Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
328/14.2TELSB-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LUÍSA ARANTES
Descritores: ACUSAÇÃO
PREJUÍZO PATRIMONIAL
REQUISITOS
Nº do Documento: RP20200401328/14.2TELSB.P1
Data do Acordão: 04/01/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: JULGAR PROCEDENTES OS RECURSOS DE DOIS ARGUIDOS E O DE UM TERCEIRO ARGUIDO PARCIALMENTE PROCEDENTE.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Como resulta do n° 1 do art.° 392.° do CPC, aplicável por força do n° 1 do art.° 228.° do CPP, o requerente do arresto tem sempre que alegar factos que tornem provável a existência de um crédito e justifiquem o receio da perda da garantia patrimonial, requisitos que são cumulativos.
II - A probabilidade da existência do crédito verifica-se quando se alegue factos que, comprovados, apontem para a aparência da existência desse direito.
III - O justo receio de perda da garantia patrimonial verifica-se sempre que o requerido adopte, ou tenha o propósito de adoptar, conduta (indiciada por factos concretos) relativamente ao seu património que coloque, objectivamente, o titular do crédito a recear ver frustrado o pagamento do mesmo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.n.º328/14.2TELSB-C.P1
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
Nos autos n.º328/14.2TELSB-C do Tribunal Central de Instrução Criminal foi proferida, em 12/9/2018, decisão que decretou o arresto preventivo de bens pertencentes aos arguidos B…, C…, “D… – Unipessoal, Lda”, “E…, Lda.”, F…, “G…”, “H…, Lda.”, I… e J…, para garantia do pagamento do valor de €5.297.489,47.
Inconformados com a decisão, interpuseram recurso os arguidos B…, C…, D… – Unipessoal, Lda. e J…, extraindo cada um deles da respectiva motivação apresentada, as seguintes conclusões (transcrição):
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Assim, pelo exposto, o Ministério Público requer que:
a) ao abrigo do conjugadamente disposto no art. 110º, nºl a 4, do Código Penal, no art. 228º, do Código de Processo Penal, e nos art.s 391º a 393º, do Código de Processo Civil, seja decretado arresto preventivo dos bens e valores discriminados;
b) em caso de deferimento do requerido em a), seja de imediato comunicada a decisão aos Registos Centrais, com vista à sua imediata concretização;
c) em caso de deferimento do requerido em a), seja de imediato comunicada a decisão ao Gabinete de Recuperação de Ativos (Delegação do Norte), tendo em vista a sua urgente execução, nos termos do que dispõe o art. 4º, n.° 3, da Lei n.º 45/2011, de 24-06 (redacção da Lei n° 30/2017 de 40.5);
d) em caso de deferimento do requerido em a), seja deferida a proteção, conservação e gestão dos bens e valores a seguir descriminados ao Gabinete de Administração de Bens, nos termos do que dispõem os art.s 10°, n.°s 1 e 3, al. a), e 16°, da Lei n.°45/2011, de 24-06 (redacção da Lei n°30/2017 de 30.5).
Junta: Duplicados legais e oferece os seguintes meios de prova:
• A indicada no libelo acusatório, nomeadamente Apenso do Gabinete de Recuperação de Ativos e respectivos Anexos;
• Registos das Conservatórias de Registo Predial e Cadernetas Prediais referentes aos imóveis identificados e da Conservatória de Registo Automóvel referentes aos veículos identificados, que se apresentam em suporte informático.
Valor: 5.297.489,47€ (cinco milhões, duzentos e noventa e sete mil, quatrocentos e oitenta e nove euros e quarenta e sete cêntimos) - art. 304°, n°3, al. e), do CPC.» (sic).

Cumpre decidir:
Os ora requeridos foram já constituídos arguidos e formalmente acusados no âmbito dos presentes autos.
Resulta fortemente indiciado que, pela prática dos factos e ilícitos descritos na extensa acusação deduzida e respectiva qualificação jurídica, que aqui se dá por integralmente reproduzida, por mera economia processual, os arguidos identificados na petição supra transcrita, terão obtido a indicada vantagem patrimonial.
Da prova indiciária trazida aos autos e dos elementos aqui em apreciação resulta haver a existência de um prejuízo patrimonial ao erário público que o M.ºP.º quantifica no valor de €5.297.489,47 (cinco milhões, duzentos e noventa e sete mil, quatrocentos e oitenta e nove euros e sete cêntimos), bem como o receio manifesto e fundado de perda irreversível das garantias do Estado, designadamente de cobrar os tributos em falta como consequência da actividade criminosa dos arguidos.
Nos termos e com os fundamentos constantes da promoção de arresto de bens supra transcrita e aos quais nos arrimamos não por falta de ponderação própria da questão, mas por simples economia processual e. face ao perigo de dissipação ou dissimulação dos proventos daqueles crimes, impõe-se acautelar os interesses patrimoniais e punitivos do Estado.
O Direito.
Como resulta do n° 1 do art.° 392.° do CPC, aplicável por força do n° 1 do art.° 228.° do CPP, o requerente do arresto, tem sempre que alegar factos que tornem provável a existência de um crédito e justifiquem o receio da perda da garantia patrimonial.
Tratando-se de uma providência cautelar, bastará alegar factualidade que, comprovadamente, aponte para a aparência da existência do direito, no caso sub judice, do crédito.
A este propósito ensina-nos o Ac. STJ, de 01.06.2000: Sumários 42.-28:
(...) O procedimento cautelar de arresto depende da verificação cumulativa de dois requisitos: Probabilidade da existência do crédito e justo receio da perda da garantia patrimonial.
A probabilidade da existência do crédito verifica-se quando se alegue factos que, comprovados, apontem para a aparência da existência desse direito.
O justo receio de perda da garantia patrimonial verifica-se sempre que o requerido adopte, ou tenda o propósito de adoptar, conduta (indiciada por factos concretos) relativamente ao seu património que coloque, objectivamente, o titular do crédito a recear ver frustrado o pagamento do mesmo. (...)
Neste tocante veja-se ainda o Ac. STJ, de 23.07.1981: BMJ, 309.°-300.
(...) o arresto preventivo depende da verificação de duas circunstâncias - Probabilidade da existência do crédito e justo receio da perda da garantia patrimonial. II - A oposição ao arresto pode ter lugar por meio de embargos ou através de agravo quando, respectivamente, se pretenda demonstrar não serem verdadeiros os fundamentos em vista dos quais foi decretado ou não estarem verificados os requisitos legais para o deferimento do pedido. III - Na fase de declaração do arresto o ónus da prova impende sobre o arrestante; na fase dos embargos é ao embargante que pertence o ónus de alegar e de provar os factos que se destinem a infirmar os fundamentos com que o arresto foi decretado. (...)
Compulsados os autos e, bem assim, os elementos agora trazidos pelo detentor da acção penal, é convicção deste Tribunal que existe um prejuízo patrimonial ao erário público, consequente da actividade criminosa levada a cabo pelos arguidos/requeridos.
Veja-se, neste tocante, o brilhante Aresto do Tribunal da Relação de Coimbra, in P° 287/09.3TTCBR-A.C1, de 15.12.2010.
(...) O montante do crédito invocado e o valor do património têm de ser ponderados, ainda que tal ponderação - que não é sumária - se faça a partir de uma prova sumária. Neste contexto ponderativo, não é despiciendo o tempo do receio, ou seja, a evolução da perda patrimonial, porquanto mal se entenderia a relevância de uma precariedade patrimonial que já existisse — conhecida do credor - ao tempo da constituição da dívida. (...)
Por outro lado, face à descrita actuação, afigura-se que o património possa vir a ser alienado ou colocado na esfera de terceiros.
Atente-se, agora, no Ac. do Tribunal da Relação do Porto, Pº3283/09.7TBVCD-A.P1, DE 11-10-2010:
(...) I - Quando incide a fortuna do arrestado em bens imóveis e resultantes de actividade funcional e objecto social de construção civil ou de intervenção apenas a nível de imobiliária - compra e venda de imóveis ou revenda dos adquiridos para esse fim, também aio justo receio de quem se mostra credor se coloca a um nível de insegurança elevado.
II - São bem que se podem transferir a todo o tempo, como resulta e será timbre de uma boa empresa imobiliária, tanto mais que todos os bens estão à venda. (...)
A este propósito, veja-se ainda o Ac. STJ, de 11.01.2001, P.n.º3479/00-23, sumários, 47.°).
(...) A determinação do justo receio de perda da garantia patrimonial, requisito do arresto, deve ser feita com recurso ao critério do bom pai de família, do Homem comum; logo, estamos no domínio da matéria de facto. (...).
Bem como, o douto Ac. do Tribunal da Relação do Porto, Pº0846632, de 26-01-2009:
(...) Para que seja legítimo o recurso ao arresto, que é um meio conservatório da garantia patrimonial, é necessário a concorrência de duas circunstâncias: a aparência da existência de um direito de crédito e o perigo da insatisfação desse direito.
O justo receio de perda da garantia patrimonial verifica-se sempre que o devedor tenha o propósito de adoptar ou adopte uma conduta, indiciada por factos concretos, relativamente ao seu património susceptível de fazer temer pela sua solvabilidade do devedor para satisfazer o direito do credor. (...)
Face a tudo o que aqui se expôs, forçoso é concluir que, na nossa doutrina e jurisprudência, as teses que acabamos de expor são maioritárias.
O detentor da acção penal veio invocar factos, alicerçados em prova que apontam a aparência da existência de crédito sobre os Requeridos.
Ora, em sede de assunção desta convicção, não podemos deixar de nos louvar na brilhante síntese contida no Ac. do T. R. do Porto, Pº 93/10.2TBMAI.P1, de 25-11- 2010:
(...) Não são as convicções do credor, nem os seus próprios e meros receios ou as conjecturas que porventura formule, nem os demais juízos subjectivos que sustente, nem a mera recusa de cumprimento da obrigação, nem mesmo os juízos subjectivos do Juiz que têm virtualidade para sustentara existência do justo receio de perda da garantia patrimonial, mas antes a alegação e prova, ainda que indiciária, de factos ou de circunstância, que, de acordo com as regras da experiência, façam antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do provável crédito já constituído. (...)
Neste tocante, realça-se ainda o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, P° 42404/08.7YIPRT-A.C1, de 13-04-2010:
(...) Atenta a sua natureza provisória e carácter de urgência, a respectiva aplicação basta-se com o Bónus fumus iuris, um juízo perfunctório com base na aparência.
Contudo, as providências cautelares são também dominadas pelo principio da proporcionalidade; desde logo não deverão ser concedidas quando o prejuízo delas resultante exceda consideravelmente o dano que se pretende evitar. (...)
Assim, face ao que tudo aqui se disse, julgamos procedente o pedido de arresto, por se verificarem cumulativamente os requisitos que exige a invocação de factos que revelem:
- A probabilidade da existência do crédito;
- O justo receio da perda da garantia patrimonial.
Consequentemente, face aos fundamentos supra aduzidos, deferindo ao doutamente promovido pelo detentor da acção penal, atenta a existência de fumus boni iuri e o periculum in mora, sem audiência prévia dos visados, de modo a acautelar que a vantagem da actividade criminosa aqui em investigação, assim como as garantias de pagamento de eventuais penas pecuniárias e outros créditos, se dissipem, ordeno o arresto à ordem dos presentes autos, dos bens abaixo identificados, para garantia do pagamento do valor de €5.297.489,47 - ex vi das disposições conjugadas nos art.ºs 228.º do Código de Processo Penal, 110.º do Código Penal e 391.º a 393.º do Código de Processo Civil (CPC).
Bens a Arrestar:
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Comunique-se a presente decisão ao Gabinete de Recuperação de Activos, tendo em vista a sua urgente execução, nos termos do que dispõe o art. 4o, n.° 3, da Lei n.° 45/2011, de 24-06;
Tendo em vista a protecção, conservação e gestão dos bens supra descriminados comunique-se ao Gabinete de Administração de Bens, nos termos do que dispõem os art.s 10°, n.°s 1 e 3, al. a), e 16°, da Lei n.° 45/2011, de 24-06.
D.N
Oportunamente, após a efectivação do arresto, serão notificados os arrestados, nos termos legais.
Após devolva os autos ao DCIAP.
Apreciação
É entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores que o âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.
Atentas as conclusões apresentadas nos recursos, verifica-se que a questão trazida à apreciação deste tribunal e que é comum a todos, se reconduz ao não preenchimento dos requisitos para ser decretado o arresto preventivo previsto no art.228.º do C.P.Penal, em particular, a não verificação do receio de perda de garantia patrimonial. O recorrente J... invoca ainda a falta de fundamentação da decisão recorrida.
Comecemos, desde já, por apreciar a questão da falta de fundamentação do despacho recorrido.
A decisão que decreta o arresto previsto no art.228.º do C.P.Penal, tal como qualquer acto decisório, tem de se mostrar fundamentada, encontrando-se sujeita ao regime previsto no art.194.º, n.º6, do C.P.Penal, o qual dispõe:
“A fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade:
a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo;
b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;
c) A qualificação jurídica dos factos imputados;
d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193.º e 204.º”.
Sendo o arresto uma medida de garantia patrimonial é nos termos do art.194.º. n.º1, do C.P.Penal, aplicada por despacho. E sendo um despacho, não é aplicável ao mesmo o regime da sentença previsto nos arts.374.º, nº2 e 379.º, nº1 do C.P.Penal.
A nulidade por inobservância do disposto no art.194.º, n.º6, do C.P.Penal tem de ser arguida, por não se encontrar tipificada como insanável, perante o tribunal de 1ªinstância no prazo geral de 10 dias (art.105.º, n.º1, do C.P.Penal), contado da data da notificação respectiva, só havendo recurso da decisão que conhecer da arguição da nulidade. Mantém-se actual a jurisprudência a que Alberto dos Reis aludia, em sede de processo civil, quando citava o postulado «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se». Só a nulidade de sentença penal pode ser arguida em sede de recurso da decisão final e, portanto, em prazo superior àquele prazo legal supletivo.
Não tendo sido arguida perante o tribunal da 1ªinstância, a nulidade, a verificar-se, sempre estaria sanada.
Atentemos agora na questão comum aos vários recursos.
Cabe, desde já, destrinçar o arresto preventivo previsto pelo art.228.º do C.P.Penal, enquanto mecanismo de garantia patrimonial que opera no âmbito da denominada perda clássica, do arresto previsto pela Lei n.º5/2002, de 11/1, aplicável no domínio da perda alargada e que se destina a garantir a preservação do valor a declarar perdido a favor do Estado da vantagem presumida em que se traduz o património incongruente do agente.
“O arresto com vista à perda alargada é decretado pelo juiz se existirem fortes indícios da prática de um dos crimes do catálogo consagrado no artigo 1.º da Lei n.º5/2002, de 11 de janeiro. Para além disso, embora a lei não o refira directamente, parece-nos apodíctico que devem também ser exigidos fortes indícios da desconformidade do património do arguido.(...)
À semelhança das restantes medidas de garantia patrimonial, também o arresto para garantia da perda alargada está sujeito aos princípios da necessidade, da adequação, subsidiariedade, precariedade e proporcionalidade. O único requisito que o Ministério Público está dispensado de demonstrar é um periculum in mora substancial” – João Conde Correia, Da proibição do confisco à perda alargada, INCM, pág.186/187.
No caso em apreço, contrariamente ao referido na resposta apresentada pelo Ministério Público e acompanhada no parecer nos termos do art.416.º, n.º1, do C.P.Penal, o arresto não foi decretado ao abrigo da Lei n.º5/2002, de 11/1. Aliás, nem podia ser, pois os crimes pelos quais os arguidos foram acusados não se incluem em nenhum dos crimes do catálogo consagrado no art.1 da citada Lei.
Nesta conformidade, temos de analisar se estão preenchidos, ou não, os requisitos previstos no art.228.º do C.P.Penal, ao abrigo do qual foi decretado o arresto.
Dispõe o art.228.º do C.P.Penal, sob a epígrafe “arresto preventivo”:
“1 - Para garantia das quantias referidas no artigo anterior, a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil; se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, fica o requerente dispensado da prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial.
2 - O arresto preventivo referido no número anterior pode ser decretado mesmo em relação a comerciante.
3 - A oposição ao despacho que tiver decretado arresto não possui efeito suspensivo.
4 - Em caso de controvérsia sobre a propriedade dos bens arrestados, pode o juiz remeter a decisão para tribunal civil, mantendo-se entretanto o arresto decretado.
5 - O arresto é revogado a todo o tempo em que o arguido ou o civilmente responsável prestem a caução económica imposta.
6 - Decretado o arresto, é promovido o respectivo registo nos casos e nos termos previstos na legislação registal aplicável, promovendo-se o subsequente cancelamento do mesmo quando sobrevier a extinção da medida.”
O art.227.º, n.º1, do C.P.Penal [caução económica], para que nos remete o citado n.º1 do art.228.º, estabelece: “O Ministério Público requer prestação de caução económica quando haja fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias:
a) Do pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou de qualquer outra dívida para com o Estado relacionada com o crime;
b) Da perda dos instrumentos, produtos ou vantagens de facto ilícito típico ou do pagamento do valor a estes correspondente.”
O legislador, no art.228.º, n.º1, remete para as normas do C.P.Civil quanto aos fundamentos do decretamento do arresto, remissão que a jurisprudência tem entendido como “genérica” pois o legislador enunciou as excepções que considerou dever fazer em relação ao regime do C.P.Civil, como é o caso da situação a que se refere a parte final do nº 1, do artº 228º, do C.P.Penal, em que se presume que a não prestação da caução, só por si, integra e consubstancia o “…fundado receio de perda da garantia patrimonial…”, ou a situação expressamente prevista nº 2, com a admissibilidade do arresto preventivo em relação ao comerciante. Neste sentido se pronunciou o Ac.T.C. n.º724/2014, de 28/10/2014, referindo que “(…) os requisitos de que depende o decretamento do arresto, também em processo penal por força da remissão consignada no artº 228º, nº 1, do CPP, respeitam tão só à aparência do direito de crédito e ao perigo da dissipação do património ( cfr. artº 391º e 392º, do CPC)”,
Os fundamentos do arresto são, pois, os do art.º 391.º, n.º 1 do C.P.Civil, de acordo com o qual “o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.”. E cabe ao requerente alegar e provar factos que tornem provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, nos termos do art. 392º, n.º 1, do C.P.Civil.
O arresto é um procedimento cautelar que visa combater o “periculum in mora”, isto é, o prejuízo decorrente da demora do processo judicial normal e traduz-se numa apreensão judicial de bem tendente à garantia de um crédito.
Por isso, o decretamento do arresto preventivo depende da probabilidade da existência do crédito e do justo receio de que o devedor inutilize, oculte, se desfaça dos seus bens, que em princípio integram a garantia do credor.
São, assim, requisitos do arresto:
- a probabilidade de existência de um crédito do requerente;
-o justo receio ou perigo de insatisfação desse direito de crédito, ou seja, o “periculum in mora”
No caso vertente, quanto à existência do direito de crédito, atentos os factos alegados pelo Ministério Público, concretamente por referência para a acusação, está demonstrada a probabilidade da existência de um crédito por parte do Estado em relação aos arguidos, ora recorrentes, traduzido nas vantagens obtidas pelos mesmos com a alegada prática dos crimes pelos quais estão acusados.
Assim, está igualmente indiciado que o Estado é lesado, no montante alegado pelo Ministério Público, na medida que viu o seu património diminuído em face dos factos praticados pelos arguidos.
Aliás, os recorrentes centram sobretudo a sua discordância na existência do fundado receio de perda da garantia patrimonial.
Para que se verifique o justo receio de perda da garantia patrimonial é necessário que se alegue e prove factos concretos, objectivos, que demonstrem que o alegado receio é objectivamente fundado. Como defende Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., pág. 465, nota 1, “não basta a alegação de meras convicções, desconfianças, suspeições de carácter subjectivo. É preciso que haja razões objectivas, convincentes, capazes de explicar a pretensão drástica do requerente, que vai subtrair os bens ao poder de livre disposição do seu titular”.
Como decidiu o Ac. da R.Coimbra de 30/4/2002, proc. nº 1448/02, in www.dgsi.pt, “O justo receio de perda da garantia patrimonial do credor tem que assentar em factos reais, em índices apreensíveis pelo comum das pessoas, que mostrem que o alegado receio é objectivamente fundado. Para que seja decretado o arresto é indispensável que o devedor tenha praticado actos ou assumido atitudes que inculquem a suspeita de que ele pretende subtrair os seus bens à acção dos credores.”. Ou ainda como se lê no Ac.R.Lisboa de 4/11/2009, processo n.º3944/08.8TDLSB-B.L1-5, “(…) para que se verifique o justo receio de perda da garantia patrimonial a que aludem os art. 619º nº 1 do C.Cv. e 406º nº 1 do C.P.C. (actual art.391.º do C.P.Civil) é necessário que se alegue e prove que o devedor já praticou ou se prepara para praticar actos de alienação ou oneração, relativamente ao seu património que, razoavelmente interpretados, inculquem a suspeita de que se prepara para subtrair os seus bens à acção dos credores.
Com efeito, embora não seja necessária a certeza de que a perda da garantia se torne efectiva mas apenas que haja um receio justificado de tal perda virá a ocorrer, não basta qualquer receio, sendo necessário, no dizer da própria lei, que o receio seja justificado. Significa isto que o requerente tem de alegar e provar factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, não bastando o receio subjectivo, fundado em simples conjecturas, antes devendo basear-se “...em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva.”( Cfr. Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV vol., 2ª ed., pág. 187). No mesmo sentido, v., entre outros, Ac.R.Lisboa de 8/1/2019, processo n.º 12428/18.5T8LSB.L1-7, Ac.R.Lisboa de 2/4/2019, processo n.º959/11.2IDBGC-B.L1-5, Ac.R.Coimbra de 17/12/2012, processo n.º244/10.7JAAVR-B.C1, Ac.R.Évora de 11/4/2019, processo n.º 562/18.6T9EVR-B.E1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Revertendo ao caso em apreço, não resulta que o requerente do arresto tenha alegado e provado o justificado receio de perder a garantia patrimonial do crédito, designadamente, que estes arguidos, ora recorrentes, praticaram ou preparavam-se para praticar actos de alienação ou oneração relativamente ao seu património, tendo em vista subtrair os seus bens à acção do credor.
Segundo a decisão recorrida e remetendo para os fundamentos constantes do requerimento de arresto, resulta, para além da existência de um prejuízo patrimonial ao erário público, o receio fundado da perda das garantias do Estado, designadamente de cobrar os tributos em falta como consequência da actividade delituosa dos arguidos.
Analisando o requerimento de arresto, verifica-se que, no que se reporta ao fundado receio de perda de garantia patrimonial, o Ministério Público alegou:
“5 – (…) constata-se, in casu, que no momento de dedução da acusação (e do respetivo pedido de declaração de perda de bens a favor do Estado) se mostravam findos processos visando a liquidação de algumas das sociedades envolvidas na factualidade em causa nos autos (cf. despacho de arquivamento, nomeadamente quanto a K…, Lda. e L…, Lda.).
6 - Mais se constata que a grande maioria das contas bancárias detidas pelos arguidos se mostram canceladas e/ou com saldos que em nada traduzem os movimentos financeiros alvo de análise espelhados nos diversos Apensos Bancários e documentação bancária reunida em Anexo ao Apenso do GRA.
7 - Note-se que os arguidos referenciados se tratam de indivíduos, conforme decorre da narração incluída no despacho de acusação, cuja atividade profissional se pautou pela informalidade negocial e financeira, sendo grande parte dos movimentos financeiros detetados efetuados através de numerário. Tal circunstância admite o juízo de que, conhecedores da acusação deduzida e do respetivo pedido de declaração de perda de bens a favor do Estado, os referenciados arguidos se desfaçam do património e o convertam em valor não detetável e, portanto, insuscetível de vir a servir o propósito que subjaz à declaração de perda requerida.
8 - Tais factos, associados, no momento presente à possibilidade de submissão a um Julgamento resultante da dedução de acusação, faz-nos concluir pela franca possibilidade de que o património detido por cada um dos arguidos venha a ser dissipado por forma a que não venham, a final, a ser chamados à declaração de perda de bens a favor do Estado requerida na mesma acusação.
9 - A concretizar-se tal perigo, o património dos arguidos ficará fora do alcance da ação da justiça penal, na vertente da perda de bens a favor do Estado.
10 - As descritas circunstâncias colocam, assim, os referenciados bens em perigo, no que respeita à sua vinculação à satisfação do interesse público visado com o confisco, conduzindo à incontornável conclusão de que existe um sério atentado à integridade patrimonial que venha a ser chamada perante uma decisão de confisco de produtos e vantagens da atividade criminosa, ao abrigo do art. 110° do C. Penal.”
Estas afirmações são genéricas, conclusivas, não sendo alegados factos concretos susceptíveis de permitir a conclusão de que os requeridos, ora recorrentes, praticaram ou se preparavam para praticar actos tendo em vista o extravio, a delapidação dos respectivos patrimónios de forma a subtraírem os seus bens à acção do credor que é o Estado.
É certo que se refere que, aquando da dedução da acusação (em 28/5/2018), a K…, Lda, - de que eram sócios os ora recorrentes B… e C…, como consta da acusação - sociedade envolvida na factualidade em causa nestes autos, estava extinta (o que terá ocorrido em 23/12/2013 – ponto 56 da acusação) e que a grande maioria das contas bancárias detidas pelos arguidos se mostravam canceladas e/ou com saldos não correspondentes aos movimentos financeiros analisados.
No entanto, o facto de o património dos requeridos, ora recorrentes, apresentar debilidades para fazer face às respectivas obrigações, não é critério que, por si só, justifique o arresto, sendo necessária uma actuação dos requeridos no sentido de fazer desaparecer ou ocultar os respectivos bens com vista a inviabilizar a satisfação do crédito do requerente do arresto.
Por outro lado, a alegação de que a actividade profissional dos requeridos se pautou pela informalidade negocial e financeira, sendo grande parte dos movimentos financeiros efectuados em numerário, não permite concluir que os requeridos, ora recorrentes, conhecedores da acusação e do pedido de declaração de perda de bens a favor do Estado, se desfaçam do património, pois trata-se de mera conjectura, de um juízo subjectivo, sem estar ancorado em factos concretos. Aliás, o requerimento de arresto é de tal forma genérico que não alega em relação a cada um dos requeridos as concretas actuações reveladoras de que praticaram ou estavam a preparar-se para praticar actos de alienação ou oneração do seu património de forma a concluir-se existir um justo receio de perda da garantia patrimonial.
Por todo o exposto, não se encontra preenchido o requisito de justo receio de perda da garantia patrimonial para o decretamento do arresto preventivo, pelo que o arresto tem de ser levantado quanto aos ora recorrentes.
III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes na 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedentes os recursos interpostos pelos arguidos B…, C… e D… – Unipessoal, Lda e parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido J… e em consequência ordenar o levantamento do arresto decretado quanto aos bens destes arguidos.
Sem custas.
(texto elaborado e revisto por ambos os signatários)
Porto, 1/4/2020
Maria Luísa Arantes
Luís Coimbra