Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
250/08.1YYPRT-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
VENDA DO IMÓVEL ARRENDADO EM EXECUÇÃO
CADUCIDADE DO ARRENDAMENTO
Nº do Documento: RP20171214250/08.1YYPRT-D.P1
Data do Acordão: 12/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 801, FLS 73-77)
Área Temática: .
Sumário: I - Numa sobreposição de direitos – o do arrendatário e o do credor hipotecário –deverão prevalecer os direitos deste por o registo da hipoteca ser anterior à constituição do arrendamento e ser a hipoteca do conhecimento ou da cognoscibilidade da arrendatária.
II - Desta forma, e de acordo com o disposto no artigo 824º, nº 2 do C. Civ., o direito de arrendamento da recorrente caducou com a venda judicial do imóvel sobre que versava a locação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n° 250/08.1YYPRT-D.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução do Porto - 6: Secção

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

No processo de execução supra identificado foi proferido o seguinte despacho:
“No âmbito do presente processo, a penhora que incidiu sobre o imóvel em causa foi registada na Conservatória do Registo Predial em 09/07/2008 (fls. 113).
Acresce que sobre o mesmo imóvel incidia uma hipoteca, registada na Conservatória do Registo Predial em 28/01/2002 (fls. 112), a favor do B..., S.A., que foi incorporado no C..., S. A. o qual cedeu o seu crédito a D...; tendo esta adquirido o imóvel (fls. 684 e segs.).
Consta do documento intitulado «contrato de arrendamento para habitação» relativo ao imóvel em causa que o mesmo foi celebrado em 01/01/2004 (fls. 190).
Assim, porque o invocado arrendamento é ulterior à constituição da hipoteca caducou com a venda do imóvel, por aplicação do regime estabelecido no art. 824.° do Código Civil (neste sentido, entre muitos outros, cfr o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/12/2013, processo n." 88726/0S.2YYLSB.LI-2, disponível em www.dgsi.pt).
Pelo exposto, determina-se que se proceda à entrega do imóvel a D..., com o auxílio da força pública, se necessário, nos termos do art. 828.° do Código de Processo Civil.“

E..., interveniente Acidental nos autos veio interpor recurso deste despacho:
1. Discordando do despacho proferido pelo Tribunal Recorrido que notificou a Recorrida nos seguintes termos "Pelo exposto, determina-se que se proceda à entrega do imóvel D..., com auxílio da força pública se necessário, nos termos do art. 828º do Código do Processo Civil. "
2. A Recorrente foi agora notificada com o objetivo de proceder à entrega do imóvel que tomou de arrendamento em Janeiro de 2004 junto dos Executados.
3. A Apelante, conjuntamente com o seu agregado familiar, estabeleceu o seu domicílio em tal locado, tendo vindo a cumprir desde essa data todas as obrigações a que se encontra sujeita, nomeadamente o pagamento da renda e reparações de manutenção no imóvel.
4. A qualidade de Arrendatária do imóvel objecto dos presentes autos foi já atempadamente reconhecida no recurso da lide processual, tanto mais que a Recorrente foi constituída nos autos na qualidade de Interveniente Acidental - está assim amplamente reconhecida a existência de um contrato de arrendamento.
5. O despacho em reflexão pretende por fim ao contrato de arrendamento em que o objecto é o imóvel constante nos presentes autos sobre o qual incide um contrato de arrendamento celebrado entre os Executados e a Apelante.
6. A Apelante não se conforma assim que o presente processo possa conter, ainda que por mero despacho, uma decisão que na prática põe termo ao contrato de arrendamento do qual a Apelante é titular - em nenhum momento do presente processo foi discutida a validade, eficácia e continuidade da vigência do contrato de arrendamento.
7. Tal matéria não foi objecto de discussão nos presentes autos, nem o poderia ser, uma vez que a questão do eventual termo do contrato de arrendamento teria que ocorrer num processo autónomo, quanto mais não fosse num apenso aos presentes autos.
8. Mesmo que assim não se entendesse e o douto Tribunal Recorrido se julga-se competente para a análise e decisão da eventual cessação do contrato de arrendamento, tal matéria deveria ser objeto de discussão e logo assim concedido o prazo à Apelante para se puder pronunciar quanto a essa questão.
9. Não foi dada oportunidade à Recorrente para o exercício do direito de defesa, claramente estamos face à violação de um direito Constitucionalmente consagrado - vem desde já a Recorrida invocar tal facto.
10. Assim sendo requer se desde já que a decisão constante do despacho proferido pelo douto Tribunal Recorrido seja revogada e assim ser considerado sem efeito.
SEM PRESCINDIR:
11. A Apelante, tal como resulta de toda a matéria vertida nos autos mantém-se como arrendatária do imóvel desde há mais de 13 anos.
12. Cumprindo, como já foi afirmado, todas as obrigações inerentes à relação arrendatícia a que se obrigou aquando a celebração do contrato de arrendamento - a Apelante em momento algum deixou de dar cumprimento ao pagamento da renda.
13. A Recorrente sempre agiu no cumprimento da boa-fé não se escusando em nenhum momento das suas obrigações, facto este que se comprova através da participação processual que foi mantendo.
14. Tal decisão implica, se não houvesse recurso da mesma (e obviamente o trânsito da decisão), que de um momento para o outro a Apelante e o seu agregado familiar fossem despejados de uma habitação que se encontra a ser legalmente ocupada há mais de 13 anos.
15. Não pode assim, também por este motivo, aceitar-se a decisão constante do despacho agora em oposição por manifestar um claro sentido de injustiça na acessão legal e moral da palavra.
16. O direito (de propriedade) da D..., não pode assumir um carácter de relevo superior ao direito (de habitação) contratualmente estabelecido pelas partes de boa-fé.
17. O prejuízo causado à Apelante e ao seu agregado familiar com a decisão constante do despacho em reflexão é claramente superior ao benefício que tal ato produz à Recorrida.
18. No entender da Recorrente tal despacho deverá ser dado sem efeito mantendo se nessa forma o contrato de arrendamento existente.
19. Renova-se que a Apelante e logo assim o contrato de arrendamento celebrado entre esta e os Executados não pode ser posto em causa em virtude da transferência da propriedade junto da Recorrida.
20. Por mera cautela de patrocínio renova-se o já requerido no sentido de ao presente recurso ser concedido efeito suspensivo, não sendo praticado qualquer ato até transito e julgado da decisão final.
Assim, revogando a sentença do Tribunal lia quo", e mantendo o contrato de arrendamento farão V. Exas inteira e sã JUSTICA!

A exequente, D... apresentou contra-alegações, concluindo:
1. No Recurso interposto, nomeadamente nos artigos 1 a 7 do mesmo, a Recorrente alega residir no imóvel desde 2004, data em que celebrou contrato de arrendamento com o anterior proprietário, Executado nos presentes autos, Sr. F....
2. Alega ainda, que o Despacho do qual recorreu não poderá pôr fim ao contrato de arrendamento do qual é titular porque Nem nenhum momento do presente processo foi discutida a validade, eficácia e continuidade da vigência do contrato de arrendamento".
3. Salvo devido respeito, não poderão colher, por desconformes à lei aplicável, os argumentos vertidos pela Recorrente nos artigos 1 a 7 do Recurso interposto.
Isto porque,
4. Atendendo às normas jurídicas aplicáveis, a decisão proferida pelo Tribunal a quo não enferma de qualquer irregularidade nem belisca, como tenta fazer crer a Recorrente, os ideais de justiça.
5. Prescreve a norma do art. 824.º/2 do Código Civil que, em venda em execução, "Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo."
6. O contrato de arrendamento data de 1 de Janeiro de 2004, data posterior àquela em que foi constituída Hipoteca Voluntária a favor do Banco cedente, registada na respectiva CRP do imóvel com a Ap. 28/01/2002.
7. Verificando-se que o registo de Hipoteca é anterior ao contrato de arrendamento, a venda do imóvel em execução operará a caducidade do contrato de arrendamento, nos termos do disposto no art. 824.º/2 e 3 do Código Civil.
8. Este entendimento recolhe assentimento uniforme na jurisprudência e doutrina nacionais, designadamente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/10/2015, Processo n.º 896/07.5TBSTS.P1.S1, no qual é defendido o seguinte: "v - O STJ, preocupado sobretudo com a dimensão real do arrendamento, vem decidindo uniformemente que com a venda judicial de um imóvel hipotecado que tenha sido dado de arrendamento a terceiro após o registo da referida hipoteca caduca o direito do respectivo locatário, nos termos do n.º 2 do art. 824.º do CC"
9. Entendimento este que também decorre do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/07/2015, Processo n.º 430/11.2TBEVR-Q.E1.S1, do qual se retira que: "Com a venda judicial de um imóvel hipotecado que tenha sido dado de arrendamento a terceiro após o registo da referida hipoteca, caduca o direito do respectivo locatário, nos termos do n.º 2 do art. 824.º do CC"
10. Também no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 6/09.4TBCBR.C1, é sufragado o mesmo entendimento: "A hipoteca constituída e registada em data anterior ao contrato de arrendamento impõe, em caso de venda judicial do imóvel ao credor hipotecário, a caducidade de tal contrato, em face do disposto no art. 824.º/2 do CCivil, aplicável em face da analogia com as situações aí previstas."
11. Também na doutrina, esta solução tem sido unanimemente defendida, designadamente pelos Profs. Drs. Remédio Marques e Miguel Mesquita (in Curso de Processo Executivo Comum à face do Código Revisto, pág. 408 e ss e in Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiro, pág. 179 e ss) que referem que: "De igual modo, a caducidade, após venda judicial, dos contratos de arrendamento não sujeitos a registo celebrados antes de penhora, arresto ou garantia invocada na execução, bem como daqueles outros que embora sujeitos a registo tenham sido levados a registo posteriormente à inscrição daqueles actos."
12. Na mesma senda, o Prof. Oliveira Ascensão (in ROA, Ano 45, Setembro, pág. 365 e 366) afirma que: "por um lado, o n.º 2 do art. 824.º do cc refere-se aos direitos inerentes e entre estes conta-se o arrendamento e, por outro lado, este está incluído nos direitos reais que produzem efeitos em relação a terceiros independentemente de registo, e tudo isto para além de se curar da natureza (real ou obrigacional) do contrato de arrendamento."
13. Pelo exposto, verificamos não assistir razão à Recorrente quando refere que não foi discutida, nos autos, a validade, eficácia e continuidade do contrato de arrendamento, uma vez que, no caso ora vertido, em que a hipoteca foi constituída em data anterior ao arrendamento, a caducidade deste contrato opera ope legis, por força da lei, deixando a Recorrente de ter título justificativo para ocupação do imóvel.
14. Posteriormente, nos artigos 8 a 10 do Recurso interposto, a Recorrente alega não lhe ter sido dada oportunidade para o exercício de defesa.
15. Também aqui, como veremos, não assiste razão à Recorrente.
16. Para salvaguarda dos interesses do arrendatário, é conferido pela lei o direito de preferência na alienação do bem sobre o qual incide o contrato de arrendamento, nos termos do disposto no art. 1091.Qj1 a) do Código Civil,
17. Podendo aquele direito ser exercido, nos termos do disposto no art. 819.º/1 do Código de Processo Civil.
18. ln casu, os titulares do direito legal de preferência foram devidamente notificados pelo Agente de Execução, nos termos da norma referida no número anterior, à data de 07/11/2016.
19. Não tendo manifestado, no prazo legalmente estipulado, interesse em exercer o direito de preferência, operou-se a preclusão do mesmo.
20. Motivo pelo qual o imóvel foi, posteriormente, adjudicado e registado a favor da Exequente adquirente D....
21. Ora, tendo o Agente de Execução cumprido todos os quesitos previstos na lei, não se vislumbra, ao contrário do alegado pela Recorrente, qualquer violação do direito de defesa.
22. Esta foi notificada, em tempo útil, para exercer o único direito conferido pela lei aos arrendatários, cujo arrendamento date de momento posterior ao registo de Hipoteca, para defesa dos seus interesses em caso de venda executiva do imóvel.
23. Motivo pelo qual não poderão colher, por falta de fundamento jurídico, os argumentos e pretensões vertidas nos artigos 8 a 10 do douto Recurso.
24. A final, a Recorrente alega, nos artigos 11 a 19 do Recurso interposto, que deverá manter-se o contrato de arrendamento existente, porquanto NO direito (de propriedade) da D..., não pode assumir um carácter de relevo superior ao direito (de habitação) contratualmente estabelecido pelas partes de boa-fé."
25. Antes de mais, e ao contrário do alegado pela Recorrente, retenhamos que a Exequente adquirente D... não é parte do contrato de arrendamento, pelo que não decorrem, deste contrato, quaisquer obrigações contratuais na sua esfera jurídica.
26. Depois, a questão levantada pela Recorrente sempre será resolvida por aplicação do regime da colisão de direitos, consagrado no art. 355.º do Código Civil.
27. No caso em análise, por aplicação do disposto no n.º 2 da supra referida norma, o direito de propriedade terá de prevalecer sobre o alegado direito à habitação, pelo facto de o primeiro (direito de propriedade) corresponder a um verdadeiro direito subjectivo do proprietário e o segundo (direito à habitação) corresponder a um direito a prestações do Estado (e não dos particulares proprietários), não sendo directamente aplicável, nem exequível por si mesmo, como defende o Prof. Dr. Vieira de Andrade (in Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 (Reimpressão), Coimbra, Almedina, 1987, p. 199 ss e 343 ss).
28. Este entendimento é sufragado pelo próprio Tribunal Constitucional em Acórdão proferido em 1/04/1992, Processo n.º 122/90.
29. Pelo exposto, não poderão colher, por falta de fundamento legal os argumentos e pretensões vertidos pela Recorrente nos artigos 11 a 19 do douto Recurso.
30. Aqui chegados, deverão improceder, por desprovidas de fundamento fáctico-jurídico, todas as pretensões da Recorrente, confirmando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, não merecendo aquela qualquer censura.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida. Só assim se decidindo será feita a costumada justiça!

Assim, a questão a resolver consiste em apurar se o arrendamento celebrado depois do registo da hipoteca caducou com a venda do imóvel

II – Fundamentação de facto
Para a decisão do recurso releva a factualidade que se extrai do relatório supra.

III – Fundamentação de direito
Dispõe o artigo 824º, nº 2 do C. Civ. que os bens transmitidos em execução são transmitidos livres dos direitos de garantia que os oneram, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.
Ao direito do arrendatário deve ser aplicado por analogia o disposto no artigo 824º, nº 4 mencionado.
Este entendimento é apoiado por Oliveira Ascensão, in Revista da Ordem dos Advogados, nº 45, pág. 363 e ss., M. Henrique Mesquita, in RLJ, 127º, 223, Romano Martinez, in “Da Cessação do Contrato”, pág. 321 e por Ana Carolina S. Sequeira in “A Extinção e Direitos por Venda Executiva”, in ” Garantias das Obrigações”, págs. 23 e 43.
Também o Supremo Tribunal de Justiça assim vem decidindo, de forma unânime, conforme se alcança, v.g., dos acórdãos de 16-09-2014, no proc. nº 351/09TVLSB.L1.S1; de 27-05-2010 no proc. nº 5425/03.7TBSXL.S1; de 5-02-2009 no proc. nº SJ200902050040872; de 28-06-2007, no proc. nº 1838/07 e de 31-10-2006, no proc. nº 3241/06. de 09-07-2015 e no proc. nº 430/11.2TBEVR-Q.E1.S1, em www.dgsi.pt.
Com efeito, o direito do arrendatário tem natureza pessoal ou creditícia mas também tem contornos que se assemelham aos direitos reais em que o regime dos direitos reais se lhe aplica – cfr. artigo 1037º, nº 2 do Cód. Civil.
O disposto no artigo 1051º do Cód. Civil, que indica os casos em que o contrato de arrendamento caduca, não é taxativo, nomeadamente, por também poder caducar em caso de impossibilidade de cumprimento, nos termos do artigo 795º do Cód. Civil.
E o disposto no artigo 1057º do Cód. Civil não pode justificar o entendimento oposto pois este preceito não se aplica à venda judicial, a qual tem norma própria que é a do referido artigo 824º, nº 2.
Se a hipoteca não impede o poder de alienação ou de oneração do imóvel sobre que incide, como decorre do disposto no art. 695º do Cód. Civil, não é menos certo que, gozando o titular da hipoteca do direito de preferência decorrente da prioridade do registo, fica o proprietário do bem limitado em relação ao seu direito de propriedade, como seja o de pôr em causa o valor do mesmo.
A hipoteca é a garantia de um crédito em que o valor do imóvel é um elemento fundamental na atribuição do empréstimo que lhe subjaz e na determinação do respectivo quantitativo, a situação de arrendamento do imóvel será sempre um dos elementos relevantes dessa avaliação.
Se o imóvel está dado de arrendamento, o credor hipotecário pode conhecer dessa circunstância e essa qualidade é-lhe oponível, por ser anterior ao da constituição da hipoteca.
Se, pelo contrário, o prédio não está dado de arrendamento e o imóvel está livre, a constituição do arrendamento posteriormente ao registo da hipoteca, vem piorar a situação do credor hipotecário, situação esta com que o mesmo razoavelmente não podia contar, pois o arrendamento é posterior à hipoteca.
E na ponderação dos interesses do credor hipotecário em face dos interesses do arrendatário, devem prevalecer os primeiros, pois o arrendatário pode saber da situação de hipotecado do imóvel, dada a obrigatoriedade da hipoteca de constar do registo.
O arrendamento do imóvel constitui um verdadeiro ónus sobre o imóvel e sobre o seu valor, dada a natureza vinculística do mesmo, não obstante as alterações recentes na regulamentação legal do arrendamento urbano que vieram atenuar em muito esse carácter.
Numa interpretação teleológica e apelando à analogia ou semelhança das situações de facto e consequências práticas, designadamente, de natureza sócio económicas, deverá entender-se que a dita norma do artigo 824º se aplica a todos os direitos de gozo, quer de natureza real quer pessoal de que a coisa vendida seja objecto e que produzam efeitos em relação a terceiros. O arrendamento, dada a sua eficácia em relação a terceiros, deve ser para este efeito, equiparado a um direito real. De outra forma, pôr-se-ia em causa o escopo da lei, de que a venda em execução se faça pelo melhor preço possível.
Como explica M. Henrique Mesquita, in “Obrigações Reais e Ónus Reais”, pág. 183: “O intérprete deve ter sempre presente que o direito do locatário é tratado, para certos efeitos, como direito de soberania e, para outros, como direito meramente creditório, assente numa relação intersubjectiva que liga permanentemente o locador e o locatário. E face a este estatuto dualista, o caminho metodologicamente correcto para esclarecer dúvidas interpretativas ou resolver problemas de regulamentação será o do recurso, nuns casos, aos princípios que disciplinam os direitos reais e, noutros, aos princípios que regem as obrigações, consoante os interesses em jogo, apreciados e valorados à luz das soluções ditadas pelo legislador para os problemas de que directa e expressamente se ocupa.”
Numa sobreposição de direitos – o do arrendatário e o do credor hipotecário –deverão prevalecer os direitos deste por o registo da hipoteca ser anterior à constituição do arrendamento e ser a hipoteca do conhecimento ou da cognoscibilidade da arrendatária.
Desta forma, e de acordo com o disposto no artigo 824º, nº 2 referido, o direito de arrendamento da recorrente caducou com a venda judicial do imóvel sobre que versava a locação.
Aduz a recorrente que não lhe foi dada oportunidade para exercer o seu direito de defesa, constitucionalmente consagrado
Porém, não se vislumbra uma tal violação pois que, como deixou explanado, quando foi celebrado o contrato de arrendamento já a hipoteca tinha sido constituída e registada, ou seja, tornada pública e facilmente cognoscível.
Pelo exposto, e sem mais delongas, delibera-se julgar totalmente improcedente a presente apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante

Porto, 14 de Dezembro de 2017
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues
Maria Cecília Agante