Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
96/10.7GCVPA.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RICARDO COSTA E SILVA
Descritores: RECONSTITUIÇÃO DO FACTO
MEIOS DE PROVA
VALORAÇÃO
ARGUIDO
DEPOIMENTO INDIRECTO
ORGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL
Nº do Documento: RP2012062796/10.7GCVPA.P1
Data do Acordão: 06/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A reconstituição do facto, meio de prova a que se refere o artigo 150.° do CPP, é, por si, um meio autónomo de prova, em paridade com os demais legalmente admitidos.
II – Entende a jurisprudência que os autos de reconstituição não podem ser valorados como prova, nem sobre os mesmos pode recair o depoimento de testemunhas em audiência de julgamento, sempre que correspondam e apenas na medida em que correspondam a autos de declarações dos arguidos, ou seja, quando a sua intitulação não corresponda à materialidade do seu teor.
III - Envolvendo a reconstituição do facto a participação de personagens que podem ter intervindo no âmbito de outras formas de captação probatória, aquela participação reveste-se de autonomia face às demais intervenções.
IV – Não há que confundir a participação de um arguido na reconstituição do facto com, por exemplo, as suas respostas em interrogatório judicial, visto estar-se face a duas intervenções autónomas, não confundíveis e sujeitas ao regime da sua livre apreciação.
V - Por isso, se os depoimentos de testemunhas - que participaram num reconhecimento documentado nos autos - recaírem sobre a reconstituição dos factos, em que um arguido colaborou, tais depoimentos não reproduzem declarações do arguido, antes incidem sobre essa reconstituição - meio de prova que não se confunde com as declarações - o que é admitido pelo artigo 150.° do CPP.
VI - Nada impede que os órgãos de policia criminal sejam ouvidos sobre outras diligências realizadas no inquérito para apuramento da verdade, designadamente sobre a reconstituição dos factos, meio de prova admitido no artigo 150.° do CPP. A circunstância do arguido ter participado nas reconstituições não tem o efeito de fazer corresponder esses actos a declarações do arguido para se concluir pela irrelevância probatória dos mesmos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 96/10.7GCVPA.P1

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto,
I.
1. Por acórdão, proferido, em 2011/06/28, no processo comum n.º 96/10.7GCVPA, do Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar, foi decidido, no que à presente decisão interessa:
– Condenar o arguido B…, com os demais sinais dos autos, pela prática, em autoria material e concurso real, de dois crimes de incêndio florestal, p. p. pelo art.º 274.º, n.os 1 e 2, al. a), do Código Penal (CP) e art.º 4º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23.09 (DL 401/82), nas penas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um dos crimes.
– Condenar o mesmo arguido, em cúmulo jurídico das referidas penas, na pena única de 4 (quatro) anos de prisão.
– Suspender a execução da aludida pena, sendo a suspensão sujeita a regime de prova, a que alude o art.º 53º, do CP, mediante plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social.
2. Inconformado com esta decisão dela recorreu o arguido condenado.
Rematou a motivação de recurso que apresentou, com a formulação das seguintes conclusões:
1° - De acordo com a douta sentença, ora posta em crise, foi o arguido condenado além do mais, pela prática em autoria material e com curso (sic) real,
2° - De dois crimes de incêndio florestal, p. e p., pelo art.° 274 n.º 1, n.º 2 al, a) do Código.Penal, art.° 4 do D.L. 401/82 de 23/09, cada um na pena de dois anos e seis meses de prisão,
3° - EM CÚMULO JURÍDICO, FOI O ARGUIDO CONDENADO NA PENA ÚNICA DE 4 ANOS DE PRISÃO
4º - A aludida pena suspensa na sua execução, a qual ficará sujeita a regime de prova a que alude o art.° 53° do C. Penal, executado com vigilância e apoio, durante o tempo da duração da suspensão dos Serviços de reinserção
5° - ESTÁ INCONFORMADO O ORA RECORRENTE
6° - Sem prejuízo da admiração que temos de vincar quanto à intervenção do Tribunal ao longo do processo, findo este, temos que vincar alguma discordância.
7° - É que na perspectiva do Recorrente, salvo devido respeito, o presente recurso justifica-se, a todas luzes, a partir do momento que o Tribunal a quo, colocado perante determinada factualidade, dada como provada, decidiu rumandar (sic) por critérios muito próprios, operar subsunção legal, que, salvo devido respeito, por opinião adversa, não obedece a essa factualidade.
8° - Com todo o devido e merecido respeito, o Recorrente não se conforma com a aludida condenação, pelo que outra alternativa lhe não restou, senão recorrer da mesma para este Venerando Tribunal
9° - NOS TERMOS DO N° 3 AL. A) DO ART.° 412 DO C.P., CONSIDERA O RECORRENTE, E -INCORRECTAMENTE DADOS COMO PROVADOS OS PONTOS 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, CONSTANTES DA SENTENÇA DE QUE ORA SE RECORRE.
10° - O arguido, que se presume inocente até prova em contrário, em audiência de julgamento remeteu-se ao silêncio e não desejou prestar quaisquer declarações.
11° - Certo é que, como é dos autos, o arguido optou por não prestar declarações sobre os factos que lhe eram imputados, no exercício de um direito que legalmente lhe assiste e não o pode desfavorecer.
12° - Incumbe à acusação, a prova, para além da dúvida razoável que efectivamente foi o Recorrente o autor material dos factos que lhe são imputados.
13° - É nosso entendimento salvo o devido respeito e melhor opinião, que, não logrou, a acusação, provar que os factos de que o arguido vinha acusado, foram de sua autoria, como se vai explanar
14° - COMO SE INFERE DA DOUTA SENTENÇA, ORA COLOCADA A PRECLARA APRECIAÇÃO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, A CONDENAÇÃO DO ARGUIDO, ASSENTOU NO AUTO DE DILIGÊNCIA DE FLS. 39 A 46 E NOS DEPOIMENTOS DOS DOIS AGENTES QUE PARTICIPARAM NESSA DILIGÊNCIA, POIS QUE, A RESTANTE PROVA DA ACUSAÇÂO NADA DECLAROU SABER SOBRE A AUTORIA DOS FACTOS EM APREÇO, COMO CONSTA TRANSCRIÇÃO QUE INFRA SE 'VAI FAZER DOS DEPOIMENTOS PRESTADOS EM AUDIÊNCIA
15° - Quanto ao documento de fls. 39 a 46 dos autos, denominado “Auto de Reconstituição", diligência externa que foi elaborado pelos agentes investigadores de acordo com o que lhes foi dito pelo Recorrente em fase de inquérito,
16° - É nosso entendimento, salvo o devido respeito, que o supra mencionado auto, não pode valer por si só, tanto mais que, como infra se vai explanar o mesmo não obedece aos requisitos exigidos pelo art.° 150° do Código Processo Penal,
17° - Na verdade, o prescrito no art.° 150° do C. Processo Penal, para a realização da reconstituição do facto, quando solicitado, tem subjacente a necessidade de se apurar se determinado facto poderia ter ocorrido de certa forma
18° - Esta consiste, na reprodução, tão fiel quanto possível das condições, em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo,
19° - No expressivo dizer de Paulo Pinto de Albuquerque, trata-se de uma encenação de uma versão provável do facto.
20° - Efectivamente, a reconstituição dos factos apenas pode servir para determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma
21° - Como pressuposto — a Reconstituição do Facto — tem subjacente,
Como requisitos a sua realização exige:
A Reprodução tão fiel, quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto
E
Na repetição do modo de realização do mesmo
22° - Com efeito, através da reconstituição do facto, visa-se conseguir a reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que afirma "arguido, assistente, testemunhas, partes civis" ou supõem "o Tribunal, Ministério Publico e ou Advogados" ter ocorrido um determinado facto; Trata-se de comprovar se um dado acontecimento histórico poderá ter ocorrido de determinada forma, e já não de comprovar a existência do facto histórico em si mesmo
23° - Podendo estar em causa circunstâncias de tempo, modo ou local
24° - Para que a reconstituição adquira valor probatório consistente, impõem-se que parta de um máximo possível de premissas comprováveis. Para tal mostra-se necessário que haja já sido recolhida prova indicaria bastante, pois de outro modo não se estará em condições de afirmar ou supor, de que modo é que determinado facto poderá ter ocorrido. Dito de outro modo, não deverá a investigação alicerçar-se neste elemento de prova.
25° - Como já dito a reconstituição do facto não tem por finalidade apurar a existência de factos em si, mas se poderiam ter ocorrido de determinada forma.
26° - Assim, e analisando o auto de diligência externa denominado "Auto de Reconstituição" de fis. 39 a 46 dos autos, é nosso entendimento, salvo devido respeito resultar óbvio, que nem no contexto nem na finalidade, nem na forma, nem no resultado, se poder afirmar estarmos perante uma reconstituição do facto
27° - Impõem-se pois a seguinte questão.
28° - Será que nos autos foi produzida uma reconstituição dos factos, como se pretende na douta decisão recorrida?
29° - Será que o documentado no auto de fls. 39 a 46 se consubstancia numa reconstituição dos factos?
30° - Preceitua o art.° 355 n.° 1 do C. P. Penal que não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do Tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou analisadas em julgamento, ressalvando-se nos termos do n.° 2 as provas contidas em actos processuais, visualização, (sic) ou audição em audiência sejam permitidas nos termos dos artigos seguintes.
31° - Nos termos do art.° 356° é permitida a leitura em audiência de auto de instrução ou inquérito que não contenham declarações do arguido, assistente, partes civis ou testemunhas, alínea b) do n.° 1° e no n.° 7° do mesmo artigo os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas, que a qualquer titulo tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas
32° - Por seu turno, como já se disse, quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma é admissível a sua reconstituição.
33° - O auto de fls. 39 a 46, salvo devido respeito, não reúne em si os aludidos requisitos e tal qual, se encontra elaborado, apenas e só retrata uma espécie de visita do arguido aos locais onde deflagraram os incêndios dos autos
34° - Dito se outra forma, constitui a confissão da autoria dos factos no local aos dois agentes da P.J. nele intervenientes, e não no silêncio do gabinete policial.
35° - Além do mais, resulta do mesmo, que não se pretendeu desde logo, nem se sequer se tentou demonstrar na prática, a forma como o recorrente refere ter levado a efeito os eventuais factos,
36° - O crime de incêndio é apontado como de reconstituição impossível, na medida em que se torna sobremaneira inviável a repetição do incêndio, em que há que apurar como ocorreu, isto é, como surgiu a deflagração, o local, as condições externas, nomeadamente vento, temperatura, ou seja, para valer como auto de reconstituição tinha este meio de prova de materializar e objectivar um acontecimento histórico levando em consideração contributos que não foram, salvo devido respeito levados a cabo naquele auto de diligência
37° - Na verdade, Não ocorreu a reprodução tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ter ocorrido o facto ou na repetição do mesmo, pois que, naquele documento de fls. 39 e ss. apenas consta "o arguido declarou nesta diligencia que dia que não soube precisar se deslocou com seu irmão C… ao …, que dista 1000 metros da sua habitação e ateou um incêndio, tendo para tal procedido à ignição de uma vela em cera com isqueiro e colocou a vela a arder junto da carqueja";
"Mais disse em dia que não pode precisar em meados de Agosto de 2010 não sabe a hora mas recorda que já era de noite, deslocou-se para junto de linha de água no … e desta feita utilizou um isqueiro para atear um fogo a uma mata, tendo para o efeito a ignição de uns fetos que se encontravam no local"
38° - Face ao ínsito no auto de diligência de fls. 39 e ss. dos autos, salvo o devido respeito, parece resultar obvio que não estamos perante um auto de reconstituição do facto como prescrito na lei, mas apenas e só perante uma meia confissão, imprecisa quer quanto ao lugar, tempo e modo;
39° - Podendo entender-se como declarações ilustradas do Arguido
40° - E também nosso entendimento, salvo o devido respeito, que aquela diligência não pode ser levada como Reconstituição do Facto, antes e tão só como declarações ilustradas do arguido e consequentemente não pode ser levado em linha de conta para a condenação do mesmo.
41° - Neste sentido Acórdão da Relação do Porto RP20090909230/08.7PDVNG.P1, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.06.2006 processo 06P1574 disponíveis em www.dgsi.pt
42° - Desde logo não pode o e não estarmos perante nenhum dos dois casos previstos no art.º 357º do C.P.P. em que é admitida a leitura de declarações do arguido – a sua própria solicitação ou se prestadas perante um Juiz, houver contradições, ou discrepâncias entre elas e as feitas em audiência, o que não foi o caso,
43° - Da mesma forma - dado que o arguido se recusou a prestar declarações em audiência, não existe qualquer hipótese (aqui seria por via da contradição ou discrepância), se não podem ser lidas aquelas declarações anteriormente prestadas, decorre de forma necessária que quem a qualquer tipo participou na sua recolha, não pode ser inquirido sobre o conteúdo delas, art.° 356° n.° 7 do C.P.P..
44° - Como se disse já e não é por demais repetir, há desde logo a impossibilidade de os órgãos de policia criminal poderem ser ouvidos sobre os factos de conhecimento directo obtido pelas declarações que receberam do arguido no processo ou seja
45° - Quem recebeu declarações ou participou na sua recolha fica impedido de depor sobre o seu conteúdo
46° - Aquele auto de diligência de fls. 39 é uma prova que assenta exclusivamente na confissão do recorrente
47° - Assim, é nosso entendimento, salvo o devido respeito, que com o silêncio do recor­rente, fica impossibilitada desde logo a possibilidade da ponderação confissão
48° - Assim, aquela diligência não se pode ter como validamente adquirida nem pode ser atendida com a natureza de reconstituição do facto, em razão, de como se disse lá e não é por demais repetir, não se verificarem os pressupostos no art.º 150 do C. Penal
49° - Na medida em que nem o teor, nem o conteúdo nem a substancia, revelam essa natu­reza ou virtualidade
50° - Logo os depoimentos da testemunhas, D… e E… Inspectores da Policia Judiciaria, que participaram na diligência de recolha da reconstituição, concomitante identificação do local do crime não podem versar sobre as declarações prestadas pelo recorrente, dado que nenhum outro elemento de prova existe no processo que permita concluir pela autoria do arguido relativamente aos crimes em questão.
51° - E como infra se vai transcrever, os depoimentos dos Senhores Inspectores da P.J. intervenientes naquela diligência, disseram ao Tribunal tão só o que lhes disse o Arguido naquele dia
52° - Assim como se disse já, e não é por demais repetir o supra mencionado auto de fls. 39 não pode valer, para condenar o arguido, salvo devido respeito, quando não se encontra corroborado por si só com outros elementos como é o caso dos autos, como se vai explanar
53° - A testemunha F…, Agente da G.N.R. referiu de acordo com sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar, quando lhe perguntado
Procurador — "Relativamente à autoria, quem teria sido a pessoa que provocaram este incêndio, tem alguma coisa para dizer ao Tribunal?”
Testemunha — "Ora bem no decorrer das horas que eu estive lá no incêndio não vi ninguém, mas entretanto cerca das 4 da manhã estava lá outra patrulha composta pelo soldado G… e o cabo H… e o Comandante dos Bombeiros … disse (sic) isto só pode ser autoria dos pastores. Só que desses pastores não levantou suspeita nenhuma."
54° - A Testemunha I…, Guarda Florestal referiu de acordo com sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar, quando lhe foi perguntado
Procurador — "Relativamente à autoria não sabe nada?"
Testemunha — "Não."
A Testemunha J…, Agente da Ribeira de Pena referiu de acordo com sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar, quando lhe foi perguntado
Procurador — "Relativamente à pessoa ou pessoas que terão ateado o incêndio?"
Testemunha — "Não. Desconheço. Aliás na minha participação não indiquei suspeitos."
55° - A Testemunha H…, referiu de acordo com sistema gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar, quando lhe foi perguntado
Procurador — "A pessoa que terá provocado este incêndio o Sr. não sabe?
Testemunha — "Pois não vi. Não sei".
56° - A Testemunha K…, referiu de acordo com sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar, quando lhe foi perguntado
Procurador — "Quanto à pessoa que os terão provocado, também não sabe nada?"
Testemunha — "Não. Senhor."
57° - Quanto às testemunhas L…; M…; N…; O…; P…; Q…; S…; T… e U…, nada referiram sobre a autoria dos incêndios, porquanto tal lhes não foi perguntado
58° - A Testemunha D…, Agente da Policia Judiciária referiu de acordo com sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar, quando lhe foi perguntado
Procurador — "Conhece o Arguido?"
Testemunha — "Sim, fui com o Arguido na presença do seu defensor aos locais onde ele ateou os incêndios em referência."
Procurador — "Foi ele que indicou objectivamente ou foram vocês?”
Testemunha — "Não. Foi ele que indicou a forma e o local. Foi connosco e levou-nos aos locais onde ateou, a forma como tinha ateado o incêndio."
Procurador — "Todos os factos constantes nesse processo foram transmitidos pelo Arguido?"
Testemunha — "Sim. Sim."
59° - A Testemunha E…, Agente da Policia Judiciária referiu de acordo com sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar, quando lhe foi perguntado
Procurador — "Conhece o Arguido?"
Testemunha — "Portanto conheci nas diligências do processo"
Procurador — "Foram-lhe imputados dois crimes de incêndio. Ele reconstitui?
Testemunha — "É correcto".
Procurador — "Explique"
Testemunha — "Portanto nos tivemos informação que o Arguido teria adquirido gado mais ou menos nessa altura em que teriam ocorrido alguns focos de incêndio. Abordamos o Arguido que nos confirmou os factos e procedeu à reconstituição dos factos. Deslocamo-nos com ele ao local na presença de um defensor e fotografamos a reconstituição dos factos o mais fiel possível ao que aconteceu.
Procurador — "Esta indicação dos locais onde terão ocorrido os focos de incêndio e o meio como foram ateados, isso foi tudo indicado pelo Arguido?"
Testemunha — "Exactamente. Portanto os locais foram indicados pelo Arguido bem como o meio que ele utilizou para atear os focos de incêndio".
Procurador — "Houve coação?"
Testemunha — "Não, mostrou-se colaborante desde o inicio desde que o abordamos".
60° - Quanto ao depoimento dos agentes da P.J D… e E…, Inspectores, face ao supra exposto, entendemos como já referido que não podiam ter sido inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquele auto, uma vez que, como se disse o depoimento de tais agentes que participaram na realização da diligencia de recolha da confissão, identificação do local, não pode versar sobre as declarações prestadas sobre o arguido recorrente, estando assim perante uma nulidade, que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos, uma vez que, a douta sentença, assentou a sua convicção em provas que são nulas, face ao preceituado no art.° 355, 356 n.° 7 entre outros do Penal, por consubstanciar produção de prova proibida.
61° - É NOSSO ENTENDIMENTO, SALVO O DEVIDO RESPEITO, QUE O ARGUIDO DÉVIA TER SIDO ABSOLVIDO FACE A TOTAL AUSÊNCIA DE PROVAS DA AUTORIA DOS FACTOS, OU SEJA
62° - PERANTE AS PROVAS DOS AUTOS ERA IMPOSSÍVEL AO TRIBUNAL TER A CERTEZA DE QUE FOI O RECORRENTE O AUTOR MATERIAL DOS FACTOS AQUI EM DISCUSSÃO
63° - Assim, incorreu o Douto Tribunal, num erro notório na apreciação da prova, pois considerou, valorou, com fundamento em prova inexistente, no que diz respeito ao documento de fls. 39 a 46 e em prova proibida no que diz respeito aos dois Agentes da P.J., o que importa a nulidade de tal prova que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
64° - É nosso modesto entendimento, que para o salutar e sempre indispensável equilíbrio, equidade e justiça de uma qualquer decisão, o julgador tenha em conta todos aqueles elementos que pendam para a certeza da verificação dos factos de que um qualquer arguido vem acusado, ou, caso, assim não aconteça, não pode recorrer a juízos de incerteza ou suposição, pois nesses casos, como é, salvo o devido respeito o caso dos autos, deve a dúvida pender para dar esses factos como provados (sic), mutatis mutandis, para a absolvição do arguido, por aplicação do principio constitucionalmente de in dubio pro reo, porquanto, como se disse já e não é por demais repetir, não foram produzidas em audiência provas que permitam esclarecer, devidamente, os factos que permitam chegar à conclusão, sem qualquer margem para dúvida, da conduta ilícita do arguido /recorrente.
65° - ISTO POSTO, É NOSSO MODESTO ENTENDIMENTO, SALVO O DEVIDO RESPEITO, NÃO EXISTIR PROVA NEM FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO SUFICIENTE PARA CONDENAR O ARGUIDO, AQUI RECORRENTE, PELO QUE, DEVE SER REVOGADA A DOUTA SENTENÇA EM APREÇO E CONSEQUENTEMENTE SER ABSOLVIDO O MESMO DE TODOS OS CRIMES PELOS QUAIS VINHA ACUSADO.
Terminou com o pedido de revogação da sentença recorrida e da sua absolvição.
3. Notificado do recurso, o Ministério Público (MP) apresentou resposta no sentido de lhe ser negado provimento.
4. Nesta instância, o Ex.mo Procurador-geral-adjunto juntou aos autos parecer em que se pronunciou por dever o recurso improceder.
5. Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2, do Código de Processo Penal (CPP), o recorrente respondeu ao parecer, mantendo as posições já enunciadas no recurso.
6. Realizado o exame preliminar, não havendo obstáculos ao conhecimento do recurso e devendo este ser julgado em conferência, determinou-se que, colhidos os vistos legais, os autos fossem remetidos à conferência. Realizada esta, dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão.
II.
1. Atentas as conclusões da motivação do recurso, que, considerando o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do CPP, definem o seu objecto, a questão posta no recurso é a seguinte:
– Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto quanto aos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6 7 e 8 dos factos provados.
2. É a seguinte a fundamentação de facto da sentença recorrida:
2.1. - Motivação de Facto.
2.1.1. - Factos provados.
1) Em 17/07/2010, pelas 21h50, o arguido, deslocou-se apeado ao …, …, Ribeira de Pena, que dista cerca de 1000 metros da sua habitação acendeu uma vela em cera que trazia de casa, com um isqueiro, tendo-a colocado a arder junto da carqueja tendo assim feito deflagrar um incêndio.
2) Após ter constatado que a carqueja estava a arder o arguido deslocou-se para a sua residência sem alertar ninguém.
3) A área ardida foi de 25 ha de pinheiro bravo no valor de cerca de €5.165,25.
4) Entretanto, no dia 16 de Agosto de 2010, pelas 01h50, após ter regressado da festa …, deslocou-se sozinho e apeado para o …, …, … e com o auxílio de um isqueiro incendiou umas carquejas e uns fetos secos que se encontravam junto da berma do cominho, provocando assim um incêndio.
5) Mais uma vez, após ter verificado que tinha ateado o fogo, deslocou-se para a sua residência, não tendo alertado os Bombeiros nem ninguém.
6) A área ardida foi de 2 ha de pinheiro bravo no valor de €1.151,76 e 6 ha de eucalipto no valor de €17.058,84, no valor total de €18.210,60.
7) O arguido ateou dois fogos que consumiram vários hectares de pinheiros bravos e eucaliptos, que não eram seus, bem sabendo que estava proibido de o fazer, provocando assim danos na floresta, nomeadamente queimando pinheiros bravos e eucaliptos em valor acima dos €5.100,00.
8) O arguido agiu consciente, livre e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta era punida e censurada por lei.
9) O arguido não tem antecedentes criminais.
10) O arguido é oriundo de um agregado com fracos recursos económicos, sendo o 5º filho de 7 irmãos.
11) O pai trabalhava na resina, encontrando-se actualmente reformado por invalidez, uma vez que foi vítima de um acidente de viação, e a mãe é doméstica.
12) O processo de socialização do arguido caracteriza-se pelo trabalho infantil e pelos consumos excessivos de álcool desde tenra idade, o que provocou dificuldades na aquisição de competências cognitivas.
13) O arguido tem o 4º ano de escolaridade, abandonando os estudos aos 14 anos de idade para se inserir no mundo do trabalho.
14) O arguido tem boas relações com os vizinhos.
15) A família do arguido vive da reforma do progenitor no montante mensal de € 249,00 e das jeiras que o arguido efectua na área da construção civil, granjeando a família terrenos agrícolas e explorando gado caprino para consumo e comercialização.

2.1.2. - Factos não provados.
Com pertinência e relevância ao objecto do processo não ficaram por provar quaisquer factos.
2.2. - A convicção do tribunal.
Em sede de motivação da decisão de facto, ponderou-se o conteúdo dos documentos juntos aos autos.
- fls. 3 e 4 - auto de notícia;
- fls. 15 a 32, 67 a 76, 92 a 101, 179 a 181 - dados gerais da localização e danos dos incêndios;
Fls. 39 a 46 – auto de reconstituição.
Ponderaram-se os depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento.
As testemunhas F…, I… e J…, guardas da GNR, referiram os incêndios verificados, áreas ardidas e respectivos prejuízos.
As testemunhas M…, N…, H…, K… e O.. referiram também as áreas ardidas e prejuízos constatados com os incêndios.
As testemunhas D… e E…, inspectores da PJ, referiram ter efectuado a reconstituição dos incêndios nos termos constantes dos autos a fls. 29 a 46, tendo sido o arguido a indicar os locais onde tinha ateado os incêndios e a forma como o fez, posicionando-se nas fotos a demonstrar como procedeu nos incêndios.
Análise crítica da prova.
Algumas considerações cabem ser feitas sobre a prova produzida e consequente matéria de facto provada.
No que concerne à imputação da prática dos factos pelo arguido, tal assentou fundamentalmente na reconstituição dos factos constante de fls. 29 a 46, conjugadas com os depoimentos das testemunhas que efectuaram tal reconstituição, D… e E….
Com efeito, pese o arguido se ter remetido ao silêncio e não ter havido quaisquer outras testemunhas que presenciassem o atear dos incêndios, certo é que as testemunhas D… e E…, agentes da PJ que intervieram na reconstituição dos factos, foram claros em referir que o arguido procedeu à aludida reconstituição de livre e espontânea vontade, indicando e posicionando-se nos locais onde ateou os incêndios.
A reconstituição do facto, como meio de prova tipicamente previsto, uma vez realizada no respeito dos pressupostos e procedimentos a que está vinculada, autonomiza-se das contribuições individuais de quem tenha participado e das informações e declarações ali prestadas.
Respeitada a legalidade na aquisição do meio de prova acima referido, o mesmo pode ser valorado nos termos do art.127.º do Código de Processo Penal, ainda que o arguido – que prestou informações e esclarecimentos na reconstituição do facto – em audiência de julgamento opte pelo exercício do direito ao silêncio ou não compareça à mesma audiência.
As contribuições do arguido para a reconstrução do facto, designadamente com a prestação oral de informações e esclarecimentos, não se confundem com a questão da leitura em audiência de julgamento das declarações anteriormente prestadas no inquérito ou na instrução.
Os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a diligência de reconstituição de facto podem prestar declarações sobre o modo como decorreu e os termos em que decorreu. Tais declarações do arguido ou de outros intervenientes no acto não estão abrangidos na proibição do art. 356º, nº 7 do C.P.P.
Os contributos verbais do arguido, para o modo como a reconstituição é feita, não se reconduz ao estrito conceito processual de declarações, por serem instrumentais em relação à recriação do facto. Mesmo que prestadas a solicitação de órgão de polícia criminal não são informações prestadas pelo arguido à margem do processo, nem conversas informais, pois que se destinam a esclarecer o auto de reconstituição, meio de prova previsto no art.150.º do CPP, vide, entre outros, Ac STJ de 5-1-2005, proc. nº 04P#”/& (sic), 20-4-2006, proc. n.º 06P363 e Ac. da Rel de Coimbra, processo nº 79/07.4GCSRT.C1, relatado pelo Exmº Sr. Desembargador Orlando Gonçalves, todos in www.dgsi.pt.
No que ao presente caso diz respeito da análise dos autos de reconstituição de fls. 39 a 46 constata-se que os factos se encaixam com os locais e datas dos incêndios verificados, incêndios, aliás, notórios e retratados pelas testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento.
Deste modo, da conjugação das diversas provas apresentadas em audiência, quer entre si, quer com as regras da experiência comum, evidencia-se a veracidade da reconstituição do crime efectuada pelo arguido, pelo que forçoso era ter de imputar a prática dos incêndios ao arguido.
Aliás, diga-se que tendo os autos de reconstituição sido legalmente realizados, nos termos do art.150.º do CPP e não tendo sequer sido questionado pela defesa que o arguido tivesse sido determinado “a participar por qualquer forma de condicionamento ou perturbação da vontade, seja por meio de coacção física ou psicológica, que se possa enquadrar nas formulas referidas como métodos proibidos enunciados no art. 126.º do C.P.P.”, não estamos perante provas que não sejam permitidas em audiência, nos termos dos artigos 355.º, nº 2 e 356.º, n.º 1 al. b) do CPP.
Tal como as gravações das escutas telefónicas, realizadas na sequência de autorização judicial, mandadas transcrever pelo JIC em auto e juntas ao processo, são um meio de prova documental a valorar pelo Tribunal de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, e mesmo que contenham declarações do arguido podem ser valoradas, também as contribuições do arguido consignadas em auto de reconstituição do facto, desde que prestadas livremente, podem ser valoradas, sem sujeição ao regime dos artigos 129º e 356.º, n.º 7 do Código de Processo Penal.
Entendemos é que só podem ser valoradas as declarações do arguido indispensáveis à reconstituição do facto. Quaisquer declarações do arguido que constem do auto de reconstituição ou de gravações da reconstituição que não sejam indispensáveis à reconstituição do facto merecem o tratamento das “conversas informais”, isto é, são tratadas como se não existissem.
Defendendo nós que os esclarecimentos prestados pelo arguido na reconstituição de facto são contribuições que se integram no meio de prova autónomo a que alude o art.150.º do C.P.P., com este se confundindo, e que nada obsta a que os órgãos de polícia criminal prestem depoimento sobre os termos e o modo como decorreu a reconstituição do facto.
Assim, foi o que sucedeu no presente caso.

Relativamente às condições sócio-económicas e aos antecedentes criminais do arguido teve-se em consideração as suas declarações, depoimentos das testemunhas que sobre tal depuseram, bem como o CRC.
3. A questão posta no recurso.
O recorrente põe em causa todos os factos provados que determinam a sua responsabilidade penal nos presentes autos. Em resumo, o recorrente pretende que não se fez prova de que ele tivesse cometido os crimes por cuja prática foi condenado.
Pretende o MP, na resposta ao recurso que apresentou em primeira instância, que o recorrente não concretizou as menções contempladas nos n.os 2 e 3 do art.º 412.º, do CPP, advogando, por isso, a rejeição do recurso.
Afigura-se-nos que não tem razão.
O recorrente põe em causa a possibilidade legal de utilização pelo tribunal do meio de prova consistente no auto de reconstituição, constante de fls. 39 a 46, bem como dos depoimentos testemunhais que se referem a esta diligência ou melhor ao arguido, enquanto personagem central da mesma.
Do mesmo passo afirma que o tribunal não assentou a sua convicção noutra prova, que não os referidos auto e depoimentos.
Tanto basta para a matéria da impugnação se mostre completa.
Na verdade, e um tanto insolitamente, a matéria da impugnação de facto acaba por resumir-se na solução a dar a umas tantas questões de direito. Não é o conteúdo dos autos e dos depoimentos que está em causa, mas sim a possibilidade de o tribunal se servir desses elementos de prova, o que, a proceder a posição do recorrente, se traduzirá, inelutavelmente, na não prova dos factos em causa.
Resumidamente, o recorrente afirma que: o supra referido auto de reconstituição não obedece aos requisitos do art.° 150° do Código Processo Penal, constituindo meras declarações ilustradas do arguido, e, por isso, não pode valer naquela qualidade; o crime de incêndio é apontado como de reconstituição impossível, na medida em que se torna sobremaneira inviável a repetição do incêndio; o referido auto não pode ser lido em audiência, por conter declarações do arguido, e consequentemente não pode ser valorado como prova; na medida em que aquele auto, de fls. 39 e ss., é uma prova que assenta exclusivamente na confissão do recorrente, os depoimentos das testemunhas D… e E… não podem versar sobre as declarações pelo mesmo prestadas em tal diligência; nenhuma outra prova foi produzida sobre a autoria dos factos puníveis.
Vejamos se é como o recorrente pretende que seja.
Louva-se ele no acórdão da relação do Porto RP20090909230/08.7PDVNG.P1 (cfr. conclusão 41.ª), ou seja no acórdão da relação do Porto de 2009/09/09, processo n.º 230/08.7PDVNG.P1, relator Ernesto Nascimento, com a seguinte nota de síntese publicada:
I - A ‘reconstituição do facto’ não tem por finalidade a existência de factos em si, mas se podem ter ocorrido de determinada forma.
II - Um ‘auto de reconhecimento externo’ que corporiza apenas uma confissão da autoria dos factos, in loco, não pode valer como ‘reconstituição do facto’, antes e tão só, como declaração ilustrada do arguido.
III - A leitura daquele ‘auto de reconhecimento externo’, bem como - optando o arguido pelo silêncio em audiência - a inquirição sobre o conteúdo das declarações prestadas no seu decurso, a quem, a qualquer título, participou na sua recolha, consubstancia produção de prova proibida.
Na fundamentação do citado acórdão escreveu-se, além do mais, o seguinte:
Analisando a norma contida no artigo 150º, podemos esquematizar:
como pressuposto - a realização da reconstituição do facto tem subjacente a necessidade de se apurar se determinado facto pode ter ocorrido de determinada forma; como requisitos, a sua realização exige,
a reprodução fiel, tanto quanto possível das condições em que (no caso) o recorrente afirma ter ocorrido o facto e,
a repetição do modo de realização do facto.
Daqui, cremos resultar óbvio que, nem, no contexto, nem na finalidade, nem na forma, nem no resultado, se pode afirmar estarmos perante uma reconstituição do facto.
O que consta do auto que documenta a realização da diligência, antes, permite afirmar que estamos perante um reconhecimento dos locais onde o recorrente praticou atentados contra o património.
Este auto retrata uma espécie de visita guiada do arguido aos locais dos crimes.
Ou dito de outra forma, constitui a confissão da autoria dos factos, in loco e, não no silêncio do gabinete policial.
Obviamente que se não pretendeu, desde logo – por isso nem sequer se tentou demonstrar, na prática – a forma como o recorrente refere ter levado a efeito os factos [7].
Assim, não pode aquela diligência valer como reconstituição do facto, antes e tão só, como declarações ilustradas do arguido [8].
A reconstituição constitui prova autónoma, que contém contributos do arguido, mas que não se confunde com a prova por declarações, podendo ser feita valer em audiência de julgamento, mesmo que o arguido opte pelo direito ao silêncio, sem que tal configure violação do artigo 357°.
Pode, de resto, o auto de reconstituição do facto ser lido em audiência, nos termos do artigo 356º/1 alínea b).
Isto porque a verbalização que suporta o acto de reconstituição não se reconduz ao estrito conceito processual de ”declarações”, pois o discurso ou “declarações” produzidos não têm valor autónomo, dado que são instrumentais em relação à recriação do facto e se destinam no geral a esclarecer o próprio acto de reconstituição, com ele se confundindo, ensinamento que se retira do invocado na decisão recorrida, Acórdão do STJ de 20ABR2006.
Isto é assim, independentemente de o arguido em audiência falar, assumir ou negar, ou se remeter ao silêncio.
Estaremos perante conversas informais prestadas no dia seguinte e no próprio dia (em relação ao outros factos) ao da ocorrência dos factos, com a identificação dos locais dos crimes, que foram transpostas para o processo e por isso deixaram de o ser.
Se é certo que o OPC não pode ser inquirido sobre o conteúdo das declarações que recebeu nem sobre a recolha que acompanhou, numa 1ª abordagem dir-se-ia que as testemunhas que subscreveram o auto ao deporem sobre a diligência externa não estavam a ser inquiridos sobre declarações do recorrente. Só que numa 2ª observação, logo se surpreende que tal diligência externa de reconhecimento-indicação dos locais dos crimes de furto se baseia evidente e exclusivamente em declarações do recorrente.
É uma prova que assenta exclusivamente na confissão do recorrente e, no caso, obtida antes de ter sido, sequer, constituído arguido e submetido a interrogatório.
Nem se pode dizer que esta diligência haja servido para complementar uma anterior confissão. A confissão aqui obtida, e retratada no auto, foi a 1ª intervenção do recorrente nos autos.
___________________________
[7] Como amiúde se faz, nos casos de incêndio, em que o arguido se coloca na posição concreta como o ateou, baixado e, a colocar o material de ignição e a fazer despoletá-lo.
[8] Qualificação que de resto se pode surpreender implícita na decisão recorrida, ao ter sido admitido e valorado, o depoimento dos agentes de autoridade que participaram na diligência, reportado ao conteúdo das declarações do arguido, pois que se se tivesse, desde logo em vista, que aquele auto reproduzia uma reconstituição do facto, nenhuma necessidade, se vislumbra que houvesse de se proceder à inquirição dos agentes de autoridade que na diligência participaram, para se reportarem ao conteúdo das declarações do arguido.
Dito de outra forma se foram inquiridos sobre o conteúdo das declarações do arguido, é porque se entendeu, que não havia reconstituição dos factos – e, não obstante o artigo 356º/7, admitiu-se e valorou-se a produção desta prova.
Mais recentemente, também no âmbito desta segunda secção criminal do Tribunal da Relação do Porto, foi tirado o acórdão de 2012/06/13, processo n.º 1222/11.4JAPRT.P1, relator Coelho Vieira, consultável em www.dgsi.pt, com a o seguinte sumário publicado:
I – As conversas informais dos arguidos com os agentes policiais, quer ocorram antes quer ocorram depois da constituição de arguido, são desprovidas de valor probatório por violação do princípio constitucional do direito a um processo justo e equitativo.
II - As informações prestadas pelo arguido no acto de reconstituição não são declarações feitas à margem do processo a órgão de polícia criminal; são a verbalização do acto de reconstituição validamente efectuado no processo, de acordo com as normas atinentes a este meio de prova e particularmente com o prescrito no artigo 150° C P Penal, e mesmo que prestadas, neste e naquele passo, a solicitação de órgão de polícia criminal ou do Ministério Público, destinam-se no geral a esclarecer o próprio acto de reconstituição, com ele se confundindo.
III - A circunstância de o arguido ter participado na reconstituição dos factos não tem o efeito de fazer corresponder esse acto a declarações suas para se concluir pela impossibilidade de valoração daquele meio de prova.
IV – Nada impedia que as testemunhas fossem ouvidas sobre outras diligências realizadas no inquérito para apuramento da verdade, designadamente sobre a reconstituição dos factos, meio de prova admitido no artigo 150° C P Penal. Ponto é que só fossem valorados como provas os depoimentos das testemunhas sobre o que observaram, e não as revelações do arguido feitas durante a realização dessas diligências.

No acórdão acabado de referir escreveu-se:
O artigo 356º regula a leitura permitida de autos e declarações, estatuindo o nº. 7 que os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.
No que concerne aos depoimentos dos agentes da PSP entendemos tratar-se de depoimentos que não reproduzem quaisquer declarações do arguido prestadas em inquérito, antes incidem sobre a reconstituição dos factos, em que o arguido colaborou, sendo um meio de prova que não se confunde com a prestação de declarações.
No Acórdão do STJ de 14/6/06, processo 06P1574, publicado in www.dgsi.pt, escreveu-se o seguinte: "É inequívoco que as referidas testemunhas não podiam ser inquiridas sobre o conteúdo de quaisquer declarações do arguido prestadas na fase do inquérito, dado que a sua leitura não era permitida, face ao disposto no artigo 357°/1 C P Penal (…).
E, na mesma linha, estava vedada a valoração de revelações feitas pelo arguido em conversas informais, por decorrência do princípio da legalidade do processo consagrado no artigo 2.° C P Penal.
Mas nada impedia que as testemunhas fossem ouvidas sobre outras diligências realizadas no inquérito para apuramento da verdade, designadamente sobre a reconstituição dos factos, meio de prova admitido no artigo 150° C P Penal.
A circunstância de o arguido ter participado na reconstituição dos factos não tem o efeito de fazer corresponder esse acto a declarações suas para se concluir pela impossibilidade de valoração daquele meio de prova.
Na verdade, a reconstituição dos factos, como meio de prova, tem por finalidade verificar se um facto poderia ter ocorrido nas condições em que se afirma ou supõe a sua ocorrência e na forma e na forma da sua execução - Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, pg. 196.
Ponto é que só fossem valorados como provas os depoimentos das testemunhas sobre o que observaram, e não as revelações do arguido feitas durante a realização dessas diligências (...).
E não se diga que o direito de defesa do arguido sofreu qualquer redução com a produção da referida prova testemunhal, dado que esta teve lugar em audiência de julgamento, onde o arguido a poderia ter contrariado.
No sentido de que os agentes da Polícia Judiciária que procederam à reconstituição do crime podem depor como testemunhas sobre o que se terá passado nessa reconstituição, pronunciaram-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de 11-12-1996, BMJ 462, 299, de 22-4-2004, CJ, STJ, XII, tomo II, 165, e de 30-03-2005, processo 552/05."
Também o Acórdão do STJ de 20-04-2006 publicado in www.dgsi.pt decidiu o seguinte: A reconstituição constitui prova autónoma, que contém contributos do arguido, mas que não se confunde com a prova por declarações, podendo ser feita valer em audiência de julgamento, mesmo que o arguido opte pelo direito ao silêncio, sem que tal configure violação do artigo 357° C P Penal.
A verbalização que suporta o acto de reconstituição não se reconduz ao estrito conceito processual de «declarações», pois o discurso ou «declarações» produzidos não têm valor autónomo, dado que são instrumentais em relação à recriação do facto.
As chamadas «conversas informais» são declarações prestadas pelo arguido a órgãos de polícia criminal à margem do processo, sem redução a auto e, portanto, sem respeitarem o princípio da legalidade processual decorrente dos artigos 2°, 57° e ss., 262° e ss., 275°, 355° a 357° C P Penal e artigo 29º da Constituição (nulla pena sine judicio), não podendo as declarações assim produzidas serem valoradas como meio de prova e concorrerem para a formação da convicção do Tribunal.
As informações prestadas pelo arguido no acto de reconstituição não são declarações feitas à margem do processo a órgão de polícia criminal; são a verbalização do acto de reconstituição validamente efectuado no processo, de acordo com as normas atinentes a este meio de prova e particularmente com o rescrito no artigo 150° C P Penal, e mesmo que prestadas, neste e naquele passo, a solicitação de órgão de polícia criminal ou do Ministério Público, destinam-se no geral a esclarecer o próprio acto de reconstituição, com ele se confundindo.
Da doutrina enunciada nos dois acórdãos acima citados parece poder extrair-se uma regra comum: a de que os autos de reconstituição não podem ser valorados como prova, nem sobre os mesmos pode recair o depoimento de testemunhas em audiência de julgamento, sempre que correspondam e apenas na medida em que correspondam a autos de declarações dos arguidos, ou seja, quando a sua intitulação não corresponda à materialidade do seu teor.
À parte desta questão subsiste a alegação do recorrente de que os crimes de incêndio não são susceptíveis de reconstituição.
Não lhe reconhecemos qualquer veracidade. Como agudamente faz notar o Ex.mo PGA no seu parecer reconstituir não é o mesmo que repetir: os actos criminosos são irrepetíveis. E não há qualquer objecção formal a que a reconstituição tenha uma importante componente oral, porque, afinal, é através da palavra que os homens comunicam. Assim, v.g. se é impossível reproduzir o vento que soprava no momento da deflagração de certo incêndio, é sempre possível perguntar – e consignar – se fazia vento, se este era intenso e em que sentido soprava, e com isto reconstituir este dado relativo às condições atmosféricas reportadas ao momento da prática dos factos. O como do facto em reconstituição não tem que passar exclusivamente por uma mímica do acontecimento. A palavra tem aí um lugar importante e não há, em nossa opinião, porque nem como exclui-la do produto da reconstituição.
Assim,
A reconstituição do facto, meio de prova a que se refere o artigo 150.º do CPP, é, por si, um meio autónomo de prova, em paridade com os demais legalmente admitidos, o que nos deve alertar para encarar com as maiores reservas a sua equiparação, com o sentido de integral identificação, com outros meios de prova.
Envolvendo a reconstituição do facto a participação de personagens que podem ter intervindo no âmbito de outras formas de captação probatória – como o interrogatório de arguido, a prova testemunhal, pericial e outras – aquela participação reveste-se de autonomia face às demais intervenções, ocorridas no âmbito desses outros meios de prova. Daqui decorrendo que tratando-se de participação de um arguido na reconstituição do facto, há que não confundi-la, por exemplo, com as suas respostas em interrogatório judicial, visto estar-se face a duas intervenções autónomas, não confundíveis e sujeitas ao regime da sua livre apreciação, tal como previsto no artigo 127.º do CPP [1].
Por isso, se os depoimentos de testemunhas – que participaram num reconhecimento documentado nos autos – recaírem sobre a reconstituição dos factos, em que um arguido colaborou, tais depoimentos não reproduzem declarações do arguido, antes incidem sobre essa reconstituição – meio de prova que não se confunde com as declarações – o que é admitido pelo artigo 150.º do CPP [2].
Nos termos do n.º 7 do artigo 356.º do CPP, os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título tiverem participado da sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas. E, na mesma linha, está vedada a valoração de revelações feitas pelo arguido em conversas informais.
Todavia, já nada impede que os órgãos de polícia criminal sejam ouvidos sobre outras diligências realizadas no inquérito para apuramento da verdade, designadamente sobre a reconstituição dos factos, meio de prova admitido no artigo 150.º do CPP. A circunstância do arguido ter participado nas reconstituições não tem o efeito de fazer corresponder esses actos a declarações do arguido para se concluir pela irrelevância probatória dos mesmos como consequência da irrelevância das declarações, já que se trata de meios de prova que não se confundem [3].
“É jurisprudência corrente [do] Supremo Tribunal [de Justiça] considerar que a lei não impede que os agentes da polícia criminal deponham sobre factos de que tiveram conhecimento directo por meios diferentes das declarações prestadas pelo arguido e, quanto às reconstituições dos factos em si mesmas, tratando-se de provas constantes dos autos e examinadas em audiência, nada impede a sua valoração, não havendo pois violação da regra da proibição de provas estatuído no artigo 355.º, n.º 1, do CPP.” [4]
Será de destacar, ainda, o que a propósito da questão, foi dito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) 20/04/2006, no processo n.º 363/06, 5.ª secção:
As informações prestadas pelo arguido no acto de reconstituição não são declarações feitas à margem do processo a órgão de polícia criminal; são a verbalização do acto de reconstituição validamente efectuado no processo, de acordo com as normas atinentes a este meio de prova e particularmente o prescrito no artigo 150.º do CPP, e, mesmo que prestadas, neste e naquele passo, a solicitação do órgão de polícia criminal ou do MP, destinam-se no geral a esclarecer o próprio auto de reconstituição, com ele se confundindo.
“Se o arguido que faz a reconstituição envolve outro arguido, a prova que daí resulta contra este último será havida como corroborada, numa exigência acrescida de prova, se ela for confirmada por outros elementos probatórios, derivados de provas directas e indirectas, que, devidamente conjugadas entre si e com as regras da experiência, mostrem a veracidade da reconstituição relativamente a esse arguido, que no julgamento optou pelo silêncio, bem como o que procedeu á reconstituição.
“Tendo todas estas provas e nomeadamente a reconstituição sido produzidas e examinadas na audiência e como tais sujeitas ao princípio do contraditório, não podendo a recorrente invocar a opção pelo silêncio de ambos os arguidos para arguir, por exemplo, a violação do princípio da cross examination em relação às «declarações» que incorporam o próprio acto de reconstituição, pois uma tal pretensão está para além do círculo de interesses que constituem a protecção essencial daquele direito, integrado no direito à defesa.”
E, finalmente, pela sua extrema pertinência face às questões suscitadas, é de reproduzir a fundamentação do acórdão do STJ de 05/01/2005, no processo n.º 3276/04, 3.ª secção:
A reconstituição do facto, autonomizada como um dos meios de prova típicos (artigo 150° do Código de Processo Penal), consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo.
A reconstituição do facto, prevista como meio de prova autonomizado por referência aos demais meios de prova típicos, uma vez realizada e documentada em auto ou por outro modo, vale como meio de prova, processualmente admissível, sobre os factos a que se refere, isto é, como meio válido de demonstração da existência de certos factos, a valorar, como os demais meios, «segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente» - artigo 127° do CPP.
Pela sua própria configuração e natureza, a reconstituição do facto, embora não imponha nem dependa da intervenção do arguido, também a não exclui, sempre que este se disponha a participar na reconstituição, e tal participação não tenha sido determinada por qualquer forma de condicionamento ou perturbação da vontade, seja por meio de coação física ou psicológica, que se possa enquadrar nas fórmulas referidas como métodos proibidos enunciados no artigo 126° do CPP.
A reconstituição do facto, uma vez realizada no respeito dos pressupostos e procedimentos a que está vinculada, autonomiza-se das contribuições individuais de quem tenha participado e das informações e declarações que tenham co-determinado os termos e o resultado da reconstituição, e as declarações (rectius, as informações) prévias ou contemporâneas que tenham possibilitado ou contribuído para recriar as condições em que se supõe ter ocorrido o facto diluem-se nos próprios termos da reconstituição, confundindo-se nos seus resultados e no modo como o meio de prova for processualmente adquirido.
“O privilégio contra a auto-incriminação, ou direito ao silêncio, significa que o arguido não pode ser obrigado, nem deve ser condicionado a contribuir para a sua própria incriminação, isto é, tem o direito a não ceder ou fornecer informações ou elementos que o desfavoreçam, ou a não prestar declarações, sem que do silêncio possam resultar quaisquer consequências negativas ou ilações desfavoráveis no plano da valoração probatória.
«Sendo, porém, este o conteúdo do direito, estão situadas fora do seu círculo de protecção as contribuições probatórias, sequenciais e autónomas, que o arguido tenha disponibilizado ou permitido, ou que informações prestadas tenham permitido adquirir, possibilitando a identificação e a correspondente aquisição probatória, ou a realização e a prática de actos processuais com formato e dimensão própria na enumeração dos meios de prova, como é a reconstituição do facto.
“Vista a dimensão da reconstituição do facto como meio de prova autonomamente adquirido para o processo, e a integração (ou confundibilidade) na concretização da reconstituição de todas as contribuições parcelares, incluindo do arguido, que permitiram, em concreto, os termos em que a reconstituição decorreu e os respectivos resultados, os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a reconstituição podem prestar declarações sobre o modo e os termos em que decorreu; tais declarações referem-se a elementos que ganham autonomia, e como tal diversos das declarações do arguido ou de outros intervenientes no acto, não estando abrangidas na proibição do artigo 356º, nº 7 do CPP.
Temos por claras e boas as razões alinhadas na jurisprudência acabada de citar.
É necessário ser-se prudente na densificação das garantias individuais por via interpretativa, preservando-se – ou, já, restaurando-se – um certo equilíbrio entre tais direitos e garantias e a expressão da tutela de bens jurídicos essenciais para a vivência comunitária, na medida necessária à subsistência dos mesmos, sob iminente risco, assim não sendo, de uma profunda descaracterização da justiça penal.
No nosso caso, a diligência sob crítica foi realizada com total assentimento e colaboração do arguido, ora recorrente. Pode afirmar-se, sem receio, que o arguido agiu, nessa diligência probatória com inteira liberdade e disponibilidade da sua pessoa, até porque ainda não se encontrava detido, aquando da realização da mesma. Acresce que o arguido, ora recorrente, se encontrava, na referida diligência, devidamente acompanhado por defensora, advogada, a mesma, aliás, que proveu a sua defesa ao longo de todo o processo, incluído o presente recurso.
Na diligência em causa o ora recorrente não se limitou a fazer declarações; conduziu os investigadores aos locais onde iniciou as combustões que originaram os dois incêndios correspondentes aos crimes por cuja autoria foi condenado. Que foi ele quem se dirigiu aos ditos locais e indicou a sua precisa situação não cabe qualquer dúvida e resulta dos depoimentos das testemunhas que o acompanharam na diligência em referência. Os depoimentos nesta parte também não suscitam qualquer dúvida, pois, estando presente a advogada do arguido, não deixaria esta de se ter oposto se as coisas não se tivessem passado assim, ou, pelo menos, de o denunciar.
Nos locais, o arguido explicou o modo como deu início aos incêndios, em tudo compatível com os efeitos registados. E deixou-se fotografar a assinalar os sítios onde o fez.
Não era necessário, para isso, que ele se tivesse ajoelhado, tivesse reunido um monte de fetos e carumas e lhes tivesse largado fogo com um isqueiro ou com uma vela. Isso sim seria um excesso de formalismo, a nosso ver, e com todo o respeito, descabido. Os actos indicados são de extrema simplicidade. Fazem parte da mais básica experiência comum e não precisam de ser demonstrados para ser imediatamente percebidos e compreendidos. Seria, mesmo, um pouco ridículo, reconstituí-los em imagens, não obstante serem do conhecimento de todos, apenas para efeitos de validação do acto processual. Se se tratasse de actos complexos, de compreensão duvidosa, ou cuja prática exigisse o concurso de qualquer forma especial de perícia, então sim, a demonstração prática da forma como tinham sido executados faria todo o sentido.
Serve isto para dizer que, em matéria de reconstituição do facto, cada caso é um caso e que só face às circunstâncias concretas em presença se pode aferir se a reconstituição é bastante como tal ou não.
No nosso caso, considerando o que já foi dito, temos que nada mais havia a reconstituir e que a reconstituição em causa contém em si mesma acções concretas que a distingue das meras declarações.
Tanto basta para concluir que o recurso deve improceder.
III.
Atento todo o exposto,
Acordamos em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Condena-se o recorrente no pagamento de 3 UC de taxa de justiça.

Porto, 2012/06/27
Manuel Ricardo Pinto da Costa e Silva
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
__________________
[1] Tal como se escreveu, v.g., no acórdão do S.T.J. de 03/07/2008, no processo n.º 824/08- 5.ª secção.
[2] Assim, no acórdão do S.T.J. de 14/06/2006, no processo n.º 1574/06, 3.ª secção
[3] Como consta do acórdão do S.T.J. de 30/03/2005, no processo n.º 552/05-3.ª secção.
[4] Ibidem.