Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4203/19.6T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA DECISÃO ADMINISTRATIVA
ASSISTÊNCIA POR ADVOGADO
VALOR DA COIMA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ENTIDADE EMPREGADORA
OBRIGAÇÃO DE AVALIAÇÃO
PREVENÇÃO DE PERIGOS E RISCOS
Nº do Documento: RP202009084203/19.6T8MTS.P1
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - No processo de impugnação judicial de decisão da autoridade administrativa não é obrigatória a assistência do arguido por advogado, quer para interposição de recurso, quer para assegurar a sua defesa em juízo quando não tenha constituído defensor – caso em que poderá intervir activamente no julgamento – quer quando não compareça em juízo nem se faça representar por advogado, desde que o juiz não tenha considerado a sua comparência necessária ao esclarecimento dos factos.
II - O n.º 1, do artigo 49.º, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, ao condicionar a admissibilidade do recurso aos casos em que tenha sido “aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente”, reporta-se ao valor da coima individualmente considerada aplicada pela prática de uma determinada contra-ordenação e não, quando for caso de pluralidade de infracções, à coima única aplicada em cúmulo jurídico.
III - Trabalhados realizados a uma altura de 8 metros envolvem um risco de queda com consequências graves, significando isso estar-se perante uma situação de risco elevado, nos termos enunciados no art.º 79.º al. a), da Lei 102/09.
IV - Impunha-se uma actuação preventiva da recorrida entidade empregadora, avaliando todas os aspectos necessários à execução dos trabalhos em causa, para avaliação da melhor forma de serem executados, nomeadamente, identificando os perigos e riscos envolventes e arranjando soluções para os evitar tanto quanto possível, para depois se planear a metodologia a seguir em conformidade com essa avaliação preventiva, definindo os procedimentos concretos a serem observados, bem assim para se prestarem aos trabalhadores todas as instruções e indicações bem definidas e concretas, necessárias à sua compreensão daquele planeamento, que em princípio salvaguardariam a sua segurança [art.º 15.º 1 e 2 alíneas a), b) e c), e n.º3, da Lei 102/2009].
V - Concomitantemente, impunha-se que fossem assegurados meios de proteção contra quedas, fossem colectivos ou individuais, desde que adequados às circunstâncias da situação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4203/19.6T8MTS.P1
Recurso de Contra-ordenação laboral
4.ª SECÇÃO
I. RELATÓRIO
I.1 B…, SA, C… e D…, inconformados com a decisão da Autoridade Para as Condições do Trabalho, aplicando-lhe uma coima única de 22.000 € , interpuseram recurso de impugnação judicial.
A coima impugnada foi aplicada com base na imputação à arguida sociedade da prática das infracções seguintes:
- violação do disposto no art.º 15º n.º 1, 2, 3, 4, 5 e 11 da Lei n.º 102/2009 de 10/09 - incumprimento da obrigação de assegurar aos trabalhadores, de forma continuada e permanente, condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do trabalho, sendo inexistente o planeamento da prevenção, integrando a identificação e a avaliação dos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores e a adopção das adequadas medidas de prevenção -, que constitui contraordenação grave punível com coima de 55 UCs (5.610€) a 280 UCs (28.560€), em caso de actuação negligente, e de 145 UCs (14.790€) a 800 UCs (81.600€) em caso de actuação dolosa – art. 15º n.º 14 da referida Lei e, ainda, arts. 554º n.º 4, al. d) e 556º n.º 1, ambos do CT;
- violação do disposto no art.º 111º n.º 1 da Lei n.º 102/2009 de 10/09 - não comunicação à ACT da ocorrência de acidente de trabalho, no prazo legalmente previsto para o efeito -, que constitui contraordenação grave punível com coima de 12 UCs (1.124€) a 25 UCs (2.550€), em caso de actuação negligente, e de 26 UCs (2.652€) a 50 UCs (5.100€) em caso de actuação dolosa – cfr. n.º 3 do citado art. 111º e art. 554º n.º 3, al. d), do CT.
Ambas as infracções foram imputadas a título de negligência, tendo-lhes sido aplicadas, respectivamente, as coimas parcelares de 20.000€ e de 2.000€, sendo a final fixada a coima única acima referida.
Pelo pagamento da coima foram, ainda, condenados, como responsáveis solidários, os administradores da arguida sociedade – C… e D….
Na impugnação da decisão judicial os arguidos apresentaram as conclusões seguintes:
1º A participação do acidente de trabalho não foi efectuada de imediato uma vez que se desconhecia a gravidade das lesões sofridas pelo sinistrado, sendo que a lei não define o que se deve entender por “lesão física grave”;
2º A arguida “B…” não violou quaisquer regras de segurança, tendo, inclusive, contratado os serviços de uma empresa externa para elaboração de um estudo de segurança, higiene e saúde no trabalho (datado de 13/01/2013), no qual, contudo, não foi previsto o risco de queda aqui em causa (pelo que nenhuma responsabilidade tem a arguida por tal omissão, a qual só à referida empresa é imputável);
3º A queda apenas ocorreu em virtude de o sinistrado não ter actuado com o cuidado que lhe era exigível (por sua própria iniciativa subiu ao telhado e circulou sobre as telhas, afastando-se da zona correspondente ao percurso seguro);
4º As coimas parcelares são elevadas e, a coima referente ao Proc. n.º 191501085 ultrapassa os limites máximos previstos para uma actuação negligente.
Pediram a sua absolvição ou, subsidiariamente, a aplicação das coimas pelos montantes mínimos.
A impugnação judicial foi admitida e designada data para julgamento.
I.2 Realizado o julgamento, o tribunal a quo proferiu sentença fixando os factos e aplicando o direito, concluindo-a com o dispositivo seguinte:
- «De harmonia com o exposto, decide-se julgar totalmente improcedente, por não provado, o presente recurso e, consequentemente, manter a decisão condenatória da autoridade administrativa que condenou a arguida no pagamento de uma coima única de 22.000€, acrescida de custas, sendo os respectivos legais representantes – C… e D… – solidariamente responsáveis por tal pagamento.
Custas a cargo da arguida/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs.
Notifique e deposite de imediato.
Após trânsito, comunique, com cópia da presente decisão, à ACT do Porto (art. 45º n.º 3 da Lei n.º 107/09 de 14/09). (..)».
I.3 Não se conformando, a arguida B…, SA interpôs recurso, o qual foi admitido com o efeito e modo de subida adequados, apresentando alegações finalizadas com as conclusões seguintes:
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I.4 Notificado do requerimento do recurso e respectivas alegações, o Digno Magistrado do Ministério Público apresentou contra-alegações, sintetizando-as nas conclusões seguintes:
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I.5 Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (art.º 416.º do CPP), acompanhando, no essencial, a posição assumida pelo Ministério Público nas contra-alegações, em síntese, entendendo não se verificar qualquer das arguidas nulidades, não dever o recurso ser admitido quanto à condenação numa coima parcelar de 2.000,00€ e, por último, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
I.5.1 Respondeu a recorrente, replicando o que alegou no recurso e, assim, reiterando a posição a posição ai assumida.
I.6 Foram cumpridos os vistos legais e determinada a inscrição para julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (art.ºs 403, nº 1, e 412º, n.º 1, do CPP), as questões que se colocam para apreciação são as seguintes:
i) Nulidade da audiência de discussão e julgamento e da sentença, por “violação do justo impedimento previstas no artigo 107º n.º 2 e 117º do CPP e (..) nulidade prevista no disposto no artigo 119.º al. c) do CPP, ex vi o disposto no artigo 64.º n.º 1 al. g) do mesmo diploma, e ainda, (..) violação do direito constitucionalmente consagrado de defesa, plasmado no artigo 20º n.º 2 da CRP” [Conclusões 1 a 9 e 13].
ii) Nulidade do despacho de 28-01-2020, que indeferiu o requerimento de 23-01-2020, arguindo a nulidade da audiência de julgamento [Conclusões 10, 11 e 12].
iii) Erro de Julgamento na aplicação do direito aos factos [Conclusões 14 e segts].
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O tribunal a quo fixou o elenco factual seguinte:
1. A arguida “B…, S.A” dedica-se à actividade do comércio de veículos automóveis (CAE …..) e tem sede e local de trabalho na Rua …, n.º …, …, Matosinhos.
2. É legalmente representada por C…, residente na Av. …, n.º …, Porto, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, e por D…, residente na Rua …, n.º …., …, Santa Maria da Feira, na qualidade de Vogal.
3. No ano de 2013, de acordo com o respectivo relatório único, a arguida apresentou um volume de negócios de 5.386.493€.
Processo 191501085
4. F… foi admitido pela arguida no dia 02/01/2014 para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer funções inerentes à categoria profissional de lavador de automóveis.
5. No dia 20/08/2014, pelas 16h, no cumprimento de prévia ordem transmitida pela arguida, F… e o colega G… (o qual tem a categoria profissional de pintor de automóveis) deslocaram-se para a cobertura das instalações da arguida para procederem à limpeza de caleiras e à colocação de fios dissuasores de aves.
6. A referida cobertura é constituída por placas de fibrocimento e placas translúcidas.
7. Os trabalhadores acederam ao local através de uma escada fixa, existente no interior das instalações.
8. Na sequência da rutura de uma placa translúcida, F… caiu de uma altura de cerca de oito metros, para o interior da nave, embatendo no solo e sofrendo fraturas múltiplas, ao nível costas/coluna, ombro, braço e mão.
9. Notificada para apresentar o relatório de avaliação de riscos, a arguida juntou um documento intitulado “Estudo dos Postos de Trabalho”, elaborado pela sociedade “H…, L.da”, datado de 14/01/2013, do qual não consta a avaliação dos possíveis riscos decorrentes dos trabalhos desenvolvidos pelos dois trabalhadores (F… e G…) – cfr. doc. de fls. 14 a 19 (vide, ainda, doc. junto de fls. 294 a 314).
10. Apresentou, ainda, o relatório /análise de acidente, onde é referido não existir avaliação dos riscos nem procedimentos de segurança/plano de trabalhos para as tarefas realizadas na cobertura no momento do acidente – cfr. docs. de fls. 20 a 28.
11. Os trabalhos de limpeza desenvolvidos pelos dois trabalhadores envolviam risco elevado de queda em altura.
12. A arguida não adoptou/implementou medidas para prevenção de tal risco (nomeadamente o uso de equipamento de proteção coletiva e/ou proteção individual para a realização dos trabalhos em curso no momento do acidente), nem promoveu a sua planificação (tendente à segurança dos trabalhadores), uma vez que não fez a avaliação dos referidos riscos.
13. Igualmente não garantiu que o trabalhador F… tivesse conhecimentos adequados e aptidão para executar as tarefas que lhe foram determinadas, assim como que o equipamento de trabalho reunisse as necessárias condições para segurança do trabalhador (designadamente para diminuição do risco de queda em altura).
14. A arguida sabia e também não podia desconhecer que tinha a obrigação de se certificar de que o seu trabalhador estava a exercer as tarefas por si determinadas com todas as condições de segurança e que tinha a formação necessária.
15. Com relação à limpeza das caleiras no telhado, a arguida tinha transmitido ao sinistrado F… que o mesmo apenas deveria circular pelo percurso de segurança delimitado nas mesmas (as quais estão reforçadas a cimento).
Processo 191501084
16. A arguida não comunicou à Autoridade para as Condições do Trabalho a ocorrência do supra descrito acidente de trabalho no prazo de 24 horas.
17. No dia 02/09/2014, a arguida deu entrada nos serviços da ACT, Centro Local do Grande Porto, uma comunicação de acidente de trabalho ocorrido no dia 20/08/2014, através da qual informava que o trabalhador sinistrado estava a subir uma escada no interior das instalações (oficina) para proceder à limpeza do telhado – cfr. doc. de fls. 323 e ss.
18. Na sequência dessa comunicação, no dia 18 do mesmo mês, pelas 11h, foi efectuada visita inspetiva ao local do acidente (sito nas instalações da arguida).
19. A arguida sabia e não podia desconhecer a sua obrigação de comunicar à ACT, no prazo de 24h, o acidente ocorrido com o trabalhador F…, bem como que este estaria impedido de estar ao serviço no dia seguinte.
20. Com tal comportamento, a arguida obstou à realização da visita inspetiva, para apuramento dos factos, em tempo útil.
21. A arguida não actuou com o dever de cuidado que era possível e exigível em termos de segurança dos seus trabalhadores.
22. A arguida não apresenta antecedentes contraordenacionais.
Com relevo para a presente decisão mais nenhum facto logrou obter comprovação, designadamente:
1. que a arguida não tenha tido consciência da gravidade das lesões sofridas pelo sinistrado F…,
2. que a arguida tenha contactado a ACT para se inteirar se a ocorrência do acidente em causa teria de ser comunicada,
3. que a ACT tenha respondido que, perante os elementos de que dispunha (ausência de fractura exposta e possível traumatismo de braço e mão), o acidente não estivesse sujeito a comunicação obrigatória;
4. que apenas depois de a arguida I… ter “regressado de férias”, a mesma tenha tido conhecimento de que poderia estar em causa a ocorrência de uma “lesão grave” (disso dando conta ao Presidente do Conselho de Administração);
5. que, à data do acidente, o sinistrado denotasse apenas ter sofrido uma “lesão no braço”, bem como que o mesmo tenha sempre estado consciente (“falava, respirava, nunca sangrou”);
6. que, após o acidente, o sinistrado tenha pretendido “levantar-se pelas suas próprias pernas”,
7. que a arguida tenha comunicado à sociedade “H…, L.da” que, “de vez em quando”, os seus funcionários se deslocavam ao telhado para limpeza das caleiras;
8. que o sinistrado tenha desrespeitado a instrução descrita no facto provado n.º 15, antes tendo atravessado de um pavilhão para o outro por cima do telhado e, nessa sequência, partido as telhas e sofrido a queda;
9. que o colega G…, à data, tenha advertido o sinistrado para não agir nos moldes descritos no ponto anterior; e
10. que a deslocação ao telhado tenha sido da única e exclusiva iniciativa do sinistrado.
Consta ainda da decisão sobre a matéria de facto o seguinte:
- «A não menção à restante alegação e factualidade deve-se ao facto de a mesma versar sobre matéria conclusiva ou considerações direito ou de ser irrelevante para a presente sentença.
Atendendo, também, a que ambos os processos contraordenacionais se reportam a um mesmo evento (o acidente sofrido pelo sinistrado F…), levando a que existisse duplicação de factos, optou-se por apenas se transpor para a factualidade provada a descrição conjugada do descrito em tais processos (sem, com isso, alterar a factualidade em discussão e que foi imputada à arguida).
Igual procedimento se observou quanto à factualidade invocada pela arguida e que foi considerada assente (resultando, pois, um relato conjunto da factualidade descrita na proposta de decisão da ACT e nas alegações de recurso da arguida)».
II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
Aplica-se ao caso o regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro. E, por determinação do art.º 60.º, subsidiariamente, desde que o contrário não resulte daquela lei, “(..), com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra –ordenações”, isto é, no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-lei n.º 356/89, de 17 de Outubro e n.º 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro.
II.2.1 Nulidade da audiência de discussão e julgamento e da sentença
Com os argumentos constantes das conclusões 1 a 9 e 13, vem a recorrente arguir a nulidade da audiência de discussão e julgamento e da sentença, por “violação do justo impedimento previstas no artigo 107º n.º 2 e 117º do CPP e (..) nulidade prevista no disposto no artigo 119.º al. c) do CPP, ex vi o disposto no artigo 64.º n.º 1 al. g) do mesmo diploma, e ainda, (..) violação do direito constitucionalmente consagrado de defesa, plasmado no artigo 20º n.º 2 da CRP”.
Para a apreciação desta questão importa trazer aqui o despacho proferido pelo Tribunal a quo no início da sessão de julgamento, designada para o dia 17-01-2020, pelas 10h00, onde se lê o seguinte:
- «Encontra-se agendado para o dia de hoje a audiência de discussão e julgamento referente aos presentes autos de contraordenação, sendo que, pese embora todas as testemunhas estejam presentes, o mesmo já não sucede quanto à arguida, na pessoa do seu administrador, e quanto ao ilustre mandatário pela mesma constituída.
De acordo com o disposto no art. 42º da Lei n.º 107/2009 de 14/09, o arguido não é obrigado a comparecer à audiência, salvo se o juiz considerar a sua presença necessária, sendo que sempre aquele se poderá fazer representar por defensor (n.º 1 e 2). Nas hipóteses em que tal presença não tenha sido ordenada, a audiência prossegue sem a presença daquele (n.º 3).
Já o artigo seguinte prevê que, nas situações nas quais o arguido não comparece nem se faz representar por advogado, “tomam-se em conta as declarações que tenham sido colhidas no âmbito do processo de contraordenação que correu termos na autoridade administrativa competente (…) e procede-se a julgamento”.
Igual previsão consta dos arts. 67º n.º 1 e 2 e 68º n.º 1, ambos do RGCOC (aprovado pelo DL n.º 433/82 de 27/10, actualizado pelos DL n.º 356/89 de 17/10 e n.º 244/95 de 14/09), para o qual remete o art. 60º da citada Lei n.º 107/2009.
Já no que respeita à realização da audiência propriamente dita terão de ser observadas as formalidades previstas nos n.ºs 5 a 7 do art. 13º do DL n.º 71/91 de 10/01 (diploma que sofreu a rectificação n.º 73/91, de 30/04), não havendo lugar à redução da prova a escrito, nem à gravação – arts. 66º e 75º n.º 1 do RGCOC e, ainda, Ac. da RC de 25/01/2012 (Proc. n.º 1511/10.5TBTNV), disponível in www.dgsi.pt.
Resulta, ainda, do n.º 7 deste último art. 13º que, subsidiariamente, são aplicáveis as regras do CPP relativas ao julgamento em processo comum. Porém, uma vez que a Lei n.º 107/2009 prevê expressamente a matéria referente à obrigatoriedade (ou não) da presença dos arguidos e seus defensores constituídos na audiência de julgamento, salvo melhor entendimento, não há que recorrer subsidiariamente às normas do CPP.
Note-se que da parte final do n.º 1 do art. 68º do RGCOC decorre, aliás, que a falta do arguido e do seu defensor constituído não é motivo para adiamento da audiência. E, no seu n.º 2, apenas prevê a de marcação de nova audiência caso o “tribunal o considerar necessário”, o que não se verifica na situação, uma vez que não reputamos ser preciso ouvir a arguida (como já anteriormente se tinha defendido).
Aqui chegados, reportando tais considerações à presente situação, importa referir que, aquando do despacho que recebeu o recurso intentado pela arguida, se referiu expressamente: “não se considera necessária a audição dos legais representantes da arguida sociedade, designadamente do aqui também arguido C… – art. 42º n.º 1 da Lei n.º 107/09 de 14/09” (cfr. fls. 468/468v).
Por seu turno, a arguida juntou aos autos procuração pela qual constituiu três mandatários para, de forma “isolada e indistintamente”, assegurarem a sua defesa (cfr. fls. 315).
Nem a arguida, nem algum destes mandatários compareceu à presente audiência (sendo que a primeira nunca teria de o fazer face ao nosso anterior despacho).
Nenhum adiamento foi requerido, sendo que, igualmente, nenhum impedimento de comparência foi comunicado por algum dos três ilustres causídicos.
Ora, face a todo este quadro, julgamos inexistir qualquer obstáculo a que se proceda à audiência de julgamento para hoje agendada, a qual terá assim lugar (sem necessidade de ser nomeador defensor oficioso à arguida – cfr. art. 64º n.º 1, al. b), do CPP).
Por assumir pertinência para esta matéria, veja-se o decidido no Ac. da RL de 29/02/2012 (Proc. n.º 17528/10.7TT2SNT), disponível no já mencionado endereço electrónico: “I – No Processo de Contra Ordenação Laboral e da Segurança Social, existem regras próprias no que concerne à participação do arguido na audiência e relativamente à sua ausência na mesma. II – Por força dessas regras, o arguido não é obrigado a comparecer à audiência de julgamento. Só assim não será, ou seja, é o arguido obrigado a comparecer em julgamento quando o juiz considere a sua presença necessária ao esclarecimento dos factos.
Mas o arguido pode sempre, no entanto, fazer-se representar por defensor legal; se o entender tem direito de se fazer acompanhar por advogado (ou defensor) caso compareça em audiência. Caso não compareça e não tenha sido ordenada a sua presença pode fazer-se representar por defensor legal – o que significa que o mesmo não tem necessariamente de ser assistido”.
Neste aresto, no qual se defende, ainda, para casos como o presente, a desnecessidade de ser nomeado defensor oficioso ao arguido, pode, também, ler-se: “o art. 13º daquele diploma – referindo-se ao DL n.º 17/91 -, que trata das formalidades da audiência, tem actualmente um campo de aplicação particularmente diminuído e circunscrever-se-á apenas aos seus n.º 5, 6 e 9. Acresce que, a nosso ver, não resulta desse art. 13º, a obrigatoriedade da nomeação de defensor oficioso ao arguido, em caso da ausência deste e do seu mandatário constituído”.
Notifique.
Do presente despacho foram os presentes notificados.
De seguida, e com observância das formalidades legais, a Mm.ª Juiz procedeu à identificação e inquirição das testemunhas da seguinte forma:
[…]».
Para melhor compreender a fundamentação releva deixar nota que dos autos consta procuração forense passada pela recorrente entidade empregadora, através da qual “(..) constitui seus bastantes procuradores J…, E… e L…, Advogados, bem como M… e N…, Advogadas Estagiárias (…) aos quais, isolada e indistintamente, confere os mais amplos poderes em direito permitidos para a representar em qualquer Tribunal (..)”.
Para além disso, não só para aquele efeito, mas também para repor o rigor das coisas quanto ao alegado na conclusão 2, nomeadamente, que o Dr. E… “(..) comunicou atempadamente ao Tribunal” encontrar-se impossibilitado por doença e não poder comparecer ao julgamento, importa deixar esclarecido que essa comunicação deu entrada em juízo via e-email, no dia do julgamento, mas pelas 10h48m, ou seja, já bem depois da hora do início da audiência de julgamento, apresentando o conteúdo seguinte:
- «E…, Advogado nos autos à margem indicados, responsável pelo processo, expõe e requer a V.Exa. o seguinte:
Desde o início da noite de ontem/madrugada de hoje – 17 de janeiro de 2020 – o Mandatário da Recorrente está doente. Em virtude das fortes dores de garganta sentidas, e febres altas que rondam os 39ºC (com privação de sono), teve de recolher-se em casa por força das dores que sente, encontrando-se já medicado. Esta circunstância impede-o de comparecer na audiência de discussão e julgamento agendada para a manhã de hoje (17/01/2020). Com efeito, o signatário não está em condições de sair da sua residência Impedimento que se deverá prolongar, previsivelmente, até ao final do dia hoje.
Ao mesmo tempo, os demais Mandatários que figuram na procuração forense e que ainda trabalham no escritório do Mandatário da A. estão impedidos de assegurar a realização da audiência, em virtude de serviço judicial (diligências) previamente agendado.
Assim, desde já requer a V. Exa. se digne determinar o adiamento da diligência, uma vez que se encontra comprovado o justo impedimento.
Requer ainda a V. Exa. que, para facilitar o agendamento e evitar sobreposições de diligências já anteriormente agendadas, seja o escritório do signatário contactado pela secretaria, a fim de ser encontrada uma data com acordo para a realização da audiência de julgamento».
Vejamos se assiste razão à recorrente.
Como se extrai da conclusão 3, a recorrente argumenta que o Tribunal a quo errou por não ter atendido ao justo impedimento invocado e, ainda, por ter entendido que não era obrigatória a presença do defensor, aplicando incorrectamente o art.º 42.º n.º 1 da Lei 107/2009.
Quanto ao primeiro argumento, como resulta do acima referido o e-mail em que o ilustre mandatário alega não poder comparecer por razões de saúde, em concreto, por desde “Desde o início da noite de ontem/madrugada de hoje – 17 de janeiro de 2020 (..)” estar doente, só deu entrada em juízo já depois do início da audiência de julgamento, o que vale por dizer que o Tribunal a quo ao proferir o despacho não tinha sido oportunamente confrontado com o requerimento e, logo, por razões de ordem lógica, não podia pronunciar-se sobre questão que desconhecia.
Justamente por isso, o Tribunal a quo menciona no despacho que “Nenhum adiamento foi requerido, sendo que, igualmente, nenhum impedimento de comparência foi comunicado por algum dos três ilustres causídicos”.
Assim sendo, reportando-se a este despacho e à consequente realização da audiência de julgamento, a recorrente não tem fundamento para invocar a “violação do justo impedimento previstas no artigo 107.º n.º2 e 117.º do CPP”, não merecendo o argumento acolhimento.
No que concerne ao segundo argumento, adianta-se já, também não merece acolhimento, acompanhando-se as razões invocadas com clareza e suficiência no despacho recorrido.
Contrariamente ao que afirma o recorrente, o Tribunal a quo não se limita a aplicar o art.º 42.º n.º1, da Lei 107/2009, referindo ainda que “Já o artigo seguinte prevê que, nas situações nas quais o arguido não comparece nem se faz representar por advogado, “tomam-se em conta as declarações que tenham sido colhidas no âmbito do processo de contraordenação que correu termos na autoridade administrativa competente (…) e procede-se a julgamento”.
Mas não só, pois mais adiante escreveu-se ainda consta do despacho que “Resulta, ainda, do n.º 7 deste último art. 13º que, subsidiariamente, são aplicáveis as regras do CPP relativas ao julgamento em processo comum. Porém, uma vez que a Lei n.º 107/2009 prevê expressamente a matéria referente à obrigatoriedade (ou não) da presença dos arguidos e seus defensores constituídos na audiência de julgamento, salvo melhor entendimento, não há que recorrer subsidiariamente às normas do CPP”.
Nesses pressupostos, apoiando-se na jurisprudência do Acórdão da Rel. de Lisboa de 29/02/2012, cujo sumário é citado, o Tribunal a quo concluiu que não tendo sido considerada necessária a presença do arguido no despacho que recebeu a impugnação judicial da decisão administrativa, este pode fazer-se representar por defensor legal se assim o entender, mas se não estiver presente mandatário constituído, tal não obsta à realização do julgamento, nem tão pouco exige que seja nomeado defensor oficioso.
Entendimento que, como começámos por dizer, merece a nossa concordância. Com efeito, contrariamente ao que defende a recorrente da conjugação das normas indicadas na decisão recorrida, bem como do disposto nos artigos 53.º, 59.º2, 67.º 1 e 2 e 68.º 1 do RGCOC, resulta que no processo de impugnação de decisão judicial de decisão da autoridade administrativa não é obrigatória a assistência do arguido por advogado, quer para interposição de recurso, quer para assegurar a sua defesa em juízo quando não tenha constituído defensor – caso em que poderá intervir activamente no julgamento – quer quando não compareça em juízo nem se faça representar por advogado, desde que o juiz não tenha considerado a sua comparência necessária ao esclarecimento dos factos [cfr. António Beça Pereira, Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 9.ª Edição, 2013, p. 200/201 e 203].
Sublinha-se que o art.º 43.º da Lei 107/2009, não se afasta do n.º2, do art.º 68.º do RGCOC, de onde resulta que o julgamento só será adiado se houver especiais razões que justifiquem a necessidade de ouvir o arguido.
Por conseguinte, regulando a Lei 107/2009 esta matéria, bem assim o RGCOC, contrariamente ao defendido pela recorrente não são subsidiariamente aplicáveis as disposições do CPP, mormente o artigo 64º n.º 1, (conclusão 8).
Neste sentido pronuncia-se o Acórdão do TRL de 29-02-2012 [Proc.º 17528/10.7TT2SNT.L1-4, Desembargadora Albertina Pereira, disponível em www.dgsi.pt] - invocado na decisão recorrida e no qual foi apreciada questão análoga – elucidando-se na respectiva fundamentação o seguinte:
- «[..]
Quanto à 1.ª questão (nulidade da audiência de discussão e julgamento por falta de nomeação de defensor à arguida, com a consequente nulidade da sentença)
[..]
No PCOLSS existem, com efeito, regras próprias no que concerne á participação do arguido na audiência e relativamente à sua ausência na mesma. Aí se estabelece o seguinte:
Art.º 42.º
“ 1 - O arguido não é obrigado a comparecer à audiência, salvo se o juiz considerar a sua presença como necessária ao esclarecimento dos factos.
2 – O arguido pode sempre fazer-se representar por defensor legal.
3 – Nos casos em que o juiz não ordenou a presença do arguido a audiência prossegue sem a presença deste.”
Art.º 43.º:
“ Nos casos em que o arguido não comparece nem se faz representar por advogado, tomam-se as declarações em conta as declarações que tenham sido colhidas no âmbito do processo de contra-ordenação ou regista-se que ele nunca se pronunciou sobre a matéria dos autos, apesar de lhe ter sido concedida a oportunidade para o fazer, e procede-se a julgamento”.
Estes normativos têm, aliás, redacção semelhante ao que consta dos artigos 67.º e 68.º do DL 433/82, de 27 de Outubro, de onde resulta, designadamente, a não obrigatoriedade da comparência do arguido em julgamento, salvo se o juiz a considerar necessária ao esclarecimento dos factos, sendo que na hipótese de não ter sido ordenada a presença do arguido, poderá o mesmo fazer-se representar por advogado. Caso o arguido não compareça nem se faça representar por advogado, tomar-se-ão em conta as declarações colhidas no processo ou registar-se-á que ele nunca se pronunciou sobre a matéria dos autos, não obstante lhe ter sido concedida oportunidade para o fazer, e julgar-se-á.
Resulta, pois, com clareza das citadas disposições legais, que o arguido não é obrigado a comparecer à audiência de julgamento; só assim não será, ou seja, é o arguido obrigado a comparecer em julgamento quando o juiz considere a sua presença necessária ao esclarecimento dos factos – o que no caso não ocorreu.
O arguido pode sempre, no entanto, como se viu, fazer-se representar por defensor legal; se o entender tem o direito de se fazer acompanhar por advogado (ou defensor) caso compareça em audiência. Caso não compareça e não tenha sido ordenada a sua presença pode fazer-se representar por defensor legal. O que significa que o mesmo não tem necessariamente de ser assistido.
É de salientar que a jurisprudência é praticamente unânime quanto à não obrigatoriedade de nomeação oficiosa de defensor ao arguido, podendo a audiência ter lugar sem a presença do arguido e do seu advogado. Neste sentido, os seguintes arestos: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 1996.12.12, processo 4634; Acórdão da Relação do Porto de 1997.96.04, processo 9610912; Acórdão da Relação do Porto de 1998.11.25, Acórdão da Relação do Porto de 2000.06.21 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2009.09.23, “http://www.colectaneadejurisprudencia.com”, todos igualmente referidos no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2011.09.11. processo 135/10.1TTPRT.P1, www.dgsi.pt.
É certo que o art.º 66.º do RGCO refere que “salvo disposição em contrário, a audiência em primeira instância obedece às normas relativas ao processamento das transgressões e contravenções não havendo lugar a redução de prova escrita”. E o regime de processamento das transgressões e contravenções é o que resulta do DL 17/91, de 10 de Janeiro. Sucede, porém, que por força da existência de regras especificas no que toca à ausência do arguido e sua representação em sede de contra-ordenações laborais, e do que se mostra regulado no âmbito do próprio DL 433/82, de 27.10 no que toca à dedução da acusação, obrigatoriedade da presença do MP em julgamento e da não redução da prova a escrito (artigos 62.º, n.º 1, 69.º e art.º 66.º do RGCO), o art.º 13.º daquele diploma, que trata das formalidades da audiência, tem actualmente um campo de aplicação particularmente diminuído e circunscrever-se-á apenas aos seus n.ºs 5, 6 e 7. Acresce que, a nosso ver, não resulta desse art.º 13.º, a obrigatoriedade da nomeação de defensor oficioso ao arguido em caso de ausência deste e do seu mandatário constituído. Efectivamente, como resulta do seu n.º 7, são subsidiariamente aplicáveis ao julgamento as disposições do Código de Processo Penal, relativas ao julgamento em processo comum.
Ora, prescreve o art.º 64.º n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, aplicável ao processo comum, que:
“É obrigatória a assistência de defensor:
No debate instrutório e na audiência, salvo tratando-se de processo que não possa dar lugar a pena de prisão ou medida de segurança”.
Verifica-se, assim, de acordo com a lei processual penal que nos processos penais menos graves, como são aqueles onde não poderá ser aplicada “pena de prisão ou medida de segurança”, se dispensa a obrigatoriedade da assistência de defensor ao arguido, pelo que não faria sentido que no julgamento das contra-ordenações, infracções mais simples e por natureza sem ressonância ética, fosse imposta essa obrigação.
No caso em apreço, a arguida constituiu mandatário forense (fls. 71). Designada data para a audiência à mesma não compareceu nem a arguida, nem o seu defensor (fls. 77 e 81).
À luz do que acima se referiu, não se verifica a arguida nulidade insanável (art.º 119.º, alínea c), do CPP), porquanto a lei não exigia a comparência da arguida e do respectivo advogado em audiência de julgamento, não sendo obrigatória a nomeação de defensor àquela».
Esta fundamentação merece a nossa concordância e, como bem entendeu o Tribunal a quo, tem aqui inteira aplicabilidade.
Assim, não ocorre a violação das normas invocadas e, logo, o Tribunal a quo não incorreu na alegada nulidade prevista no disposto no artigo 119.º al. c) do CPP, ex vi o disposto no artigo 64.º n.º 1 al. g) do mesmo diploma, nem tão pouco há fundamento para considerar que a decisão e consequente realização do julgamento sem a presença do defensor constituído, bem assim sem nomeação de defensor oficioso, constitui “violação do direito constitucionalmente consagrado de defesa, plasmado no artigo 20º n.º 2 da CRP”.
Por conseguinte, quanto a esta questão improcede o recurso.
II.2.2 Nulidade do despacho de 28-01-2020, que indeferiu o requerimento de 23-01-2020, arguindo a nulidade da audiência de julgamento
A recorrente insurge-se contra o despacho proferido pelo Tribunal a quo em 28-01-2020, que apreciou e indeferiu o requerimento de 23-01-2020, no qual foi arguida a nulidade do julgamento e da sentença.
Naquele requerimento, a recorrente usou a argumentação que veio reiterar no presente recurso, no essencial, a seguinte:
« [..]
13. Ora, uma vez que a Audiência de Discussão e Julgamento foi realizada sem presença da Arguida, deveria obrigatoriamente comparecer o seu mandatário. E, atenta a circunstância de justo impedimento que obstou a essa presença, por motivo não imputável ao defensor, sempre será de considerar que o Tribunal deveria adiar a diligência.
14. E ao não o fazer, violou as regras do justo impedimento previstas no artigo 107º n.º 2 e 117º do CPP e ainda incorreu na nulidade prevista no disposto no artigo 119.º al. c) do CPP, ex vi o disposto no artigo 64.º n.º 1 al. g) do mesmo diploma.
15. E nem se coloca a questão de o Tribunal assegurar a presença de defensor oficioso!
16. A omissão em causa configura uma violação do direito constitucionalmente consagrado de defesa, plasmado no artigo 20º n.º 2 da CRP.
17. Perante esta omissão, estamos perante uma nulidade processual insanável, nos termos do artigo 119º c) do CPP, que expressamente se arguiu e que deverá ser judicialmente declarada, com todas as legais consequências,
18.Designadamente, a anulação da audiência e todo o processado que se lhe seguiu, com repetição da audiência de discussão e julgamento efectuada ao arrepio das normas legais em vigor.
Nestes termos, deverá ser declarada a nulidade insanável supra descrita, anulando-se todo o processado, aqui se incluindo a audiência de discussão e julgamento realizada no dia 17/01/2020, por violação do disposto no artigo 119º c) e 64º n.º 1 c) e g) do CPP, e agendada nova data com a presença de defensor da Arguida».
Por seu turno, a decisão recorrida tem o conteúdo seguinte:
- «Veio a arguida suscitar a nulidade da realização do julgamento, uma vez que mandatário da arguida comunicou estar impossibilitado de comparecer à mesma.
O MP, tendo vista do processo, pronunciou-se no sentido de ser tal nulidade indeferida – cfr. fls. 523.
Cumpre apreciar e decidir.
Salvo o devido respeito, inexiste qualquer nulidade, designadamente a invocada pela arguida, remetendo-se, nesta matéria, para o que se exarou a fls. 504 a 505v.
Reitera-se que nenhum comprovativo de justo impedimento foi trazido aos autos, nada tendo sido igualmente requerido.
E, não se poderá deixar de consignar ser lamentável que os presentes autos se tenham vindo a arrastar com sucessivos entraves causados pela arguida – veja-se que, em sede administrativa, os autos sofreram nove adiamentos e, já na fase de julgamento, a primeira data designada para audiência foi alterada a pedido da arguida (fls. 468/468v, 478v e 484). E, apesar de o julgamento ter sido reagendado para uma data proposta pelo ilustre mandatário da arguida (que subscreveu o pedido de alteração data de julgamento), mesmo assim, o mesmo ausentou-se, alegadamente, para o estrangeiro.
Termos em que se indefere a requerida nulidade.
Fls. 524 e ss:
Veio a arguida invocar a nulidade da sentença, com fundamento no facto de não ter sido nomeado defensor oficioso à arguida aquando da sua leitura.
Uma vez mais, o MP pugnou pela improcedência de tal nulidade – cfr. fls. 530/530v.
Apreciando.
Julgamos, também aqui, não se verificar qualquer nulidade, pelas razões já anteriormente defendidas e agora reforçadas pelos fundamentos aduzidos na douta promoção do Exmo. Sr. Procurador (que aqui se dá por reproduzida), tanto mais que a sentença até poderia ter sido proferida no próprio dia no qual se realizou a audiência de discussão e julgamento.
Termos em que se indefere a invocada nulidade».
Nas conclusões 10 e 11, a recorrente vem dizer, respectivamente, que esse despacho é “também objeto do presente recurso, uma vez que não se pronuncia fundamentadamente sobre as nulidades arguidas, limitando-se a indeferir, sem qualquer motivação” e que “o despacho em causa apenas refere que não existe qualquer nulidade e, sumariamente, que a sentença até poderia ter sido proferida no próprio dia em que se realizou o julgamento”.
Note-se, que nem nestas conclusões nem em qualquer outra é arguida expressamente a eventual invalidade da decisão por falta de fundamentação. Em todo o caso, se porventura a recorrente tivesse esse propósito, a arguição da eventual irregularidade da decisão por falta de fundamentação só poderia ter como base legal o disposto nos artigos 97.º n.º 5 e 123.º n.º1, do CPP e, logo, deveria ter sido feita nos três dias seguintes a contar da notificação da decisão, o que não aconteceu, pelo que sempre seria aqui extemporânea e, logo, a existir tal irregularidade a mesma ter-se-ia por sanada.
Por seu turno, a argumentação da conclusão 12, excepto na parte em que refere que não foi apreciado o justo impedimento, é a mesma que já foi usada para por em causa a validade do despacho proferido em audiência de julgamento e a consequente realização desse acto sem a presença do ilustre mandatário.
Assim, quanto a esta última parte valem aqui todas as considerações que já se deixaram expendidas no ponto anterior, para concluir que a falta do ilustre mandatário não impedia a realização do julgamento nem exigia que para tal fosse nomeado defensor, não havendo qualquer nulidade nem tão pouco ocorrendo violação do artigo 32.º n.º 1, 3, 5, 6 e 10 da Constituição da República Portuguesa, inclusive quanto à sentença proferida.
Quanto à parte em que se refere que o Tribunal a quo nunca” apreciou a “situação de justo impedimento”, começaremos por relembrar o que dissemos no ponto anterior, nomeadamente, que o e-mail com o requerimento do ilustre mandatário só deu entrada pelas 10h48m e, logo, no início da audiência e aquando da prolação do despacho a Senhora Juíza não fora confrontada com ele, como de resto refere na decisão que proferiu.
Avançando para o despacho agora em apreço, a afirmação da recorrente não é rigorosa, dado que no mesmo refere-se: “Reitera-se que nenhum comprovativo de justo impedimento foi trazido aos autos, nada tendo sido igualmente requerido”.
A recorrente poderá discordar da suficiência da fundamentação ou do sentido do decidido, mas não pode dizer-se que o Tribunal “nunca” se pronunciou quanto a esse ponto. Seja como for, o certo é que a recorrente faz essa afirmação, mas não alinha quaisquer argumentos para a sustentar nem tão pouco procura retirar efeitos, limitando-se a colocá-la entre parêntesis, com se fosse um comentário (cfr. conclusão 12).
O direito ao recurso visa apenas permitir a discussão sobre determinados pontos concretos, que na perspectiva do recorrente foram incorrectamente mal julgados, para tanto sendo necessário que se enunciem os fundamentos que sustentam esse entendimento, devendo os mesmos consistir na enunciação de verdadeiras questões de direito, que lhe compete indicar e sustentar, cujas respostas sejam susceptíveis de conduzir à alteração da decisão recorrida. Em poucas palavras, o recorrente deve expor ao tribunal ad quem as razões da sua discordância, procurando convencer da sua pertinência, a fim de que o tribunal de recurso se debruce sobre elas e decida se procedem ou não.
Quando assim não procede, como é o caso no que respeita à afirmação em causa, não pode o tribunal de recurso lançar-se na apreciação de determinada questão meramente enunciada, pois neste caso estaria a fazer um segundo julgamento, extravasando o objecto do recurso.
Concluindo, improcede também este ponto do recurso.
II.3 Questão prévia: admissibilidade do recurso na parte dirigida à sentença confirmando a imputação feita pelo ACT e a aplicação de duas coimas.
Coloca-se a questão prévia de decidir sobre a admissibilidade do recurso na parte dirigida a pôr em causa a sentença por ter mantido a decisão da ACT relativamente à imputação da prática da contra-ordenação prevista violação do disposto no art.º 111º n.º 1 da Lei n.º 102/2009 de 10/09 - não comunicação à ACT da ocorrência de acidente de trabalho, no prazo legalmente previsto para o efeito -, aplicando uma coima 2.000 € (conclusões 14 a 19).
Conforme o disposto no n.º 1, do artigo 49.º, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, é admissível recurso para o Tribunal da Relação da sentença, além do mais, quando for aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC.
Para além dos casos enumerados no citado n.º 1, «pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência» - n.º 2, do mesmo normativo.
Nestes casos, cabe ao recorrente justificar a admissibilidade do recurso, em requerimento autónomo, constituindo questão prévia a apreciação e decisão do mesmo (art.º 50.º n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 107/2009).
À recorrente foi imputada a prática de duas contra-ordenações, tendo sido condenada no pagamento de duas coimas, uma por cada um desses ilícitos de mera ordenação social, para depois lhe ser fixada, em cúmulo jurídico, a coima única de €22.000€.
Como é entendimento pacífico, o n.º 1, do artigo 49.º, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, ao condicionar a admissibilidade do recurso aos casos em que tenha sido “aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente”, reporta-se ao valor da coima individualmente considerada aplicada pela prática de uma determinada contra-ordenação e não, quando for caso de pluralidade de infracções, à coima única aplicada em cúmulo jurídico.
Só esta interpretação tem cabimento, posto que o n.º3, do mesmo artigo, vem dizer que “ Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infracções ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites”.
Com efeito, como elucida o acórdão desta Relação de 15/10/2012 [Proc.º nº 602/11.0TTGMR.P1, Desembargadora Paula Leal de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt] “ O legislador, ao dispor, como dispôs, no nº 3 do ar. 49º da Lei 107/2009, de 14.09, não poderia deixar de saber que, contemplando a decisão condenatória várias infrações, estas não poderiam deixar de ser objeto de cúmulo jurídico e, por consequência, da aplicação de uma coima única encontrada a partir das coimas parcelares correspondentes a cada uma das infrações cometidas, pelo que a citada norma reporta-se ao valor da coima parcelar”.
Por conseguinte, sendo a coima em questão inferior a 25 UC, o recurso, no que a ela respeita, só poderia ser eventualmente admissível a título excepcional, nos termos previstos no n.º2, do art.º 49.º da Lei 107/2009, caso se verificassem os necessários requisitos e, para além disso, assinala-se, desde que o recorrente o tivesse requerido em conformidade com o disposto no art.º 50.º n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 107/2009.
Assim, por inadmissível, rejeita-se o recuso na parte em que se insurge contra a sentença por ter mantido a decisão da ACT, na parte em que aplicou uma coima no montante de €2.000, pela prática, a título negligente, da contra-ordenação prevista no art.º 111º n.º 1 da Lei n.º 102/2009 de 10/09 - não comunicação à ACT da ocorrência de acidente de trabalho, no prazo legalmente previsto para o efeito (conclusões 14 a 19).
II.3.1Coloca-se agora a questão de saber se o Tribunal a quo errou o julgamento ao confirmar a decisão da autoridade administrativa que aplicou à recorrente uma coima de €20.000, por violação do disposto no art.º 15º n.º 1, 2, 3, 4, 5 e 11 da Lei n.º 102/2009 de 10/09 - incumprimento da obrigação de assegurar aos trabalhadores, de forma continuada e permanente, condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do trabalho, sendo inexistente o planeamento da prevenção, integrando a identificação e a avaliação dos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores e a adopção das adequadas medidas de prevenção -, que constitui contraordenação grave punível com coima de 55 UCs (5.610€) a 280 UCs (28.560€), em caso de actuação negligente, e de 145 UCs (14.790€) a 800 UCs (81.600€) em caso de actuação dolosa – art. 15º n.º 14 da referida Lei e, ainda, arts. 554º n.º 4, al. d) e 556º n.º 1, ambos do CT.
Comecemos por atentar na fundamentação da decisão recorrida, na parte relevante para este ponto, retirando-se dela o seguinte:
- «Considerando que ambas as contraordenações têm subjacente a ocorrência de um acidente de trabalho que se traduziu numa queda de um telhado composto por placas de fibrocimento e telhas translúcidas, as quais partiram e originaram a queda do sinistrado de uma altura de cerca de 8 metros (facto incontroverso), importa, desde logo, trazer à colação o estatuído no Dec. n.º 41.821 de 11/08/1958 (diploma regulamentador das normas de segurança no trabalho da construção civil), nomeadamente no seu art. 45º, cujo teor é o seguinte: “Nos telhados de fraca resistência e nos envidraçados usar-se-á das prevenções necessárias para que os trabalhos decorram sem perigo e os operários não se apoiem inadvertidamente sobre pontos frágeis”.
Desta norma não resulta de forma expressa quais as medidas especiais de segurança que devem ser observadas, as quais deverão, então, ser decididas e adoptadas de acordo com o que situação exigir.
Como resulta da decisão administrativa, a arguida vem acusada de violar o disposto no art. 15º n.º 1, 2, 3, 4, 5 e 11º da Lei n.° 102/2009, de 10/09, consistente, em síntese, em não ter assegurado aos seus trabalhadores condições de segurança e saúde em aspectos relacionados com o seu trabalho, inexistindo uma planificação da prevenção de riscos profissionais, integrando a identificação dos riscos, com a adopção das respetivas medidas de prevenção, nomeadamente ao nível da organização do trabalho.
A Lei n.º 102/2009 regulamenta o regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e da saúde no trabalho e transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 89/391/CEE, do Conselho, de 12 de Junho (relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho), alterada pela Directiva n.º 2007/30/CE, do Conselho, de 20 de Junho.
O art. 15º da citada Lei estabelece as obrigações gerais do empregador em tal matéria, dispondo, no que aqui interessa, que: “1 - O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho. 2 - O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção: a) Identificação dos riscos previsíveis em todas as actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na concepção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na selecção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos; b) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adoptar as medidas adequadas de protecção; c) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de protecção; d) (…); e) (…); f) (…); g) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso; h) Priorização das medidas de protecção colectiva em relação às medidas de protecção individual; i) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à actividade desenvolvida pelo trabalhador. 3 – Sem prejuízo das demais obrigações do empregador, as medidas de prevenção implementadas devem ser antecedidas e corresponder ao resultado das avaliações dos riscos associados às várias fases do processo produtivo, incluindo as actividades preparatórias, de manutenção e reparação, de modo a obter como resultado níveis eficazes de protecção da segurança e saúde do trabalhador. 4 – Sempre que confiadas tarefas a um trabalhador, devem ser considerados os seus conhecimentos e as suas aptidões em matéria de segurança e de saúde no trabalho, cabendo ao empregador fornecer as informações e a formação necessárias ao desenvolvimento da actividade em condições de segurança e de saúde. 5 – Sempre que seja necessário aceder a zonas de risco elevado, o empregador deve permitir o acesso apenas ao trabalhador com aptidão e formação adequadas, pelo tempo mínimo necessário. (…) 11 – As prescrições legais ou convencionais de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas para serem aplicadas na empresa, estabelecimento ou serviço devem ser observadas pelo próprio empregador. (…)”.
Entende a ACT que os factos imputados à arguida (e que, grosso modo, se deram como provados), integram os elementos objectivos da contraordenação imputada, desde logo por a tarefa referente à limpeza das caleiras ter sido levada a cabo pelos dois trabalhadores sem que fosse efectuada a planificação da prevenção de riscos profissionais - identificando-os (nomeadamente do risco de queda em altura) e adoptando as necessárias medidas de prevenção (o que não sucedeu).
A arguida contrapôs que o sinistrado subiu ao telhado por sua iniciativa e não observou os cuidados que lhe eram exigíveis (já que não circulou pelo percurso de segurança como lhe foi transmitido) pelo que terá sido o seu comportamento negligente que deu causa ao sinistro.
Contudo, como resulta do supra exposto, tais alegações da arguida não resultaram provadas, já que se apurou que os trabalhos de limpeza no telhado foram ordenados pelo administrador da recorrente (C…) – sendo irrelevante que tal ordem tenha sido dada no próprio dia ou em dia anterior - e, ainda, que, nos momentos que antecederam a queda, o sinistrado se encontrava precisamente no “percurso de segurança” invocado nas alegações de recurso (pelo que, mesmo que se tivesse apurado o constante dos pontos 8 e 9 da factualidade não provada – o que não sucedeu -, mesmo assim seria tal factualidade inócua para a presente decisão, uma vez que a queda nunca terá ocorrido aquando dessa travessia).
Acresce que, mesmo que assim não fosse, independentemente das causas que tenham estado na origem do acidente, não é a conduta do sinistrado que é objecto dos presentes autos (será antes matéria para ser discutida em acção especial emergente de acidente de trabalho). Aqui, cumpre apenas verificar se a arguida, à data do sinistro, cumpria ou não as obrigações previstas no mencionado art. 15º.
Seja como for, apurado ficou a inexistência, no local, de qualquer equipamento de proteção (coletivo ou individual, seja colocando-se redes anti-queda por debaixo da zona na qual os trabalhadores se encontravam a proceder à limpeza, seja facultando aos mesmos arneses de segurança/linha de vida) que impedisse a queda em altura (queda esta que não foi prevista aquando do estudo elaborado pela sociedade “H…, L.da”).
Note-se que não logrou a arguida provar que a tarefa referente à limpeza das caleiras no telhado tenha sido previamente comunicada à firma responsável pela Higiene e Segurança no Trabalho, comunicação essa que lhe incumbia fazer já que não era a primeira vez que era levada a cabo pela recorrente.
E, não será despiciendo referi-lo, pese embora as testemunhas inquiridas tenham referido que esta tarefa era efectuada, pelo menos, uma vez por ano, resultou igualmente dos depoimentos prestados em julgamento que os trabalhadores F… e G… já a tinham feito uma vez. Ora, se o sinistrado estava a fazer tal limpeza pela segunda vez, atendendo a que o mesmo foi admitido ao serviço da arguida no dia 02/01/2014 e o acidente ocorreu no dia 20/08/2014, obviamente que se tratava de uma tarefa que não era assim tão esporádica por forma a “justificar” a sua omissão na comunicação a fazer à firma responsável pela higiene e segurança no trabalho.
Conclui-se, pois, que, relativamente ao trabalho de limpeza das caleiras do telhado, a arguida não efectuou uma avaliação dos riscos (a tarefa referente a tal limpeza não foi contemplada), nem procedeu à adopção de medidas adequadas de protecção (colectivas ou, na impossibilidade destas, individuais) para a segurança e saúde dos trabalhadores, omissão que integra o preenchimento dos elementos objectivos da contraordenação que lhe foi imputada.
E não se poderá olvidar que o sinistrado não teve qualquer formação para desempenhar a tarefa aqui descrita, a qual, obviamente, não se incluía nas suas funções de lavador de automóveis.
Tal infracção não lhe é imputada a título de dolo, mas antes de negligência (já que a arguida não agiu com os cuidados que devia, e podia, ter observado), negligência essa que, no caso sub iudice, é sempre punível – cfr. art. 550º do CT.
E, se assim é, dúvidas inexistem acerca da responsabilidade da arguida face à prática da infracção aqui em causa, sendo que é à mesma que incumbe fazer cumprir e respeitar todas as prescrições legais..
[..]».
Como se retira das conclusões 20 a 24, a argumentação da recorrente para por em causa esta parte da sentença consiste, no essencial, no seguinte:
- Não se encontra demonstrado que havia um risco elevado de queda em altura;
- Dos factos provados 15 e 7 retira-se que as tarefas podiam ser efectuadas com segurança, dado que o sinistrado foi advertido de que apenas podia circular pelo percurso de segurança e que o acesso foi feito por uma escada fixa no interior das instalações;
- Este circunstancialismo evidencia que as arguidas haviam proporcionado as condições e informações necessárias e suficientes para o cumprimento seguro das instruções comunicadas, o que também se comprova pelo facto provado n.º 8, onde consta que a queda se deu na sequência de uma rutura de uma placa translúcida, situação esta de que o Sinistrado foi alertado pela Recorrente para ter atenção e proibido de colocar os pés em cima, devendo apenas circular pelo perímetro de segurança.
- A formação do sinistrado para tal tarefa não era insuficiente, visto que se encontrava a realizar aquela tarefa pela terceira vez, e nas anteriores foi realizada sem qualquer problema, visto que cumpriu as instruções.
Conclui defendendo que “[A]s tarefas em causa não são de elevado risco, se exercidas corretamente e de acordo com as indicações da entidade patronal, e não ao arrepio das mesmas como pretendeu sinistrado, pelo que a sentença deverá, também por aqui, ser revogada”.
Vejamos se assiste razão à recorrente.
A obrigação de segurança no trabalho é estabelecida por normas -internacionais e nacionais – que têm por objecto a prevenção do conjunto de riscos susceptíveis de originar ou potenciar possibilidade de ocorrência de acidentes de trabalho.
Como elucida Monteiro Fernandes: “Ao criar, organizar e dirigir a empresa, o empregador cria riscos: não apenas o risco económico do negócio, mas também riscos para a segurança das pessoas que vão estar integradas no processo produtivo. Esses riscos são de gravidade muito variável, mas existem sempre, mesmo nos ambientes de trabalho – como o escritório ou o estabelecimento comercial- onde é menos fácil imaginar acidentes ou doenças relacionados com o trabalho. Compreende-se, pois, que a lei atribua ao empregador a obrigação de organizar e por em prática as medidas adequadas à prevenção de riscos profissionais” [Direito do Trabalho, 14.ª edição, Almedina, 2009, p. 288].
A CRP, no art.º 59.º n.º1, al. c), consagra o direito de todos os trabalhadores “à prestação do trabalho em condições de higiene e segurança e saúde".
Por seu turno, o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, em matéria de prevenção de acidentes de trabalho (e doenças profissionais) apenas enuncia os princípios gerais, remetendo a regulamentação da prevenção (e reparação) para legislação específica [art.ºs 281.º e 284.º).
O art.º 281.º do CT 2009, estabelece, como a própria epígrafe imediatamente elucida, “Princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho”, dele resultando, no que aqui agora releva, que o trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança (n.º1), recaindo sobre o empregador o dever de assegurar aquelas condições em todos os aspectos relacionados com o trabalho, “aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção” [n.º2], para o efeito devendo “mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação (..)” [n.º3].
Para além disso, releva também referir que no artigo que estabelece os deveres do empregador, encontram-se também enunciados deveres gerais relacionados com esta matéria, “que podem ser englobados sob a designação de deveres de cuidado”. Assim:
Artigo 127.º [Deveres do empregador]
1 - O empregador deve, nomeadamente:
[..]
c) Proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral;
[..]
g) Prevenir riscos e doenças profissionais, tendo em conta a protecção da segurança e saúde do trabalhador, (..);
h) Adoptar, no que se refere a segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;
i) Fornecer ao trabalhador a informação e a formação adequadas à prevenção de riscos de acidente ou doença;
[..]
2 - Na organização da actividade, o empregador deve observar o princípio geral da adaptação do trabalho à pessoa, com vista nomeadamente a atenuar o trabalho monótono ou cadenciado em função do tipo de actividade, e as exigências em matéria de segurança e saúde, designadamente no que se refere a pausas durante o tempo de trabalho.
[..].
Como também sintetiza Monteiro Fernandes, no Código do Trabalho “Fundamentalmente, está consagrado, nas suas manifestações mais relevantes e características, o aludido dever de cuidado e prevenção, o qual traduz a responsabilidade do empregador pelas condições de segurança e de vida que são oferecidas no âmbito da organização que criou”, constando as suas manifestações das normas acima apontadas [Op. Cit, p. 291].
Importa assinalar que uma das características do quadro normativo sobre segurança e saúde no trabalho consiste na multiplicidade e dispersão de regulamentação, quer internacional - designadamente de direito europeu (Directivas CEE, do Conselho e Regulamentos CE) -, quer nacional, sendo que actualmente este resulta, no essencial, da transposição daqueles instrumentos normativos para o direito interno.
A Lei-Quadro de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho - Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro – [transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 89/391/CEE, do Conselho, de 12 de Junho, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança (e da saúde dos trabalhadores) no trabalho], conforme estabelece o seu artigo 1.º, “(..) regulamenta o regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e da saúde no trabalho, de acordo com o previsto no artigo 284.º do Código do Trabalho, no que respeita à prevenção” [n.º1].
Nos termos do disposto no art.º 3.º n.º1, a referida Lei aplica-se ao sector cooperativo e social [al.a)]; ao trabalhador por conta de outrem e respectivo empregador, incluindo as pessoas colectivas de direito privado sem fins lucrativos [al. b)]; e, ao trabalhador independente [al.c)].
O legislador pretendeu evitar divergências interpretativas quanto à aplicação do diploma, definindo no art.º 4.º, os conceitos essenciais para a operatividade do diploma, inclusive dando a noção de “perigo” e “risco”.
No que aqui releva, o referido artigo estabelece o seguinte:
- «Para efeitos da presente lei, entende-se por:
a) «Trabalhador» a pessoa singular que, mediante retribuição, se obriga a prestar um serviço a um empregador e, bem assim, o tirocinante, o estagiário e o aprendiz que estejam na dependência económica do empregador em razão dos meios de trabalho e do resultado da sua actividade;
(..)
c) «Empregador» a pessoa singular ou colectiva com um ou mais trabalhadores ao seu serviço e responsável pela empresa ou estabelecimento ou, quando se trate de organismos sem fins lucrativos, que detenha competência para a contratação de trabalhadores;
g) «Perigo» a propriedade intrínseca de uma instalação, actividade, equipamento, um agente ou outro componente material do trabalho com potencial para provocar dano;
h) «Risco» a probabilidade de concretização do dano em função das condições de utilização, exposição ou interacção do componente material do trabalho que apresente perigo;
i) «Prevenção» o conjunto de políticas e programas públicos, bem como disposições ou medidas tomadas ou previstas no licenciamento e em todas as fases de actividade da empresa, do estabelecimento ou do serviço, que visem eliminar ou diminuir os riscos profissionais a que estão potencialmente expostos os trabalhadores.
Os princípios gerais e sistema da prevenção de riscos profissionais surgem regulados no artigo 5.º, começando por dispor no seu n.º1, que “O trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, asseguradas pelo empregador ou, nas situações identificadas na lei, pela pessoa, individual ou colectiva, que detenha a gestão das instalações em que a actividade é desenvolvida”.
Por seu turno, a definição das obrigações gerais do empregador, em matéria de segurança e saúde no trabalho, consta do artigo 15.º.
O n.º1, começa por reafirmar o dever geral de prevenção do empregador, consagrado no art.º 281.º 2, do CT/09, de “assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho”.
O n.º2, reitera esse dever de zelo pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, que deve ser observado ”de forma continuada e permanente”, concomitantemente devendo ser levados em conta os princípios gerais de prevenção enunciados nas alíneas a) a l), entre elas, as seguintes:
[a)] Evitar os riscos;
[b)] Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos fatores ambientais;
[c)] Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos.
Em suma, o n.º 2 traça um quadro geral de princípios base a serem observados pelo empregador nas diversas vertentes da organização do trabalho para prossecução da sua actividade produtiva, quer no respeitante à selecção de produtos, equipamentos e materiais, quer ao nível dos métodos e processos de trabalho, com vista ao cumprimento do seu dever de prevenção e promoção da segurança e saúde no trabalho.
Essas medidas “devem ser antecedidas e corresponder ao resultado das avaliações dos riscos associados às várias fases do processo produtivo, incluindo as atividades preparatórias, de manutenção e reparação, de modo a obter como resultado níveis eficazes de proteção da segurança e saúde do trabalhador” (n.º3).
Da conjugação do n.º1 - quando se inicia dizendo “[O] empregador deve assegurar” -, com a parte final deste n.º3 – “de modo a obter como resultado níveis eficazes de proteção da segurança e saúde do trabalhador”, retira-se que a lei impõe ao empregador uma obrigação de resultado.
Releva ainda referir que o art.º 79.º enuncia um conjunto diversificado de actividades ou trabalhos que, para efeitos da lei 102/09, são considerados “de risco elevado”, entre eles constando os trabalhos “com riscos de quedas de altura” [al. a)].
Mais, importa também ter presente o artigo 45.º, do Decreto n.º 41821/58, de 11 de Agosto [Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil], estabelecendo que “Nos telhados de fraca resistência e nos envidraçados usar-se-á das prevenções necessárias para que os trabalhos decorram sem perigo e os operários não se apoiem inadvertidamente sobre pontos frágeis”.
Revertendo ao caso, diremos desde já que é a própria alegação da recorrente a evidenciar que não tem fundamento para se opor ao decidido. Com efeito, como decorre da mesma é inquestionável que não houve um planeamento dos trabalhos de modo a identificar e prevenir os riscos, nomeadamente de queda em altura, bem assim que não foram medidas de segurança essenciais e que eram exigíveis, em concreto assegurando a existência de meios de protecção colectiva ou individual contra quedas em altura, nem tão pouco facultada formação adequada ao trabalhador para enfrentar a tarefa que lhe foi atribuída com noção dos riscos a que estava sujeito e como os devia minimizar. Aliás, essa formação pressuporia a prévia avaliação e identificação dos riscos e a existência de meios de segurança para prevenir quedas em altura, para depois a jusante ser o trabalhador esclarecido sobre quais os riscos e como deveria actuar, designadamente, na utilização dos meios de protecção contra quedas.
Ora, como se extrai claramente da sentença, é a inobservância de tudo isso que está na base da imputação da contra ordenação em causa. Senão veja-se: “Conclui-se, pois, que, relativamente ao trabalho de limpeza das caleiras do telhado, a arguida não efectuou uma avaliação dos riscos (a tarefa referente a tal limpeza não foi contemplada), nem procedeu à adopção de medidas adequadas de protecção (colectivas ou, na impossibilidade destas, individuais) para a segurança e saúde dos trabalhadores, omissão que integra o preenchimento dos elementos objectivos da contraordenação que lhe foi imputada.
E não se poderá olvidar que o sinistrado não teve qualquer formação para desempenhar a tarefa aqui descrita, a qual, obviamente, não se incluía nas suas funções de lavador de automóveis”.
Melhor justificando aquela asserção, passamos a rebater os argumentos da recorrente.
A recorrente não pode dizer que não se encontra demonstrado que havia um risco elevado de queda em altura, quando está provado que por determinação da entidade empregadora os trabalhadores – o sinistrado e o que acompanhava - subiram à cobertura, constituída por placas de fibrocimento e placas translúcidas, vindo aquele primeiro – F… –, na sequência da rutura de uma placa translúcida, a cair de uma altura de cerca de oito metros, para o interior da nave (embatendo no solo e sofrendo fraturas múltiplas, ao nível costas/coluna, ombro, braço e mão.).
É indiscutível, desde logo face ao mais elementar senso comum e das regras da experiência, que trabalhados realizados a uma altura de 8 metros envolvem um risco de queda e que caso tal ocorra as consequências são com toda a probabilidade graves, podendo mesmo ser fatais, significando isso estar-se perante uma situação de risco elevado, nos termos enunciados no art.º 79.º al. a), da Lei 102/09.
Mas para além do factor altura, acresce que a cobertura do telhado onde iam decorrer os trabalhos é constituída por placas de fibrocimento e placas translúcidas (facto 6), pelo que face às características desse material colocava-se a questão de saber, se dúvidas houvesse, se tinham ou não resistência para suportar o peso de um homem em caso de apoio inadvertido, impondo a avaliação do risco para subsequente planeamento da tarefa e tomada das medidas de segurança que se mostrassem necessárias. Com efeito, importa ter presente que o art.º 45.º do Decreto n.º 41821/58, de 11 de Agosto [Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil], impõe que nos telhados de fraca resistência sejam adoptadas as “prevenções necessárias para que os trabalhos decorram sem perigo e os operários não se apoiem inadvertidamente sobre pontos frágeis”.
Não tem qualquer cabimento vir a recorrente defender que a tarefa podia ser efectuada com segurança, “dado que o sinistrado foi advertido de que apenas podia circular pelo percurso de segurança e que o acesso foi feito por uma escada fixa no interior das instalações”. É certo estar provado que [15]” Com relação à limpeza das caleiras no telhado, a arguida tinha transmitido ao sinistrado F… que o mesmo apenas deveria circular pelo percurso de segurança delimitado nas mesmas (as quais estão reforçadas a cimento)”, mas isso não desobrigava a
Recorrente de cumprir os deveres que acima se referiram, avaliando e identificando os riscos, proporcionando meios de segurança contra quedas e dando adequada formação ao trabalhador, de modo a garantir que a tarefa era executada com a segurança necessária, direito do trabalhador que cabia ser assegurado pela entidade empregadora. Não se sabe que circunstâncias levaram a que o trabalhador estivesse sobre a placa translúcida, mas tal pode ocorrer, quer no caso quer em situações similares, por uma multiplicidade de razões, por exemplo, por desequilíbrio, desatenção, por falta de percepção do material que se vai pisar ou por desconhecimento do risco de quebra do mesmo, etc.
Ora, é justamente por tudo isso que a lei impõe ao empregador o cumprimento dos deveres em causa, que no caso, diremos mesmo manifestamente, não foram observados.
Com o devido respeito, é também despropositado vir a recorrente sugerir que o sinistrado tinha formação suficiente, “visto que se encontrava a realizar aquela tarefa pela terceira vez, e nas anteriores foi realizada sem qualquer problema, visto que cumpriu as instruções”. Desde logo, por nem sequer está provado se o sinistrado já tinha realizado aquela tarefa anteriormente e no número de vezes alegado. Mas ainda que assim fosse, o ter realizado a tarefa não substitui o dever de formação (nem de planeamento e de garantir todas as condições de segurança para a sua execução).
Por último, cabe sublinhar que a recorrente faz tábua rasa dos que consta provado nos factos 9, 10, 12 e 14, ou seja:
[9] Notificada para apresentar o relatório de avaliação de riscos, a arguida juntou um documento intitulado “Estudo dos Postos de Trabalho”, elaborado pela sociedade “H…, L.da”, datado de 14/01/2013, do qual não consta a avaliação dos possíveis riscos decorrentes dos trabalhos desenvolvidos pelos dois trabalhadores (F… e G…) – cfr. doc. de fls. 14 a 19 (vide, ainda, doc. junto de fls. 294 a 314).
10. Apresentou, ainda, o relatório /análise de acidente, onde é referido não existir avaliação dos riscos nem procedimentos de segurança/plano de trabalhos para as tarefas realizadas na cobertura no momento do acidente – cfr. docs. de fls. 20 a 28.
12. A arguida não adoptou/implementou medidas para prevenção de tal risco (nomeadamente o uso de equipamento de proteção coletiva e/ou proteção individual para a realização dos trabalhos em curso no momento do acidente), nem promoveu a sua planificação (tendente à segurança dos trabalhadores), uma vez que não fez a avaliação dos referidos riscos.
13. Igualmente não garantiu que o trabalhador F… tivesse conhecimentos adequados e aptidão para executar as tarefas que lhe foram determinadas, assim como que o equipamento de trabalho reunisse as necessárias condições para segurança do trabalhador (designadamente para diminuição do risco de queda em altura).
14. A arguida sabia e também não podia desconhecer que tinha a obrigação de se certificar de que o seu trabalhador estava a exercer as tarefas por si determinadas com todas as condições de segurança e que tinha a formação necessária.
Em suma, como se retira da sentença, impunha-se uma actuação preventiva da recorrida entidade empregadora, avaliando todas os aspectos necessários à execução dos trabalhos em causa, para avaliação da melhor forma de serem executados, nomeadamente, identificando os perigos e riscos envolventes e arranjando soluções para os evitar tanto quanto possível, para depois se planear a metodologia a seguir em conformidade com essa avaliação preventiva, definindo os procedimentos concretos a serem observados, bem assim para se prestarem aos trabalhadores todas as instruções e indicações bem definidas e concretas, necessárias à sua compreensão daquele planeamento, que em princípio salvaguardariam a sua segurança [art.º 15.º 1 e 2 alíneas a), b) e c), e n.º3, da Lei 102/2009].
Concomitantemente, impunha-se que fossem assegurados meios de proteção contra quedas, fossem colectivos ou individuais, desde que adequados às circunstâncias da situação.
Ora, é inequívoco que nenhum desses deveres foi cumprido pela recorrente entidade empregadora, que antes procura alijar as suas responsabilidades e camuflar o incumprimento dos seus deveres refugiando-se no argumento de que o trabalhador não cumpriu as suas indicações.
A lei impõe uma actuação permanente e actuante, com o propósito de encontrar as melhores respostas para antecipadamente prevenir e eliminar ou, se tal não for praticável, reduzir ao mínimo possível os riscos durante o exercício do trabalho, isto é, excluir ou minimizar a probabilidade de concretização do dano devido à presença de factores potencialmente perigosos no processo produtivo, procurando assegurar as desejáveis e necessárias melhores condições de segurança e saúde no mundo laboral. E, para tanto, define com clareza deveres que devem ser observados pelos empregadores, os quais não foram manifestamente cumpridos pela empregadora recorrente.
Por conseguinte, conclui-se que a recorrente não tem qualquer fundamento minimamente válido para pôr em causa a sentença, não merecendo o recurso ser atendido.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação no seguinte:
i) Julgar improcedentes as nulidades arguidas;
ii) Rejeitar o recuso, por inadmissível, na parte em que se insurge contra a sentença por ter mantido a decisão da ACT relativamente à imputação da prática da contra-ordenação prevista violação do disposto no art.º 111º n.º 1 da Lei n.º 102/2009 de 10/09 , aplicando uma coima 2.000€.
iii) Julgar o recurso improcedente quanto ao mais, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC [artigos 513º, n.º 1 do CPP, ex vi do artigo 74º, nº 4 do RGCO e 59º e 60º, ambos da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro e 8º, nº 4 e 5 e Tabela III do RCP].

Porto, 8 de Setembro de 2020
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes