Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
903/11.7TBMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP20141127903/11.7TBMTS.P1
Data do Acordão: 11/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Ao julgar o recurso da decisão arbitral interposto pela expropriante e no qual esta reclamou a redução do montante da indemnização fixado pelos árbitros para um determinado valor, o tribunal não pode fixar o montante da indemnização em valor inferior a este, sob pena de violação do n.º 5 do art. 635.º do novo CPC (proibição da reformatio in peius e da reformatio in mellius).
II - Pese embora estruturado como uma acção especial, o processo de expropriação é uma forma específica de julgamento do recurso de uma decisão, não se lhe aplicando, relativamente ao recorrente, as normas do processo comum que permitem a ampliação do pedido até ao encerramento da audiência.
III - O valor da indemnização está sujeito a actualização nos termos do artigo 24.º, mesmo que no caso a expropriada haja sido condenada, ao abrigo do art. 70.º, nºs 1 e 2, a pagar juros de mora por incumprimento do art. 20.º, n.ºs 1, alínea b), e 5, todos do Código das Expropriações.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo n.º 903/11.7TBMTS.P1 [Comarca do Porto/Sec. Local Matosinhos/Sec. Cível]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.
Por despacho do Secretário de Estado dos Transportes de 10.7.09, publicado no D.R. nº 170, II Série de 21.7.09, foi declarada a utilidade pública urgente da expropriação requerida pela B…, S.A., com sede em …, Matosinhos, das parcelas 15 e 17 destinadas à construção do C…, sitas em …, descritas na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, respectivamente, sob parte do nº 5124 e sob o nº 5123 de … e inscritas na matriz predial rústica da mesma freguesia, respectivamente sob parte do artigo 7 e sob parte do artigo 5, ambas pertencentes a D… e mulher, E…, e F… e marido, G….
Foi proferida a decisão arbitral prevista no artigo 49.º do Código das Expropriações, na qual os árbitros fixaram as indemnizações a pagar aos expropriados nos valores de €221.956,98 para a parcela 15 e de €120.160,00 para a parcela 17.
Dessa decisão interpuseram recursos a expropriante e os expropriados impugnando o valor das indemnizações fixadas para cada uma das parcelas.
No tocante à parcela 15 a expropriante concluiu as suas alegações de recurso da decisão arbitral com as seguintes conclusões:
- O valor arbitrado pelo Acórdão de fls., como contrapartida da expropriação por utilidade pública aqui em causa não está conforme ao que deve entender-se por “justa indemnização” tal como resulta conceptualmente definida no art. 62º, n.º 2 da CRP e nos arts. 1º e 23º do CE.
- As características e localização do prédio expropriado deviam ter levado os Senhores Árbitros a ponderar a classificação do solo como “para outros fins”, nos termo do n.º 3 do art.º 25º do CE, e a apresentar o cálculo da justa indemnização devida naqueles termos.
- No caso de ser admissível a avaliação do terreno como apto para construção o Acórdão Arbitral não respeitou os critérios previstos no art.º 26º (concretamente os seus n.ºs 4, 5, 6 e 9) ou aplicou adequadamente o critério alternativo previsto no n.º 5 do art.º 23º, todos do Código das Expropriações.
- Não pode pois o montante indemnizatório ser calculado sem ter em consideração a devida ponderação dos factores constantes das disposições referidas nos pontos anteriores, não devendo o quantum indemnizatório a atribuir aos Expropriados ser fixado em montante superior a € 180.498,12 (cento e oitenta mil e quatrocentos e noventa e oito euros e doze euros).
No tocante a essa parcela, os expropriados alegaram também defendendo que o coeficiente de ocupação do solo deve ser de 0,60m2/m2, o que conduz a um valor de € 343.440,00, valor a que deve acrescer a desvalorização da parte sobrante – € 842,00 – e as benfeitorias – € 1850,00; no entanto, se a parcela fosse avaliada de acordo com rendimento que poderá produzir como terreno de parqueamento a céu aberto, fixando-se o valor do m2 entre os €0,50 e €0,80 e tendo em conta um factor de capitalização de € 4%, a indemnização ascenderia a € 858.600,00; concluíram pedindo, por razões moderação e objectividade, que se fixe a justa indemnização em €420.000,00.
Por despacho, admitiram-se os recursos e decidiu-se o seguinte: “atento o preceituado no artº. 52º. n.º 3 do referido D.L. atribuo aos expropriados o montante da indemnização sobre que se verifica acordo – €180.498,12 –, deduzido do montante de custas prováveis”. Em cumprimento deste despacho entregou-se aos expropriados o montante nele determinado.
No decurso da instrução do recurso procedeu-se à avaliação das parcelas, tendo sido apresentado um laudo subscrito pelos peritos nomeados pelo tribunal e pelo perito indicado pela expropriante e outro laudo subscrito pelo perito indicado pelos expropriados, nos quais e no tocante à parcela 15 os peritos maioritários atribuíram o valor de €171.123,00 e o perito dos expropriados o valor de €238.832,20.
Foi cumprido o disposto no artigo 64º do Código das Expropriações, tendo alegado alegaram ambas as partes.
Nas suas alegações, a expropriante afirma a dado trecho o seguinte:
“…39. Atendendo à realidade da parcela e à classificação do solo no PDM, bem andaram todos os Senhores Peritos ao avaliar as parcelas através do método do rendimento. 40. Ora, atenta a importância da prova pericial (única prova que não pode ser postergada), desde já se diga que tais relatórios deverão ser o válido fio condutor da justa indemnização a atribuir aos Expropriados em consequência da expropriação por utilidade pública do seu terreno, com salvaguarda do reparo que a seguir se fará. 41. Em especial, deverá atender-se ao relatório especial maioritário, que inclui os Peritos nomeados pelo Tribunal e o Perito indicado pela Expropriante e ao qual, por uma questão de lealdade processual, a Expropriante adere, 42. e de cujos factores de avaliação o Tribunal só se deverá afastar em casos fundamentados. 43. Assim sendo, deverá ser atribuído aos Expropriados o valor … de €171.123,00 (parcela 15)…” (sublinhados nossos).
Foi, por fim, proferida sentença na qual se conheceu dos recursos interpostos da decisão arbitral e se decidiu nos seguintes termos:
“Julgo parcialmente procedente o recurso interposto pela expropriante e totalmente improcedente o recurso interposto pelos expropriados e, consequentemente:
condeno a “B…, SA” a pagar aos expropriados a quantia de € 171.123,00 (cento e setenta e um mil cento e vinte e três euros) pela expropriação da parcela 15 e € 122.274,75 ( cento e vinte e dois mil duzentos e setenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) pela expropriação da parcela 17.
Mais julgo procedente o pedido de indemnização pela mora formulado pelo expropriado, determinando que a expropriante proceda ao depósito, no prazo de 10 dias, dos juros, calculados à taxa legal.”
Do assim decidido, os expropriados interpuseram recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1. A decisão sob censura não condenou a expropriante a calcular e liquidar a actualização da indemnização nos termos do artº 24º n.º 1 C.E.
2. Irrecusável é que cada uma das partes apenas está vinculada às obrigações que a sentença, do processo em que intervêm, para ela determina, assim se justificando o presente recurso, no âmbito da mais elementar prudência.
3. É que da actualização dos valores fixados na sentença decorre uma diferença manifestamente não negligenciável pois que à indemnização atribuída à parcela 15 na sentença sub judice – €171.123,00 – corresponde, à data da sua prolação, o valor de €184.514,02; para a parcela n.º 17 a indemnização da sentença – €122.274,75 – deverá ser, sempre, com referência à data dela, de €131.843,21.
4. O manifesto lapso – porque de outra forma se não poderá qualificar o vício de que enferma a douta sentença – representaria assim, para os recorrentes, com referência à data da sentença, um quantitativo de €22.959,48, tudo como melhor consta da actualização efectuada pelo INE que ora se junta (docs 1 e 2).
5. A sentença em apreço, abstendo-se de determinar a actualização das indemnizações de acordo com o normativo citado, violou o artº 24º nº 1 C.E., razão pela qual deve ser revogada e substituída por outra que condene a expropriante a calcular e liquidar o diferencial entre os valores depositados nos autos e os emergentes da aludida actualização.
6. Conforme resulta dos autos, a expropriante veio interpor recurso da arbitragem que incidiu sobre a parcela 15 a qual fixou em €221.956,98 o valor da correspondente indemnização.
7. Conclui o aludido recurso referindo “7… não deverá o quantum indemnizatório a atribuir aos expropriados ultrapassar a quantia de €180.498,12” defendendo assim que o valor aceite seria daquele montante.
8. Em conformidade com a estatuição legal, artº 52º nº 2 C.E., por douto despacho (refª 9070434) de 28.03.2011 foi doutamente decidido “atribuo aos expropriados o montante da indemnização sobre que se verifica acordo – €180.498,12 –, deduzido do montante de custas prováveis”.
9. Porém a sentença veio a fixar em €171.123,00 o valor da indemnização respeitante à mencionada parcela nº 15.
10. É por demais conhecida a natureza jurisdicional do Acórdão dos árbitros o qual reveste as mesmas características de qualquer outra decisão, designadamente quanto à sua impugnação, só susceptível através de recurso e definitiva na parte aceite.
11. (…) 12. A sentença sob censura violou o despacho de 28.03.2011, supra transcrito e há muito transitado em julgado quando aquela foi proferida, e violou também o principio do caso julgado e, nomeadamente os artºs 631, 632, 633 e 635 n CPC a que correspondem os artºs 680, 681, 682 e 684 CPC.
13. Atento o exposto deve a sentença ser revogada nesta parte fixando em €180.498,12 a indemnização correspondente à parcela nº 15, com as legais consequências.
Nestes termos … deve a sentença … ser revogada e substituída por outra que determine a actualização da indemnização respeitante às duas parcelas … e que fixe à parcela nº 15 o quantum indemnizatório de €180.498,12.
A expropriante respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado no tocante, pelo menos, à questão do valor da indemnização da parcela 15 com o fundamento de que pese embora no recurso que apresentou tenha concordado com o valor de € 180.498,12 para a parcela 15, depois, nas alegações que antecederam a sentença, referiu que, subsidiariamente, aderia ao relatório de avaliação maioritário o qual determinou o montante de €171.123,00, sendo que em processo de expropriação, atenta a sua especial tramitação, o encerramento da discussão apenas ocorre após a apresentação pelas partes das alegações que antecedem a sentença.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.
As conclusões das alegações de recurso demandam deste Tribunal que decida as seguintes questões:
i) Se a sentença recorrida podia fixar a indemnização da parcela 15 no valor de €171.123,00 quando no recurso da decisão arbitral que fixara esse valor em €221.956,98 a expropriada defendeu que esse valor não podia ser superior a € 180.498,12.
ii) Se o valor das indemnizações está sujeito à actualização prevista no artigo 24.º do Código das Expropriações.

III.
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
a) A Declaração de Utilidade Pública para expropriação e posse administrativa das parcelas 15 e 17 foi conferida por despacho da Secretária de Estado dos Transportes de 10/07/09 publicado no D.R. nº 139, II Série de 21/07/09.
b) A parcela 15 possui a área global de 5.068 m2, situa-se no …, freguesia …, confronta do Norte com H… e herdeiros de I…, do Sul com J…, do Nascente com caminho e do poente com a B…, descrita na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob parte do nº 5124 de … e inscrita na matriz predial rústica da mesma freguesia sob parte do artigo 7.
c) A parcela 17 possui a área global de 3.603 m2, situa-se no …, freguesia …, confronta do Norte com parcela 26, do Sul com parcela 17S, do Nascente com as parcelas 25 e 24R e a poente com parcela 16, descrita na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob parte do nº 5123 da freguesia … e inscrita na matriz predial rústica da mesma freguesia sob parte do artigo 5.
d) A parcela 15 faz parte de um prédio de maiores dimensões, com a área global de 5724, tendo sido objecto do processo expropriativo que correu termos no 4º Juízo deste Tribunal sob o nº 233/11.4TBMTS, tendo por objecto a parcela 17.1 com a área de 500.
e) Das expropriações referidas, resulta uma parte sobrante de 156m2.
f) À data da vistoria ad perpetuam rei memoriam o terreno que constitui a parcela expropriada estava afecto à cultura de milho.
g) O acesso à parcela e ao prédio era feito por um caminho sem qualquer infraestrutura e sem permitir o trânsito automóvel.
h) Nos 300 metros envolventes não existem construções.
i) De acordo com o PDM a parcela inseria-se em “Zona Urbana e Urbanizável – Área Exclusiva de Armazenagem a Descoberto” a norte e “Zona Urbana e Urbanizável - Área de Equipamento” a sul.
j) A parcela tinha um poço com 10 m de profundidade, muros com altura de 1,50m, espessura de 70 cm e extensão de 20 m2 e 40,00 tubo de plástico de diâmetro 3”.
l) A parcela 17 faz parte de um prédio de maiores dimensões, com a área global de 3780m2 e é composta de terreno lavradio e pinhal.
m) Da expropriação resulta uma parte sobrante com a área de 177 m2.
n) A parcela tem configuração irregular e topografia mais ou menos plana, sendo o acesso à mesma e ao prédio, a norte e a poente, feito por caminhos sem qualquer infraestrutura e sem permitir o trânsito automóvel.
o) Nos 300 metros envolventes não existem construções.
p) De acordo com o PDM a parcela inseria-se em “Zona Urbana e Urbanizável – Área Exclusiva de Armazenagem a Descoberto” em cerca de 2570m2 a norte, em “Zona Urbana e Urbanizável – Área de Equipamento” em cerca de 1028m2 a sul e ainda a sul em “Reserva Ecológica Nacional (REN)” em cerca de 65 m2.
q) A expropriante enviou aos expropriados a comunicação prevista no nº 5 do artº 10º do CE, datada de 27 de Abril de 2009 e recebida por estes em 5 de Maio de 2009, propondo-lhe a indemnização de €286.865,00 pela expropriação da parcela 15 e a indemnização de €219.465,00 pela expropriação da parcela 17.
s) Em 23 de Setembro de 2010 a expropriante tomou posse administrativa das parcelas 15 e 17.
t) A expropriante enviou aos expropriados uma comunicação datada de 7 de Outubro de 2010 e recebida por estes em 9 de Outubro de 2010, enviando cópia dos autos de posse administrativa da qual fez constar que “o depósito a que se refere o disposto na alínea b) do nº 1 do Artigo 20º do Código de Expropriações, não foi efectuado, por falta de documentos comprovativos da Titularidade”.
u) Os acórdãos arbitrais mostram-se datados de 10 de Janeiro de 2011 (parcela 15) e 20 de Março de 2011 (parcela 17).
v) A expropriante procedeu ao depósito dos valores fixados nos acórdãos arbitrais em 27 de Janeiro de 2011 e 29 de Abril de 2011, respectivamente.

IV.
A] da possibilidade de fixar a indemnização em valor inferior ao aceite pela expropriante nas alegações de recurso da decisão arbitral.
O processo de expropriação divide-se, como se sabe, em, pelo menos, dois momentos perfeitamente distintos.
No primeiro momento o processo tem natureza administrativa e é presidido pela própria entidade expropriante, compondo-se então de um conjunto de actos destinados a tentar obter o acordo dos expropriados para a expropriação e, não sendo esse acordo possível, obter a declaração de utilidade pública, tomar posse administrativa do bem expropriado e promover a fixação do valor da indemnização através da arbitragem.
Proferido o Acórdão Arbitral o processo entra num novo e distinto momento, agora de natureza judicial e presidido pelo juiz, o qual compreende a adjudicação da propriedade do imóvel à expropriante, a interposição, instrução e julgamento do recurso da decisão arbitral no caso de alguma das partes discordar do valor fixado pelos árbitros.
Temos assim que, não havendo acordo entre a expropriante e os expropriados, a fixação do valor da indemnização cabe, em primeira instância, ao colégio de árbitros designados pelo presidente do Tribunal da Relação. A sua intervenção é obrigatória, constituindo um exemplo da intervenção de tribunais arbitrais necessários.
O Acórdão dos Árbitros não é um mero parecer, ainda que de especialistas ou peritos, pelo contrário, é uma verdadeira decisão vinculativa para as partes. Por conseguinte, a sua impugnação assume a natureza de verdadeiro recurso a que são aplicáveis, com as devidas adaptações, as normas do Código de Processo Civil que regulam os recursos ordinários. Isso mesmo afirma Salvador da Costa, in Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Livraria Almedina, 2010, pág. 280, ao assinalar que “a arbitragem assume a natureza de primeira instância jurisdicional inserida na fase administrativa do processo de expropriação, que termina com a prolação de um acórdão, susceptível de recurso para o tribunal da ordem judicial e de constituir, se o não houver, título executivo”.
Na verdade, nos termos do artigo 38.º, n.os 1 e 3, do Código das Expropriações, do acórdão arbitral cabe recurso, com efeito meramente devolutivo, para o tribunal do lugar da situação dos bens ou da sua maior extensão. Este recurso não depende do valor da causa, podendo ser interposto independentemente do valor da indemnização fixada pelos árbitros e, portanto, mesmo que este seja inferior à alçada do tribunal de comarca. A sua interposição pode ser feita por qualquer das partes que se sinta prejudicada pela decisão, a expropriante clamando que a indemnização deve ser inferior e o expropriado bradando que deve ser superior, sendo que o recurso pode ser independente ou subordinado (artigo 52.º, n.º 1, do Código das Expropriações) e tanto pode restringir-se à matéria de direito como compreender ainda a matéria de facto que serve de fundamento à decisão arbitral impugnada.
Para a parte que discorda da decisão a interposição de recurso é indispensável para que possa obter a sua alteração em sentido mais favorável. Quem não recorrer dessa decisão fica vinculado ao caso julgado e, como tal, não poderá mais questionar o valor da indemnização ou os critérios observados para se chegar a esse valor. A parte não recorrente não poderá assim usar a resposta às alegações de recurso da parte recorrente para questionar a decisão arbitral e obter a sua alteração em sentido mais favorável para si.
Se não houver recurso da decisão arbitral esta transita em julgado, fixando em definitivo o valor da indemnização devida pela expropriação. Quando isso suceda o juiz limitar-se-á a atribuir aos interessados a indemnização fixada (artigo 52.º, n.º 2).
Mas a lei vai ainda mais longe e prevê que mesmo havendo recurso possa proceder-se ao pagamento de alguma parte da indemnização. Nos termos do n.º 3 do artigo 52.º, se houver recurso, o juiz atribui imediatamente aos interessados, nos termos do número anterior, o montante sobre o qual se verifique acordo, com retenção, mas só se isso for necessário, da quantia provável das custas do processo para o caso de os recorrentes decaírem no recurso.
O n.º 4 prevê ainda que a parte restante da indemnização fixada também possa ser entregue aos expropriados mas nesse caso exige-lhes a prestação de garantia bancária ou seguro-caução de igual montante, sendo que se esta faculdade não for exercida a expropriante passa a poder requerer a substituição por caução do depósito da parte da indemnização sobre a qual não se verifica acordo (n.º 5).
A razão de ser destas normas que alguns (cf. Salvador da Costa, loc. cit., pág. 326) associam ao “princípio da contemporaneidade da indemnização em relação à desapropriação dos bens em causa por via da expropriação” radica, a nosso ver, nos efeitos da vinculatividade da decisão na parte não impugnada.
Como sabemos, o objecto do recurso de uma decisão é sempre a parte desfavorável ao recorrente já que só quem ficou vencido e na medida em que o ficou pode recorrer da decisão (artigo 631.º do novo Código de Processo Civil). Para além desse limite ao poder de cognição do tribunal de recurso, outros podem advir do modo como o recorrente entendeu delinear o seu recurso, uma vez que quando a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas o recorrente pode restringir o recurso a qualquer delas (artigo 635.º).
Acresce que o objecto do recurso é ainda delimitado pela formulação das conclusões das alegações já que é em função destas e não propriamente das alegações em sentido estrito, que se devem interpretar a balizar as questões que o tribunal de recurso pode e deve conhecer, as quais só podem exceder o mencionado nas referidas conclusões no caso de se tratar de questões de conhecimento oficioso.
Esta problemática dá origem a duas questões distintas: por um lado, a questão da extensão e limites do caso julgado[1]; por outro lado, a questão de saber até que ponto a decisão do tribunal de recurso pode melhorar ou agravar a posição do recorrente normalmente designadas pela proibição da reformatio in mellius e in peius[2].
No presente caso é esta última questão que importa abordar e que resolve o conflito suscitado. Com efeito, ambas as partes interpuseram recurso, questionando ambas os critérios seguidos pelos árbitros para classificar e avaliar o prédio expropriado, pelo que não é propriamente uma questão de caso julgado que nos ocupa.
O que sucedeu foi que no seu recurso a expropriante defendeu a diminuição do valor da indemnização fixada pelos árbitros sustentando que este devia ser fixado em montante não superior a €180.498,12, mas apesar disso, na sentença recorrida, o Mmo. Juiz a quo fixou a indemnização em apenas €171.123,00, ou seja, num valor ainda mais baixo do que a expropriante sustentava nas conclusões das alegações de recurso e, portanto, colocando-a numa posição mais favorável do que ela pretendeu com o recurso que interpôs.
Tanto quanto julgamos, nos termos do artigo 684.º, n.º 4 do Código de Processo Civil então vigente (hoje, nos mesmos termos, do artigo 635.º, n.º 5, do novo Código de Processo Civil) estava vedado ao Mmo. Juiz a quo decidir como decidiu.
Este preceito legal estabelece que os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do julgado. Proíbe-se assim de forma expressa a reformatio in peius, acompanhando a proibição da reformatio in mellius que advém da delimitação do objecto do recurso.
Segundo Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pág. 465, “no direito português, a função do recurso ordinário é a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa. Dessa circunstância decorre a proibição da reformatio in mellius e in peius. A proibição da reformatio in mellius tem o seguinte enunciado: como o objecto do recurso é delimitado pela impugnação do recorrente, esta parte não pode alcançar através do recurso mais do que a revogação e eventual substituição da decisão recorrida. (…) A violação das proibições da reformatio in mellius e in peius pressupõe que o tribunal de recurso conhece de matéria que não podia apreciar, porque excede o âmbito da sua competência decisória. Assim, é nulo, por excesso de pronúncia o acórdão do tribunal de recurso que não observa aquelas proibições (cfr. artºs 668º, nº 1, al. d) 2ª parte, 716º, nº 1, 732º, 752º, nº 3, e 762º, nº 1). (…) A proibição da reformatio in mellius é uma consequência da vinculação do tribunal superior à impugnação do recorrente: por isso, esse tribunal não pode conceder a essa parte mais do que ele pede no recurso interposto.”
Precisamente por estes motivos, entendeu-se nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.07.2010, relatado por Hélder Roque no processo n.º 4210/06.9TBGMR.S1[3], e de 30.10.2012, relatado por Salazar Casanova no processo n.º 1333/06.8TBFLG.G2.S1, in www.dgsi.pt, que mesmo seguindo a tese de que a decisão arbitral apenas forma caso julgado quanto ao valor da indemnização e não propriamente quanto à aplicação dos critérios de avaliação observados pelos árbitros, tem de se reconhecer que a decisão que julgue o recurso da decisão arbitral não pode colocar os expropriados em posição pior do que a pedida no recurso da expropriante nem melhor do que a pedida por eles no respectivo recurso. Tal resulta da seguinte passagem do último dos Acórdãos citados: “…a decisão arbitral faz caso julgado apenas no que respeita ao montante da indemnização e não quanto às qualificações que os árbitros tenham efectuado (…) e, no que respeita ao limite indemnizatório fixado na decisão arbitral, ele vale quando nos deparamos com recurso interposto pela parte que pretende diminuição da indemnização fixada. Esse limite de montante da decisão arbitral não se verifica quando o recurso interposto visa uma alteração para mais do montante indemnizatório fixado, como sucede no caso em que estamos face a um recurso interposto pelo expropriado e não pela expropriante” (sublinhado nosso).
Este entendimento justifica na íntegra a solução dos n.os 2 a 5 do artigo 52.º do Código das Expropriações. Quando não há recurso da decisão arbitral o valor da indemnização fica definitivamente fixado no valor decidido pelos árbitros, pelo que o juiz deve atribuir de imediato aos interessados a indemnização fixada. Quando, pelo contrário, há recurso, a indemnização não se considera definitivamente fixada naquele valor. Contudo, uma vez que o tribunal de recurso nunca poderá vir a fixar uma indemnização de valor inferior àquele que o expropriante aceita ser devido porque justo, o juiz, não obstante o recurso, atribui imediatamente aos interessados, independentemente de requerimento, o montante sobre o qual se verifica acordo (com eventual retenção para assegurar o pagamento das custas do recurso). Nessa fase, o juiz não pode atribuir aos expropriados a parte da indemnização em relação à qual não existe acordo porque, face à interposição do recurso e à impugnação dessa parte da indemnização ainda não é certo que a mesma seja devida. Por isso, o máximo que a lei consente é que os expropriados, caso queiram receber essa parte da indemnização, prestem garantia destinada a assegurar a sua restituição na hipótese de o tribunal de recurso não incluir essa parte no valor da indemnização.
Este mecanismo, destinado a atenuar o prejuízo para os expropriados da dilação temporal entre a privação do bem e o embolso da indemnização, tem assim uma regulação que absorve e respeita os limites do caso julgado e dos poderes de cognição do tribunal de recurso. Por isso foi usado no caso em apreço, tendo sido entregue aos expropriados o “valor sobre que se verifica acordo €180.498,12” abatido do “valor das custas prováveis no montante de €2.187,90” num total de €178.310,22. Repare-se que ao contrário do n.º 4, que consagra que o pagamento da parte que excede aquilo em que há acordo é provisório pois a sua restituição tem de ser garantida por meio idóneo, o n.º 2 do artigo 52.º do Código das Expropriações não faz qualquer reserva ou ressalva ao pagamento do montante em relação ao qual há acordo, precisamente porque o mesmo é definitivo.
Em suma, ao julgar o recurso da decisão arbitral, o Mmo. Juiz a quo não podia mesmo fixar um valor indemnizatório inferior àquele que a expropriante recorrente aceitava como justo, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia e subsequente nulidade.
No recurso agora dirigido a esta Relação, a expropriante contrapõe com o disposto no artigo 273º n.º 2 do Código de Processo Civil, argumentando da seguinte forma: se a ampliação for o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, a parte pode ampliar o seu pedido até ao encerramento da discussão em primeira instância; no processo de expropriação o encerramento da discussão apenas ocorre após a apresentação pelas partes das alegações que antecedem a sentença; embora nas alegações de recurso tenha concordado com o valor de €180.498,12, depois, nas alegações que antecederam a sentença, declarou que aderia, ainda que subsidiariamente, ao relatório dos peritos que fixavam o valor da indemnização em €171.123,00; isso equivale uma ampliação do pedido.
Salvo melhor opinião, este argumento não encobre como é esforçado e, sobretudo, como se afasta dos dados legais.
Na verdade, como já assinalado, na sua fase judicial o processo de expropriação tem já a natureza de recurso de uma decisão, no caso a decisão arbitral. Pese embora esteja estruturalmente delineado como uma acção com a forma bem definida de processo especial, e, por conseguinte, envolva a produção de prova e inclusivamente diligências de prova obrigatórias – prova pericial –, o processo de expropriação não deixa de ser um recurso, tramitado de forma igualmente especial, e a respectiva decisão a proferir uma decisão que julga um recurso, com os limites que advém dessa especial natureza. Logo, falecem argumentos para a equiparar a uma acção e lhe aplicar sem mais as possibilidades de alteração do objecto próprias da instância declarativa, designadamente as que se prendem com o pedido que não existe, de todo, num recurso (pese embora a prática forense corrente de terminar as conclusões de recurso com uma espécie de pedido que não existe nas normas processuais que definem o conteúdo das alegações de recurso).
Acresce que as normas que regem os recursos concentram as possibilidades de delimitação do objecto do recurso e subsequente amplitude dos poderes de cognição do tribunal de recurso no momento da apresentação das alegações de recurso e respectivas conclusões (artigos 684.º do antigo e 635.º do novo Código de Processo Civil). A única situação em que o âmbito do recurso delineado nesse momento pode ser objecto de ampliação é a prevista nos artigos 684.º-A do antigo e 636.º do novo Código de Processo Civil.
Estes preceitos consentem ao recorrido, mas apenas ao recorrido, que na respectiva alegação, mesmo a título subsidiário, requeira ao tribunal de recurso, havendo pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, que conheça do fundamento em que decaiu para prevenir a necessidade da sua apreciação, ou que possa arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.
O recorrente não dispõe deste mecanismo, pela simples razão de que sendo dele a iniciativa do recurso lhe é possível determinar com exactidão nas respectivas alegações o âmbito das questões que quer ver apreciadas pelo tribunal de recurso. Por conseguinte, funciona aqui em relação ao recorrente e no tocante à delimitação do recurso o princípio da preclusão, nos termos do qual, o recorrente tem de concentrar nas alegações de recurso todos os meios e fundamentos de impugnação da decisão que lhe foi desfavorável.
Finalmente, pode objectar-se, com recurso às normas de direito substantivo, que mesmo vendo-se no valor a pagar pela expropriação a natureza de verdadeira indemnização a reclamar a aplicação, ainda que subsidiária, das normas relativas à obrigação de indemnização, nem por essa via a pretensão da ora recorrente teria suporte. O artigo 569.º do Código Civil prescreve, é certo, que quem exigir a indemnização dos danos não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos. Todavia, como é fácil de deduzir, trata-se de uma norma que visa proteger o lesado e criar condições para a efectiva indemnização dos danos realmente sofridos, afastando neste domínio aspectos processuais que poderiam constituir obstáculo a esse objectivo. Por isso, é uma faculdade restrita ao lesado, não ao lesante, e serve para permitir a ampliação da indemnização, não a sua redução, o que nada tem a ver com a situação dos autos em que seria o lesante (expropriante) a reclamar a (ainda maior) redução da indemnização.
Falecem pois os argumentos da recorrida para contornar os limites ao poder de cognição do tribunal de recurso resultantes da forma como elaborou as respectivas alegações de recurso da decisão arbitral e aceitou, então, um valor indemnizatório. E, nessa medida, procede o recurso, impondo-se a alteração da decisão recorrida de modo a aumentar o valor da indemnização da parcela 15 para o valor mínimo aceite pela expropriante nas alegações de recurso uma vez que estava vedado ao tribunal fixar, como fixou, valor inferior a este.

B] da actualização da indemnização:
A sentença recorrida não consignou que o valor da indemnização pela expropriação das parcelas está sujeita a actualização nos moldes consignados no artigo 24.º do Código das Expropriações e no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2001, publicado no DR 248 Série I-A, de 25.01.2001.
Estamos em crer que tal se deveu a mero lapso porquanto não pode subsistir qualquer dúvida quanto à necessidade de actualização da indemnização, não havendo na sentença qualquer referência positiva ou negativa sobre essa questão.
A matéria da actualização concerne ainda à fixação da indemnização, pelo que muito embora a mesma possa não ser mencionada nos recursos da decisão arbitral justifica-se que ao decidir o referido recurso o juiz consigne se o valor da indemnização que fixa está ou não sujeito a actualização. Não o tendo feito, essa deficiência pode ser atacada por via de recurso, cabendo à Relação, em substituição do juiz recorrido, mesmo que não tenha sido arguida a nulidade por omissão de pronúncia sobre essa questão, acrescentar à decisão recorrida a tomada de posição expressa sobre a actualização, corrigindo o julgado.
Nos termos do artigo 24.º do Código das Expropriações o montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação dos bens ou da sua maior extensão.
No presente caso, o Acórdão Arbitral menciona expressamente que se procedeu à avaliação por referência à data da declaração de utilidade pública, isto é, sem actualização até à data da decisão. Por isso vale para o caso o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que uniformizou a jurisprudência no seguinte sentido: “Em processo de expropriação por utilidade pública, havendo recurso da arbitragem e não tendo esta procedido à actualização do valor inicial, o valor fixado na decisão final é actualizado até à notificação do despacho que autorize o levantamento de uma parcela do depósito. Daí em diante a actualização incidirá sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado; tendo havido actualização na arbitragem, só há lugar à actualização, desde a data da publicação da declaração de utilidade pública até à decisão final, sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado”.
Como refere Salvador da Costa, loc. cit., pág. 159, “calculado o valor da indemnização por referência ao momento da publicação da declaração de utilidade pública da expropriação, a actualização tem de lugar à data da decisão final do processo, mas por referência ao primeiro dos referidos momentos. Esta actualização, não baseada em situação de mora ou de atraso de pagamento, é estranha aos juros de mora, visando essencialmente proteger o expropriado e ou os demais interessados contra o fenómeno da depreciação da moeda.”
Não obsta assim à actualização da indemnização a circunstância ocorrida nos autos de a expropriante ter sido condenada, “ao abrigo do disposto no artº 70º. nºs 1 e 2 do Código das Expropriações”, a pagar aos expropriados juros de mora por incumprimento do disposto no artigo 20.º, n.os 1, alínea b), e 5 do Código das Expropriações. Essa condenação está relacionada com a obrigação, que no caso não foi cumprida, de a expropriante proceder ao depósito da quantia correspondente à previsão dos encargos com a expropriação previsto nos artigos 10.º, n.º 4, e 20.º, n.º 1, alínea b), do Código das Expropriações, servindo como forma de sancionar esse incumprimento da expropriante. No dizer de Salvador da Costa, loc. cit., pág. 417, “esta indemnização, derivada de omissões processuais, tem por presumido o dano, nos termos do n.º 2 deste artigo, cabendo à entidade beneficiária da expropriação a prova de que o referido atraso lhe não é imputável”.
Enquanto a actualização da indemnização visa compensar o dano da perda do bem expropriado e indexar o valor da indemnização ao momento mais próximo daquele em que se inicia o processo expropriativo e o expropriado perde a disponibilidade do bem sem receber instantaneamente a indemnização correspondente, a obrigação de pagamento de juros de mora visa compensar o dano da violação das normas legais que regem sobre o processo de expropriação e a necessidade de acautelar devidamente o pagamento da indemnização, dano esse que por se tratar de uma obrigação pecuniária a lei fixou no equivalente aos juros de mora, presumindo, como sucede em relação a qualquer obrigação pecuniária, que o credor sofre danos desse montante. Estamos, pois, perante mecanismos distintos que não se confundem nem se anulam mutuamente.
Procede assim, também nesta parte, o recurso, impondo-se a alteração da decisão recorrida no sentido de consignar que a indemnização está sujeita à actualização legal.

V.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, dando provimento à apelação, alteram a decisão recorrida nos seguintes pontos:
i) o valor a pagar aos expropriados pela expropriação da parcela 15 é alterado para €180.498,12 (cento e oitenta mil e quatrocentos e noventa e oito euros e doze cêntimos);
ii) o valor da indemnização fixada para cada uma das parcelas será actualizado à data da decisão final do processo de acordo conforme estabelecido no artigo 24.º do Código das Expropriações e no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2001.
Custas do recurso pela recorrida (tabela I-B).
*
Porto, 27 de Novembro de 2014.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto173)
José Amaral
Teles de Menezes
______________
[1] Cf. Acórdãos da Relação de Coimbra de 02.10.2012, relatado por Henrique Antunes no processo 3811/09.8TBVIS.C1 e da Relação do Porto de 08.09.2014, relatado por Carlos Querido no processo n.º 2950/10.7TBPRD.P1, in www.dgsi.pt que aqui se acompanham de perto, e nos quais se enunciam as diversas teses sobre a delimitação do caso julgado e a sua aplicação à decisão arbitral num processo de expropriação.
[2] Distinguindo perfeitamente, numa situação muito próxima, o caso julgado dos limites ao conhecimento do tribunal de recurso, cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.11.2012, relatado por Lopes do Rego no processo n.º 11214/05.7 TBMTS.P1.S1 onde se afirma “se bem compreendemos a questão suscitada … o problema residiria em a Relação ter fixado o valor dos terrenos em litígio em valor ligeiramente diverso do sustentado como adequado pela entidade expropriante no recurso da decisão arbitral que interpôs (…) – entendendo os recorrentes que estaria precludida a possibilidade de ser fixado valor mais favorável do que o equacionado pelo expropriante naquele recurso. É, porém evidente que esta questão nada tem a ver com o vício de ofensa do caso julgado – que se prende decisivamente e apenas com a estabilidade atribuída às decisões de natureza jurisdicional : o que está envolvido na questão ora suscitada pelos recorrentes é uma questão processual diversa, consistente em saber se o tribunal está irremediavelmente limitado pelo valor apontado pela expropriante no seu recurso – o que se prende com o funcionamento do princípio dispositivo e com preclusões processuais … estranhas à temática do caso julgado.”
[3] Seguindo o entendimento que o mesmo Conselheiro relator, então Juiz Desembargador, já havia sufragado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08.03.2006, in www.dgsi.pt. Aí se escreveu o seguinte: “… apenas os expropriados, e não o expropriante, interpuseram recurso do acórdão arbitral, o que significa que esta entidade se conformou com o montante indemnizatório fixado, na totalidade das várias parcelas em que este se desdobra. Assim sendo, a parte decisória não recorrida torna-se estável, não podendo a posição dos apelantes ser agravada, em virtude do recurso por si interposto, adquirindo a força e autoridade de caso julgado, atenta a proibição constante do princípio da «reformatio in pejus»(…) Face ao âmbito do caso julgado, assim definido, a decisão arbitral … teria transitado em julgado, se não houvesse sido interposto recurso, nesta parte, para o Tribunal «a quo», mas não, igualmente, as motivações ou os critérios utilizados para se chegar a essa quantia. Por isso, se o caso julgado abrangeria, tão-só, o montante da indemnização fixada, a circunstância de os expropriados se não haverem conformado com a sua fixação e terem recorrido da decisão arbitral, por o considerarem insuficiente, apenas significa que o mesmo iria ser discutido e, eventualmente, não elevado, em função da falta de razoabilidade legal da sua fundamentação, mas nunca que a decisão a proferir pudesse vir a estabelecê-lo, em montante inferior ao fixado em 1ª instância”(sublinhado nosso). O mesmo vale para a situação que nos ocupa em que a expropriante interpôs recurso mas defendeu a redução da indemnização ao montante que aceita corresponder à justa indemnização: também neste caso não pode a indemnização ser fixada em valor inferior ao que a recorrente aceita.