Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4178/12.2TBGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
INTERVENÇÃO OFICIOSA DO JUIZ
Nº do Documento: RP201502024178/12.2TBGDM.P1
Data do Acordão: 02/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O regime da Lei 41/2013, de 26/06, além de ter encurtado para seis meses o prazo, até aí de dois anos, concedido à parte para impulsionar os autos, sem que fosse extinta a instância por deserção, eliminou também a figura da interrupção da instância, ou seja, a instância fica deserta logo que o processo esteja sem impulso processual da parte durante mais de seis meses sem passar pelo patamar intermédio da interrupção da instância.
II - Por assim, ser na actual lei adjectiva a deserção da instância não é automática pelo simples decurso do prazo, como acontecia na lei anterior, pois que, para além da falta de impulso processual há mais de seis meses é também necessário que essa falta se fique a dever à negligência das partes em promover o seu andamento (artigo 281.º, nº 1 do CPCivil).
III - E, não sendo automática a referida a deserção, o tribunal, antes de proferir o despacho a que se refere o nº 4 do artigo 281.º do CPCivil, deve ouvir as partes por forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é, efectivamente, imputável a comportamento negligente das partes.
IV - Durante o primeiro ano de vigência do novo CPCivil o legislador previu, no artigo 3º da Lei 41/2013, face à natureza profunda das alterações que se verificaram na lei processual, a intervenção oficiosa do juiz com uma função correctiva quer quanto à aplicação das normas transitórias quer quanto aos possíveis erros sobre o conteúdo do regime processual aplicável que resultassem evidentes de leitura dos articulados, requerimentos ou demais peças processuais.
V - Daí que, numa situação de suspensão da instância por falecimento de uma das partes se deva fazer uma interpretação extensiva por argumento de identidade de razão daquela norma e, concatenando-a com o com o principio da cooperação (artigo 7º do CPCivil), se aplique igualmente a estes casos, tendo aqui o juiz não uma função correctiva mas de cooperação com as partes, alertando-as da instituição de um regime mais severo para a deserção da instância, antes de proferir o despacho a julgá-la extinta, por terem decorrido mais de seis meses sobre a suspensão da instância sem impulso dos autos imputável às partes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4178/12.2TBGDM.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, 1º Juízo Cível
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Caimoto Jácome
2º Adjunto Des. Macedo Domingues
Sumário:
I- O regime da Lei 41/2013, de 26/06, além de ter encurtado para seis meses o prazo, até aí de dois anos, concedido à parte para impulsionar os autos, sem que fosse extinta a instância por deserção, eliminou também a figura da interrupção da instância, ou seja, a instância fica deserta logo que o processo esteja sem impulso processual da parte durante mais de seis meses sem passar pelo patamar intermédio da interrupção da instância.
II- Por assim, ser na actual lei adjectiva a deserção da instância não é automática pelo simples decurso do prazo, como acontecia na lei anterior, pois que, para além da falta de impulso processual há mais de seis meses é também necessário que essa falta se fique a dever à negligência das partes em promover o seu andamento (artigo 281.º, nº 1 do CPCivil).
III- E, não sendo automática a referida a deserção, o tribunal, antes de proferir o despacho a que se refere o nº 4 do artigo 281.º do CPCivil, deve ouvir as partes por forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é, efectivamente, imputável a comportamento negligente das partes.
IV- Durante o primeiro ano de vigência do novo CPCivil o legislador previu, no artigo 3º da Lei 41/2013, face à natureza profunda das alterações que se verificaram na lei processual, a intervenção oficiosa do juiz com uma função correctiva quer quanto à aplicação das normas transitórias quer quanto aos possíveis erros sobre o conteúdo do regime processual aplicável que resultassem evidentes de leitura dos articulados, requerimentos ou demais peças processuais.
V- Daí que, numa situação de suspensão da instância por falecimento de uma das partes se deva fazer uma interpretação extensiva por argumento de identidade de razão daquela norma e, concatenando-a com o com o principio da cooperação (artigo 7º do CPCivil), se aplique igualmente a estes casos, tendo aqui o juiz não uma função correctiva mas de cooperação com as partes, alertando-as da instituição de um regime mais severo para a deserção da instância, antes de proferir o despacho a julgá-la extinta, por terem decorrido mais de seis meses sobre a suspensão da instância sem impulso dos autos imputável às partes.
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Em 30.10.2012, B…, interpôs no tribunal recorrido acção declarativa de condenação sob a forma ordinária, contra C…; D…; E… e mulher F… com vista a exercer contra eles o direito de regresso.
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A acção seguiu os seus normais trâmites e quando se encontrava já marcada audiência de julgamento para 23.09.2013, veio a Ré, F…, comunicar aos autos o falecimento de seu marido, G…, ocorrido a 23.08.2013.
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Conclusos os autos foi notificado à Autora, na pessoa da sua mandatária, via Citius em 09.10.2013, o seguinte despacho:
Tendo sido junta ao processo certidão de óbito do Co-Réu, determino a suspensão da instância até à notificação da decisão que considere habilitados os sucessores da pessoa falecida (v. arts. 269º, nº 1, alínea a), 270º, nº 1 e 276º, nº 1, alínea a) do C. P. Civil.”
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Em 27.05.2014, via Citius, notificou-se novamente a Autora, na pessoa da sua mandatária, da sentença proferida e do seguinte teor: “Atento o estado dos autos e o disposto no artº 281º, nº 1, do CPC, declaro a instância deserta e consequentemente a sua extinção.
Custas pelas partes sobrevivas.
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Não se conformando com o assim decidido veio a Autora interpor o presente recurso concluindo da seguinte forma:
I. A Recorrente, interpôs no Tribunal Judicial de Gondomar, Acção Declarativa de Condenação sob a forma Ordinária, com o valor de 117.068,41€, (cento e dezassete mil e sessenta e oito euro e quarenta e um cêntimos);
II. Quando se encontrava já marcada audiência de julgamento para 23.09.2013, veio a Ré, F…, comunicar aos autos o falecimento de seu marido, G…, ocorrido a 23.08.2013;
III. Foram os autos conclusos, tendo-se notificado à Autora, em 09.10.2013, “a suspensão da instância até à notificação da decisão que considere habilitados os sucessores da pessoa falecida (v. arts.269º, nº 1, alínea a), 270º, nº 1 e 276º, nº 1, alínea a) do C. P. Civil.”;
IV. Em 27.05.2014, notificou-se novamente a Autora, já da seguinte Sentença: “Atento o estado dos autos e o disposto no artº 281º, nº 1, do CPC, declaro a instância deserta e consequentemente a sua extinção”. Custas pelas partes sobrevivas.”
V. Independente da discordância da Recorrente, relativamente ao decidido na douta Sentença, entende desde logo, que a fundamentação de direito deveria ter-se estribado no nº 3 e não no nº 1 do artº 281º, do NCPC; já que o processo se encontrava suspenso exactamente devido a um incidente, in casu, a morte de um Réu;
VI. Dispõem o 276º, do NCPC, no seu nº 1 “A suspensão por uma das causas previstas no nº 1, do artº 269º cessa: no caso da alínea a), quando for notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida ou extinta”.
VII. Em 1 de Setembro de 2013, com a entrada em vigor do NCPC, desapareceu a figura da interrupção da instância, que no anterior CPC existia, sendo até então necessário o transcurso de 1 ano para se considerar a instância interrompida, logo, ao abrigo do disposto no artº 281º, a instância está agora automaticamente deserta, quando por negligência das partes, a instância estiver a aguardar impulso.
VIII. No presente caso, a instância estava suspensa a fim de as partes promoverem a habilitação de herdeiros, desde 09.10.13, quando sem mais, foram as partes notificadas em 27.05.2013, da Sentença a declarar a extinção da instância,
IX. A extinção imediata e sem mais, tem pesarosas consequências para a Autora, derivadas do estado avançado dos autos, e da perda do valor da elevada taxa de justiça inicial que pagou 918,00€, (novecentos e dezoito euro);
X. Sendo certo que a iniciativa do impulso processual cabia, à Autora e que a Autora representada pela sua mandatária, é responsável pelo conhecimento das alterações legais introduzidas pelo NCPC, estas são profundas em alguns aspectos, e vieram eliminar figuras com várias décadas, e romper com práticas enraizadas há muitas décadas;
XI. Fazendo apelo aos princípios da segurança jurídica, tutela da confiança, da cooperação; adequação formal, da intervenção oficiosa, da gestão processual, justificar-se-ia, que o Meritíssimo Juiz, previamente à Sentença, proferisse, despacho inonimado, declarando que a instância ficaria deserta decorridos seis meses sem que tivesse havido impulso das partes, ou, notificasse as partes para, no prazo supletivo, se pronunciarem sobre o interesse no prosseguimento dos autos, sob pena de se considerar a instância deserta.
XII. Em defesa da tese ora exposta, pode ler-se em “Primeiras notas do NCPC, 2013, Vol. I, “Os Artigos da Reforma”, Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, Almedina: “Com a extinção da figura da interrupção da instância, o requisito da negligência das partes em promover o impulso processual transita para a deserção (…). De modo a evitar-se equívocos, pode justificar-se a notificação da parte, esclarecendo-se que o processo aguarda o seu impulso processual (artº 7 do NCPC). Esta notificação constitui um dever nos casos abrangidos pela alínea b) do artº 3º do diploma de aprovação do código”.
XIII. Deverá ainda ter-se em conta que na redacção do artº 281º, do CPC, a deserção da instância não parece verificar-se automaticamente pelo decurso do prazo de seis meses, devendo o tribunal, antes de proferir o despacho a que se refere o nº 4, ouvir previamente as partes, de forma a aquilatar se a falta de impulso processual é, ou não, devida a negligência e só após a audição emitirá o despacho tido por adequado, o qual assim sendo não pode ser de mero expediente, nem ter por base um poder apenas discricionário.
XIV. Do Pº da Cooperação, vertido no artº 7º, nº 1 decorre a concessão de um poder-dever e ao respectivo uso pelo tribunal, há-de acrescer a consciência dos actos praticados ou omitidos no processo, bem como têm os Senhores Magistrados, o “Dever de Gestão Processual”, que obriga aqueles a providenciar pelo “andamento célere” do processo, mas finalizando este com uma decisão justa,
XV. No autos em análise, a resolução do Litígio, ficou por acautelar, prejudicando as partes, onerando-as gravosamente, de várias formas, tendo-se feito um mau uso do “Dever de Gestão Processual”,
XVI. Lei 4/2013, de 26 de Junho, no seu artº 3º, estabelece o Princípio da Intervenção Oficiosa do Juiz, prevê aquele que “No decurso do primeiro ano subsequente à entrada em vigor da presente lei (…) Quando da leitura dos articulados, requerimentos ou demais peças processuais resulte que a parte(…) omitir acto que seja devido, deve o Juiz, quando aquela prática ou omissão ainda sejam evitáveis, promover a superação do equívoco.
XVII. Dispõem o nº 2, do artº 6º, “O Juiz providencia oficiosamente pelo suprimento (…,) quando a sanação dependa de acto que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.
XVIII. É muito injusta e desproporcionada a extinção imediata da instância.
XIX. Extrai-se do estudo “Justiça Económica em Portugal–Síntese e Propostas”, 2012, de Isabel Alexandre, que “A gestão processual parece uma figura que implica o exercício de competências que não são só de simples técnicas jurídicas, que não se prendem com a aplicação do direito estrito”.
XX. Pode ler-se ainda em Edgar Valles, 8ª edição, “Prática Processual Civil”: “Cabe ao Juiz dirigir activamente o processo, determinando após a audição das partes a adopção de mecanismos de simplificação e agilização processual respeitando os princípios da igualdade das partes e do contraditório”.
XXI. Poderá sempre, fazer-se ainda apelo, ao princípio da prevalência da verdade material sobre a verdade formal, que impõem seguramente a prévia audição das partes.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa decidir:
a)- saber se o tribunal recorrido, antes de ter julgado extinta a instância por deserção, não devia ter alertado as partes dando-lhes conta daquela deserção se o processo não tivesse impulso processual num prazo a fixar.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria factual que releva para apreciação do presente recurso é a que consta do relatório supra e que aqui se dá integralmente por reproduzida.
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III. O DIREITO

Antes de entrarmos na apreciação da questão colocada no recurso convém definir o regime legal que lhe é aplicável.
Nas normas transitórias da Lei 41/2013 de 26/06 que aprovou o Novo Código de Processo Civil, prevê-se no artigo 5.º, nº 1, que o Código de Processo Civil é imediatamente aplicável às acções declarativas pendentes.
Aplicando o regime previsto no artigo 12.º do CCivil ao processo civil resulta que na área do direito processual, a nova lei se aplica às acções futuras e também aos actos futuros praticados nas acções pendentes.
Como refere Antunes Varela: “(…) a ideia, complementar desta, de que a nova lei não regula os factos pretéritos (para não atingir efeitos já produzidos por este), traduzir-se-á, no âmbito do direito processual, em que a validade e regularidade dos actos processuais anteriores continuarão a aferir-se pela lei antiga, na vigência da qual foram praticados”.[1]
Portanto, a nova lei aplica-se imediatamente aos actos que houverem de praticar-se a partir do momento em que ela entra em vigor.
Como decorre do artigo 8.º da cita Lei 41/2013 a mesma entrou em vigor em 1 de Setembro de 2013 e, portanto, estando nessa altura ainda pendente a presente acção as suas disposições são-lhe imediatamente aplicáveis.
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Como supra se referiu a única questão que importa apreciar e decidir consiste em:

a)- saber se o tribunal recorrido, antes de ter julgado extinta a instância por deserção, não devia ter alertado as partes dando-lhe lhes conta daquela deserção se o processo não tivesse impulso processual num prazo a fixar.

Estatuiu o artigo 269.º, nº 1 al. a) do CPCivil que a instância se suspende quando falecer ou se extinguir alguma das partes.
Como assim, dúvidas não existem de que, perante o falecimento do Réu G…, o tribunal recorrido, e bem (junta que foi a respectiva certidão de óbito), suspendeu a instância até à notificação da decisão que considerasse habilitados os sucessores da pessoa falecida [artigos 270.º, nº 1 e 276.º, nº 1, alínea a) do C. P. Civil].
E, suspensa que esteja a instância, evidentemente que, ou ela fica indefinidamente nessa situação, ou então o legislador atribui alguma consequência à inércia das partes em promover o seu andamento.
Ora, a solução adoptada pelo nosso legislador foi a de sancionar a inércia das partes em impulsionar os autos após ter sido decretada a sua suspensão.
Efectivamente, estatuiu o artigo 281.º, nº 1 do CPCivil sob a epígrafe “Deserção da instância e dos recursos” que:
“Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.”
Se olharmos para o regime pretérito verificamos que o novo Código de Processo Civil na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho veio alterar o regime, então vigente, relativo à interrupção e deserção da instância, que era o seguinte:
“A instância interrompe-se, quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento” (artigo 285.º, do anterior CPCivil).
“Cessa a interrupção, se o autor requerer algum ato do processo ou do incidente de que depende o andamento dele, sem prejuízo do disposto na lei civil quanto à caducidade dos direitos”. (artigo 286.º, do mesmo diploma)
“Considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos” (artigo 291,º, nº 1).
Portanto, o regime do D.L. nº 41/2013, de 26-06, além de ter encurtado para seis meses o prazo, até aí de dois anos, que a parte dispunha para impulsionar os autos sem que fosse extinta a instância por deserção, eliminou também a figura da interrupção da instância, ou seja, a instância fica deserta logo que o processo, por negligência das partes, esteja sem impulso processual durante mais de seis meses sem passar, portanto, pelo patamar intermédio da interrupção da instância.[2]
Trata-se, sem dúvida, de um regime mais severo para sancionar a negligência das partes em promover o andamento do processo, colimando logo com a deserção e consequente extinção da instância [artigo 277.º al. c) do CPCivil] aquela falta de impulso processual.
Ou seja, estando os autos a aguardar há mais de seis meses impulso processual por negligência da parte, o juiz deve, sem mais, lavrar despacho a julgar deserta a instância (artigo 281.º, nº 4 do CPCivil), tendo sido isso, aliás, o que no presente caso ocorreu.
Com efeito, tendo sido declarada a instância suspensa em virtude do falecimento de um das partes, o (a) Sr. juiz do processo, decorrido o prazo de mais de seis meses sem que qualquer das partes tivesse impulsionado o processo deduzindo o incidente de habilitação do (s) sucessor (es) da pessoa falecida, lavrou despacho a julgar deserta a instância.
E, tal despacho parece não merecer, em princípio, qualquer censura.
Acontece que, salvo outro e melhor entendimento, pensamos não poder o Sr. juiz do processo julgar extinta a instância por deserção, logo que verifique que os autos estiveram a aguardar por mais de seis meses o impulso processual de uma, ou de ambas as partes.
Desde logo, importa sublinhar que, no regime actual, a deserção da instância não é automática ela carece de ser julgada por despacho do juiz, ao contrário do que acontecia no sistema anterior em que a instância desertava independentemente de qualquer decisão judicial (artigo 291.º, nº 1 já atrás citado).
No NCPCivil a desnecessidade de despacho do juiz ou do relator está apenas circunscrita ao processo de execução (nº 5 do artigo 281.º).
E tal necessidade de decisão, cremos, tem a sua razão de ser pelo simples facto de que a deserção não ocorre pelo mero decurso do prazo. De facto, para que a instância se julgue deserta importa ainda que a falta de impulso processual se deva à negligência das partes.
Significa, portanto, que antes de julgar deserta a instância o juiz do processo tem de fazer, ex ante, uma valoração do comportamento das partes por forma a concluir se a falta de impulso resulta, efectivamente, de negligência de alguma delas, ou de ambas, em promover o seu andamento, ou seja, tem de verificar que, na realidade, estão verificados os necessários elementos exigidos pela estatuição da norma para extinguir a instância por deserção.
E para fazer essa valoração, embora possam existir elementos nos autos dos quais já se possa colher aquele comportamento negligente das partes para a falta de impulso processual, deve sempre ouvi-las para melhor aquilatar da sua decisão.
Do que se acaba de expor, parece-nos, salvo outro e melhor entendimento, que o tribunal antes de exarar o despacho a julgar extinta a instância por deserção, deve ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas.
Entendemos, aliás, que tal dever decorre expressamente do artigo 3.º, nº 3 do NCPCivil, quando se consigna que o juiz deve observar e fazer cumprir o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Acresce que, no caso em presença, o despacho recorrido nem sequer menciona a circunstância de ter havido negligência da Autora em impulsionar os autos, quando o deveria fazer sob pena de não estar devidamente fundamentado, pois que, como já se assinalou a deserção não é, na nova lei adjectiva, automática pelo simples decurso do prazo.
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Mas ainda que assim não se entenda, no caso concreto verifica-se uma outra circunstância para que se dê provimento ao recurso.
A presente acção deu entrada em 30.10.2012, isto é, numa altura em que ainda não estava em vigor o NCPCivil aprovado pela já citada Lei 41/2013 e, por conseguinte, quando ainda vigorava a figura da interrupção da instância e o prazo da deserção era de dois anos após aquela interrupção cuja duração era de um ano.
É verdade, como já supra se referiu, que durante a pendência da acção entrou em vigor o novo CPCivil cuja aplicação lhe foi imediata e, portanto, o regime da suspensão e da deserção aplicável é o que resulta da nova lei.
A questão que agora se coloca é se, sendo este regime mais severo, neste capítulo, do que o anterior, o tribunal recorrido não devia ter alertado as partes, antes de declarar extinta a instância por deserção, notificando-as para se pronunciar, referindo que o processo aguardava o seu impulso e fixando-lhe, por exemplo, um prazo de 30 dias para diligenciarem o seu andamento ou requerer o que tivessem por conveniente sob pena, de findo o mesmo, julgar deserta a instância.
Pode, desde logo, objectar-se contra este entendimento que a lei adjectiva não prevê semelhante procedimento e, portanto, sabendo as partes, devidamente representadas pelos ilustres causídicos, que a instância estava suspensa por motivo de falecimento de uma das partes teria necessariamente que ser deduzido o respectivo incidente de habilitação para que cessasse aquela suspensão e que, se a instância não fosse impulsionada, por acto que lhe fosse imputável, ocorreria, decorridos mais de seis meses, a sua deserção e consequente extinção.
Pode, de facto, assim objectar-se.
Importa, todavia, que se equacione por outro prisma a questão colocada tendo, sobretudo, em consideração a circunstância de ter ocorrido na pendência da acção alteração da lei adjectiva em que o próprio legislador entendeu que, no seu primeiro ano de vigência, houvesse uma intervenção oficiosa do juiz.
Precisamente, sob a epígrafe “intervenção oficiosa do juiz” estatui o artigo 3º da Lei 41/2013 o seguinte:
No decurso do primeiro ano subsequente à entrada em vigor da presente lei:
a) O juiz corrige ou convida a parte a corrigir o erro sobre o regime legal aplicável por força da aplicação das normas transitórias previstas na presente lei;
b) Quando da leitura dos articulados, requerimentos ou demais peças processuais resulte que a parte age em erro sobre o conteúdo do regime processual aplicável, podendo vir a praticar ato não admissível ou omitir ato que seja devido, deve o juiz, quando aquela prática ou omissão ainda sejam evitáveis, promover a superação do equívoco.
Parece-nos, pois, que o próprio legislador, face à natureza profunda das alterações que se verificaram na lei processual, sentiu necessidade de que o próprio juiz tivesse uma função correctiva quer quanto à aplicação das normas transitórias quer quanto aos possíveis erros sobre o conteúdo do regime processual aplicável e que resultassem evidentes de leitura dos articulados, requerimentos ou demais peças processuais.
Evidentemente que esta norma não abrange de forma directa as situações como a contemplada nos autos, cremos, porém, dela se poder extrair um princípio orientador que pode ser válido, para outros casos, quando concatenado com o princípio da cooperação previsto no artigo 7.º do CPCivil.
Tendo havido uma mudança tal radical no que concerne ao capítulo da extinção da instância e concretamente à sua deserção, não se justifica também que, fazendo uma interpretação extensiva por argumento de identidade de razão, se aplique igualmente aquela norma a estes casos, tendo aqui o juiz não uma função correctiva mas antes de cooperação com as partes, alertando-as da instituição de um regime mais severo para a deserção da instância, antes de proferir o despacho a julgá-la extinta com esse fundamento?
Cremos, salvo outro e melhor entendimento que, de facto, tais situações devem também merecer a intervenção oficiosa do juiz contemplada no artigo 3.º da Lei 41/2013 com as devidas adaptações.
Não se põe em causa que a iniciativa processual para evitar a deserção da instância pertencia a Autora e que esta, representada pela sua mandatária, é responsável pelo conhecimento das alterações legais introduzidas pelo NCPCivil, todavia, estamos, como já se referiu, perante alterações profundas em alguns aspectos e que vieram eliminar figuras com várias décadas e romper com práticas enraizadas também há largos anos, daí que, também nestes casos se impõe que o juiz coopere com as partes na justa composição do litígio fazendo prevalecer a verdade material sobre a verdade formal, justificando-se, por isso, que as alerte para as consequências gravosas que possam resultar da sua inércia em impulsionar o processo decorrido que seja o prazo fixado na lei.
Evidentemente que esta intervenção oficiosa do juiz e nestas circunstâncias apenas valerá, em princípio, para o primeiro ano de vigência da lei (como é o caso dos autos-o despacho a julgar extinta a instância por deserção foi exarado em 27/05/2014), tempo que o legislador considerou suficiente para que fossem assimiladas e compreendidas as alterações ocorridas no âmbito da lei adjectiva.
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Feita a ponderação de todo o exposto, parece-nos, respeitando-se embora leitura diferente dos preceitos adjectivos, que o recurso merece ser provido, devendo, por conseguinte, o Sr. juiz notificar as partes para que, ultrapassado que está o prazo de seis meses, se pronunciem sobre a falta de impulso processual, fixando-lhe um prazo de 30 dias para darem andamento aos autos ou requererem o que tiverem por conveniente sob pena de julgar extinta a instância por deserção.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta procedente por provada e, consequentemente revoga-se a decisão que declarou extinta a instância por deserção, devendo ser substituída por outra que notifique as partes para se pronunciarem sobre a falta de impulso processual, e para, no prazo de 30 dias, promover o andamento dos autos ou requererem o que tiverem por conveniente sob pena de a instância ser julgada extinta por deserção.
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Custas pela parte vencida a final e na proporção em que o for (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 2 de Fevereiro de 2015.
Manuel Domingos Fernandes
Caimoto Jácome
Macedo Domingues
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[1] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio da Nora in Manual de Processo Civil, 2ª Almedina, pág. 49.
[2] Situação que tinha reflexos de direito material atento o disposto no artigo 332.º, nº 2 do CCivil.