Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
128/14.0T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: DECISÃO QUE PONHA TERMO AO PROCESSO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
NULIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: RP20150924128/14.0T8PVZ.P1
Data do Acordão: 09/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Entendendo o juiz, após a fase dos articulados, que os autos contêm os elementos necessários a habilitá-lo a proferir decisão de mérito que ponha termo ao processo, deverá convocar audiência prévia para o fim previsto no artigo 591º, nº1, b) do Código de Processo Civil.
II - A não realização desse acto processual só será consentida no âmbito do exercício do dever de gestão processual, a título de adequação formal, se o juiz entender que a matéria a decidir foi objecto de suficiente debate nos articulados, justificando a dispensa dessa diligência. Sobre o propósito de dispensar a audiência prévia deverá, porém, ouvir as partes, de acordo com o disposto nos artigos 6º, nº1 e 3º, nº3, ambos do Código de Processo Civil.
III - A não realização de audiência prévia, impondo a lei a sua realização, constitui nulidade processual, podendo ser arguida em sede de recurso, conduzindo à anulação da decisão que dispensou a sua convocação e do saneador-sentença que se seguiu a essa decisão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 128/14.0TBPVZ.P1
Comarca do Porto
Póvoa de Varzim – Inst. Central – 2ª Secção Cível – J4

Relatora: Judite Pires
1º Adjunto: Des. Aristides de Almeida
2º Adjunto: Des. Teles de Menezes

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO
1. Administração do Condomínio … - Bloco ., contribuinte fiscal n.º ………, sito na Rua …, n.ºs .., .., .. e …, na Freguesia … e Concelho da Maia instaurou Acção Declarativa de Condenação, sob a forma de Processo de Ordinário, com pedido de citação prévia, contra B…, Lda, contribuinte fiscal n.º ………, com sede na Rua …, n.º .., na Freguesia e Concelho de Braga, pedindo a condenação da Ré:
“– À indemnização pela reparação integral e de modo definitivo, sem reservas por parte da A., dos defeitos comunicados e que se verificaram existir no montante de 310.000,00€ (trezentos e dez mil euros).
- À indemnização de 240.000,00€ (duzentos e quarenta mil euros), pela não construção das infra-estruturas e, demais apoios urbanísticos”.
Alega, para tanto, que tendo a Ré, na qualidade de empreiteira, procedido à construção do prédio, vieram a ser nele detectadas anomalias várias, como infiltrações de águas, fissuras em paredes interiores e exteriores e rachadelas, bem como a existência de outros defeitos ocultos, mais tarde revelados, os quais a Autora comunicou ao legal representante da Ré em reunião de Assembleia Extraordinária de 11 de Outubro de 2014, não tendo a Ré providenciado pela sua reparação.
Acrescenta a Autora que, perante aquela atitude omissiva da Ré, e por se tratar de reparação urgente, foi decidido na Assembleia Extraordinária de 13 de Junho de 2014 conceder àquela poderes para mandar proceder às obras necessárias à reparação das patologias detectadas no edifício, tendo a Autora entregue a realização das obras à empresa “C…, Ldª, que as iniciou no dia 18 de Agosto de 2014, tendo a mesma verificado que as patologias, existentes em todas as fracções e áreas comuns, estão associadas a problemas construtivos de origem.
Invoca ainda a Autora o facto de não ter a Ré construído no imóvel infra-estruturas e apoios urbanísticos a que estava obrigada, o que determinou a desvalorização do empreendimento e dos imóveis, defraudando as expectativas da Administração e dos condóminos.
Citada, contestou a Ré, defendendo-se por impugnação, contrariando os factos alegados pela Autora, e por excepção, invocando a ilegitimidade activa da Autora para, nessa qualidade, intervir na acção, e a caducidade do direito de acção, alegando que a construção dos prédios ficou concluída a 25.03.2003, tendo, ao ser proposta a acção, decorrido mais de cinco anos, achando-se ultrapassado o prazo de caducidade previsto no n.º 1 do artigo 1225º do Código Civil.
Após apresentação do articulado da Ré, foi, a 15.01.2015, proferido nos autos o seguinte despacho: “Considerando a possibilidade de conhecimento imediato da invocada excepção de caducidade, notifique a autora para, querendo, em 10 dias, se pronunciar sobre a mesma (art. 3º nº 3 do CPC).
Notifique também a ré deste despacho”.
Respondeu a Ré, sustentando reunirem os autos condições para ser apreciada a excepção de caducidade por si invocada, pugnando ainda pela inadmissibilidade de ser concedida às partes possibilidade de novamente se pronunciarem sobre tal questão, pois tal seria consentir na apresentação de novos articulados, hipótese que a tramitação processual dos autos não comporta.
Na sequência daquele despacho judicial, respondeu a Autora através de articulado que juntou aos autos a 02.02.2015, no qual pugna pela improcedência da excepção da caducidade e procedência da acção nos termos requeridos na petição inicial.
A 27.02.2015 foi proferido o seguinte despacho: “Ainda com vista ao conhecimento da invocada excepção de caducidade, notifique a autora para que informe quando foi eleita a primeira administração do condomínio”, tendo a Autora junto aos autos acta da Assembleia Geral de Condóminos, realizada a 17.01.2007, na qual foi eleita a Administração do Condomínio.
A 15.04.2015 foi proferida decisão que fixou o valor à causa – 550.000,00 -, foi dispensada a realização de audiência prévia “por desnecessária ao exercício do contraditório e por não haver que determinar adequação formal ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 593.º do CPC [...]”, seguida de despacho saneador em que, por se considerar que a “excepção peremptória da caducidade pode ser, desde já, decidida por os autos conterem os elementos necessários para decisão que se toma ao abrigo e por imposição do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 595.º do CPC”, e depois de fixados os factos relevantes a esse conhecimento, foi a referida excepção da caducidade julgada procedente e, em consequência, extinto o direito invocado pelo Autor Condomínio.
2. Inconformada com tal decisão, dela interpôs a Autora recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, na firme convicção que a mesma eferma de nulidade, ao abrigo do disposto no art.º 195.º, do CPC., atenta o incumprimento de várias formalidades legalmente prescritas e que, em boa verdade, influenciam o exame e a decisão da causa bem como, de uma errada e insuficiente qualificação jurídica que serviu de base à decisão, a qual vai em sentido bem diferente daquele que, Vossas Excelências, elegerão, certamente, como mais acertada, depois da necessária reponderação dos pertinentes pontos da matéria de facto e de direito, e à luz dos meios probatórios disponíveis.
2. O objecto do presente recurso consubstancia-se na impugnação da decisão proferida pelo Tribunal a quo nos seguintes termos:
- o ter sido julgada procedente a invocada excepção peremptória de caducidade e, em consequência, extinto o direito do A. Condomínio.
- o tribunal a quo não se ter pronunciado quanto ao pedido de indemnização em virtude da não construção das infra-estruturas e demais apoios urbanísticos.
3. Desde logo, salvo o devido respeito, jamais o ora Recorrente poderá concordar com o entendimento do Tribunal recorrido.
4. Desta forma, violou a Meritíssima Juiz a quo uma das formalidades da Audiência Prévia e prescrita na al. a) do n.º 1 do art.º 591.º do CPC.
5. NESTES TERMOS, cumpre concluir que, atento o supra exposto, a decisão de não realização da Audiência Prévia, aqui em apreço é nula atenta a preterição de formalidades essenciais legalmente consignadas.
II - DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO:
6. No seguimento daquilo que já supra melhor se mencionou, os fins da Audiência Prévia, resumidamente, são os de, em contraditório, determinar a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, proferir o despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova e programar os actos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respectivas datas. 7. ACONTECE QUE, não obstante a existência de matéria controvertida, a Meritíssima Juiz a quo, entendeu que os autos já possuíam todos os elementos necessários à decisão sobre o mérito da causa e, como tal, proferiu o respectivo despacho saneador, proferindo decisão no âmbito dos presentes autos.
8. Porém, ao arrepio da lei, designadamente, ao abrigo do disposto no art.º 591.º, n.º 1, al. b), o Tribunal recorrido decidiu sobre o mérito da causa nem facultar às partes a discussão da matéria de facto e de direito.
9. Ora, a audição das partes quanto à matéria de facto e de direito constitui uma formalidade legalmente imposta pelo artigo 591.º n.º 1 al. b) do C.P.C., cuja violação acarreta a nulidade da decisão o que, desde já se invoca, com todas as consequências legais daí decorrentes.
10. Deste modo, violou a Meritíssima Juiz a quo um dos mais elementares princípios processuais, nomeadamente, o princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º n.º 3 do CPC.
11. Sucede que, nos presentes autos a Meritíssima Juiz a quo entendeu que as partes através dos respectivos articulados cumpriram suficientemente com o contraditório, pelo que não utilizou a Audiência Prévia e, procedeu à prolação do saneador - sentença, nos termos dos artigos 591.º n.º 1, al. d) e 595º n.º 1 al. b), ambos do CPC, não dando às partes, todavia oportunidade para se pronunciarem sobre questões de facto e de direito.
12. Contudo, não pode entender-se que o princípio do contraditório das partes se possa concretizar, simplesmente, através dos articulados apresentados pelas mesmas, caso contrário, o legislador não exigia, como exige, que as partes tenham que estar presentes na respectiva audiência prévia.
13. Face ao exposto, não restam dúvidas de que a prolação da decisão final é proferida com preterição de uma formalidade essencial e, que se encontra prescrita na lei, ou seja, foi a mesma efectuada sem que as partes tivessem oportunidade de se pronunciar em relação às questões de facto e de direito.
14. Em, face disso e, uma vez que a omissão de tal formalidade influi no exame ou na decisão da causa, tal decisão é nula, atenta a violação do art.º 3º n.º 3 e do art.º 591, n.º 1, al. b) ambos do CPC.
15. Assim sendo e, sempre com o devido respeito, a verdade é que, muito mal andou o Tribunal de que se recorre.
16. Em suma, não se conforma, de modo algum, o ora apelante com a douta decisão em crise, por entender que a decisão judicial proferida é, nula, atenta a violação de formalidades legais, conforme supra melhor se explanou, com todas as consequências legais daí decorrentes.
Termos em que concedendo-se provimento ao recurso, deve revogar-se a sentença recorrida, julgando-se ao invés, a presente acção procedente, com as legais consequências, fazendo-se a sã e habitual justiça”.
Não foram apresentadas contra-alegações, declarando a apelada prescindir do direito de as formular.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- Se podia ou não ser dispensada a audiência prévia; no caso de não poder ser dispensada, qual o vício daí decorrente e suas consequências;
- Se foi omitida pronúncia sobre o segundo pedido formulado pela Autora e, a ocorrer omissão, natureza e consequências dessa patologia processual.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Foram os seguintes os factos julgados dados por assentes em primeira instância:
1.º A ré, sociedade comercial por quotas, dedica-se à actividade de venda imobiliária.
2.º No exercício da sua actividade a ré adquiriu o terreno onde foi construído o prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua …, nºs .., .., .. e …., na freguesia … e concelho da Maia.
3.º De acordo com o alegado pelo autor, foi a ré quem efectuou a construção do imóvel, na qualidade de empreiteira.
4.º A propriedade horizontal foi constituída em 07 de Fevereiro de 2003 – fls. 185.
5.º A ré vendeu as fracções autónomas construídas.
6.º O Alvará de Autorização de Utilização n.º …./03 foi emitido em 10 de Outubro de 2003 – fs. 32.
7.º O último condómino a adquirir uma fracção, fê-lo no dia 26 de Outubro de 2009 –fls. 185.
8.º A primeira Administração do Condomínio foi eleita em 17 de Janeiro de 2007 –fls. 208.
9.º O autor denunciou os defeitos alegados na reunião de condóminos de 11 de Outubro de 2013.
10.º A presente acção deu entrada em 08.10.2014 – fs. 16.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Do eventual vício da falta de realização da audiência prévia.
Imputa a recorrente à decisão que impugna o vício de nulidade, argumentando, para o efeito, que tendo a mesma sido proferida sem antes se ter realizado a audiência prévia e sem dar às partes a oportunidade de se pronunciarem quanto às questões de facto e de direito, foi preterida formalidade legal, influindo essa omissão no exame e na decisão da causa, tendo sido violado o princípio do contraditório, cujo artigo 3.º, n.º 3 da lei processual civil exige que seja assegurado.
A existir vício gerado pelo circunstancialismo invocado, não será certamente o da nulidade da sentença[1], mas antes nulidade processual, em conformidade com o que dispõe o artigo 195º do Código de Processo Civil[2].
Sanada a confusão alegatória da apelante, importa equacionar se a circunstância de ter sido proferido saneador-sentença, julgando procedente a excepção peremptória da caducidade do direito de acção, sem antes se ter realizado audiência prévia, é ou não susceptível de gerar nulidade processual com base nos fundamentos convocados.
Permite o nº 2 do artigo 590º da lei processual civil que, findos os articulados, o juiz profira despacho pré-saneador com uma das finalidades previstas nas alíneas a) a c).
Não havendo lugar a tal despacho ou concluídas as diligências do mesmo resultantes, é convocada audiência prévia destinada a algum ou alguns dos fins previstos nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 591º, nomeadamente, facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar excepções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa [alínea b)], ou proferir despacho saneador, nos termos do nº 1 do artigo 595º [al. d)].
O artigo 592º determina em que casos não há lugar a audiência prévia: nas acções não contestadas que tenham de prosseguir em obediência ao disposto nas als. b) a d) do artigo 568º, ou quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados.
Prevê o artigo 593º que nas acções que hajam de prosseguir, o juiz possa dispensar a audiência prévia, quando esta se destine apenas aos fins indicados nas als. d), e) e f) do nº 1 do artigo 591º - ou seja, quando se destine, apenas, a proferir despacho saneador, a determinar adequação formal, simplificação ou agilização processual, ou a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova -, caso em que, nos 20 dias subsequentes ao termo dos articulados, profere despacho nos termos do n.º 2 do mesmo normativo, podendo as partes requerer a realização da audiência prévia se pretenderem reclamar do despacho na parte em que determinou adequação formal, simplificação ou agilização processual, ou identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova, em conformidade com o n.º 3 do citado dispositivo.
Define o artigo 595º, nº1 a que fins se destina o despacho saneador: a) conhecer das excepções dilatórias ou nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou, que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente; b) conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória.
Da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII pode extrair-se: “A audiência prévia é, por princípio, obrigatória, porquanto só não se realizará nas ações não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante e nas ações que devam findar no despacho saneador pela procedência de uma exceção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados.
No que respeita aos seus fins, a audiência prévia tem como objeto: (i) a tentativa de conciliação das partes; (ii) o exercício de contraditório, sob o primado da oralidade, relativamente às matérias a decidir no despacho saneador que as partes não tenham tido a oportunidade de discutir nos articulados; (iii) o debate oral, destinado a suprir eventuais insuficiências ou imprecisões na factualidade alegada e que hajam passado o crivo do despacho pré-saneador; (iv) a prolação de despacho saneador, apreciando exceções dilatórias e conhecendo imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa; (v) a prolação, após debate, de despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova”.
Entende Abílio Neto[3] que “a realização da audiência prévia é tendencialmente obrigatória, porquanto, por um lado, só em casos contados a lei permite que ela não se realize (art. 592.º) e, por outro, só nas hipóteses contempladas no art. 593.º fica ao critério do juiz dispensar a sua realização”.
Revertendo à situação dos autos: o processo findou com a prolação do despacho saneador que, conhecendo da excepção peremptória invocada pela Ré, à qual respondeu em articulado próprio a Autora, julgou procedente a mesma.
Não se configura, assim, nenhuma das hipóteses previstas no artigo 592º, contemplando a alínea b) do seu n.º 1 as excepções dilatórias - que deixa fora do seu âmbito de aplicação as excepções peremptórias que, como adiante se esclarecerá, contendem com o mérito da causa -, nem a situação do artigo 593º da lei processual civil - que concede ao juiz a faculdade de dispensar a audiência prévia, destinando-se esta apenas a algum dos fins nela especificados -, concebido apenas para a hipótese das “acções que hajam de prosseguir”.
Ora, como destaca o acórdão da Relação de Lisboa de 05.05.2015[4], “não se verificando nenhuma das situações previstas no art. 592º, e se a acção não houver de prosseguir, nomeadamente por se ir conhecer no despacho saneador do mérito da acção, deve ser convocada audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito (art. 591º, nº 1, al. b))”.
Assim, e voltando de novo à discussão dos autos, a audiência prévia só poderia ser dispensada no contexto – que, para o efeito, teria de ser expressamente invocado no despacho em que se decidiu pela dispensa da referida formalidade processual e só depois de ouvidas as partes - dos artigos 547º e 6º, nº1, ambos do Código de Processo Civil[5].
Dado que a audiência prévia não foi dispensada nessa específica situação[6], exigia-se a sua realização para assegurar o cumprimento da finalidade imposta pelo n.º1, al. b) do Código de Processo Civil.
Segundo o citado acórdão da Relação de Lisboa de 05.05.2015, “a convocação da audiência prévia para o fim previsto no art. 591º, nº 1, al. b) visa assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, e, assim, evitar decisões-surpresa (art. 3º, nº 3), pelo que se nos afigura que o juiz só poderá dispensar, nestes casos, a audiência prévia, ao abrigo do disposto nos arts. 6º e 547º, se aquele conhecimento assentar em questão suficientemente debatida nos articulados”.
Como explica Lebre de Freitas[7], “quando se julgue habilitado a conhecer imediatamente do mérito da causa, mediante resposta, total ou parcial, ao pedido (ou pedidos) nela deduzido(s) (art. 595-1-b), o juiz deve convocar a audiência prévia para esse fim.
No CPC de 1961 posterior à revisão de 1995-1996, exceptuava-se o caso em que os fundamentos da decisão a proferir tivessem sido já discutidos pelas partes, não havendo insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto a corrigir e revestindo-se a apreciação da causa de manifesta simplicidade. No novo código esta excepção desaparece: o juiz não pode julgar de mérito no despacho saneador sem primeiro facultar a discussão, em audiência, às partes”.
Acha-se hoje estabilizado o entendimento de que conhece sobre o mérito da causa, independentemente da solução adoptada implicar ou não o termo do processo, o despacho que aprecie qualquer excepção peremptória, designadamente, a caducidade[8].
Assim, de acordo com o exposto, teria de ser designada audiência prévia para concretização da finalidade prevista no artigo 591º, nº1, b) do Código de Processo, não contrariando esse entendimento o facto de as partes haverem discutido nos articulados a excepção da caducidade e de o Sr. Juiz haver anunciado previamente a possibilidade do seu conhecimento imediato.
Pese embora esse circunstancialismo, não tendo as partes sido ouvidas, nem sequer advertidas acerca da eventual dispensa da audiência prévia, podiam legitimamente esperar que pudessem fazer valer nesse acto, através da garantia do primado da oralidade, os seus derradeiros argumentos. Na medida em que viram defraudada essa expectativa que a lei lhes assegurava, não pode deixar de constituir decisão-surpresa a que conheceu do mérito da causa à revelia do estabelecido no mencionado artigo 591º, nº1, b).
Paulo Pimenta[9] explica desta forma a necessidade de ser convocada a audiência prévia: “Antes de mais, impede que as partes venham a ser confrontadas com uma decisão que, provavelmente, não esperariam fosse já proferida, isto é, evita-se uma decisão-surpresa (art.º 3º 3). Depois, são acautelados os casos em que a anunciada intenção de conhecimento imediato do mérito da causa derive de alguma precipitação do juiz, tanto mais que não é frequente a possibilidade de, sem a produção de prova, ser proferida já uma decisão final. Desse modo, a discussão entre as partes tanto poderá confirmar como infirmar a existência de condições para o tal conhecimento imediato do mérito (…).
Por outro lado, sabendo as partes que, no caso de o juiz pretender decidir o mérito da causa logo no despacho saneador, serão convocadas para uma discussão adequada, não terão de preocupar-se em utilizar os articulados para logo produzirem alegações completas sobre a vertente jurídica da questão. A solução consagrada permite, portanto, que os articulados mantenham a sua vocação essencial (exposição dos fundamentos da acção e da defesa), ao mesmo tempo que garante a discussão subsequente, se necessária, em diligência própria.”
O facto de, antes do conhecimento da excepção peremptória da caducidade, ter sido dispensada a audiência prévia, quando a lei impunha a sua realização, constitui nulidade processual, nos termos do artigo 195º do Código de Processo Civil.
Resta saber se o vício em causa pode ser reconhecido e declarado nesta instância, sendo legítima a dúvida face ao princípio de que das nulidades cabe, por regra, reclamação[10].
Importa, por isso, questionar se a nulidade denunciada podia ser suscitada por via recursiva, ou se devia antes ser objecto de reclamação perante o tribunal onde o vício se consumou.
Como já Alberto dos Reis[11] fazia notar, “a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou omissão do acto ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente”.
E, de acordo com idêntica orientação, defendia o Prof. Manuel de Andrade[12] que “se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. Trata-se em suma da consagração do brocardo: «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se»”.
Esse é também o entendimento sustentado pelos Profs. Antunes Varela[13] e Anselmo de Castro[14].
Afirma o primeiro que “se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”, enquanto o segundo refere que “tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso (…)”.
No caso aqui em debate, a nulidade processual cometida está a coberto da decisão judicial que se lhe seguiu, que a sancionou e confirmou, pelo que o meio processual próprio para a arguir não é a reclamação[15], podendo o vício em causa ser objecto de recurso e ser declarado por esta Relação[16].
Tal nulidade implica a anulação da decisão que, dispensando a audiência prévia, a omitiu, bem como dos termos processuais subsequentes a essa decisão viciada, incluindo a decisão que julgou procedente a excepção peremptória da caducidade.

2. Da omissão de pronúncia do pedido de indemnização por alegado incumprimento contratual.
Denuncia a recorrente nas suas alegações recursivas – conclusão 2ª - o facto de “o tribunal a quo não se ter pronunciado quanto ao pedido de indemnização em virtude da não construção das infra-estruturas e demais apoios urbanísticos”.
A Autora formulou, com efeito, na sua petição inicial dois pedidos distintos: um pedido de indemnização referente ao valor [calculado] da reparação, por terceiro, dos defeitos de que padecia o imóvel construído pela Ré, e um segundo pedido de indemnização correspondente ao valor [calculado] de trabalhos/obras que contratualmente a Ré estava obrigada a realizar e cuja prestação incumpriu: artigos 33º a 41º da petição inicial.
A decisão a julgar procedente a caducidade só incidiu sobre o primeiro pedido, formulado com fundamento na existência de anomalias no prédio que, denunciadas à Ré, esta se negou a reparar.
Quanto ao segundo pedido e respectiva causa de pedir – incumprimento da prestação – é totalmente omissa a decisão em causa.
Essa omissão, recaindo na previsão do artigo 615º, nº1, d) do Código de Processo Civil, é, esta sim, geradora de nulidade da sentença.
A anulação da decisão que dispensou a audiência prévia e da que se lhe seguiu, nos termos acima relatados, confere inutilidade à apreciação desta segunda patologia processual.
*
Síntese conclusiva:
- Entendendo o juiz, após a fase dos articulados, que os autos contêm os elementos necessários a habilitá-lo a proferir decisão de mérito que ponha termo ao processo, deverá convocar audiência prévia para o fim previsto no artigo 591º, nº1, b) do Código de Processo Civil.
- A não realização desse acto processual só será consentida no âmbito do exercício do dever de gestão processual, a título de adequação formal, se o juiz entender que a matéria a decidir foi objecto de suficiente debate nos articulados, justificando a dispensa dessa diligência. Sobre o propósito de dispensar a audiência prévia deverá, porém, ouvir as partes, de acordo com o disposto nos artigos 6º, nº1 e 3º, nº3, ambos do Código de Processo Civil.
- A não realização de audiência prévia, impondo a lei a sua realização, constitui nulidade processual, podendo ser arguida em sede de recurso, conduzindo à anulação da decisão que dispensou a sua convocação e do saneador-sentença que se seguiu a essa decisão.
*
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, na procedência da apelação, em anular a decisão que dispensou a realização da audiência prévia e o subsequente saneador-sentença, devendo ser proferida decisão a convocar as partes para audiência prévia, nos termos e para os efeitos do artigo 591º do Código de Processo Civil.
Custas da apelação: pela apelada.

Porto, 24 de Setembro de 2015
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Teles de Menezes
_________
[1] As causas de nulidade da sentença são apenas as tipificadas no n.º1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, não se enquadrando em nenhuma delas os pressupostos factuais invocados pela recorrente.
[2] Trata-se, segundo Rui Pinto, – “Notas ao Código de Processo Civil”, Coimbra Editora, 2014, pág. 369 – de uma nulidade processual inominada, sujeita ao regime do artigo 195º e seguintes.
[3] “Novo Código de Processo Civil – Lei n.º 41/2013 – Anotado”, “Ediforum – Edições Juídicas, Ldª”, pág. 216.
[4] Processo n.º 1386/13.2TBALQ.L1-“, www.dgsi.pt.
[5] Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 09.10.2014, processo nº 2164/12.1TVLSB.L1-2, www.dgsi.pt.
[6] No próprio despacho que dispensa a audiência prévia, sem antecipadamente ouvir as partes sobre esse propósito, o Sr. Juiz da primeira instância passou ao imediato conhecimento da excepção peremptória da caducidade suscitada pela Ré, concluindo pela sua procedência, assim pondo termo ao processo.
[7] ”A Acção Declarativa Comum à Luz do CPC de 2013, Coimbra Editora, 3ª ed., pág. 172.
[8] Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, Almedina, pág. 185, Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., Coimbra Editora, págs.403, 404, Lebre de Freitas, “A Acção Declarativa Comum à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, págs. 159, 160.
[9] “Processo Civil Declarativo”, 2014, Almedina, págs.. 231, 232.
[10] Daí o tradicional postulado de que dos despachos recorre-se e das nulidades reclama-se.
[11] “Comentário ao Código de Processo Civil”, II, págs. 507, 508.
[12] “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pág. 183.
[13] “Manual de Processo Civil”, 1985, pág. 393.
[14] “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, 1982, pág. 134.
[15] Citados acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30.06.2011 e da Relação de Lisboa, de 04.06.2009.
[16] Neste sentido, cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 11.01.2011, proc.º 286/09.5T2AMD-B.L1, e acórdãos da Relação do Porto de 24.04.2012, proc.º 10336/11.0TBVNG-B.P1 e de 11.05.2015, proc.º 440/07.4TVPRT-B.P1, todos em www.dgsi.pt.