Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
280/17.2T8OVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: MÁXIMAS DA EXPERIÊNCIA
VÍCIO DE FORMA
Nº do Documento: RP20180927280/17.2T8OVR.P1
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º145, FLS.61-70)
Área Temática: .
Sumário: I - Os conhecimentos resultantes das máximas da experiência não representam a íntima convicção do juiz; são fatores que surgem da vivência (experiência) coletiva e são apreensíveis pelo homem médio, adquirindo autoridade precisamente porque trazem consigo essa imagem do consenso geral.
II - Sobretudo quando se discutem factos que normalmente acontecem num âmbito restrito e fechado, como é o caso da vida familiar, o tribunal deve contar com as regras da experiência comum, conjugando-as com a prova documental e testemunhal mais credível.
III - Se o contrato de mútuo é declarado nulo por vício de forma, extingue-se o crédito correlativo à obrigação de cumprimento, mas nasce o crédito relativo ao dever de restituição da quantia entregue ao mutuário, com base no art.º 289º, nº 1, do Código Civil, com os respetivos juros de mora.
IV - Por força da remissão operada pelo nº 3 do referido art.º 289º, nº 1, para o preceituado no artº 1269º e seg.s do mesmo diploma, a obrigação de restituir abrangerá não só o capital mutuado, mas também uma quantia equivalente ao montante dos juros de mora, à taxa legal, a contar da citação (ou da interpelação admonitória se esta tiver tido lugar e assim for peticionado), como frutos civis que são (artºs 1270º, nº 1, e 212º do Código Civil).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 280/17.2T8OVR.P1.P1 - 3ª Secção (apelação)
Comarca de Aveiro – Juízo Local Cível de Ovar

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
B…, com domicílio na Rua …, n.º …, …, propôs ação declarativa com processo comum contra C…, com domicílio na Avenida …, n.º …, …, …, alegando essencialmente que viveu com a R. em união de facto, partilhando, na proporção de metade, o essencial das despesas da vida comum.
No âmbito daquela convivência, a R. solicitou ao A. que lhe emprestasse €7.000,00 para aquisição de um veículo automóvel, no que ele acedeu com entrega de valores obtidos pela venda de bens próprios, tendo-se concretizado a compra e venda entre a R. e uma empresa do ramo automóvel pelo preço de €9.000,00, sendo €2.000,00 pago através de uma retoma e o restante com o valor do empréstimo.
Após o termo da união de facto, o A. solicitou várias vezes à R. a restituição do valor mutuado, ao que ela não acedeu.
O mútuo é nulo por vício de forma, devendo ser restituído o que foi prestado.
Sem prescindir, não se entendendo daquela forma, a R. enriqueceu o seu património com o valor mutuado pelo A., sem qualquer justificação, ficando o património deste empobrecido pelo mesmo valor, sem que nada deva, pelo que a R. deve restituir a referida quantia recebida com base nas regras do enriquecimento sem causa.
Termina o articulado pedindo que seja “declarada a nulidade do contrato de mútuo e, em consequência, a R. condenada a restituir ao A. a quantia de €7.000,00 Euros, que esta recebeu por empréstimo, com juros a partir da citação e até integral pagamento.
Se assim não se entender e sem prescindir,
Deve a R. ser condenada a pagar ao A. a quantia de €7.000,00 Euros, com base no enriquecimento sem causa, com juros a partir da citação e até integral pagamento.

Citada, a R. contestou a ação, impugnando parte da matéria alegada na petição inicial e alegando designadamente que o veículo em causa (marca Suzuki) foi adquirido pelo casal com uma retoma de um Toyota, no valor de €2.000,00, pertença da R. e a quantia de €7.000,00 sacada sobre uma conta na D… titulada pelo A., mas constituída por proventos auferidos por ambas as partes.
Acrescenta que, quando desfizeram a união, dividiram todos os bens entre eles, incluindo os automóveis, tendo ficado a R. com o Suzuki e o A. com o Mercedes.
Não houve qualquer empréstimo nem existiu qualquer enriquecimento patrimonial da R. à custa do A.
Mesmo admitindo a existência de enriquecimento sem causa, o A. não alegou e provou que a deslocação patrimonial se verificou no pressuposto da continuação e subsistência da união de facto, pelo que não se encontram preenchidos os respetivos pressupostos.
Termina a R. pedindo a improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.
Na sequência de notificação para o exercício do contraditório, o A. respondeu à contestação pormenorizando factos e reafirmando que os valores depositados na conta de onde foi sacado o cheque de €7.000,00 eram sua pertença exclusiva e que o empréstimo não se fez no pressuposto da continuação e subsistência da união de facto, mas sempre na condição de, mesmo em união de facto, a R. proceder à restituição ao A. daquela quantia.
Concluiu pela improcedência do que considerou ser matéria de exceção.
Foi realizada a audiência prévia, onde se fixou o valor da ação, se proferiu despacho saneador tabelar, se identificou o objeto do litígio, se especificaram os temas de prova e se pronunciou o tribunal sobre os meios de prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Em face do acima exposto, julgo procedente a ação e condeno a ré C… a pagar ao autor B… a quantia de €7.000,00 (sete mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa dos juros civis (atualmente 4%), contados desde 14.02.2017 até integral pagamento.
Custas a cargo da ré, nos termos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário de que a mesma beneficia.»
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Inconformada, a R. apelou daquela decisão final, CONCLUINDO o recurso nos seguintes termos:
«1.ª Mal andou o Tribunal “a quo” ao dar como provados os factos 4., 5., 6. e 7..
2.ª Há manifesta insuficiência de prova para que os referidos factos sejam dados como provados.
3.ª As regras da experiência comum – as presunções naturais ao caso atinentes e convocáveis – não apontam no caso concreto no sentido de que o Recorrido e a Recorrente tenham acordado entre si que aquele emprestaria a esta a quantia de €7.000,00, para a compra de um veículo, e que esta restituiria àquele tal quantia; que foi em cumprimento desse contrato que o Recorrido emitiu e entregou à Recorrente o cheque utilizado para pagamento do remanescente do preço do veículo; que tal quantia pertencia em exclusivo ao Recorrido, sendo proveniente do produto da venda de imóvel de que o mesmo foi proprietário e vendeu, situado em Braga e que o Recorrido haja solicitado verbalmente à Recorrente tal restituição após terminarem o seu relacionamento e venderem a casa de que ambos eram comproprietários.
4.ª Da análise aos depoimentos das testemunhas E… e F…, pai e irmã do Recorrido, constatamos que estes não assistiram ao “negócio” subjacente à compra do veículo em causa, nem têm sequer conhecimento direto das circunstâncias que mediaram a compra do veículo, admitindo que o conhecimento que têm dos factos resulta apenas da versão que lhes foi narrada pelo próprio Recorrido nos almoços de domingo e nada mais.
5.ª Nenhuma das testemunhas do Recorrido, quando inquiridas, confirmou ter ouvido da Recorrente que esta se reconhecia na obrigação de um dia ter que restituir a quantia de €7.000,00, alegadamente, “emprestada” pelo Recorrido.
6.ª O próprio Recorrido, em sede de declarações de parte, quando inquirido se ficou esclarecido, na altura, entre este e a Recorrente que a quantia de €7.000,00 foi entregue a título de empréstimo e não como uma oferta ou doação, admite que a obrigação de restituição desta quantia ficou esclarecida para si e que a Recorrente, como na altura viviam em comum, não ficou convicta de que teria que restituir tal quantia, versão que nesta parte é totalmente corroborada pelos depoimento das testemunhas da Recorrente G…, H… e I… que referem que para a mesma nunca houve qualquer convicção de que teria que restituir tal quantia ao Recorrido e, ainda, pelas próprias declarações de parte da Recorrente que refere que, porque estavam a viver em conjunto, resolveram trocar o carro, não acordando mais nada, nem em qualquer obrigação de a Recorrente mais tarde ter que devolver o que quer que fosse ao Recorrido.
7.ª Versão dos factos que merece credibilidade, não só pelo facto de Recorrente e Recorrido na altura viverem em união de facto e atenta essa relação partilharem o comum das despesas, o crédito bancário contraído com a aquisição da casa de morada de família, bem como, os bens que cada um possuía (note-se que as testemunhas F… e G… confirmaram que o Recorrido usava o veículo de marca Suzuki, matrícula .. – CM - 00), mas também por causar estranheza que a restituição daquela quantia apenas tenha sido exigida pelo Recorrido à Recorrente quando estes terminaram a relação que mantinham, ou seja, em meados de 2014, o que indicia que quando Recorrente e Recorrido compraram o veículo, não ficou entre eles esclarecido/acordado que a quantia utilizada para pagamento do remanescente do preço do negócio teria que ser restituída pela Recorrente ao Recorrido.
8.ª A própria Recorrente, em sede de declarações de parte, afirma que caso a mesma e o Recorrido tivessem, na altura, acordado que aquela teria que restituir a quantia de €7.000,00, não teria adquirido outro veículo, nem teria trocado o seu carro por ter perfeita consciência de que o seu vencimento “não dava para isso”, e por o veículo que deu em retoma se encontrar a funcionar perfeitamente, não tendo avaria nenhuma e o motivo da troca de veículo se prender apenas com o facto de o mesmo estar a dar muita despesa em manutenção, declarações que merecem toda a credibilidade por se apresentarem sérias e objetivas.
9.ª Da análise, quer do depoimento das testemunhas do Recorrido, quer do depoimento das testemunhas da Recorrente, quer, ainda, das declarações de parte do Recorrido e da Recorrente, quando inquiridas acerca da conta para onde eram transferidos os reembolsos de IRS ao longo do período em que Recorrente e Recorrido mantiveram uma relação de união de facto, conjugados com os documentos de fls. 29/30 e 48, e documento junto a fls. do requerimento ref.ª 27132660, de 24-10-2017, não nos resta outra solução senão concluir que a conta de onde foi emitido o cheque utilizado para pagamento do remanescente do preço do negócio era uma conta para onde eram transferidos os reembolsos do IRS apresentado em conjunto pela Recorrente e pelo Recorrido durante o período em que viveram maritalmente, pelo que, a quantia de €7.000,00 não pertencia em exclusivo ao Recorrente.
10.ª Apesar de as testemunhas E… e F… terem conhecimento de que o Recorrido vendeu o imóvel que possuía em Braga, factualidade que se confirma pelo próprio documento de fls. 22 a 26, a afirmação que estas testemunhas fazem de que a quantia entregue para pagamento do remanescente do preço da compra do veículo proveio do produto da venda desse imóvel assenta em meras suposições e poucas certezas, já que o conhecimento que têm dos factos resulta apenas naquilo que lhes foi narrado pelo Recorrido. Não obstante o referido, o depoimento destas testemunhas caí por terra pelo facto de os reembolsos de IRS terem sido transferidos para a conta de onde foi emitido o cheque em causa durante os vários anos em que Recorrente e Recorrido viveram em comum, reembolsos que ascendiam, sensivelmente, a €2.000,00, cada ano.
11.ª Entre Recorrente e Recorrido não foi acordado o pagamento de juros nem prazo para a restituição da quantia referida em 4. e 5. dos factos provados.
12.ª A vivência em união de facto criou necessariamente entre Recorrente e Recorrido um espectro de interesses e de fins comuns, quer a nível pessoal, quer a nível patrimonial, não tendo ficado demonstrado nos autos que entre Recorrente e Recorrido tivesse sido acordada uma obrigação de a Recorrente restituir a quantia de €7.000,00, nem que esta tivesse o intuito de receber tal quantia a título de empréstimo, ou sequer de oferta ou doação.
13.ª Na verdade, e isso sim, a Recorrente ficou convicta de que a quantia de €7.000,00 era um dinheiro que era seu e do Recorrido, proveniente de uma conta da qual era apenas o Recorrido titular, mas que, no entanto, continha saldos que eram de ambos por força dos reembolsos de IRS.
14.ª Inexistindo, por força do referido, qualquer direito de crédito do Recorrido sobre a Recorrente, naturalmente que inexiste qualquer direito do Recorrido de exigir uma indemnização moratória correspondente a juros.
15.ª A douta sentença recorrida enferma, por conseguinte, de erro de interpretação/aplicação da disposição do art.º 1142.º do CC.» (sic)
Defendeu, assim, a recorrente a improcedência do pedido da ação.
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O A. apresentou contra-alegações que sintetizou assim:
«1. O Tribunal a quo valorou de forma séria e verosímil o depoimento das testemunhas E… e F…, que confirmaram integralmente os factos n.ºs 4 a 7, pois a demais prova produzida, quer documentos, nomeadamente os documentos de fls. 22 a 26, 27 e 28, 29 e 30 e 76, quer o depoimento das outras testemunhas, não fez suscitar dúvidas sobre a veracidade do que estas testemunhas relataram.
2. Explicaram essas duas testemunhas que o Autor/Recorrido e a Ré/Recorrente tinham contas bancárias separadas e costumavam dividir as despesas da vida em comum, tendo ainda resultado que o Autor/Recorrido dizia que o veículo Suzuki era seu enquanto a Ré/Recorrente não lho pagasse, o que só se compreende se os €7.000,00 Euros que entregou à Ré/Requerente para a compra do veículo constituíssem um mero empréstimo, sendo que, nas reuniões familiares em que tanto o Autor/Recorrido como a Ré/Recorrente participavam se falou nesse empréstimo, sem que a Ré/Recorrente alguma vez tenha negado a existência do mesmo.
3. As testemunhas referiram as suas percepções de factos passados, o que viram, o que ouviram, o que sentiram, o que observaram, em testemunho directo, narrando o que aconteceu, tendo sido, assim trazida ao processo a parte objectiva dessa percepção, e não, contrariamente ao que a Recorrente alega, a parte subjectiva, pois, em momento algum as testemunhas deram qualquer interpretação aos factos que relataram.
4. Desses depoimentos resultou ainda que a quantia emprestada pertencia ao Autor/Recorrido, provindo do produto da venda do imóvel de que o mesmo foi proprietário e que esse dinheiro estava depositado numa conta bancária de que era o único titular, afirmações com conhecimento directo e corroborado, sendo que os depoimentos destas testemunhas não caí por terra pelo facto de os reembolsos de IRS terem sido transferidos para a conta de onde foi emitido o cheque em causa, pois que, o que era recebido a esse título era gasto em conjunto pelos dois, mormente em férias familiares, o que se afigura plausível, face às regras da experiência comum e à circunstância de o reembolso costumar acontecer antes das férias do verão e sendo certo que a própria Ré/Recorrente referiu que costumavam receber de reembolso cerca de €2.000,00 Euros por ano, e admitiu que não usava o seu salário para custear as férias familiares.
5. O Autor/Recorrido explicou, de forma séria e verosímil, que a conta de onde provinha o cheque era só sua, que os €7.000,00 Euros eram só seus e provenientes da venda do seu imóvel de Braga, que nessa conta eram apenas depositados os seus rendimentos e o reembolso do IRS, sendo que o dinheiro daquele reembolso era usado para férias ou para compra de coisas que necessitassem para habitação.
6. Não se vislumbra, assim, como pode a Ré/Recorrente chegar à conclusão que a quantia de €7.000,00 Euros, provinda daquela conta bancária, não pertencia em exclusivo ao Autor/Recorrido.
7. Esses depoimentos foram confirmado pelas testemunhas G… e H… quanto à forma como o Autor/Recorrido e a Ré/Recorrente dividiam as despesas domésticas, sendo que, contudo, não mostraram ter conhecimento das circunstâncias que envolveram a emissão do cheque de €7.000,00 Euros e a proveniência de tal dinheiro, sendo que G… referiu achar que essa quantia proveio de uma conta do Autor/Recorrido e da Ré/Recorrente, mas admitiu que depois acabou por saber que era uma conta só do Autor/Recorrido e também admitiu desconhecer a quem pertencia esse dinheiro e I… não mostrou ter conhecimento directo de quaisquer factos relacionados com a entrega dos €7.000,00 Euros pelo Autor/Recorrido à Ré/Recorrente, sabendo apenas o que a Ré/Recorrida lhe transmitiu, em conversas, mas, ainda assim corroborou o depoimento das demais testemunhas, na medida em que relatou que a Ré/Recorrente lhe dizia que ela e o Autor/Recorrido dividiam as despesas todas.
8. O Tribunal a quo não considerou que o depoimento das testemunhas G…, H… e I… não mereceu credibilidade quanto ao facto de estas testemunhas referirem nunca terem ouvido dizer que a entrega dos €7.000,00 Euros se tratou de um empréstimo do Reu/Recorrido à Ré/Recorrente, sendo que, apenas e tão só, a circunstância de as três testemunhas arroladas pela Ré/Recorrente nunca terem ouvido dizer que a entrega dos €7.000,00 Euros se tratou de um empréstimo não permite concluir que o empréstimo não existiu, pois não se demonstrou que se tratasse de facto que necessariamente essas três testemunhas teriam dele conhecimento.
9. O Autor/Recorrido e a Ré/Recorrente dividindo entre si as despesas em igual medida, apesar de o salário do Autor/Recorrido ser superior ao da Ré/Recorrente, como foi referido por todas as testemunhas, é coerente a existência do empréstimo, pois aquele procedimento mostra que, na relação com a Ré/Recorrente, o Autor/Recorrido não costumava ser liberal em matéria de gasto de dinheiro, e a cedência da quantia de €7.000,00 Euros, sem obrigação de a Ré/Recorrente a restituir, não se adequa à conduta habitual do Autor/Recorrido, não se vislumbrando qual a estranheza que a restituição daquela quantia apenas tenha sido exigida pelo A./Recorrido à Ré/Recorrente quando estes terminaram a relação que mantinham.
10. Também não se vislumbra, das declarações de parte do Autor/Recorrido, que este tenha admitido que, quando inquirido, se ficou claro, na altura, entre este e a Ré/Recorrente que a quantia de €7.000,00 Euros foi entregue a título de empréstimo e não como uma oferta ou doação e que a obrigação de restituição dessa quantia não tenha ficado clara para a Ré/Recorrente, não obstante viverem em união de facto, outrossim, este afirmou totalmente o contrário, como não se vislumbra também, que os depoimentos das testemunhas da Ré/Recorrente G…, H… e I…, tenham inferido tal situação, pois, contrariamente ao que alega a Ré/Recorrida, não referem que para aquela nunca houve qualquer convicção de que teria que restituir tal quantia ao Autor/Recorrido.
11. Quanto às declarações de parte da Ré/Recorrente, o relevo probatório de tais declarações é muito estrito, sendo apenas consideradas pelo tribunal como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, se outras provas não houvessem, como prova subsidiária, sendo que, não obstante, as próprias declarações de parte da Ré/Recorrente até se revelaram contraditórias, entre a necessidade de trocar de veículo, pelo facto do mesmo estar a dar muitas despesas em manutenção, e a declaração de que não teria adquirido outro veículo, nem teria trocado o seu veículo por o veículo que deu em retoma se encontrar a funcionar perfeitamente.
12. A Ex.ma Senhora Juiz a quo baseou a sua convicção sobre a factualidade provada na análise crítica e conjugada dos elementos probatórios dos autos, conjugados com razões de experiência comum, tendo formado a sua convicção com base na análise e valoração da prova produzida e examinada na audiência final, o que a Ré/Recorrente não fez, tendo antes pelo contrário, limitando-se a produzir excertos escolhidos da prova testemunhal produzida, para sustentar a sua tese, omitindo tudo quanto dos depoimentos veio pôr por terra aquela mesma tese e com base nesses excertos querendo socorrer-se de supostas regras da experiência.
13. Querer limitar os depoimentos aos excertos apresentados nas alegações é falsear a verdade dos depoimentos prestados na audiência de julgamento, na sua íntegra, como também é uma forma hábil de tentar pôr em causa a livre apreciação da prova por parte da Ex.ma Senhora Juiz a quo.
14. Tudo ponderado, feita a apreciação crítica da prova, a Ex.ma Senhora Juiz a quo, fez uma correcta apreciação da mesma, nomeadamente uma correcta apreciação da matéria dos factos provados 1. a 7. constante da sentença, nada lhe podendo ser apontado, devendo manter-se a resposta aos referidos pontos como provada.
15. Com a decisão da douta Sentença, que concluiu que o Autor/Recorrido e a Ré/Recorrente celebraram um contrato de mútuo, a Ex.ma Senhora Juiz a quo faz uma correcta aplicação da lei, encontrando-se a douta Sentença devidamente fundamentada e não merece qualquer tipo de censura.
16. Dispõe o artigo 1142º do C.C. que mútuo é o contrato pela qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, sendo, pois, requisitos substanciais do contrato a transmissão de coisa fungível, a entrega desta e a obrigação de restituir a coisa entregue ou equivalente.
17. Verificam-se todos esses elementos, daí que o Tribunal a quo tivesse de concluir que o Autor/Recorrido e a Ré/Recorrente celebraram um contrato de mútuo, sendo que, não obstante a vivência em união de facto ter criado necessariamente entre Ré/Recorrente e Autor/Recorrido um espectro de interesses e de fins comuns, ficou precisamente demonstrado que entre eles foi acordada a obrigação de a Ré/Recorrente restituir a quantia de €7.000,00 Euros e que, a Ré/Recorrente não desconhecia que essa quantia era um dinheiro que era tão só do Autor/Recorrido, atento ao modo de vida do casal e ao facto de ser proveniente de uma conta da qual era apenas o Autor/Recorrido titular e que continha saldos que eram só do Autor/Recorrido, atento a que os valores recebidos por força dos reembolsos de IRS eram despendidos nas férias de ambos, não se tendo a Ex.ma Senhora Juiz a quo socorrido de qualquer presunção de propriedade do titular da conta bancária.
18. Mesmo que não se tivesse verificado os requisitos substanciais do contrato de mútuo, que se verificaram, sempre teria o Autor/recorrido direito a ver-lhe restituída a quantia que entregou à Ré/Recorrente pelo instituto do enriquecimento sem causa, cuja apreciação ficou prejudicada por se ter demonstrado a existência do mútuo.
19. Tendo sido reconhecida a existência do crédito do Autor/Recorrido, no que concerne ao montante em dívida a título de capital, e devendo proceder o pedido de condenação da Ré/Recorrente no pagamento da quantia de €7.000,00 Euros, ao Autor/Recorrido assiste o direito a uma indemnização moratória, que, por se tratar de obrigação pecuniária, corresponde aos juros.
20. À obrigação de restituição fundada em nulidade do negócio, a obrigação de restituir o dinheiro mutuado inclui a obrigação de pagamento de juros moratórios, como seus frutos civis, desde o momento da cessação da posse de boa-fé da quantia a restituir, sendo que o Autor/Recorrido apenas pediu o pagamento de juros moratórios desde a interpelação judicial da Ré/Recorrente na presente acção.
21. Por tudo o que foi supra explanado, a douta sentença recorrida não enferma de erro de interpretação/aplicação da disposição do artigo 1142.º do Código Civil.» (sic)
Pugnou, deste modo, pela confirmação do julgado.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II.
As questões a decidir --- exceção feita para o que é do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões da apelação da R., acima transcritas (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil).

Com efeito, iremos decidir as seguintes questões:
1. Erro de julgamento em matéria de facto;
2. Consequências jurídicas da modificação da decisão impugnada e o vencimento de juros.
*
III.
São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância:[1]
1. O autor e a ré viveram em união de facto, entre meados de 2005 e meados de 2014.
2. Para o efeito compraram em 30.09.2005 uma casa de habitação, no regime de compropriedade, que vieram a vender em 16.02.2016, após o fim da vida em comum.
3. Durante o período referido em 1., o autor e a ré partilharam, na proporção de metade, o essencial das despesas da vida comum, tais como as prestações do empréstimo bancário, o consumo de eletricidade e de água, para o que usavam uma conta bancária comum.
4. Por contrato verbal celebrado no início de janeiro de 2012, o autor e a ré acordaram que aquele emprestaria a esta a quantia de €7.000,00, para a compra de um veículo, e esta restituiria àquele tal quantia.
5. Em cumprimento desse contrato, o autor emitiu e entregou à ré, em 09.01.2012, o cheque n.º ……….. da sua conta bancária, com o n.º ……….., da D…, no valor de €7.000,00, que a ré recebeu e utilizou, na compra do veículo de marca Suzuki, matrícula .. – CM - ...
6. A quantia referida em 4. e 5. pertencia em exclusivo ao autor, sendo proveniente do produto da venda de imóvel de que o autor foi proprietário e vendeu, situado em Braga.
7. Não foi acordado entre as partes o pagamento de juros nem prazo para a restituição da quantia referida em 4. e 5., tendo o autor solicitado verbalmente à ré tal restituição após terminarem o seu relacionamento e venderem a casa de que eram comproprietários.
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O tribunal considerou não provados quaisquer outros factos essenciais que o A. tivesse o ónus de alegar.
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IV.
1. Erro de julgamento em matéria de facto
A R. impugnou a decisão proferida em matéria de facto, dando cumprimento integral ao ónus que sobre ela impende para a impugnação, previsto no art.º 640º do Código de Processo Civil: indicou os pontos da matéria decidida de que discorda, concretizou as provas que considera relevantes para obter a sua alteração, deu conta de que aqueles pontos devem ser agora dados como não provados e identificou as passagens da gravação que tem por mais relevantes, transcrevendo algumas delas.
A apelante pretende que sejam considerados não provados os pontos 4, 5, 6 e 7 da sentença que se sintetizam na existência de um empréstimo da quantia de €7.000,00 efetuado pelo A. à R. na pendência da união de facto, para que esta pagasse um veículo por ela adquirido para si própria.
Os contornos do caso justificam que se ouça toda a prova gravada, evitando passagens ou simples excertos de depoimentos descontextualizados, antes tomando conhecimento de todo o material probatório percecionado na 1ª instância, tendo em vista uma decisão séria e conscienciosa (1ª parte da al. b) do nº 2 do citado art.º 640º).
Debatem-se factos relacionados com o exercício do relacionamento entre A. e R. no âmbito da sua união de facto. Daí que não seja de esperar uma prova testemunhal profusa. Dificilmente aquela prova é direta relativamente a acontecimentos que normalmente se desenvolvem no âmbito da vida familiar, como acontece com decisões relacionadas com a gestão corrente da vida do casal (e dos filhos), existência e finalidade de contas de depósito bancário, aplicação dos rendimentos, realização de despesas extraordinárias, pagamentos das férias em cada ano, aquisição de veículos e modo de contribuição de cada elemento para o pagamento do preço, recurso a empréstimos e formas de pagamento, etc.
Se algo relativo àqueles assuntos sai da esfera do casal com conhecimento de terceiros, estes são normalmente aqueles que, caso a caso, concorrem com o casal em relacionamento negocial, familiares mais próximos, como são os pais, ou ainda amigos confitentes ou de grande confiança.
Uma vez que estes depoimentos nem sempre são os que oferecem maior isenção, por os seus autores serem tentados a acompanhar os interesses dos filhos ou dos grandes amigos, o tribunal deve ponderá-los na sua conjugação com os documentos juntos aos autos e, uns e outros, com as regras da experiência comum, em ordem a avaliar da credibilidade de cada depoimento e a fixar a matéria de facto com prudência e segurança, segundo um juízo de razoabilidade e probabilidade séria, não sendo, no entanto, necessária uma prova científica ou absoluta de cada facto.
Note-se que os conhecimentos resultantes das máximas da experiência não representam a íntima convicção do juiz; são fatores que surgem da vivência (experiência) coletiva e são apreensíveis pelo homem médio, adquirindo autoridade precisamente porque trazem consigo essa imagem do consenso geral.
Ilustrando o que acabamos de dizer, foram ouvidas do lado do A. o seu pai e a sua irmã e, do lado da R., o pai e dois amigos de longa data, sendo estes H…, com visitas regulares à casa do casal, enquanto se manteve a união de facto, e do casal à casa dele, e I…, também colega de trabalho da R. e madrinha do filho deles, porém, sem relacionamento com o A.
Nenhum dos documentos juntos aos autos foi posto em causa na audiência final.
Foi dado como provado (por admissão por acordo) que A. e R. adquiriram uma casa de habitação em regime de compropriedade no dia 30.9.2004, pouco mais de um ano depois de terem iniciado a sua união de facto. Está também provado que durante a união, o casal partilhou, na proporção de metade, o essencial das despesas da vida comum, tais como as relativas a eletricidade e água, para o que usavam uma conta bancária comum.
Está documentado e ninguém pôs em causa que, no dia 29.3.2010, o A. vendeu uma fração autónoma de que era dono exclusivo, sita na cidade de Braga, embolsando o respetivo preço de €57.000,00.
Passou então menos de dois anos até que a R. trocou o seu veículo (Toyota) por um outro veículo (Suzuki), tendo sido este pago com a entrega daquele e de um cheque sacado pelo A. sobre uma conta de que é único titular na D…. A própria R. reconheceu este facto na audiência, acrescentando que não depositava nela o seu ordenado, mas que ali entravam os reembolsos anuais do IRS, no valor aproximado de €2.000,00. Mais referiu desconhecer se o valor de €7.000,00 sacado pelo A. era proveniente daqueles reembolsos e saber perfeitamente que o seu ordenado não era suficiente para concretizar aquele contrato de aquisição do veículo. Portanto, contou com a colaboração do companheiro na entrega do cheque de €7.000,00, pelo qual foi liquidada a maior parte do preço do Suzuki (preço total: €9.000,00).
Nesta parte dos factos não houve divergências assinaláveis, sendo que estes factos estão em larga medida também demonstrados pelos documentos de escritura de compra e venda do apartamento de Braga, declaração de venda emitida pela J…, Lda. e cheque emitido pelo A. destinado a pagamento da referida quantia, todos juntos com a petição inicial, assim como os documentos comprovativos do reembolso do IRS relativos aos anos fiscais de 2013 e 2012, junto com a contestação e em fase posterior, respetivamente, a cópia de caderneta junta com a resposta à contestação e a declaração emitida pela D…, junta na fase de audiência.
Foi também transversal à prova testemunhal, na medida em que cada testemunha tinha conhecimento da situação, a afirmação de que o casal assumia em conjunto as despesas correntes da vivência diária e do filho (as despesas da casa, vestuário, combustíveis, etc.). Mas, como era de prever, os amigos da R. declararam desconhecer as contas que o casal tinha no Banco e em nome de quem se encontravam. Certo é que, tanto das prestações probatórias das testemunhas indicadas pelo A. como das declarações de parte, resultou claro que A. e R. tinham pelo menos uma conta comum e que havia também a conta pessoal exclusiva do A. na D…, sendo que era daquela, e não desta, que saíam os fundos que afetavam às despesas correntes e ao pagamento do empréstimo que haviam contraído na aquisição da sua habitação.
Ficou também patente que o A. auferia um rendimento do trabalho muito superior à retribuição a R.
Provado sobejamente que o A. pagou a quantia de €7.000,00 com um cheque sacado sobre uma conta de que é exclusivo titular e que ali não entrava o ordenado da R., mas o valor de cada reembolso anual de IRS, importa fazer notar que a melhor prova foi a que afirmou que os valores daqueles reembolsos eram totalmente afetados às férias anuais do casal e do filho, que se realizavam no verão, aliás, pouco tempo depois da recuperação de cada um daqueles montantes.
Dadas as circunstâncias da vida do casal, nada mais provável do que o dinheiro depositado na conta exclusiva do A. ter provindo da venda que ele efetuou da casa de Braga, apenas a ele pertencente. Foi nesse sentido a prova testemunhal produzida.
Havia um relacionamento familiar estreito entre o casal e o pai e a irmã F… do A., com visitas quase semanais, aos fins de semana, tomando refeições juntos, onde trocavam impressões sobre as suas vidas, as suas opções e interesses.
Ante o desconhecimento das testemunhas indicadas pela R., tornou-se evidente em face daquelas duas prestações probatórias, em conjugação com os referidos documentos e declarações de parte de A. e R., que os €7.000,00 faziam parte do preço de venda do apartamento de Braga, de onde o A. já havia retirado o preço relativo à compra do seu veículo Mercedes, sendo sua ideia emprestar aquela quantia à R. para que ela adquirisse o veículo marca Suzuki e lhe fosse pagando conforme pudesse. Os reembolsos de IRS eram gastos nas férias que a cada um se seguia, pois que até resultou das declarações da R. que, para o casal, a quantia de €700,00 era manifestamente insuficiente para fazer as férias que habitualmente faziam.
Não há qualquer prova no sentido de que na referida conta de titularidade exclusiva do A. havia qualquer dinheiro da R. quando dali foi sacado o cheque de €7.000,00. Pelo contrário, para além da prova da titularidade exclusiva do A., que faz presumir o seu direito sobre as quantias depositadas, houve prova efetiva de que o dinheiro ali depositado a ele pertencia, pela entrada do valor do preço da casa de Braga.
Com a separação do casal, dividiram os bens que consideraram pertencer a ambos em compropriedade e cada um ficou com o seu automóvel (o Mercedes para o A. e o Susuki para a R.). Como venderam a sua habitação e dividiram o preço em partes iguais, a 16 de fevereiro de 2016, entendeu o A. que a R. já dispunha de capital suficiente para lhe pagar o empréstimo. Por isso, no dia 22.6.2016, enviou-lhe o email junto aos autos a pedir o pagamento.
As referidas testemunhas afirmaram e explicaram as razões pelas quais todos sabiam, incluindo a R., de que se tratava de um empréstimo. O assunto era falado, como outros assuntos, nas refeições que tomavam juntos em casa do E…, sem qualquer oposição a R. à ideia de que lhe fora efetivamente emprestado o dinheiro. A testemunha G…, pais da R., depôs no sentido de desconhecer o empréstimo, mas confirmando que o veículo adquirido pertence à filha.
Não há qualquer indicação probatória digna de relevo que aponte no sentido de que o A. ofereceu à R. a dita quantia de €7.000,00, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, com a oferta de um anel em data anterior.
Não é necessário qualquer testemunha presenciar uma conversa entre A. e R. com expressas declarações de vontade de um e de outro no sentido de emprestar e de aceitar o empréstimo pela quantia determinada. Seria assim quase impossível fazer essa prova. O que importa é que existiram conversas e comportamentos anteriores e posteriores de onde se deduz, pelas regras da experiência comum, que o empréstimo existiu e foi aceite pela R., ainda que tacitamente (art.º 217º, nº 1, do Código Civil).
Tem razão a recorrente quando na conclusão 11ª afirma que “entre Recorrente e Recorrido não foi acordado o pagamento de juros nem prazo para a restituição da quantia referida em 4. e 5. dos factos provados”. Todavia esse facto já estava provado no ponto 7 da sentença.
Tudo ponderado, é nossa convicção de que aqueles meios de prova, no seu conjunto, assim criticamente apreciados com apelo às regras da experiência comum, conduzem necessariamente à demonstração dos pontos 4, 5, 6 e 7 da sentença.
Por conseguinte, falece a primeira questão da apelação.
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2. Consequências jurídicas da modificação da decisão impugnada
A Recorrente termina as conclusões das suas alegações afirmando que, por inexistir, em razão da modificação da decisão em matéria de facto, “qualquer direito de crédito do recorrido sobre a recorrente, naturalmente que inexiste qualquer direito do Recorrido de exigir uma indemnização moratória correspondente a juros”.
Ora, a apreciação do recurso em matéria de facto não trouxe qualquer modificação dessa decisão, pelo que, devendo manter-se a qualificação dos factos dada na 1ª instância, como sendo um contrato de mútuo nulo, há um direito de crédito do A. recorrido que surge da declaração de nulidade do mútuo, pela obrigação de restituir tudo o que foi prestado, nos termos do art.º 289º, nº 1, do Código Civil. Isso mesmo resulta da sentença recorrida.
Obviamente, sobre este crédito (e não sobre qualquer crédito emergente do contrato, por este ter sido declarado nulo) vencem-se juros de mora, como seus frutos civis.
Se o contrato é nulo não pode ser cumprido. Não se produzem os efeitos do cumprimento.
Como ensina Dias Marques[2], «a nulidade, sendo a inaptidão intrínseca do negócio para criar os efeitos jurídicos que o Direito atribui como consequência à fattispecie respectiva (efeitos típicos) não exclui a possibilidade de ele produzir algum efeito estranho àquela sua configuração legal típica...». Estes são, porém, efeitos distintos dos que a lei fez corresponder ao tipo legal considerado.
O nº 3 do referido art.º 289º dispõe que é aplicável, em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, diretamente ou por analogia, o disposto nos art.ºs 1269º e seg.s do Código Civil.
Como é sabido, os juros são frutos civis (art.º 212º do Código Civil), razão pela qual, remetendo aquele nº 3 para o art.º 1271º do mesmo código, se pode concluir que a obrigação de restituir baseada na nulidade do negócio, além de operar retroativamente, também pode abranger os frutos e, portanto, os juros.
Na falta de notificação extrajudicial admonitória, só a citação vale como interpelação, por ser então que o demandado fica a conhecer a pretensão do autor, relativamente a ele, enquanto beneficiário do empréstimo e agora obrigado na restituição por força da nulidade do contrato celebrado. A boa fé em que, porventura, se mantinha até àquela data, cessa (art.º 564º, al. a), do Código de Processo Civil), pelo que --- tal como acontece com o possuidor de má fé --- deve restituir os frutos que o capital recebido poderá ter produzido, ou seja, os juros legais (art.º 1271º, aplicável analogicamente, por força do citado nº 3 do art.º 289º).[3]
Temos assim que, a partir da citação --- data que o A. teve por relevante --- a R. passou a responder pelos rendimentos que um homem normalmente diligente, um bom pai de família, teria obtido com a aplicação do capital emprestado.
Deve a recorrente pagar ao recorrido os juros legais do capital relativo à quantia de €7.000,00, a contar da citação, como se decidiu na sentença recorrida.[4]
Termos em que deve ser julgada improcedente a apelação.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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IV.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
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Porto, 27 de setembro de 2018
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Por transcrição.
[2] Noções Elementares de Direito Civil, Lisboa, 1973, pág. 90, nota 1,
[3] Fernando Baptista Oliveira, Contratos Privados, Coimbra Editora, vol. III, pág. 124, citando jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Cf. ainda acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5.6.2001, proc. 01A809, de 18.9.2003, proc. 03B2325, acórdão da Relação de Coimbra de 15.11.2005, acórdão da Relação de Lisboa de 3.7.2012, proc. 1837/08.8TBACB.L1-1. proc. 1963/05, in www.dgsi.pt; ainda acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.10.1996, proc. 224/96 - 2ª Secção (Sumários do STJ (Boletim).
[4] Entre outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.3.2003, proc. 03B2325, acórdão da Relação de Coimbra de 17.1.2006, proc. 3531/05, in www.dgsi.pt.