Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
131/12.4TELSB-O.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOREIRA RAMOS
Descritores: ARRESTO PREVENTIVO
MAL FUTURO
Nº do Documento: RP20211013131/12.4TELSB-O.P1
Data do Acordão: 10/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A remissão para o regime do processo civil operada pelo artigo 228.º, n.º 1, do Código de Processo Penal abrange apenas os pressupostos substantivos que alicerçam o decretamento do arresto preventivo.
II – Não deixa de verificar-se o requisito da probabilidade da existência do crédito, como requisito do arresto preventivo, por não haver determinação definitiva do montante das dívidas ao Estado (relacionadas com o crime) que esse arresto visa garantir.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 131/12.4TELSB-O.P1

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO:

Inconformados com o despacho proferido em 09/02/2021 no qual, na sequência de requerimento apresentado pelo Ministério Público, se decidiu determinar o arresto preventivo de identificados bens pertença da herança Indivisa de B…, C… e “D… S.A.”, dele vieram aqueles, ali requeridos, interpor recurso nos termos que constam destes autos e que aqui se consideram como reproduzidos, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição):

1. Os recorrentes entendem que não se encontra verificado o requisito da probabilidade da existência do crédito, nomeadamente por não haver determinação de qual a “pena de multa, indemnização cível, custas do processo ou de outra divida com o Estado relacionado com o crime” cujo arresto visa garantir.

2. Sendo que do valor tido no acórdão como vantagem obtida com conduta criminosa em sede de burla fiscal quanto ao IVA, €630.128,93, foi tido pelo Tribunal Arbitral como regular, sendo que a grande maioria dos mais de três milhões de IVA nunca foram reembolsados pela Autoridade Tributária ao contribuinte, pelo que, aquele não terá de o repor.

3. Já no âmbito do IRC, a Autoridade Tributária apenas procedeu ao cálculo da correção fiscal aplicável quando os autos principais se encontravam em julgamento e apenas por força do processo especial de revitalização apresentado pela sociedade Recorrente.

4. Nessa altura procedeu ao cálculo do valor de correção tributária que mais imposto proporcionava, isto é, não pela aplicação dos índices indicativos do setor, cujas margens eram do seu perfeito conhecimento, mas pela desconsideração das compras e consideração integral das vendas – estando por isso a proceder à cobrança de imposto que excede a capacidade tributária real do contribuinte, prática violadora de direitos constitucionais consagrados.

Ainda assim

5. Após a liquidação adicional de imposto e consequente instauração de processo executivo a Autoridade Tributária levou a cabo inúmeras penhoras na esfera da D…: todos os clientes, fornecedores, bancos, seguradores e demais parceiros receberam auto para proceder à penhora de créditos e outros valores, sem que alguma vez aquela tivesse notificado a sociedade do resultado das mesmas.
E

6. Não só a alegada dívida ao Estado se encontra a ser peticionada ao Arguidos do processo principal, como a novos devedores subsidiários.
Bem como

7. Segundo a tese da Acusação, a vantagem ilícita da atividade dos Arguidos foi concentrada na sociedade imobiliária E…, sociedade essa que recebeu notificação de ampliação de arresto de todos os seus bens até ao valor de 709.913,17 (setecentos e nove mil, novecentos e treze euros e dezassete cêntimos) atuação que visa exatamente o mesmo fim jurídico que o presente arresto.

8. O Ministério Público e as testemunhas de que aquele se socorre nas imputações que faz aos Recorrentes, usam há muito a referência cruzada entre os processos 131/12.4TELSB e 450/18.5IDPRT, para criar a perceção no julgador de prática de atividade criminosa consolidada e perpetuada pelos Arguidos, contudo no processo 450/18.5IDPRT os arguidos aqui Recorrentes foram absolvidos de metade dos crimes que lhe eram imputados e nenhuma vantagem patrimonial lhe é assacada.

9. É inegável a óbvia atitude persecutória aos Arguidos, bem como a ocultação de informação relevante ao Decisor, com vista a obter, por via da eventual garantia do pagamento de não se sabe bem o quê, deferimentos processuais atentatórios dos direitos liberdades e garantias dos Recorrente, que de outra forma seriam inalcançáveis.

10. Apenas quando quantificada a dívida com o Estado relacionado com o crime e, o valor atual da mesma, pode o pedido do Ministério Público para um arresto ser cabalmente apreciado e decidido, uma vez que não pode, nem deve, o arresto ser usado como penalização injustificada aos Recorrentes, especialmente quando não fundamentado em critérios objetivos, claros e honestos.

O recurso foi regularmente admitido.

O Ministério Público veio responder nos moldes insertos nos autos e aqui tidos como reproduzidos, concluindo no sentido de que o recurso deverá ser rejeitado e mantida a decisão recorrida quanto ao arresto decretado.

A Ex.ma PGA emitiu o parecer que consta dos autos e que aqui se tem como renovado, através do qual concluiu no sentido de que o recurso não merecia provimento.

No cumprimento do artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, nada mais foi aduzido.

Após exame preliminar, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir, nada obstando a tal.
II – FUNDAMENTAÇÃO:

a) a decisão recorrida:

No que aqui importa salientar, o despacho recorrido é do teor seguinte (transcrição):
Resulta dos autos que:
1- Por douto Acórdão proferido nos presentes autos em 20.11.2020, ainda não transitado em julgado, foram os arguidos condenados nos seguintes termos:
A11) O arguido B… (…)
- pela prática, em coautoria, de um crime de fraude fiscal qualificado referente ao ano de 2008 (cometido no ano de 2009), p. e p. pelos arts. 103º, nº1, al. a) e 104º, nº1 (pena aplicável) e nº2, al. a), do RGIT, na redação da Lei nº 64-B/2011, de 30.12, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão;
- pela prática, em coautoria, de dois crimes de fraude fiscal qualificados referentes aos anos de 2009 e 2010 (cometido nos anos de 2010 e 2011, respectivamente), p. e p. pelos arts. 103º, nº1, al. a) e 104º, nº1 (pena aplicável) e nº2, al. a), do RGIT, na redacção da Lei nº 64-B/2011, de 30.12, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão por cada um deles;
- pela prática, em coautoria, de um crime de fraude fiscal qualificado referente ao ano de 2011 (cometido em 2012), p. e p. pelos arts. 103º, nº1, al. a) e 104º, nº2, al. a) e nº3, do RGIT, na redacção conferida pela Lei nº 64-B/2011, de 30.12, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
- pela prática, em coautoria, de um crime de fraude fiscal qualificado referente ao ano de 2012 (cometido em 2013), p. e p. pelos arts. 103º, nº1, al. a) e 104º, nº1 (pena aplicável) e nº2, als. a) e b), do RGIT, na redação conferida pela Lei nº 64-B/2011, de 30.12, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
- pela prática, em representação e no interesse da sociedade D…, S.A., e em coautoria, de três crimes de fraude fiscal qualificados (IRC), referentes aos anos fiscais de 2011, 2012 e 2013 e cometidos nos anos de 2012, 2013 e 2014, p. e p. pelos arts. 103º, nº1, al. a) e 104º, nº2, al. a) e nº3, do RGIT, na redação conferida pela Lei nº 64-B/2011, de 0.12., nas seguintes penas: 3 anos e 7 meses de prisão para o referente ao ano de 2011; 3 anos e 6 meses de prisão para o referente ao ano de 2012; e 3 anos e 8 meses de prisão para o referente ao ano de 2013;
- pela prática, em coautoria, de um crime de burla tributária, p. e p. pelo art. 87º, nºs 1 e 3, do RGIT: 3 anos e 4 meses de prisão;
- pela prática, em coautoria, de um crime de branqueamento, na forma consumada, p. e p. pelo art. 368º-A, nºs 1, al. j), 2, 3 e 4 do Código Penal [redacção conferida pela Lei nº 58/2020, de 31.08], na pena de 4 anos de prisão.
A12) Nos termos do art. 77º do CP, em cúmulo jurídico das sobreditas penas, condenar o arguido B… na pena unitária de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão [necessariamente efetiva].”;
- “A13) (…) O arguido C…:
- pela prática, em coautoria, de três crimes de fraude fiscal qualificados (IRC), referentes aos anos fiscais de 2011, 2012 e 2013 e cometidos nos anos de 2012, 2013 e 2014, p. e p. pelos arts. 103º, nº1, al. a) e 104º, nº2, al. a) e nº3, do RGIT, na redacção conferida pela Lei nº 64-B/2011, de 30.12., nas seguintes penas: 3 anos e 7 meses de prisão para o referente ao ano de 2011; 3 anos e 6 meses de prisão para o referente ao ano de 2012; e 3 anos e 8 meses de prisão para o referente ao ano de 2013;
- pela prática, em coautoria, de um crime de burla tributária, p. e p. pelo art. 87º, nºs 1 e 3, do RGIT, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão;
- pela prática, em coautoria, de um crime de branqueamento, na forma consumada, p. e p. pelo art. 368º-A, nºs 1, al. j), 2, 3 e 4 do Código Penal [redacção conferida pela Lei nº 58/2020, de 31.08], na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
A14) Nos termos do art. 77º do CP, em cúmulo jurídico das sobreditas penas, condenar o arguido C… na pena unitária de 5 (cinco) anos de prisão.” Sendo esta suspensa na sua execução, “por igual período de tempo, condicionada ao pagamento ao Estado (Administração Tributária) (nos termos do art. 14º, nº1, do RGIT, ou do art. 51º, nº1, al. a), do CP, como abaixo concretizado), no decurso do prazo de suspensão, das seguintes quantias monetárias: (…)
- arguido C… (art. 14º, nº1 do RGIT): € 3.408.998,25;”;
- “A64) (…) a arguida D…, S.A. enquanto responsável pelos crimes cometidos pelos seus representantes/administradores (art.º 7º do RGIT):
- por cada um dos três crimes de fraude fiscal qualificada (anos de 2011, 2012 e 2013), na pena de 500 dias de multa, à taxa diária de €70,00;
- por um crime de burla tributária qualificada, a pena de 500 dias de multa, à taxa diária de €70,00;
- por um crime de branqueamento, a pena de 450 dias de multa, à taxa diária de €70,00;
A65) Nos termos do art. 77º do CP, em cúmulo jurídico das sobreditas penas, condenar a arguida D…, S.A. na pena unitária de 1000 dias de multa, à taxa diária de €70,00, o que perfaz a quantia global de €70.000,00.” E ainda,
“B4) Condenar a arguida D…, S.A. pela prática de uma contraordenação p. e p. pelo art. 114º, nºs 1 e 5, al. a), do RGIT, na coima de €13.000,00.”.”
2 - Foram ainda os requeridos condenados no pagamento ao Estado, em substituição da perda das vantagens obtidas, nos termos do artº 110º, nº4, do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº30/2017 de 30.05 (cfr. ponto C1) do dispositivo do acórdão), dos seguintes valores:
2.1. O arguido B… (ora representado pela herança): a quantia de €22.772.346,53 (vinte e dois milhões, setecentos e setenta e dois mil trezentos e quarenta e seis Euros e cinquenta e três cêntimos) – cfr. C1.2);
2.2. Os arguidos B…/C…/D…, S.A. solidariamente, a quantia de €6.817.996,51 (seis milhões, oitocentos e dezassete mil, novecentos e noventa e seis Euros e cinquenta e um cêntimo) – cfr. C1.3);
3. - Encontra-se apreendido à ordem dos presentes autos, os seguintes bens e valores titulados nos seguintes termos pelo arguido B… (representado pela herança)
B…
- ROLLS ROYCE …; Matrícula MT-..-.. (cf. auto de apreensão a fls. 45 do apenso O e fls. 3892 dos autos principais), no valor de 20.000,00€ (avaliação GAB fls. 9873), administrado pelo GAB;
- PORSCHE …; Matrícula ..-FF-.. (cf. fls. 3540 autos principais), no valor de 60.000,00€ (avaliação GAB fls. 9873), administrado pelo GAB
- TITULAR de 1/2 - Descrição - 3748; Artigo Matriz 6059; Fracção AC; Freguesia e CRP …, CRP … (cf. auto de apreensão a fls. 44 do apenso O e 3891 autos principais), no valor de 21.571,22€, Arresto do preço de venda (cfr. Apenso B – Procedimento Cautelar);
- Saldo da conta … – ………… (cf. fls. 40/3 apenso O- fls. 39 apenso B ao Anexo GRA), no valor de 5.524,94€;
- Saldo da conta … – …………. (cf. fls. 40/3 apenso O – fls. 39 apenso B ao Anexo GRA), no valor de 31.108,95 €
Valor total dos bens apreendidos 138.205,11€
4 - No ponto D2) do dispositivo do acórdão, ainda não transitado, ordena-se a extinção e o levantamento do arresto dos bens decretado quanto a este arguido e no ponto F2) do dispositivo do acórdão, ainda não transitado, ordena-se a restituição ao arguido dos bens e valores supra elencados, sem prejuízo do disposto no artº 34º, nº1, als. b) e d), do Regulamento das Custas Processuais;
5 - Como resulta da certidão junta aos autos com a refª 27482390, B…, faleceu no dia 21.11.2020, pelo que em virtude do disposto no artigo 128º, nº1, do Cód. Penal, foi declarado extinto o procedimento criminal quanto à matéria criminal, e ordenado o prosseguimento do processo, ao abrigo do disposto no artigo 127º, nº3, do Cód. Penal, para efeitos da declaração da perda de instrumentos, produtos e vantagens a favor do Estado.
6 – Encontra-se apreendido à ordem dos presentes autos, os seguintes bens e valores titulados nos seguintes termos pelo arguido C…:
- PLYMOUTH SCAMP; Matrícula NO- ..-.. (cf. auto de apreensão a fls. 58 do apenso O e fls. 3898 autos principais), no valor de 10.000,00€ (avaliação GAB fls. 9871), administrado pelo GAB;
- NISSAN …; Matrícula ..-..- BZ (cf. auto de apreensão a fls. 55 do apenso O e fls. 3897 autos principais), no valor de 3000,00€ (GAB – fls. 8635), administrado pelo GAB;
- BMW …; Matrícula ..-HJ-.. (cf. auto de apreensão a fls. 60 do apenso O e fls. 3895 dos autos principais), no valor de 50.000,00€ (avaliação PJ fls. 542 Ap. I), administrado pelo GAB;
- Tipo U; Descrição - 515; Artigo Matriz 253 U; Freguesia e CRP - …, CRP … (cf. auto de apreensão a fls. 50 do apenso O e fls. 3893 dos autos principais), no valor de140.280,00€, administrado pelo GAB;
- Tipo U; Descrição - 5; Artigo Matriz 2212 U; Fracção CX; Freguesia e CRP - …, CRP … (cf. auto de apreensão a fls. 51 do apenso O e fls. 3894 dos autos principais), no valor de 25.263,13€, administrado pelo GAB;
- Saldo da conta … -../TIT/……….. (cf. fls. 40/3 apenso O), no valor de 9647,45€;
- Saldo da conta … – …………. (cf. fls. 40/3 apenso O), no valor de 3.275,26€;
- Saldo da conta … – ……….. (cf. fls. 40/3 apenso O), no valor de 1.151,40€;
- Saldo da conta … – ………… (cf. fls. 18 apenso O), no valor de 1.444,05€;
- 46 barras de ouro fino de 999,9 (6 de 250 g, 2 de 50 g., 2 de 25 g, 2 de 20 g, 12 de 10 g., 9 de 5 g., 8 de 2,5 g, e 2 de 2 g.), no valor de 56.370,00€;
- 14 moedas Elisabeth II, 50 dólares, fine gold, Canada, no valor de 11.200,00€;
- Moeda em ouro 100 ECU, Maria Theresia, Belga, 999 fine Gold, no valor de 2000,00€;
- 2 moedas de um escudo da República Portuguesa, no valor de 1850,00€;
- Moeda de 2,50€ em ouro, República Portuguesa, no valor de 450,00€;
- Moeda em ouro Karolvs Magnvs Romanorov Impr Avgvustvs, 50 ECU, no valor de 650,00€;
- Moeda comemorativa do ano do Panda ¼ ozau, 1989, ouro fino, no valor de 200,00€;
- Moeda belga, 1000 euro, Franc Germinal, 1803-2003, ouro fino, no valor de 600,00€;
- Pipeta de ouro não contrastado. Peso: 254,7 g, no valor de 3800,00€
Valor total dos bens apreendidos 321.181,29€
7 -. No ponto D4) do dispositivo do acórdão, ainda não transitado, ordena-se a extinção e o levantamento do arresto dos bens decretado quanto a este arguido e no ponto F3) do dispositivo do acórdão, ainda não transitado, ordena-se a restituição ao arguido dos bens e valores supra elencados, sem prejuízo do disposto no artº 34º, nº1, als. b) e d), do Regulamento das Custas Processuais;
8 - Acresce que foi ainda apreendido ao mesmo arguido o veículo automóvel de marca Porsche, de matrícula ..-FC-.. (cfr. auto de apreensão de fls. 3896 – vol. XIII), em relação ao qual, no ponto F20) do dispositivo do acórdão, foi ordenada a restituição ao arguido, nos termos do artº 186º, n.º 2, do CPP, sem prejuízo do disposto no artº 34º, nº1, als. b) e d), do Regulamento das Custas Processuais;
9- Resultou do julgamento provado que: “Embora formalmente detenha a categoria profissional de escriturário, o arguido presta apoio ao pai na gestão da empresa ‘D… – …, S.A.’, que conta com cerca de 10 colaboradores, entre os quais está a mãe e vários familiares e onde trabalha presentemente a tempo parcial, em virtude da diminuição do volume de negócios, segundo referiu. Paralelamente, dedica-se à gestão de outras empresas nas áreas do merchandising, promoção de eventos e produção de vinhos, designadamente a sociedade ‘F…, Lda.’, com sede em …, ….” e que os rendimentos auferidos pelo arguido do exercício de actividades empresariais, para além do declarado vencimento mensal base de €1.000 (mil Euros), na D…;
10. Encontram-se apreendidos à ordem dos presentes autos, os seguintes bens e valores titulados pela sociedade arguida D…, S.A., nos seguintes termos:
- FIAT …; Matrícula ..-JE-.. (cf. auto de apreensão a fls. 63 do apenso O), no valor de 7.000,00€ (avaliação PJ fls. 506 Ap. I), administrado pelo GAB;
- BMW … - (….); Matrícula ..-AG-.. (cf. Auto de apreensão a fls. 66 do apenso O e fls. 3892 dos autos principais), no valor de 18.000,00€ (avaliação PJ fls. 498 Ap. I), administrado pelo GAB;
- MITSUBISHI …; Matrícula ..-..-NM (cf. Auto de apreensão a fls. 71 do apenso O), no valor de 2500,00€ (GAB – fls. 8634), administrado pelo GAB;
- DODGE …; Matrícula ..-..-OM (cf. auto de apreensão a fls. 74 do apenso O), no valor de 10.000,00€, (GAB – fls. 8634), administrado pelo GAB;
- Saldo da conta … – …………., (cf. fls. 42-A do apenso O), no valor de1.865,81€;
- Lote de cascalho em ouro. 27 g, no valor de 400,00€;
- Par de botões de punho em ouro amarelo de 800 milésimas, no valor de 110,00€;
- Lote de cascalho em ouro. Peso: 189,5 g, no valor de 2800,00€;
- Fiadas de ouro fino 999,9. Peso: 456 g., no valor de 13.500,00€;
- Lote de cascalho em ouro amarelo. Peso: 89 g, no valor de 1200,00€;
- 3 barras de ouro fino de 999,9, de 100 g, 50 g e 1 g., no valor de 4530,00€;
- 2 anéis em ouro amarelo de 800 milésimas, no valor de 250,00€;
- Barra de ouro fino. Peso 565 g, no valor de 16.950,00€;
- Barra de ouro fino. Peso: 580 g, no valor de 17.400,00€;
- Lote de cascalho em ouro. Peso: 55,5 g, no valor de 800,00€;
- Gargantilha em ouro amarelo de 800 milésimas, no valor de 900,00€;
- Moeda em ouro, São vicente, D. João III, no valor de 1500,00€;
- Barra de ouro fino. Peso: 955 g, no valor de 28.650,00€;
- Lote de várias peças em ouro. Peso: 84,5 g, no valor de 1250,00€
- Conjunto de gargantilha e pulseira em ouro amarelo de 800 milésimas, no valor de 650,00€;
- 2 anéis em ouro amarelo de 800 milésimas, no valor de 500,00€;
- 2 pulseiras em ouro amarelo de 800 milésimas, no valor de 1000,00€;
- Fio em ouro amarelo de 800 milésimas, no valor de 350,00€;
- Gargantilha em ouro amarelo e ouro branco de 800 milésimas, no valor de 200,00€;
- Pulseira em ouro amarelo de 800 milésimas, no valor de 950,00€;
- 2 fios em ouro amarelo de 800 milésimas, no valor de 800,00€;
- Pulseira em ouro amarelo de 800 milésimas, no valor de 170,00€;
- Lote de várias peças em ouro de 800 milésimas, Peso: 118,2 g, no valor de 2.360,00€
Valor total dos bens apreendidos 136.585,81€
11 - No ponto D6) do dispositivo do acórdão, ainda não transitado, ordena-se a extinção e o levantamento do arresto dos bens decretado quanto a esta sociedade arguida e no ponto F13) do dispositivo do acórdão, ainda não transitado, ordena-se a restituição à arguida dos bens e valores supra elencados, sem prejuízo do disposto no artº 34º, nº1, als. b) e d), do Regulamento das Custas Processuais;
12 -. Acresce que foi ainda apreendido à sociedade arguida D… o montante de €14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros) em numerário apreendido no interior de um cofre (cfr. auto de apreensão de fls. 2996 – vol. XI – DUC de fls. 4367 e 4368-vol.XV), em relação ao qual, no ponto F18) do dispositivo do acórdão, foi ordenada a restituição à arguida, nos termos do artº 186º, n.º 1 e 2, do CPP, sem prejuízo do disposto no artº 34º, nº1, als. b) e d), do Regulamento das Custas Processuais;
13 - Apurou-se que esta sociedade, nos termos do disposto no artº 17º-B do CIRE (Código de Insolvência e Recuperação de Empresas), foi alvo de medida de P.E.R. – Processo Especial de Revitalização, que levou a redução de despesas, que se reflectiu no nível de remunerações dos sócios;
14 - Foi determinado, por despacho de 25 de Julho de 2016 proferido no Apenso B de Procedimento Cautelar – Arresto, nos termos do art. 10º da Lei 5/2002 de 11.01, o arresto dos bens nele descriminados e supra referenciados, relativamente aos arguidos B…, C… e D…, S.A., na sequência do requerimento formulado pelo Mº Pº ao abrigo do disposto nos art.ºs 7º e 8º do mesmo diploma;
15 - Nos termos da douta decisão condenatória proferida, ainda não transitada em julgado, foi ordenado o levantamento do arresto, por improcedência do pedido de liquidação para perda alargada quanto a estes três intervenientes requeridos – cfr. ponto 8.aa) do ponto 8 – Destino dos bens apreendidos:
Nos termos do disposto no arts. 11º, nº 3, da Lei nº 5/2002, de 11.01, ordena-se o levantamento dos arrestos de bens decretados relativamente aos arguidos B…, C… e D…, S.A, após transito em julgado da decisão absolutória da liquidação/perda alargada, e sem prejuízo do disposto no art. 34º, nº1, als. b) e d), do Regulamento das Custas Processuais.” - e o ponto D) do dispositivo do acórdão;
16 - Como resulta de fls. 407 e ss, do Apenso B de Procedimento Cautelar de Arresto, em 23-10-2017, o falecido arguido B… foi autor numa acção de Divisão de Coisa Comum nº1577/14.9TBVLG que correu termos no Juízo Local Cível de Valongo – Juiz 1,visando a sua metade indivisa em apartamento/bem imóvel arrestado com descrição nº 3748, artigo matricial 6059; Fracção AC - Freguesia e CRP de …, CRP …, que então titulava em comum com G…, acção que correu termos na pendência dos presentes autos e do arresto decretado;
17 - No âmbito daquela acção, o imóvel foi vendido por negociação particular em 05.07.2017 a H… e I…., pelo valor total declarado de €45.000;
18 - O conhecimento de tal acção decorreu de comunicação oficiosa pelo Juiz titular daquele processo, tendo sido proferido despacho judicial de 27-10-2017 naquele Apenso, por força do qual foi decretado o arresto à ordem destes autos da quantia de €21.571,22 (vinte e um mil quinhentos e setenta e um Euros e vinte e dois cêntimos), relativo a metade do preço da venda que caberia entregar ao arguido, existente em depósito autónomo à ordem daquela acção, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 10º, nºs 1, 2, e 3 da Lei nº5/2002;
19 - No âmbito do processo nº 450/18.5IDPRT que corre termos neste Juízo Central Criminal do Porto – Juíz 8, por acórdão proferido em 06/09/2019, não transitado em julgado, foi o requerido/ arguido C…, condenado pelo cometimento de 1 crime de fraude fiscal qualificado, p. e p. pelos artigos 103º, nº1 e 2 e 3 e 104º, nº2, alíneas a) e b), do RGIT, numa pena de 1(um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sob a condição de pagamento à administração tributária da quantia de 5.000,00€;
20 - No âmbito do processo nº 450/18.5IDPRT que corre termos neste Juízo Central Criminal do Porto – Juíz 8, por acórdão proferido em 06/09/2019, não transitado em julgado, foi a requerida/sociedade arguida D…, S.A, condenada pelo cometimento de 1 crime de fraude fiscal qualificado, p. e p. pelos artigos 103º, nº1 e 2 e 3 e 104º, nº2, alíneas a) e b), 7º, 12º, nº3 e 15º, nº1, do RGIT, numa pena de 580 dias de multa à taxa diária de 40,00€;
21 – Em 09/02/2018, foi registada a constituição da sociedade J…, Lda., com sede no …, ilha da Madeira, com o objecto social de armazenista de ourivesaria, reciclagem de matais preciosos, comércio de metas preciosos e comércio de bens em segunda mão, cuja gerência foi atribuída a K…., casada com o falecido B… e de quem se separou judicialmente de pessoas e bens, por sentença transitada em 30 de Abril de 1992.
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A factualidade assente resulta do teor do Acórdão proferido em 20 de Novembro de 2020, junto aos autos com a refª 419516479, documentos de fls. 9878 a 9947 do Vol. 30 dos autos principais; Apenso GRA- Volume I a III e Anexo O; Anexos bancários:- A1 B…; A2 C…; A3 D…; Procedimento Cautelar Arresto – B e certidões de registo predial, designadamente de fls. 61 e verso; 64 a 65, fls. 148 a 151, 153 a 160; na certidão do processo nº 450/18.5IDPRT, junto aos autos com a refª 28097332, certidão da Conservatória do registo Comercial da sociedade J…. junta através da refª nº 421676706 e certidão de nascimento de B…, das quais se retira a factualidade dada por assente sob o ponto 21, conjugado com o depoimento da testemunha ouvida L…, Inspector Tributário desde 2008 da Direcção de Finanças do …, tendo sido prescindido o depoimento da testemunha M… O depoimento da referida testemunha teve a virtualidade de informar o tribunal de ter conhecimento, por força do exercício das funções que exerce, que a sociedade arguida tem pendentes várias execuções fiscais não tendo património susceptível de ser executado para o que terá contribuído a constituição de uma outra sociedade J…, com sede no arquipélago da Madeira mas com o mesmo objecto social da sociedade arguida, a qual veio a esvaziar a actividade desenvolvida pela sociedade arguida.
Também indicou que os arguidos já foram julgados e condenados pela prática do mesmo ilícito penal declarações que conduziram à junção das certidões do processo judicial, da conservatória do registo comercial e de nascimento do falecido B… a fim de apurar a relação de parentesco entre o mesmo e a sócia gerente da aludida sociedade para aferir das declarações da testemunha em questão a este propósito.
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O arresto de bens no processo penal tem a designação de arresto preventivo e é uma medida de garantia patrimonial que permite a apreensão judicial dos bens do arguido, com vista a garantir o cumprimento de pena de multa, indemnizações cíveis, custas do processo ou de qualquer outra dívida para com o Estado relacionada com o crime. A medida é decretada se houver justificado receio de perda ou dissipação, total ou parcial, do património do arguido que ponha em causa o cumprimento dessas obrigações.
Dispõe o art.228.º do C.P.Penal, sob a epígrafe “arresto preventivo”que:
“1 - Para garantia das quantias referidas no artigo anterior, a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil; se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, fica o requerente dispensado da prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial.
2 - O arresto preventivo referido no número anterior pode ser decretado mesmo em relação a comerciante.
3 - A oposição ao despacho que tiver decretado arresto não possui efeito suspensivo.
4 - Em caso de controvérsia sobre a propriedade dos bens arrestados, pode o juiz remeter a decisão para tribunal civil, mantendo-se entretanto o arresto decretado.
5 - O arresto é revogado a todo o tempo em que o arguido ou o civilmente responsável prestem a caução económica imposta.
6 - Decretado o arresto, é promovido o respectivo registo nos casos e nos termos previstos na legislação registal aplicável, promovendo-se o subsequente cancelamento do mesmo quando sobrevier a extinção da medida.”
Como resulta do texto da norma que se vem de referir, o legislador, remete para o artigo 227º, do C.P.Penal, “caução económica”, o que no caso não se cuida porque tal garantia patrimonial não foi requerida e remete para as normas do C.P.Civil quanto aos fundamentos do decretamento do arresto, remissão que a jurisprudência tem entendido como “genérica” pois o legislador enunciou as excepções que considerou dever fazer em relação ao regime do C.P.Civil, como é o caso da situação a que se refere a parte final do nº 1, do artº 228º, do C.P.Penal, em que se presume que a não prestação da caução, só por si, integra e consubstancia o “…fundado receio de perda da garantia patrimonial…”, ou a situação expressamente prevista nº 2, com a admissibilidade do arresto preventivo em relação ao comerciante. Neste sentido se pronunciou o Ac. T.C. n.º724/2014, de 28/10/2014, referindo que “(…) os requisitos de que depende o decretamento do arresto, também em processo penal por força da remissão consignada no artº 228º, nº 1, do CPP, respeitam tão só à aparência do direito de crédito e ao perigo da dissipação do património (cfr. artº 391º e 392º, do CPC)”.
Os fundamentos do arresto são, pois, os do art.º 391.º, n.º 1 do C.P.Civil, de acordo com o qual “o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.”. E cabe ao requerente alegar e provar factos que tornem provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, nos termos do art. 392º, n.º 1, do C.P.Civil.
O arresto é um procedimento cautelar que visa combater o “periculum in mora”, isto é, o prejuízo decorrente da demora do processo judicial normal e traduz-se numa apreensão judicial de bem tendente à garantia de um crédito. Nessa medida, o decretamento do arresto preventivo depende da probabilidade da existência do crédito e do justo receio de que os bens, que em princípio integram a garantia do credor.
São, assim, requisitos do arresto:
- A probabilidade de existência de um crédito do requerente;
- O justo receio ou perigo de insatisfação desse direito de crédito, ou seja, “periculum in mora”.
No caso vertente, quanto à existência do direito de crédito, atentos os factos alegados pelo Ministério Público, consubstanciados na condenação ínsita no Acórdão proferido, não transitado em julgado, está demonstrada a probabilidade da existência de um crédito por parte do Estado em relação à herança indivisa de B… e demais arguidos, traduzido nas vantagens obtidas pelos mesmos com a prática dos crimes pelos quais foram condenados e ainda pela perda de vantagem obtida de acordo com o disposto no artigo 110º, nº4, do C.Penal.
Assim a questão a decidir centra-se na existência do fundado receio de perda da garantia patrimonial.
Para que se verifique o justo receio de perda da garantia patrimonial é necessário que se alegue e prove factos concretos, objectivos, que demonstrem que o alegado receio é objectivamente fundado. Como defende Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., pág. 465, nota 1, “não basta a alegação de meras convicções, desconfianças, suspeições de carácter subjectivo. É preciso que haja razões objectivas, convincentes, capazes de explicar a pretensão drástica do requerente, que vai subtrair os bens ao poder de livre disposição do seu titular”.
Como decidiu o Ac. da R. de Coimbra de 30/4/2002, proc. nº 1448/02, in www.dgsi.pt, “O justo receio de perda da garantia patrimonial do credor tem que assentar em factos reais, em índices apreensíveis pelo comum das pessoas, que mostrem que o alegado receio é objectivamente fundado. Para que seja decretado o arresto é indispensável que o devedor tenha praticado actos ou assumido atitudes que inculquem a suspeita de que ele pretende subtrair os seus bens à acção dos credores.”. Ou ainda como se lê no Ac.R.Lisboa de 4/11/2009, processo n.º3944/08.8TDLSB-B.L1-5, “(…) para que se verifique o justo receio de perda da garantia patrimonial a que aludem os art. 619º nº 1 do C.Cv. e 406º nº 1 do C.P.C. (actual art.391.º do C.P.Civil) é necessário que se alegue e prove que o devedor já praticou ou se prepara para praticar actos de alienação ou oneração, relativamente ao seu património que, razoavelmente interpretados, inculquem a suspeita de que se prepara para subtrair os seus bens à acção dos credores. Com efeito, embora não seja necessária a certeza de que a perda da garantia se torne efectiva mas apenas que haja um receio justificado de tal perda virá a ocorrer, não basta qualquer receio, sendo necessário, no dizer da própria lei, que o receio seja justificado. Significa isto que o requerente tem de alegar e provar factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, não bastando o receio subjectivo, fundado em simples conjecturas, antes devendo basear-se “...em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva.”(Cfr. Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV vol., 2ª ed., pág. 187). No mesmo sentido, v., entre outros, Ac.R.Lisboa de 8/1/2019, processo n.º 12428/18.5T8LSB.L1-7, Ac.R.Lisboa de 2/4/2019, processo n.º959/11.2IDBGC-B.L1-5, Ac.R.Coimbra de 17/12/2012, processo n.º244/10.7JAAVR-B.C1, Ac.R.Évora de 11/4/2019, processo n.º 562/18.6T9EVRB. E1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
A este propósito, veja-se ainda o Ac. STJ, de 11.01.2001, P.n.º3479/00-23, sumários, 47.°).
“(...) A determinação do justo receio de perda da garantia patrimonial, requisito do arresto deve ser feita com recurso ao critério do bom pai de família, do Homem comum; logo, estamos no domínio da matéria de facto. (...).”
Ainda no Ac. do T. R. do Porto, Pº 93/10.2TBMAI.P1, de 25-11- 2010: “(...) Não são as convicções do credor, nem os seus próprios e meros receios ou as conjecturas que porventura formule, nem os demais juízos subjectivos que sustente, nem a mera recusa de cumprimento da obrigação, nem mesmo os juízos subjectivos do Juiz que têm virtualidade para sustentara existência do justo receio de perda da garantia patrimonial, mas antes a alegação e prova, ainda que indiciária, de factos ou de circunstância, que, de acordo com as regras da experiência, façam antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do provável crédito já constituído. (...)”
Neste tocante, realça-se ainda o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, P° 42404/08.7YIPRT-A.C1, de 13-04-2010: “(...) Atenta a sua natureza provisória e carácter de urgência, a respectiva aplicação basta-se com o Bónus fumus iuris, um juízo perfunctório com base na aparência. Contudo, as providências cautelares são também dominadas pelo princípio da proporcionalidade; desde logo não deverão ser concedidas quando o prejuízo delas resultante exceda consideravelmente o dano que se pretende evitar. (...)”.
Analisando o requerimento de arresto, verifica-se que, no que se reporta ao fundado receio de perda de garantia patrimonial, o Ministério Público alegou:
Quanto ao arguido C… que, “3.2.3 e 3.2.4 –Resultou do julgamento provado que: “Embora formalmente detenha a categoria profissional de escriturário, o arguido presta apoio ao pai na gestão da empresa ‘D… – , S.A.’, que conta com cerca de 10 colaboradores, entre os quais está a mãe e vários familiares e onde trabalha presentemente a tempo parcial, em virtude da diminuição do volume de negócios, segundo referiu. Paralelamente, dedica-se à gestão de outras empresas nas áreas do merchandising, promoção de eventos e produção de vinhos, designadamente a sociedade ‘F…, Unipessoal, Lda.’, com sede em …, ….” e que os rendimentos auferidos pelo arguido do exercício de actividades empresariais, para além do declarado vencimento mensal base de €1.000 (mil Euros), na D…, não são conhecidos e quantificados, pelo que aquele vencimento não se mostra suficiente para, por si só, garantir o pagamento do elevado montante devido a título de vantagens a favor do Estado;”
Quanto à sociedade arguida que:
“3.3.3 - Apurou-se que esta sociedade foi alvo de medida de P.E.R. – Processo Especial de Revitalização, que levou a redução de despesas, que se reflectiu no nível de remunerações dos sócios, o que indica, nos termos do disposto no artº 17º-B do CIRE (Código de Insolvência e Recuperação de Empresas), que a requerida apresenta fragilidade económica e dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações;
(…)
6 - Sobreveio, assim, um forte risco de, após o levantamento do arresto, os representantes do arguido falecido e da sociedade arguida, bem como o arguido C…, a título pessoal e enquanto representante daqueles outros patrimónios, dissiparem com grande facilidade os referidos bens arrestados nos termos do artº 10º da Lei nº5/2002, bem como aqueles sujeitos a medida de apreensão, tanto mais que se tratam de facilmente alienáveis e suscetíveis de fácil ocultação e subtração aos poderes públicos;
7 - Como se verifica dos termos da douta decisão condenatória proferida, ainda não transitada em julgado, foi ordenado o levantamento do arresto, por improcedência do pedido de liquidação para perda alargada quanto a estes três intervenientes – cfr. ponto 8.aa): “Nos termos do disposto no arts. 11º, nº 3, da Lei nº 5/2002, de 11.01, ordena-se o levantamento dos arrestos de bens decretados relativamente aos arguidos B…, C… e D…, S.A, após transito em julgado da decisão absolutória da liquidação/perda alargada, e sem prejuízo do disposto no art. 34º, nº1, als. b) e d), do Regulamento das Custas Processuais.” - e o ponto D) do dispositivo do acórdão;
8 - Subsiste, assim, um forte risco de, após o levantamento do arresto, os representantes do arguido falecido e da sociedade arguida, bem como o arguido C…, a título pessoal e enquanto representante daqueles outros patrimónios, virem a dissipar com grande facilidade os referidos bens arrestados nos termos do artº 10º da Lei nº5/2002, bem como aqueles sujeitos a medida de apreensão acima descritos (em 3.2.2. e 3.3.2.), tanto mais que se tratam de facilmente alienáveis e susceptíveis de fácil ocultação e subtracção aos poderes públicos;
9 - Os bens e quantias arrestados/apreendidos nos autos aos arguidos em causa mostram-se insuficientes para garantir o pagamento das quantias devidas ao Estado, por força da decisão condenatória proferida, ainda que não transitada em julgado;
10 - Da actividade conhecida exercida pelo requerido pessoa singular e sociedade requerida não se vislumbram, na fase actual, a obtenção de rendimentos/lucros em montantes conhecidos e elevados, pelo que não se mostram suficientes para, por si só, garantirem o pagamento dos avultados montantes fixados supra referidos;
11 - Demonstrativo deste risco eminente de perda de garantias são os factos apurados nos presentes autos, mais exactamente no Apenso B de Procedimento Cautelar de Arresto, em 23-10-2017 (cfr. fls. 407 e segs.), relativamente à acção de Divisão de Coisa Comum nº1577/14.9TBVLG que correu termos no Juízo Local Cível de Valongo – Juiz 1, em que foi Autor/requerente o falecido arguido B…;
12 - Ciente da pendência deste processo e do arresto que havia sido decretado, o então arguido B… de imediato gizou tal actividade processual para subtrair da disponibilidade das autoridades judiciais o valor real da sua metade indivisa em apartamento/bem imóvel arrestado com descrição nº 3748, artigo matricial 6059; Fracção AC - Freguesia e CRP de …, CRP …, que então titulava em comum com G…;
13 - Assim, no âmbito daquela acção, o imóvel foi vendido por negociação particular em 05.07.2017 a H… e I…, pelo valor total declarado de €45.000;
14 - Somente na sequência de comunicação oficiosa pelo Juiz titular daquele processo, veio a ser proferido despacho judicial de 27-10-2017 naquele Apenso, por força do qual foi decretado o arresto à ordem destes autos da quantia de €21.571,22 (vinte e um mil quinhentos e setenta e um Euros e vinte e dois cêntimos), relativo a metade do preço da venda que caberia entregar ao arguido, existente em depósito autónomo à ordem aquela acção, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 10º, nºs 1, 2, e 3 da Lei nº5/2002;
15 - Sem o arresto preventivo dos referidos bens móveis e imóveis, numerário, depósito de preço e saldos de contas bancárias acima descritas, há o receio sério de o Estado ficar desprovido de quaisquer garantias que assegurem o efectivo pagamento das quantias fixadas no acórdão a título de vantagens da actividade criminosa provada, nos termos do artigo 110º, nºs 1 a 4, do Código Penal, a que acrescem as previsíveis dívidas de custas nas quais os referidos arguidos se encontram condenados no douto acórdão, ainda não transitado;
(…)”
Ora no caso verificou-se perante um bem apreendido uma tentativa concreta, através da supra referida e identificada acção de divisão de coisa comum, de dissipação de património de subtracção de bens à acção do credor, verifica-se, em concreto, a situação financeira e económica da sociedade arguida, já alvo de um plano especial de recuperação, verifica-se que foi constituída, em 9 de Fevereiro de 2018, uma outra sociedade comercial com o mesmo objecto social da sociedade arguida, cuja sócia e gerente foi casada e separada judicialmente de pessoas e bens do falecido B…, o que aliado à apurada situação económica dos arguidos, à natureza dos bens em causa, saldos bancários, depósito de preço, bens móveis, dos quais peças e moedas em ouro e imóveis (note-se que se não fora a comunicação oficiosa aos de procedimento cautelar de arresto, também parte do valor de um imóvel se dissiparia), ao montante em que os arguidos foram condenados a pagar ao Estado e pela natureza dos crimes em que os arguidos foram condenados nestes autos (crimes de fraude fiscal qualificados, crime de burla tributária, crime de branqueamento) e no processo que corre termos sob o nº 450/15.8 IDPRT, no qual por acórdão, não transitado em julgado, foram condenado pela prática de ilícitos criminais da mesma natureza da dos autos, que claramente induz uma conduta persistente e continuada de ofensa à “Conta do Estado”, alicerçado nas mais elementares regras de senso comum e experiência de vida, as quais devem estar sempre presentes nas decisões a tomar, leva a concluir que o levantamento de tais apreensões (levantamento que teria lugar após o trânsito do acórdão e a salvaguarda das custas judiciais, ao abrigo do disposto no artº 34º, nº1, als. b) e d), do Regulamento das Custas Processuais), teria inerente o grande e irremediável perigo de os arguidos/requeridos rapidamente dissiparem tal património com a consequente inviabilização de satisfação do crédito do Estado. Nessa medida e ponderando o apontado sério risco de dissipação de património, considera-se que as razões invocadas pelo Ministério Público consubstanciam um fundado receio de perda irreversível das garantias do Estado, designadamente de cobrar os tributos em falta como consequência da actividade criminosa dos arguidos, impondo-se acautelar os interesses patrimoniais e punitivos do Estado.
Assim, face ao que tudo aqui se disse, julga-se procedente o pedido de arresto, por se verificarem cumulativamente os requisitos que exige a invocação de factos que revelem:
- A probabilidade da existência do crédito;
- O justo receio da perda da garantia patrimonial.
Pelo que atenta a existência de fumus boni iuri e o periculum in mora, sem audiência prévia dos requeridos, de modo a acautelar que a vantagem da actividade criminosa em que por acórdão, não transitado em julgado, os arguidos já se encontram condenados, assim como as garantias se dissipem, determino o arresto à ordem dos presentes autos, dos bens abaixo identificados, para garantia do pagamento do valor de: 22.772.346,53 (vinte e dois milhões, setecentos e setenta e dois mil trezentos e quarenta e seis euros e cinquenta e três cêntimos) – cfr. C1.2) e de €6.817.996,51 (seis milhões, oitocentos e dezassete mil, novecentos e noventa e seis euros e cinquenta e um cêntimo), quanto à herança indivisa de B…; de €6.817.996,51 (seis milhões, oitocentos e dezassete mil, novecentos e noventa e seis euros e cinquenta e um cêntimo), quanto ao arguido/requerido C… e de €6.817.996,51 (seis milhões, oitocentos e dezassete mil, novecentos e noventa e seis euros e cinquenta e um cêntimo), quanto à sociedade arguida D…, S.A. - ex vi das disposições conjugadas nos art.ºs 228.º do Código de Processo Penal, 110.º do Código Penal e 391.º a 393.º do Código de Processo Civil (CPC).
Bens a arrestar:
- Todos os bens móveis, numerário, depósito de preço e saldos das contas bancárias, supra identificados sob o ponto 3;
- Todos os bens supra identificados sob o ponto 6 e veículo automóvel de marca Porsche de matrícula ..-FC-.., supra identificado sob o ponto 8;
E
Todos os bens supra identificados sob o ponto 10, bem como bem como do montante de €14.500,00 (catorze mil e quinhentos Euros) em numerário apreendido no interior de um cofre (auto de apreensão de fls. 2996 – vol. XI – DUC de fls. 4367 e 4368- vol. XV).
*
b) apreciação do mérito:

Antes de mais, convirá recordar que, conforme jurisprudência pacífica[1], de resto, na melhor interpretação do artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o objeto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente, devendo sublinhar-se também que importa apreciar apenas as questões concretas que resultem das conclusões trazidas à discussão, o que não significa que cada destacada conclusão encerre uma individualizada questão a tratar, tal como sucede no caso vertente.
*
Neste contexto, e em face daquilo que se apreende das conclusões trazidas à discussão pelos recorrentes importa saber se não se encontra verificado o requisito da probabilidade da existência do crédito, nomeadamente por não haver determinação do montante das alegadas dívidas ao Estado relacionadas com o crime e cujo arresto visa garantir.

Vejamos, pois.

Os recorrentes alegam, em suma, que a remissão para o acórdão não pode bastar para que se tenha por demonstrada a probabilidade série de um crédito por parte dos Estado, desde logo porque não se apurou concretamente qual o valor do crédito, nem se apurou em que condições se encontrava presentemente tal crédito, o que depois procurou explicitar ponto por ponto para concluir que a Autoridade Tributária tem ativado, pelo instituto da reversão, novos responsáveis para o pagamento das correções fiscais visadas nos autos principais, sem disso prestar informação no âmbito do arresto, a Autoridade Tributária tem visto as suas liquidações corrigidas por decisões judiciais, sem o admitir no âmbito do pedido de arresto, o Ministério Público não soube distinguir entre a alegada vantagem comercial e alegada vantagem fiscal, que nunca foi calculada nos autos, nem se encontra fixada no arresto, e não elencou qual o valor que pretende garantir, por ser previsivelmente exigível, nem de onde aquele decorre, sendo que apenas quando quantificada a dívida com o Estado relacionada com o crime e o valor atual da mesma pode prosseguir o pedido do Ministério Público para um arresto ser cabalmente apreciado e decidido, uma vez que não pode, nem deve, o arresto ser usado como penalização injustificada aos recorrentes, especialmente quando não fundamentado em critérios objetivos, claros e honestos.
Peticiona, por tudo isso, na procedência do recurso, que a decisão de deferimento seja revogada por falta de requisito determinante para o seu deferimento, nomeadamente, o requisito da probabilidade da existência do crédito, visto que a quantificação do crédito que o arresto visa caucionar não se encontra nem expressa no pedido, nem apurada no despacho de deferimento.

Na resposta, o Ministério Público veio sublinhar, em síntese, que, quanto à invocada falta de requisito legal da probabilidade da existência do crédito do Estado, que constitui em súmula o objeto do recurso, os recorrentes fazem tábua rasa do princípio processual da suficiência do processo penal, pretendendo ser relevante para efeitos do cálculo da vantagem patrimonial ilícita, além do mais, alegadas “correções fiscais” às liquidações em sede de IVA, designadamente levadas a cabo por tribunal arbitral, invocadas em termos genéricos e indiscriminados, sem referência aos factos provados, anotando depois que os mesmos não podem contornar o facto de, por referências aos crimes de fraude fiscal qualificada e de burla tributária, pelos quais se encontram condenados em primeira instância, terem sido em sede de julgamento apurados pelo tribunal coletivo, com base nas evidências documentais e analíticas adquiridas nos autos, da responsabilidade do DCIAP e da Inspeção Tributária em fase de Inquérito, os montantes de vantagem patrimonial provinda dos crimes pelos quais se encontram condenados, ignorando, ou pretendendo que seja ignorado, que não se aplicam ao crime de fraude fiscal qualificada, com recurso a facturas falsas e com reflexo na tributação do IVA, o regime tributário da liquidação de imposto, uma vez que a verificação do crime não depende da liquidação administrativa do imposto, nem esta pode determinar o juízo do julgador nos termos do disposto no artigo 110º do Código Penal, ao abrigo do qual se constituiu o crédito provável do Estado neste processo, procurando depois demonstrar que se encontram inteiramente preenchidos os pressupostos legais do arresto preventivo decretado e, por via disso, concluir que a medida cautelar decretada mostra-se conforme com as normas legais aplicáveis e constitui-se como estritamente necessária à garantia patrimonial do crédito do Estado sobre os arguidos ora recorrentes, nos termos do regime previsto nos artigos 110º, nº 4, do Código Penal, 228º, nº 1, do Código de Processo Penal e 391º, nº 1, do Código de Processo Civil, pelo que entendia ser de manter o decidido.

No exarado parecer, a Ex.ma PGA veio destacar que, quanto ao mérito do recurso, acompanhava a muito bem elaborada resposta do Ministério Público na 1ª instância, nomeadamente porque, como nela se refere “Ora, não podem os recorrentes contornar o facto de, por referências aos crimes de fraude fiscal qualificada e de burla tributária pelos quais vêm condenados em primeira instância, terem sido, nesta sede penal, apurados pelo tribunal coletivo, com base nas evidências documentais e analíticas adquiridas nos autos - da responsabilidade do DCIAP e da Inspeção Tributária em fase de Inquérito - os montantes de vantagem patrimonial provinda daqueles crimes fiscais pelos quais se encontram condenados”, bem como na conclusão 40º “O crédito provável do Estado ora garantido, ao contrário do que concluem erroneamente os recorrentes na sua conclusão, mostra-se claramente expresso e líquido quer no pedido formulado no requerimento inicial do Ministério Público no Apenso K, quer no douto despacho recorrido, não sendo o mesmo nem incerto nem desconhecido dos requeridos”, pelo que sustentava que o recurso não merecia provimento.

Apreciando.

Começando pela letra da lei, como se impõe, pois que, como é sabido, não poderá sustentar-se interpretação que não tenha um mínimo de assento na lei[2], começaremos por recordar que estatui o artigo 228º do Código de Processo Penal, naquilo que ora importa reter, que:

1 - Para garantia das quantias referidas no artigo anterior, a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil; se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, fica o requerente dispensado da prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial.

2 - O arresto preventivo referido no número anterior pode ser decretado mesmo em relação a comerciante.

A interpretação deste normativo pode suscitar algumas dúvidas, desde logo no tocante ao âmbito da remissão operada naquele nº 1 para a lei adjectiva civil, tal como transparece do próprio despacho que admitiu o recurso e que, discordando dos recorrentes, que suscitavam uma tal questão, entendeu que, decorrendo daquele preceito que o arresto preventivo em processo crime obedece aos requisitos próprios do processo civil, e não se extraindo de tal normativo qualquer excepção à aplicação das leis processuais civis, tratar-se-ia de um processo de carácter urgente tal como o define o artigo 363º, nº 1, pelo que o prazo de recurso era o previsto no artigo 638º, nº1, ambos os preceitos do Código de Processo Civil.
Cautelarmente, e ainda que com o pagamento de multa por ter sido ultrapassado o fixado prazo de quinzes dias, os recorrentes respeitaram um tal prazo e daí que não esteja em causa a tempestividade do recurso, sendo certo que, do que se apreende, o referido despacho não foi alvo de uma qualquer impugnação ou reclamação no tocante à parte tributária/multa paga, pelo que trata-se de aspecto que fica arredado desta discussão, importando aqui reter apenas a nossa discórdia por uma razão diversa.
Na verdade, temos para nós que a remissão operada naquele normativo para a lei adjectiva civil abrange apenas os pressupostos substantivos que alicerçam o decretamento do arresto, e nada mais, sendo prova visível disso, para além do próprio texto legal, a previsão que se segue nos pontos seguintes ao sobredito nº 1, quanto aos comerciantes, quanto ao efeito não suspensivo da oposição e quanto à possibilidade de remeter as partes para o tribunal civil no tocante à discussão da propriedade dos bens arrestados, o que significa que, afora a remissão para os supra referidos pressupostos, o legislador, no mais, cuidou de prever o específico regime aqui presente, logo não poderá falar-se aqui de omissão que justificasse o apelo ao processo civil previsto no artigo 4º do Código de Processo Penal, pelo que o presente processo mantém a sua natureza penal[3].
Daqui decorre, pois, que, afora a tal remissão, no mais será inteiramente aplicável apenas o Código de Processo Penal, o que nos remete para a apreciação da seguinte
Questão prévia.

Na verdade, com o recurso interposto, os aqui requeridos vieram juntar vários documentos para demonstrarem a alegada incorrecção existente na determinação dos valores apurados no decretado arresto e de que existem outros meios de cobrança e de garantia do pagamento das dívidas em causa, v.g., reversão e ampliação de arresto.
Sucede, porém, que, e consabido que ficou o regime legal aqui aplicável nos moldes sobreditos, tais documentos, posto que, do que se apreende, não foram efectivamente apreciados em 1ª instância, não poderão ser apreciados nesta instância, pois que a sua admissão implicaria exceder o âmbito do objecto submetido a recurso, à revelia da 1ª instância, que tal ignorava e, por isso, não considerou tais documentos na decisão ora sob censura. Ou seja, e tal como anotado pelo STJ, “…o tribunal superior não pode, em recurso, conhecer de questão nova não conhecida na decisão recorrida, com base em documento junto posteriormente, uma vez que os recursos se destinam exclusivamente ao reexame das questões decididas na decisão recorrida”[4].
Assim sendo, o que temos como pacífico, e sem prejuízo daquela documentação outrora já existente e apreciada na decisão recorrida, não serão atendidos os demais documentos juntos apenas nesta fase, com o inerente prejuízo para a subjacente argumentação.

Adiante.

Apreciando de mérito, adiantar-se-á que não assiste razão alguma aos recorrentes.
Na verdade, e mesmo o que se considerassem os referenciados documentos, os que aqui pretendiam inovadoramente introduzir[5], o certo é que, e tal como sublinhava o Ministério Público na resposta apresentada, no tocante à invocada falta de requisito legal da probabilidade da existência do crédito do Estado, os recorrentes fazem tábua rasa do princípio processual da suficiência do processo penal, pretendendo contrariar o decidido no acórdão proferido, embora ainda não transitado em jugado, e daí a sua valência para alicerçar o decretado arresto, com base em indevidos cálculos, correções fiscais, reversões e existência de outras garantias de pagamento.
Na prática, é isto.
Sucede que o que aqui está em causa é simplesmente a valia, enquanto tal se mantiver, do acórdão proferido que os condenou pela prática de crimes de fraude fiscal qualificada, de burla tributária e de branqueamento, e no seio do qual se apuraram as vantagens ilicitamente obtidas com a prática de tais ilícitos, tudo conforme se mostra devidamente explicitado na decisão aqui recorrida, que nos permitimos subscrever e para cuja leitura, por economia, se remete, destacando-se apenas que ali se refere claramente que “…está demonstrada a probabilidade da existência de um crédito por parte do Estado em relação à herança indivisa de B… e demais arguidos, traduzido nas vantagens obtidas pelos mesmos com a prática dos crimes pelos quais foram condenados e ainda pela perda de vantagem obtida de acordo com o disposto no artigo 110º, nº4, do C.Penal”.
E foi com base nisso, e bem, que, demonstrado que ficou o outro pressuposto do arresto, qual seja, o justo receio da perda da garantia patrimonial, que o tribunal recorrido decretou o arresto preventivo dos bens aqui e apreço nos moldes aqui tidos como renovados, decisão que em nada colide com nenhum dos aspectos que os recorrentes aduziram para tal contrariar, pois que a base da condenação que sustenta o arresto existe, até ver, e, caso venha a transitar em julgado, poderá vir a ser executada, assim salvaguardando os interesses do Estado que aqui se pretendem ver salvaguardados, mas sem comprometer aquilo que poderão ser os interesses e direitos que os ora requeridos tenham ou possam vir ainda a demonstrar, mormente em sede de alteração/redução de valores e de tributos devidos, pois que, e independentemente da total valia “a se” da decisão condenatória criminal aqui em apreço, esta, no pressuposto do seu advindo trânsito em julgado, total ou parcial, pode vir a ser ainda contrariada e/ou ajustada por força de decisões ulteriores que a possam comprometer, designadamente, em sede de valores devidos, o que, obviamente, e caso tal venha a suceder, reduz o seu concomitante impacto executivo, podendo até suceder que surjam situações futuras que inquinem mesmo a sua valia mercê de uma eventual injustiça condenatória que venha a ser validada em sede de recurso extraordinário de revisão (cfr. artigo 449º do Código de Processo Penal).
Mas uma coisa é certa.
Independentemente de o Estado deter, ou não, outras garantias e/ou outros igualmente responsáveis pelas dívidas em questão, o certo é que a sua concreta origem radica em factos ilícitos da estrita responsabilidade dos ora requeridos, pelo que nada invalida o decretado arresto, uma vez que a única ilação que poderá retirar-se é a de que o Estado, pela mesma dívida e/ou responsabilidade, seja criminal, seja tributária ou ambas em simultâneo, não poderá receber ou cobrar coercivamente mais que uma vez, o que significa que cada um dos referenciados processos e/ou mecanismos de cobrança coerciva nunca poderão contrariar uma tal ilação, a qual, cremos linear, é realidade perfeitamente diversa da pretensão do Estado em ver assegurada a cobrança daquilo que entende ser-lhe devido e, na parte aqui em apreço, já confirmado por decisão que aguarda decisão definitiva, independentemente de ver eventualmente reforçada essa mesma garantia em frentes e/ou visados diversos a tudo isto associados.
Naufraga, pois, o recurso interposto, o que implica que os requeridos, suportem as inerentes custas, tendo-se como ajustado fixar a taxa de justiça em quatro UC para cada um (cfr. artigo 524º do Código de Processo Penal, e 8º, nº 9 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais).
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III – DISPOSITIVO:

Nos termos e pelos fundamentos expostos, os juízes desta Relação acordam em negar provimento ao recurso interposto pelos requeridos herança Indivisa de B…, C… e “D…, S.A.” e, por consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos requeridos, fixando em quatro UC a taxa de justiça devida por para cada um.

Notifique.
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Porto, 13/10/2021[6]
Moreira Ramos
Maria Deolinda Dionísio
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[1] Vide, entre outros no mesmo e pacífico sentido, o Ac. do STJ, datado de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt, no qual se sustenta que “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, excetuadas as questões de conhecimento oficioso”.
[2] Ou, nas palavras de Francesco Ferrara, “A interpretação literal é o primeiro estádio da interpretação. Efectivamente, o texto da lei forma o substracto de que deve partir e em que deve repousar o intérprete. Uma vez que a lei está expressa em palavras, o intérprete há-de começar por extrair o significado verbal que delas resulta, segundo a sua natural conexão e as regras gramaticais” - citação da Obra daquele Professor da Universidade de Pisa, intitulada “Interpretação e Aplicação das Leis”, traduzida pelo Professor Manuel de Andrade e inserida na obra deste último denominada “Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis”, 3ª Edição, Arménio Salvado-Editor, Sucessor, Coimbra, 1978, pág. 139.
[3] Neste mesmo sentido, e pronunciando-se especificamente sobre a natureza do processo e os prazos processuais, vide o acórdão do TRL datado de 05/06/2018, Apud anotações ao Código de Processo Penal anotado inserto na base de dados da PGDLisboa, em cujo sumário se lê que “1. Ao arresto preventivo previsto no art. 228.º do CPP, não obstante ser-lhe aplicável o regime substantivo da lei processual civil, aplica-se o regime do processo penal quanto aos prazos processuais, só se justificando o apelo ao CPC nos casos omisso, nos termos do art. 4.º do CPP. 2. O prazo de interposição de recurso no arresto preventivo não corre em férias judiciais, apesar da natureza urgente que o processo de arreto tem no processo civil, pois que não se mostra contemplado no art. 104.º, n.º 2, do CPP. 3.
[4] Citação do ponto IV do sumário Ac. do STJ, datado de 27/10/2010, in http://www.dgsi.pt. Tal jurisprudência tem sido seguida neste TRP, podendo ver-se, a título de exemplo, o Acórdão datado de 26/05/2010, relator Dr. Álvaro Melo, publicado no mesmo site, no qual se sustentou, além do mais, que “III- Ao tribunal de recurso não compete proferir decisões que não tenham sido colocadas ao tribunal recorrido, mas sim analisar as decisões por este proferidas e aferir da sua conformidade com a lei e com as provas a que o tribunal teve acesso
[5] Os quais, tal como se anotava na resposta, seriam mais compatíveis se juntos com a dedução de oposição por parte dos aqui recorrentes, se calhar o mecanismo processualmente adequado para tentar contrariar e alterar o decidido.
[6] Texto composto e revisto pelo relator (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal).