Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
235/14.9T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: INTERPRETAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL
CONDENAÇÃO GENÉRICA
Nº do Documento: RP20150702235/14.9T8VFR.P1
Data do Acordão: 07/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na interpretação da decisão judicial deve ter-se em conta não só as regras atinentes à interpretação e integração das declarações negociais, como também a própria coerência entre a fundamentação e a parte dispositiva da sentença, e ainda outras circunstâncias que possam funcionar como meios auxiliares de interpretação, de forma a reconstruir e fixar o verdadeiro conteúdo da decisão.
II - Sendo obscura a condenação genérica proferida em beneficio da Interveniente (Segurança Social) relativamente a prestações futuras que viesse a pagar ao A em consequência do acidente de viação, a sentença não pode ser interpretada com um sentido contrário a um entendimento pacifico na jurisprudência de não serem cumuláveis na esfera patrimonial do lesado a indemnização por perda de capacidade de ganho e o recebimento da pensão de invalidez que lhe foi atribuída pela segurança social com base no mesmo facto determinante da incapacidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 235/14.9T8VFR.P1
Relator - Leonel Serôdio (428)
Adjuntos – Fernando Baptista Oliveira
- Ataíde das Neves

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1-Relatório.

B… interveniente nos autos de ação declarativa com processo ordinário emergente de acidente de viação intentada por C… contra D…, actualmente E… - Companhia de Seguros, SA, ao abrigo do art. 378º n.º 2 do CPC, na redação em vigor na altura (actual art. 358.º n.º 2) deduziu, no requerimento (após correção do inicial) de fls. 1559 a 1564, incidente de liquidação da condenação proferida pela sentença de 03.10. 2008, que consta de fls.1320 a 1339 dos autos, retificada por despacho de fls. 1365 e que foi alterada por acórdão desta Relação de 22.10.2009, que consta de fls. 1478 a 1483, pedindo a condenação da Requerida “E…-Companhia de Seguros, SA” no pagamento da quantia de CHF 35.685,00, referente às prestações mensais vencidas de Dezembro de 2007 a Fevereiro de 2010, acrescida de juros desde a data do requerimento de liquidação.

A Requerida, contestou arguindo a ineptidão da petição e a exceção de ilegitimidade ativa, sustentando ter sido condenada no pagamento de uma indemnização a liquidar em momento posterior à intervereniente “F…” e não à B…, defende ainda que a sentença não admite a interpretação avançada pela B…. Impugna os pagamentos alegadamente efectuados pela demandante.
Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a arguida exceção de ilegitimidade ativa e foi organizada a base instrutória.
A Requerida interpôs recurso do saneador e por acórdão desta Relação de 26.06.2012, proferido em recurso que subiu em separado, foi confirmada a decisão que julgou a Requerente B… parte legítima, com retificação do dispositivo da sentença liquidanda, tendo-se ordenado que se acrescentasse ao ponto 2 desta (e não no ponto 4) “bem como os danos futuros a que se refere o ponto 6.2, da fundamentação de direito.”
Depois de iniciada a audiência de julgamento, por requerimento de fls. 1698 a 1704, de 9.07.2013, a Requerente veio ampliar o pedido, pedindo a condenação da Requerida no montante de CHF 55.138,85, decorrente de prestações vencidas de março de 2010 a julho de 2013, acrescidas de juros de mora desde a citação da ampliação, bem como danos futuros nos quais o B… e a G… venham a incorrer decorrentes do acidente objecto destes autos, e mais concretamente a condenação da R. a indemnizar e reembolsar nos termos do artº 495º do CC todos os gastos desembolsados pelo B…, em virtude do acidente, designadamente reembolso de prestações médicas ao sinistrado, bem como pensões ou outros montantes a pagar ao mesmo, acrescidos dos correspondentes juros de mora vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
A Requerida notificada, impugnou o alegado no requerimento de ampliação do pedido.
Por despacho datado de 2.10.2013 (fls.1710) foi admitida a ampliação do pedido.
Por requerimento de fls. 1722 a 1724, de 14.02. 2014, a Requerente veio ampliar o pedido, peticionando a condenação da Requerida no montante de CHF 9.413,95, decorrente de prestações vencidas de agosto de 2013 a fevereiro de 2014, acrescidas de juros de mora desde a citação da ampliação, bem como danos futuros nos quais o B… e a G… venham a incorrer decorrentes do acidente objecto destes autos, e mais concretamente a condenação da R. a indemnizar e reembolsar nos termos do artº 495º do CC todos os gastos desembolsados pelo B… em virtude do acidente, designadamente reembolso de prestações médicas ao sinistrado, bem como pensões ou outros montantes a pagar ao mesmo, acrescidos dos correspondentes juros de mora vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.

Por despacho datado de 11.04. 2014 foi admitida a ampliação do pedido.
Concluída a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou procedente o incidente de liquidação e condenou a Requerida E… – Companhia de Seguros, SA a pagar à Requerente B…:
“- a quantia de CHF 35.685,00 ou seja € 22.332,03 referente às prestações mensais vencidas de Dezembro de 2007 a Fevereiro de 2010 relativas aos danos futuros, acrescida dos devidos juros contados desde a data da citação do presente incidente de liquidação até efetivo e integral pagamento;
- a quantia de CHF 55.138,85 ou seja € 52.381,91 referente às prestações mensais vencidas de Março de 2010 a Julho de 2013 relativas aos danos futuros, acrescida dos devidos juros contados desde a data da notificação do requerimento de ampliação do pedido de fls. 1699 ss até efetivo e integral pagamento;
- 9.413,95 ou seja € 8.943,25 referente às prestações mensais vencidas de Agosto de 2013 a Fevereiro de 2014 relativas aos danos futuros, acrescida dos devidos juros contados desde a data da notificação do requerimento de ampliação do pedido de fls. 1722 ss até efetivo e integral pagamento.”
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A Requerida E… apelou e terminou a sua alegação, com as seguintes conclusões que se transcrevem:
“1 – Dos factos dados como provados nos números 5 a 79, deve ser retirada a referência a qualquer montante em euros, tendo em conta que os pagamentos foram feitos em francos suíços, tal como alegado pela recorrida.
2 - A sentença liquidanda, afirmou e reafirmou na sua motivação, o que há muito tem expressa consagração legal e jurisprudencial: que o lesado não pode cumular na sua esfera patrimonial a indemnização por perda de capacidade de ganho e o recebimento da pensão de invalidez que lhe foi atribuída pela segurança social suíça com base no mesmo facto determinante da incapacidade.
3 - As sentenças judiciais são actos através dos quais o tribunal, apreciando os factos e o direito aplicável, da conjugação de ambos extrai uma consequência jurídica. Sendo a linguagem o veículo de comunicação utilizado, por vezes exprime de forma deficiente o pensamento, tornando patente a necessidade da sua interpretação.
4 - A violação das regras de interpretação da decisão judicial reconduz-se a uma questão-de-direito, que, como tal, se inscreve na competência decisória do Supremo Tribunal de Justiça.
5 - A primeira das regras de interpretação, é a chamada impressão do declaratário: a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário possa deduzir do comportamento do declarante (artº 236 nº 1 do Código Civil).
6 - Desconhecida a vontade real do declarante, vale o sentido que o declaratário normal podia julgar conforme às reais intenções daquele declarante.
7 - Ora se na motivação da sentença o Sr. Juiz de Círculo, por mais de uma vez fez referência à impossibilidade de condenar a R. duas vezes a indemnizar o mesmo dano ao lesado e à B…, se não esgrimiu qualquer argumento em sentido contrário ou deu mostras, no texto de ter encontrado razão para se afastar do que dissera na motivação, não pode concluir-se, além do mais em manifesta discordância com o que sempre tem afirmado a jurisprudência e obteve consagração legal que, afinal neste caso o lesado tem direito a uma dupla indemnização do seu dano da E… e da B…, para finalmente ser a recorrente que paga duas vezes a mesma indemnização ao lesado, como já fez e à B…, como pode pretender a decisão recorrida condená-lo a pagar por força deste incidente de liquidação.
8 – A sentença, assim sendo, deveria ter absolvido a recorrente, que apenas poderá ser condenada a reembolsar a recorrida, quando o valor das pensões que esta vem pagando ao sinistrado e que ainda lhe não foram reembolsadas, atinja e ultrapasse o valor da indemnização que na mesma sentença foi atribuída ao lesado para o ressarcir da perda ou diminuição da sua capacidade de ganho.
Sem prejuízo, ainda se dirá que
9 – Caso se venha a entender que a recorrente deve reembolsar a recorrida, nos termos por esta reclamados, então, essa obrigação deverá ficar expressa na moeda original, operando-se a respectiva conversão, por câmbio, para euros, no momento e data do pagamento.”
*
A Requerente contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida, exceto quanto à condenação em euros, dando parcialmente razão à Requerida e sustentando que esta deveria ter sido condenada a pagar-lhe os valores em francos suíços ao câmbio do dia do pagamento.
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Factos julgados provados na sentença recorrida (transcrição):
1 – Por douta sentença proferida a 03/10/2008, transitada em julgado, a presente acção foi julgada parcialmente procedente e em consequência, além do mais, condenou a Ré E… – Companhia de Seguros, SA a pagar à Interveniente F…, a quantia que se liquidar em incidente prévio à execução de sentença referente às despesas suportadas pela Interveniente, referidas no facto provado 52 (curso de formação) da Fundamentação Fáctica, bem como os danos futuros a que se refere o ponto 6.2 da Fundamentação de Direito.2 – Interposto o competente recurso, o Tribunal da Relação do Porto proferiu Acórdão, nos termos do qual decidiu conceder provimento à apelação e em consequência, revogou a sentença, na parte em que condenou a Ré a pagar à Interveniente, F…, a quantia de € 37.298,32 referente ao subsídio atribuído para a frequência de curso profissional, enunciado no ponto 53 da matéria de facto provada e na parte em que condenou a Ré a pagar à mesma interveniente a quantia que se liquidar em incidente prévio à execução de sentença referente às despesas do curso de formação profissional a que alude o ponto 52 da matéria de facto provada, absolvendo-se a Ré do pagamento dessas quantias.
3 – Do douto Acórdão da Relação do Porto, resulta que em tudo o mais, confirma-se a sentença recorrida, sendo que, nesta parte, a sentença não foi objecto de recurso.
4 – Da análise do segmento dispositivo da sentença proferida na 1ª instância, quanto a danos futuros, a mesma remete para o ponto 6.2 da Fundamentação de Direito, nos termos do qual consta que:
“(…) 6.2.2. Ora, não há dúvida que os danos futuros são previsíveis. A Segurança Social Suíça irá continuar a liquidar as pensões mensais. Embora esteja fixado um limite temporal máximo (65 anos) desconhece-se até quando, efectivamente a Segurança Social Suíça liquidará tais pensões, na medida em que o pagamento pode cessar em momento anterior se, por exemplo, o seu titular entretanto falecer (facto não determinável e incerto).
6.2.3. Perante esta situação, verificam-se dois cenários, tal como alegado pela B… nas suas alegações de direito, a saber:
- Ou “apura-se o valor dos danos futuros e deduz-se o valor a pagar pela Segurança Social. Nesta situação, o responsável indemniza apenas parte do dano. Em virtude de cada pagamento a Segurança Social por sub-rogação poderá à medida do vencimento reclamar o pagamento dos valores futuros. Se a pensão da B… não for contemplada a indemnização será inferior ao dano, sendo o causador/seguradora favorecido”.
- Ou “apura-se o valor da indemnização devida por danos futuros e condena-se a seguradora a pagar integralmente a mesma ao lesado. A Segurança Social irá continuar a pagar a pensão. Nesta situação há um enriquecimento ilegítimo do lesado, que recebe do civilmente responsável e da Segurança Social, sendo que a Seguradora poderá ser demandada quanto aos valores futuros pagos e transferidos para a Seg Social por sub-rogação ou regresso”.
6.2.4. Embora nos pareça mais correspondente com o disposto nos artigos 495.º, nº 2 e 564.º, nº 1 do Código Civil o enunciado na segunda hipótese supra transcrita, também é certo que neste momento, verifica-se uma impossibilidade de determinação dos danos futuros, razão por que, nos termos do disposto nº nº 2 do artº 564.º do Código Civil, deve a decisão ser remetida para momento ulterior, já que o Autor tem direito a ser indemnizado pela Ré e ao mesmo tempo um direito de assistência da Interveniente, fazendo surgir na esfera desta, mês após mês, um direito de sub-rogação ou reembolso face à Ré que não é compaginável com uma fixação ex ante do valor do dano futuro, por este também estar dependente de verificação do pagamento pela B… ao Autor”.
5 – A Interveniente B… procedeu ao pagamento ao Autor, em Dezembro de 2007, o montante de CHF 1.296,70, ou seja € 811,49.
6 – (…) em Janeiro de 2008, o montante de CHF 1.296,70, ou seja € 811,49.
7 – (…) em Fevereiro de 2008, o montante de CHF 1.296,70, ou seja € 811,49.
8 – (…) em Março de 2008, o montante de CHF 1.296,70, ou seja € 811,49.
9 - (…) em Abril de 2008, o montante de CHF 1.296,70, ou seja € 811,49.
10 - (…) em Maio de 2008, o montante de CHF 1.296,70, ou seja € 811,49.
11 - (…) em Junho de 2008, o montante de CHF 1.296,70, ou seja € 811,49.
12 - (…) em Julho de 2008, o montante de CHF 1.296,70, ou seja € 811,49.
13 - (…) em Agosto de 2008, o montante de CHF 1.296,70, ou seja € 811,49.
14 - (…) em Setembro de 2008, o montante de CHF 1.296,70, ou seja € 811,49.
15 - (…) em Outubro de 2008, o montante de CHF 1.296,70, ou seja € 811,49.
16 - (…) em Novembro de 2008, o montante de CHF 1.296,70, ou seja € 811,49.
17 - (…) em Dezembro de 2008, o montante de CHF 1.296,70, ou seja € 811,49.
18 - (…) em Janeiro de 2009, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
19 - (…) em Fevereiro de 2009, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
20 - (…) em Março de 2009, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
21 - (…) em Abril de 2009, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
22 - (…) em Maio de 2009, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
23 - (…) em Junho de 2009, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
24 - (…) em Julho de 2009, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
25 - (…) em Agosto de 2009, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
26 - (…) em Setembro de 2009, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
27 - (…) em Outubro de 2009, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
28 - (…) em Novembro de 2009, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
29 - (…) em Dezembro de 2009, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
30 - (…) em Janeiro de 2010, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
31 - (…) em Fevereiro de 2010, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
32 - (…) em Março de 2010, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
33 - (…) em Abril de 2010, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
34 - (…) em Maio de 2010, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
35 - (…) em Junho de 2010, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
36 - (…) em Julho de 2010, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
37 - (…) em Agosto de 2010, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
38 - (…) em Setembro de 2010, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
39 - (…) em Outubro de 2010, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
40 - (…) em Novembro de 2010, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
41 - (…) em Dezembro de 2010, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
42 - (…) em Janeiro de 2011, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
43 - (…) em Fevereiro de 2011, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
44 - (…) em Março de 2011, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
45 - (…) em Abril de 2011, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
46 - (…) em Maio de 2011, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
47 - (…) em Junho de 2011, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
48 - (…) em Julho de 2011, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
49 - (…) em Agosto de 2011, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
50 - (…) em Setembro de 2011, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
51 - (…) em Outubro de 2011, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
52 - (…) em Novembro de 2011, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
53 - (…) em Dezembro de 2011, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
54 - (…) em Janeiro de 2012, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
55 - (…) em Fevereiro de 2012, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
56 - (…) em Março de 2012, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
57 - (…) em Abril de 2012, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
58 - (…) em Maio de 2012, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
59 - (…) em Junho de 2012, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
60 - (…) em Julho de 2012, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
61 - (…) em Agosto de 2012, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
62 - (…) em Setembro de 2012, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
63 - (…) em Outubro de 2012, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
64 - (…) em Novembro de 2012, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
65 - (…) em Dezembro de 2012, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
66 - (…) em Janeiro de 2013, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
67 - (…) em Fevereiro de 2013, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
68 - (…) em Março de 2013, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
69 - (…) em Abril de 2013, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
70 - (…) em Maio de 2013, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
71 - (…) em Junho de 2013, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
72 - (…) em Julho de 2013, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
73 - (…) em Agosto de 2013, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
74 - (…) em Setembro de 2013, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
75 - (…) em Outubro de 2013, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
76 - (…) em Novembro de 2013, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
77 - (…) em Dezembro de 2013, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 1.277,61.
78 - (…) em Janeiro de 2014, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
79 - (…) em Fevereiro de 2014, o montante de CHF 1.344,85, ou seja € 841,62.
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FUNDAMENTAÇÃO

Questões a decidir:

I-
Se dos factos dados como provados nos números 5 a 79, deve ser retirada a referência aos montantes em euros.
II-
Se a sentença liquidanda deve ser interpretada de forma a que a Recorrente seja condenada a reembolsar a Recorrida, quando o valor das pensões que esta vem pagando ao sinistrado, desde dezembro de 2007, ultrapasse o valor da indemnização que na mesma sentença foi atribuída ao lesado para o ressarcir da perda ou diminuição da sua capacidade de ganho.
III-
Se a Recorrente, caso seja condenada, deve sê-lo em francos suíços, operando-se a respectiva conversão, por câmbio, para euros, no momento e data do pagamento.
*
I -
A sentença recorrida ao acrescentar a cada pagamento da pensão mensal em francos suiços que a Interveniente efectuou ao A a expressão “ou seja, …. euros”, não está manifestamente a dar como provado que procedeu a dois pagamentos, um, em francos suíços e outro, em euros, mas apenas a proceder ao câmbio, convertendo a moeda de pagamento (franco suíço) na moeda nacional, o euro.
Contudo, essa conversão, como sustenta a Apelante, é incorreta, pois efetivamente não está em causa que o pagamento das pensões efectuado pela Interveniente, como esta alegou foi em francos suiços. Por outro lado, caso haja lugar a pagamento, então a Requerida, pode optar pelo pagamento em euros, segundo o câmbio do dia do cumprimento, nos termos do art. 558º do CC.

Impõe-se, pois, a peticionada alteração dos pontos 5 a 79 da sentença, eliminando-se em todos eles, a conversão em euros – concretamente a expressão ”ou seja, …. euros”.

II –
Interpretação da sentença liquidanda

O incidente de liquidação deduzido nos termos do art. 358.º n.º 2 do CPC (anterior art. 378º n.º2) pressupõe, como do mesmo consta, uma sentença de condenação, naturalmente genérica, o que significa que o direito do caso concreto está já definido e concretizado na própria "condenação genérica" que se liquida.
Está, pois, definitivamente fixada na sentença transitada em julgado, a condenação duma parte a favor da outra permanecendo apenas incerta a quantidade da condenação.
Como decidiu o acórdão deste Tribunal, de 03.02.2014, proferido no processo 139.07.1TBTBC.P2, relator Des. Oliveira Abreu, publicado no sítio da CJ, ref. 4102/2014: I - No regime actual, o legislador fez deslocar a liquidação da sentença obrigatoriamente para o âmbito do processo declaratório que a originou, em incidente posterior à condenação. II - A liquidação da sentença destina-se tão só à concretização do objecto da sua condenação, com respeito sempre do caso julgado da sentença liquidanda, não sendo permitido às partes tomar, no incidente de liquidação, uma posição diferente ou mais favorável do que a já assumida na acção declarativa. III - A decisão do incidente que liquida o valor (antes não apurado) complementa a decisão principal condenatória (…).
Na fundamentação cita, Cons. Salvador da Costa, em Os incidentes da instância", Almedina, p. 292, que refere "a liquidação de sentença só visa concretizar, como é natural, o objecto condenação, com respeito pelo caso julgado decorrente da acção declarativa".

No caso, a questão situa-se a um nível distinto e anterior que é o da interpretação da sentença liquidanda, que fixará os limites do caso julgado.

Senão vejamos:
A sentença recorrida decidiu, sem aprofundar a questão, que na sentença liquidanda a Ré tinha sido condenada quanto a danos futuros, atenta a remissão da parte decisória para o ponto 62 da fundamentação, a pagar à Interveniente todas as prestações, pensões ou outros montantes que esta viesse a pagar ao A pelas lesões e sequelas por este sofridas em consequência do acidente.
A Apelante defende que a sentença liquidanda não admite uma interpretação donde decorra que relativamente à indemnização pelos danos patrimoniais futuros, foi condenada a pagar duas vezes pelo mesmo dano (ao Autor e à B…).

Como resulta do disposto no artigo 295.°do Código Civil, na interpretação das decisões judiciais, como atos jurídicos, deve observar-se a disciplina legal da interpretação e integração das declarações negociais, nomeadamente a que se encontra prevista nos artigos 236.° a 238.° do Código Civil.
Assim, as decisões judiciais hão-de ser interpretadas com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu conteúdo (art. 236.º) e não pode ser considerado um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no respetivo texto, ainda que imperfeitamente expresso (art. 238.°).
Por outro lado, como é entendimento pacífico, “os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença coberta pelo caso julgado.” (cf. Antunes Varela e outros, em Manual do Processo Civil, 1984, pág. 696 e 697). No mesmo sentido, Manuel de Andrade, em Noções Elementares de Processo Civil, pág. 318, refere que se deve “ recorrer à parte motivatória da sentença para interpretar a decisão - para reconstruir e fixar o seu verdadeiro conteúdo (cf. ainda no mesmo entendimento, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, pág. 392).
Sobre a questão da interpretação da sentença é elucidativo o acórdão do STJ de 13.02.2014, proferido na revista n.º 2081/09.2TBPDL.L1.S1, relator Cons. Lopes do Rego, onde se escreveu:
Como se afirma, por exemplo no Ac. de 3/2/2011, proferido pelo STJ no P. 190-A/1999.E1.S1:
Constitui afirmação corrente a de que a sentença proferida em processo judicial constitui um verdadeiro acto jurídico a que se aplicam as regras reguladoras dos negócios jurídicos - pelo que as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial são igualmente válidas para a interpretação de uma sentença - o que determina que a sentença deve ser interpretada com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto.
Esta genérica conclusão não pode, porém, olvidar a especificidade dos actos jurisdicionais relativamente aos negócios jurídicos: como se afirma no ac. De 22/3/07, proferido pelo STJ no p. 06A4449:
Os despachos judiciais, como as sentenças, constituem actos jurídicos a que se aplicam, por analogia, as normas que regem os negócios jurídicos - art. 295º C. Civil.
O afirmado vale então por dizer que a decisão judicial há-de valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do conteúdo nela expresso, ainda que menos perfeitamente - arts. 236º-1 e 238º-1 C. Civil.
Como tem vindo a ser salientado, não se tratando de um verdadeiro negócio jurídico, a decisão judicial não traduz uma declaração pessoal de vontade do julgador, antes exprimindo "uma injunção aplicativa do direito, a vontade da lei", no caso concreto, correspondendo ao "resultado de uma operação intelectual que consiste no apuramento de uma situação de facto e na aplicação do direito objectivo a essa situação" (ac. STJ, de 5/11/98, proc. 98B712, ITIJ, citando Rosenberg e Schwab).
Importa, assim, ter em consideração, não só que o declarante se situa "numa específica área técnico jurídica", investido na função de aplicador da lei, que, por sua vez, está obrigado a interpretar, em conformidade com as regras estabelecidas no art. 9º C. Civil, dirigindo-se outros técnicos de direito, como também a correlação lógica e teleológica entre a pretensão em apreciação, os fundamentos de facto e de direito em que assenta o dispositivo decisório e este, tudo á luz da sua estrita conexão, desenvolvimento e interdependência (cfr. ac. STJ de 28/01/97, CJ V-I-83).
Por outro lado, a interpretação da sentença não pode assentar exclusivamente na análise do sentido da parte decisória, tendo naturalmente que considerar os seus antecedentes lógicos, toda a fundamentação que a suporta, sem deixar de ter em conta outras circunstâncias relevantes, mesmo posteriores à respectiva elaboração - cfr. ac. de 8/6/10, proferido pelo STJ no p. 25.163/05.5YYLSB.L1.S1.
(...)
Finalmente - sendo as decisões judiciais actos formais, amplamente regulamentados pela lei de processo e implicando uma «objectivação» da composição de interesses nelas contida - temos como seguro que se tem de aplicar a regra fundamental segundo a qual não pode a sentença valer com um sentido que não tenha no documento que a corporiza um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (princípio estabelecido para os negócios formais no art. 238º do CC e que, valendo para a interpretação dos actos normativos - art. 9º, nº2,- tem identicamente, por razões de certeza e segurança jurídica, de valer igualmente para a fixação do sentido do comando jurídico concreto ínsito na decisão judicial).»
No mesmo sentido o Ac. do STJ de 12.03.2014, no processo n.º 177/03.3TTFAR.E1.S1, relator Cons. António Leones Dantas, com o seguinte sumário: “1 – A determinação do âmbito do caso julgado de uma decisão judicial pressupõe a respectiva interpretação, não bastando na sua concretização do seu sentido considerar a parte decisória da mesma, cumprindo tomar em consideração também a respectiva fundamentação e a relação desta com o dispositivo, visando garantir a harmonia e a coerência entre estas duas partes, devendo atender-se ainda a todas as circunstâncias que possam funcionar como meios auxiliares de interpretação, de forma a permitir concluir-se sobre o sentido que se quis atribuir à decisão.”
Na mesma linha de orientação ainda o acórdão do STJ de 26.04. 2012, proferido no processo n.º 289/10.7TBPTB.G1.S1, relatora Cons. Maria dos Prazeres Beleza (todos disponíveis no sitio do ITIJ), em que se escreveu:
«Em qualquer caso, interpretar o conteúdo de uma sentença de mérito é pressuposto indispensável da determinação do âmbito do caso julgado material, naturalmente. E sabe-se que, para o efeito, não basta considerar a parte decisória, cabendo tomar na devida conta a fundamentação ("é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado", (….), o contexto, os antecedentes da sentença e outros elementos que se revelem pertinentes (acórdão de 8 de Junho de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 25.163/05.5YLSB.L1.S1). Para além disso, e porque se trata de um acto formal, aliás particularmente solene, cumpre garantir que o sentido tem a devida tradução no texto (cfr., com o devido desenvolvimento, o acórdão de 3 de Fevereiro de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 190-A/1999.E1.S1 e o acórdão de 25 de Junho de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 351/09.9YFLSB».

Assentes estes princípios, importa proceder à interpretação da sentença, liquidanda.

Na parte dispositiva da sentença liquidanda, atentas as alterações introduzidas pela rectificação ordenada a fls. 1365 e pelos acórdãos desta Relação de 22.10.2009 e de 26.06.2012 (este proferido já neste incidente de liquidação), passou a constar:
(1) Condena-se a Ré E… - Companhia de Seguros S.A. a pagar ao Autor C…, a quantia de € 123.532,69 (cento e vinte e três mil, quinhentos e trinta e dois euros e sessenta e nove cêntimos), acrescida de juros à taxa de 4 % desde a citação até efectivo e integral pagamento.
(2) Condena-se a Ré E…, SA a pagar à Interveniente B… em Cas de Accidents, a quantia de € 93.645,52 (noventa e três mil, seiscentos e quarenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, desde a interpelação de cada um dos danos reclamados no presentes autos, elencados supra em 6.1. da apreciação de direito, até efectivo pagamento, bem como os danos futuros a que se refere o ponto 6.2. da fundamentação de direito.
(3) Condena-se a Ré E… - Companhia de Seguros S.A. a pagar à Interveniente F…, a quantia de € 30.727,12 (trinta mil setecentos e vinte e sete euros e doze cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, desde a interpelação de cada um dos danos reclamados no presentes autos, elencados supra em 6.1. da apreciação de direito até efectivo pagamento.

Numa técnica pouco rigorosa, a sentença proferiu a condenação genérica da Ré a pagar à Interveniente B… (como está definitivamente decidido pelo Acórdão desta Relação de 26.06.2012, que julgou a questão da legitimidade da requerente B… para deduzir o presente incidente de liquidação e alterou o ponto 2 da parte decisória), com remissão para o ponto 6.2 da fundamentação de direito.
Nesse ponto 6.2 da fundamentação da sentença liquidanda consta:
“6.2.1. As intervenientes peticionaram ainda a condenação da Ré relativamente aos danos futuros. De acordo com o disposto no art. 564º do Código Civil (…)
6.2.2. Ora, não há dúvida que os danos futuros são previsíveis. A Segurança Social Suíça irá continuar a liquidar as pensões mensais. Embora esteja fixado um limite temporal máximo (65 anos) desconhece-se até quando, efectivamente a Segurança Social Suíça liquidará tais pensões, na medida em que o pagamento pode cessar em momento anterior se, por exemplo, o seu titular entretanto falecer (facto não determinável e incerto).
6.2.3. Perante esta situação, verificam-se dois cenários, tal como alegado pela B… nas suas alegações de direito, a saber:
- Ou “apura-se o valor dos danos futuros e deduz-se o valor a pagar pela Segurança Social. Nesta situação, o responsável indemniza apenas parte do dano. Em virtude de cada pagamento a Segurança Social por sub-rogação poderá à medida do vencimento reclamar o pagamento dos valores futuros. Se a pensão da B… não for contemplada a indemnização será inferior ao dano, sendo o causador/seguradora favorecido”.
- Ou “apura-se o valor da indemnização devida por danos futuros e condena-se a seguradora a pagar integralmente a mesma ao lesado. A Segurança Social irá continuar a pagar a pensão. Nesta situação há um enriquecimento ilegítimo do lesado, que recebe do civilmente responsável e da Segurança Social, sendo que a Seguradora poderá ser demandada quanto aos valores futuros pagos e transferidos para a Seg Social por sub-rogação ou regresso”.
6.2.4. Embora nos pareça mais correspondente com o disposto nos artigos 495.º, nº 2 e 564.º, nº 1 do Código Civil o enunciado na segunda hipótese supra transcrita, também é certo que neste momento, verifica-se uma impossibilidade de determinação dos danos futuros, razão por que, nos termos do disposto nº nº 2 do artº 564.º do Código Civil, deve a decisão ser remetida para momento ulterior, já que o Autor tem direito a ser indemnizado pela Ré e ao mesmo tempo um direito de assistência da Interveniente, fazendo surgir na esfera desta, mês após mês, um direito de sub-rogação ou reembolso face à Ré que não é compaginável com uma fixação ex ante do valor do dano futuro, por este também estar dependente de verificação do pagamento pela B… ao Autor”.

A fundamentação acima transcrita, por suscitar várias hipóteses e não tomar posição de forma clara e precisa por nenhuma deles, admite interpretação em dois sentidos diferentes.
Por um lado, o ponto 6.2.4, comporta a interpretação da Requerente B… (Segurança Social Suiça) de que tem direito de sub-rogação relativamente a todas as prestações, pensões e outras despesas que pagou ou venha a pagar ao A, lesado no acidente em causa, ao referir “que o A tem direito a ser indemnizado pela Ré e ao mesmo tempo um direito de assistência da Interveniente, fazendo surgir na esfera desta, mês após mês, um direito de sub-rogação ou reembolso face à Ré (…),
Contudo esse ponto está em contradição, com a 2ª hipótese referida no ponto anterior (6.2.3) “apura-se o valor da indemnização devida por danos futuros e condena-se a seguradora a pagar integralmente a mesma ao lesado. A Segurança Social irá continuar a pagar a pensão. Nesta situação há um enriquecimento ilegítimo do lesado, que recebe do civilmente responsável e da Segurança Social, sendo que a Seguradora poderá ser demandada quanto aos valores futuros pagos e transferidos para a Seg. Social por sub-rogação ou regresso.”
Perante esta premissa não é aceitável a interpretação da sentença liquidanda de forma a que esta conduza a um enriquecimento injustificado do A e, consequentemente, tenha condenado a Requerida Seguradora a pagar em duplicado a indemnização por danos patrimoniais futuros do A.
Importa, pois, analisar em pormenor a fundamentação da sentença (fls. 1331 a 1334) na parte, em que fixou ao A a indemnização por danos patrimoniais futuros, atendendo à incapacidade parcial permanente de 30%, acrescida de dano futuro de 5% e ainda a incapacidade para o trabalho habitual, que ficou a padecer em consequência das lesões e sequelas sofridas com o acidente em causa.
“3.2. Danos pela perda de capacidade de ganho
3.2.1. O Autor formulou pedido de indemnização, derivado de danos materiais, por redução para o futuro da sua capacidade de ganho em termos de trabalho, da quantia de € 100.000,00.
3.2.2. ln casu, ficou provado que em consequência do sinistro, o autor ficou a padecer com uma IPP fixável em 30 %, acrescida de dano futuro de 5 % , afectando tal IPP também a sua capacidade para o trabalho, que ficou a constar do relatório pericial, está dependente de adaptação. Ficou também provado que à data do sinistro, o Autor exercia a profissão de pintor - estucador na Suíça, sendo a média dos 4 últimos vencimentos ilíquidos, foi no valor de 4.325 francos suíços (não tendo ficado provado que recebe esse vencimento 14 vezes por ano, conforme foi por si alegado). Como já supra se enunciou, o salário médio mensal, líquido (o único que deve ser considerado para efeitos de cálculo indemnizatório), deve ser fixável em CHF 3.660,00, que ao câmbio indicado pelo Autor e que não foi objecto de impugnação, à data da instauração da acção (de 1,47626), corresponde a € 2.479,24. Importa ainda considerar que o Autor nasceu em 01.06.1965, conforme certidão junta aos autos a fls. 1207.
3.2.3. A indemnização correspondente depende do valor de IPP, mas essa indemnização deve representar um capital que se extinga no fim da vida activa do lesado e seja susceptível de garantir as prestações periódicas correspondentes à sua perda de capacidade de ganho. A orientação colhida é a de que a indemnização deve ser calculada tendo em atenção "o tempo provável de vida activa da vítima, de forma a representar um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final do período, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente ao juro anual de 9%"
Entende-se, no entanto, que o tempo decorrido desde que foi proferida a última das citadas decisões obriga a um esforço de actualização da taxa de juro – tendo em conta a redução que estas têm vindo a sofrer, bem como o facto de ser notória a desaceleração da inflação - que se entende dever ser substituída por uma taxa de 5%, já que se entende assim que a taxa de juro deve funcionar como elemento constante nas operações de cálculo a efectuar.
3.2.4. Assim, nesta matéria, tem-se efectuado um cálculo mediante a fórmula que nos é oferecida pela jurisprudência como instrumento de trabalho:
(…)
3.2.5. Assim, aplicando a fórmula referida, e utilizando um programa informático com introdução destas variáveis, e na medida em que à data da instauração da acção o Autor tinha 32 anos de idade (correspondendo a 33 anos de laboração útil até atingir os 65 anos de idade que também é o limite da pensão atribuída pela B… - cfr. facto provado 42) e auferia a quantia mensal líquida de € 2.479,24, resulta que o valor da prestação anual seria de € 8.925,44 (considerando 12 meses de retribuição anual), com uma taxa de juros aplicável de 0,0294, sendo o capital total a pagar (considerando os anos úteis referidos) de € 186.904,12
(…).
3.2.6. No entanto, como se referenciou esta fórmula não ultrapassa a condição de mero instrumento de trabalho, coincidindo o seu resultado com um valor aritmético genericamente considerado, como forma de atribuição de indemnização pela diminuição da capacidade de ganho, sempre passível de adaptação (para mais ou para menos), conforme a especificidade do caso concreto.
Por um lado, em sede de agravação da perda da capacidade de ganho há que considerar ter ficado provado que o Autor ficou com um dano futuro de 5 % e que embora não tenha ficado totalmente incapacitado para o exercício da sua profissão, ficou provado que para esse trabalho está dependente de adaptação, importa majorar o valor da indemnização encontrado na fórmula matemática, pelo menos em mais 6%, ou seja, mais € 11.214,25.
Mas, por outro lado, importa considerar que este cálculo está efectuado desde a data do sinistro, quando o Autor já recebeu da Segurança Social Suíça indemnização por danos de IT A e ITP [ficou provado - facto 40 - que a chamada B… pagou ao Autor entre a data do sinistro e 31.05.2000 prestações sociais referentes a ITA e ITT], assim como peticionou a condenação da Ré no pagamento das remunerações deixadas de auferir durante esse período, razão por que ao valor encontrado deve ser debitada a quantia correspondente à proporção dos 35 meses já anteriormente considerados (sob pena de duplicação de valores). In casu, atento o valor da prestação anual (€ 8.925,44) que corresponde a € 743,79 mensais, deve ao valor encontrado ser debitada a quantia de€ 26.032,69 (€ 743,79 x 35 meses).
Finalmente, importa considerar o valor já pago pela Segurança Social Suíça no âmbito da prestação mensal que foi fixada ao Autor a partir de Maio de 2000, de CHF 1234 pela incapacidade que padece (cfr. facto provado 34). Neste âmbito, ficou provado que a B… pagou até Novembro de 2007, a quantia global de € 70.527,97, pelo que não pode a Ré ser condenada em sede de sub-rogação a pagar duplamente ao Autor e à B…, tal quantia paga até Novembro de 2007, deve ser debitada da prestação aqui considerar.
Ou seja,
Valor pela perda de capacidade de ganho .................+ € 186.904,12
Majoração pelo dano futuro e dependência de adaptação no trabalho ..+ € 11.214,25
Proporcional referente aos meses de /TA e TTT até à data da alta ...... - € 26.032,69
Valores pagos pela B… a título de IPP até Novembro de 2007 ............. - € 70.527,97
Total: € 101.557,70 “

E na parte final acrescenta:
Compreendendo este valor a indemnização devida pela perda de capacidade de ganho e estando o Autor a receber da Segurança Social Suíça uma pensão referente à mesma matéria (IPP), embora a Ré seja condenada a proceder ao pagamento de tal quantia ao Autor, não pode ser condenada neste momento a pagar duas vezes pelo mesmo dano (a saber, ao Autor e à B…) relativamente às prestações futuras, mas apenas a que resulta da fixada nos autos, conforme infra se apreciará.” (negrito nosso)
*
Com a fixação desta indemnização ao A pela diminuição de capacidade de ganho, a condenação da Ré a pagar à interveniente B… os danos futuros a que se refere o ponto 6.2. da fundamentação de direito, nos termos vagos do acima transcrito 6.2.4., pela assistência prestada ao A, nela incluindo a pensão mensal pela mesma diminuição da capacidade de ganho com que este ficou, tem de ser interpretada de forma a que não acarrete um enriquecimento injustificado do A, com expressamente refere no ponto 6.2.3. e antes fora realçado na parte final do ponto 3.2.6 (acima transcrito a negrito).
Como salienta a Apelante e é entendimento pacífico, o lesado por acidente de viação não pode cumular na sua esfera patrimonial pelo mesmo dano concreto duas indemnizações, da seguradora do responsável pelo acidente de viação, por um lado, e por outro, da seguradora da entidade patronal ou da segurança social.
Neste sentido o Ac. do STJ de 11.12.2012, processo n.º 40/08.1TBMMV.C1.S1, relator Cons. Lopes do Rego, com o seguinte sumário: 1. As indemnizações consequentes ao acidente de viação e ao sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano concreto.
No mesmo entendimento, o Ac. do STJ de 03.02.2011, processo n.º 605/05.3TBVVD.G1.S1, relatora Cons. Maria dos Prazeres Beleza, em que sumariou: “A pensão de sobrevivência e o subsídio por morte pagos pela Segurança Social devem ser deduzidos das quantias atribuídas a título de indemnização”.
E ainda o Ac. do STJ de 11.11.2010, proferido no processo n.º 270/04.5TBOFR.C1.S1, relator Cons. Lopes do Rego, todos acessíveis no sítio do ITIJ, com o seguinte sumário: “Não são cumuláveis na esfera patrimonial do lesado a indemnização por perda de capacidade de ganho e o recebimento da pensão de invalidez que lhe foi atribuída pela segurança social com base no mesmo facto determinante da incapacidade. 2. Neste caso, por força do estabelecido nos arts. 6º e 7º do DL 187/07, de 10 de Maio, não há pagamento da prestação em causa (pensão de invalidez) até que o somatório das pensões a que o beneficiário teria direito, se não houvesse a responsabilidade prioritária do terceiro, atinja o valor da indemnização arbitrada por perda de capacidade de ganho; e cabendo à Segurança Social, se tiver adiantado o pagamento da pensão de invalidez – nomeadamente, no período temporal anterior a ter-se apurado judicialmente o valor da indemnização devida pela privação da capacidade de ganho do lesado – o direito de exigir o reembolso das quantias efectivamente satisfeitas ao lesado».
Na fundamentação, acrescenta:
“É esse o sentido pacífico da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente no acórdão que invoca, de 8.06.2006 (proferido no processo n.º 06A1464) que se transcreve parcialmente:
«A pensão de sobrevivência paga pelo CNP deve ser deduzida na quantia atribuída a título de indemnização pela quebra do rendimento familiar sob pena de cumulação indevida de ressarcimentos. Por isso o CNP fica subrogada no direito às importâncias que pagou, quer a título de pensão de sobrevivência, quer de subsídio por morte, reembolso a prestar pela seguradora (cf. v.g. os Acórdãos do STJ de 1 de Maio de 1995 – 047034 - de 7 de Fevereiro de 1996 – 086184 - de 15 de Dezembro de 1998 - 98B827 - de 21 de Outubro de 1999 - 99B061 - e de 5 de Junho de 2004 - 04B1217).
Não é possível cumular as prestações da Segurança Social com a indemnização devida por factos ilícitos.
À quantia atribuída a título de indemnização pelos danos patrimoniais a pagar pela seguradora aos lesados serão, em consequência, subtraídas as quantias pagas pelo Centro Nacional de Pensões.»
O mesmo entendimento vem expresso no acórdão do STJ, de 23.10.2003 (proferido no n.º 03B3071) relatado pelo Conselheiro Salvador da Costa, com a habitual profundidade, onde, depois de uma exaustiva descrição da evolução do regime legal de sub-rogação da Segurança Social, conclui que o Centro Nacional de Pensões tem direito a exigir da seguradora o que pagou a título de pensão de sobrevivência e de subsidio por morte, com a necessária implicação de esse valor ser deduzido ao montante indemnizatório atribuído aos lesados.
Ainda no mesmo sentido, veja-se o acórdão do STJ de 10.10.1996 (proferido no Processo n.º 97B403)

Como se assinalou, na interpretação da decisão judicial deve ter-se em conta não só as regras atinentes à interpretação e integração das declarações negociais, como também a própria coerência entre a fundamentação e a parte dispositiva e ainda outras circunstâncias que possam funcionar como meios auxiliares de interpretação, de forma a reconstruir e fixar o verdadeiro conteúdo da decisão.
Por outro lado, a decisão judicial não traduz uma declaração pessoal de vontade do julgador, antes exprimindo “uma injunção aplicativa do direito, a vontade da lei”.
Tem ainda de se ter em consideração que o declarante se situa “numa específica área técnico jurídica”, investido na função de aplicador da lei, que se dirige a outros técnicos de direito e que tem de se procurar a correlação lógica e teleológica entre a pretensão em apreciação, os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão.
Assim, no caso em apreço, sendo obscura a condenação genérica proferida em beneficio da Interveniente (Segurança Social Suiça) relativamente a prestações futuras que viesse a pagar ao A em consequência do acidente de viação, a sentença não pode ser interpretada com um sentido contrário a um entendimento pacifico na jurisprudência de não serem cumuláveis na esfera patrimonial do lesado a indemnização por perda de capacidade de ganho e o recebimento da pensão de invalidez que lhe foi atribuída pela segurança social com base no mesmo facto determinante da incapacidade.
Por conseguinte e constando na fundamentação da sentença para onde remete a parte dispositiva, onde consta a condenação da Ré, que não é legalmente admissível essa cumulação, por gerar um enriquecimento ilícito do lesado, a sentença tem de ser interpretada de forma a impedir esse resultado ilegal, que expressamente afastou ao referir que a Ré “não pode ser condenada neste momento a pagar duas vezes pelo mesmo dano (a saber, ao Autor e à B…) relativamente às prestações futuras.”

Assim, se a interveniente continuou a pagar mensalmente ao A, a indemnização pela perda de capacidade de ganho, quando sabia que o mesmo já tinha sido indemnizado pela seguradora do responsável civil pelo acidente, até ao montante de € 101.557,70, não cumpriu qualquer obrigação de que a Ré fosse responsável e, por isso, não pode considerar-se que está sub-rogada nos direitos do A.
É, pois, de concluir que o Apelante tem razão quando sustenta que a sentença liquidanda apenas confere à Interveniente (Apelada) o direito de ser reembolsada pela Ré, quando o valor das pensões que esta vem pagando ao sinistrado e que ainda lhe não foram reembolsadas, ultrapasse o valor da indemnização que na mesma sentença foi atribuída ao lesado para o ressarcir da diminuição da sua capacidade de ganho, ou seja, o montante equivalente a € 101.557,70, que ainda não foi atingido, como resulta da fatualidade provada sob os n.ºs 5 a 78.
Note-se que esta interpretação não viola o art. 238º do CC, como parece sustentar a Apelada, pois a condenação da Ré remete para a fundamentação da sentença e no texto desta consta expressamente como atrás se referiu que a Ré não pode ser condenada a pagar duas vezes pelo mesmo dano (a saber, ao Autor e à B…) relativamente às prestações futuras.
Por outro lado, no caso, está fora de causa, defender uma interpretação literal da parte decisória da sentença liquidanda, pois esta não concretiza minimamente a condenação genérica proferida e, por isso, se impôs uma interpretação que não se limitou a analisar o texto da decisão, mas antes a fundamentação no seu conjunto, à luz de critérios jurídicos, sem desconsiderar o seu teor literal.
De resto, a Apelada, não pode censurar este tipo de interpretação, pois foi ela que permitiu a própria retificação da parte decisória da sentença liquidanda, já após o trânsito em julgado desta, pelo acórdão desta Relação de 26.06.2012, sendo certo que da interpretação literal dessa parte decisória resulta que a beneficiária da condenação genérica “dos danos futuros, a que se refere o ponto 6.2 da fundamentação de direito” era a Interveniente F… e não a B…, ora Apelada.

Decisão

Julga-se a apelação procedente e revoga-se a sentença recorrida.
Custas pela Apelada.

Porto, 02-07-2015
Leonel Serôdio
Fernando Baptista
Ataíde das Neves
___________
Sumário
I - Na interpretação da decisão judicial deve ter-se em conta não só as regras atinentes à interpretação e integração das declarações negociais, como também a própria coerência entre a fundamentação e a parte dispositiva da sentença, e ainda outras circunstâncias que possam funcionar como meios auxiliares de interpretação, de forma a reconstruir e fixar o verdadeiro conteúdo da decisão.
II - Sendo obscura a condenação genérica proferida em beneficio da Interveniente (Segurança Social) relativamente a prestações futuras que viesse a pagar ao A em consequência do acidente de viação, a sentença não pode ser interpretada com um sentido contrário a um entendimento pacifico na jurisprudência de não serem cumuláveis na esfera patrimonial do lesado a indemnização por perda de capacidade de ganho e o recebimento da pensão de invalidez que lhe foi atribuída pela segurança social com base no mesmo facto determinante da incapacidade.

Leonel Serôdio