facto, a aludida interrupção, já que não nos parece que a simples emissão das facturas possa equivaler à sua apresentação à ré para pagamento e só essa apresentação deverá produzir o citado efeito interruptivo da prescrição(1) ); à data da entrada em juízo da petição inicial (fls. 2),
facilmente se concluirá que - tendo sido invocada a prescrição pela Ré, como se impunha, para poder ser eficaz ( ut artº 303º CC) - o prazo prescricional de seis meses previsto na Lei nº 23/96 há muito que se encontrava esgotado aquando da data da instauração da demanda, o que dava à Ré o direito de “recusar o cumprimento da prestação” (leia-se, de recusar o pagamento do preço dos aludidos serviços – ut artº 304º do CC).

Improcede, assim, também, a segunda questão suscitada pela apelante nas conclusões das suas doutas alegações.

Atento o explanado, também aqui reiteraremos, ou reproduziremos, as conclusões que formulámos no acórdão por nós relatado e que vimos seguindo.

CONCLUINDO:
A satisfação das necessidades básicas e de interesse geral que o telefone prossegue tanto é alcançada pelo serviço fixo como pelo serviço móvel de telefones, pelo que este é, tanto como aquele, um serviço de telecomunicações de uso público.
Assim sendo, ambos os serviços estão sob a alçada da protecção da Lei 23/96, de 26.07.
A prescrição prevista no artº 10º-1º da aludida Lei nº 23/96, tem natureza extintiva ou liberatória, e não natureza presuntiva.
O prazo prescricional previsto no mesmo artº 10º-1º inicia-se após a prestação do serviço e não após a sua facturação, servindo a apresentação da factura apenas como acto adequado a interromper a prescrição do direito de exigir o pagamento, acrescendo às situações de interrupção da prescrição contemplados nos arts. 323 a 325 do CC.
Não é de aceitar a existência de dois tipos de prazos prescricionais para a situação em referência, um de seis (6) meses para a apresentação da facturação, seguido de outro de cinco (5) anos para a exigência do pagamento. É que, não estabelecendo a lei dois prazos sucessivos de prescrição, o prazo da nova prescrição é o mesmo da prescrição primitiva interrompida (art. 326 do CC).

IV. DECISÃO:
Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela Autora/apelante.

Porto, 09 de Novembro de 2006
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
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(1) Como refere o Prof. Pessoa Jorge, Obrigações, I, a pág. 679, “a interpelação extrajudicial feita pelo credor ao devedor, embora seja relevante e eficaz no que toca ao vencimento da dívida, não produz o efeito interruptivo da prescrição”.