Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
25727/17.4T8PRT.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: INJUNÇÃO
REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO
ERRO DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RP2021090625727/17.4T8PRT.P2
Data do Acordão: 09/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os vícios intrínsecos da formação da sentença, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, do CPC (regime aplicável aos despachos por força do nº3, do artigo 613º de tal diploma legal), são vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não hipotéticos erros de mérito.
II - Das disposições conjugadas dos arts. 14º e 16º do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância resulta que a formação de título executivo, pela aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção, a apresentar nos termos fixados no art. 10º, depende da verificação simultânea de duas condições:
i) a realização da notificação do requerido;
ii) a falta de oposição do mesmo;
III - E exigindo a lei, para o requerimento de injunção, apenas uma sucinta exposição dos factos que fundamentam a pretensão, a alegação dos contratos celebrados e do incumprimento do acordado quanto ao pagamento mostra-se suficiente, bem permitindo a compreensão dos negócios que estão na origem do litígio que levou ao recurso ao meio “injunção” e à, subsequente, ação executiva, fundada em tal injunção a que foi conferida força executiva, por falta de pagamento voluntário.
IV - Não há falta de título executivo nem de causa de pedir quando no requerimento executivo se alega e dá por reproduzido o, junto, requerimento de injunção com aposição de fórmula executória em que alegado vem, como fonte do crédito invocado, um contrato de utilização de cartão de crédito, a data da celebração do mesmo, a identidade dos outorgantes, o crédito gerado com a utilização e o não pagamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 25727/17.4T8PRT.P2
Processo do Juízo de Execução do Porto – Juiz 1

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: António Eleutério

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: B…
Recorrida: C…, Lda

B…, executada nos autos em que é exequente C…, Lda, interpôs recurso do despacho proferido em 5/1/2021, que, em obediência a Acórdão desta Relação, apreciou “o requerimento junto de fls. 19 e ss”, decidindo:
o título dado em execução é uma injunção na qual foi aposta fórmula executória. E, nos termos da al. d) do nº1 do art. 703º do CPC, à execução apenas podem servir de base os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva. A injunção traduz-se precisamente num título executivo extrajudicial ao qual, por disposição legal especial, lhe é conferida força executiva, de acordo com o disposto no DL nº 269/98, de 1. 9.
Assim a exequente, não tinha, por isso, de alegar quaisquer factos que não os constantes do requerimento executivo, inexistindo, consequentemente, qualquer ineptidão do mesmo.
Pelo exposto, soçobra, pois, a alegação efetuada, que assim declaro improcedente.
Custas do incidente a cargo da executada fixando-se em 2 Ucs a taxa de justiça devida.
Notifique”.

apresentando as seguintes
CONCLUSÕES:
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Não foram apresentadas contra alegações.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1º- Se o despacho recorrido padece do vício de nulidade por “falta de fundamentação” e “omissão de pronúncia”;
2º- Do erro de mérito do referido despacho dada a falta de título executivo e a invocada ineptidão.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos provados, com relevância para a decisão, constam já do relatório que antecede, acrescentando-se o seguinte:
1. Foi atribuída força executiva à injunção, que funda a execução em que figura como Requerente “C…” e Requerida B… para pagamento da quantia de € 7.630,03, referente a “contrato de utilização de cartão de crédito”, sendo a “data do contrato” “6/5/2011” e sendo a seguinte a “exposição dos factos que fundamentam a pretensão”: “CONTRATO nº ………………., celebrado entre a requerida e D…, tendo esta cedido o respectivo crédito à requerente através de contrato de cessão de créditos celebrado entre ambas e devidamente comunicado à requerida. O crédito da Requerente sobre a requerido ascende ao total de 7492,33 ao qual acresce o valor da taxa de justiça liquidada pela presente injunção” – doc. de fls 2, cujo teor se dá por reproduzido;
2. Consta do requerimento executivo que o título executivo da ação executiva para pagamento de quantia certa é a injunção, nele se referindo: “Conforme injunção com fórmula executória que se junta e se dá como integralmente reproduzida, foi o ora executado condenado a pagar à ora Exequente a quantia de 7630,03 € acrescidos de juros à taxa legal.
Apesar de instado para o pagamento, o executado nada pagou.
Ao valor reclamado na injunção deverão acrescer os juros vincendos à taxa legal até efetivo e integral pagamento, bem como os juros compulsórios à taxa legal e tudo o mais de direito” – doc. de fls 3, cujo teor se dá por reproduzido.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Da nulidade do despacho por padecer de “falta de fundamentação” e “omissão de pronúncia”, vícios previstos nos art.º 615.º, n.º 1, al. b) e d), aplicável por força do nº3, do art. 613º, do CPC.
Invoca a recorrente a nulidade do despacho, imputando-lhe os vícios constantes das alíneas b) e d), do nº1, do artigo 615.º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos que forem citados sem outra referência, concluindo que o Tribunal a quo se não pronunciou acerca da falta de título e omitiu os fundamentos da decisão.
O nº1, do art.º 615º, que consagra as “Causas de nulidade da sentença”, estabelece que é nula a sentença quando:
“b )Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) …
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…”.
Tal regime é aplicável às demais decisões/despachos por força do nº 3, do art. 613º.
São tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo as nulidades da sentença ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito[1]. São vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando) seja em matéria de facto seja em matéria de direito. São apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.
Para além da falta de assinatura do juiz, suprível oficiosamente em qualquer altura, contam-se, como vícios da sentença, uns que respeitam à sua estrutura e outros que se reportam aos limites da mesma. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)[2].
Sendo frequente a confusão entre a nulidade da decisão e a discordância do resultado obtido, cumpre deixar claro que os vícios da sentença não podem ser confundidos com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa. E, efetivamente, as causas de nulidade da decisão, taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Como tal, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada”.
Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso[3].
Sustenta a apelante que a decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia quanto à falta de título e, ainda, por o tribunal a quo não especificar os fundamentos que justificam a decisão. Analisemos este vício, que respeita à estrutura da sentença.
Estatui o artigo 154.º, no seu n.º 1, que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” e no seu n.º 2 acrescenta que “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”, sendo que o artigo 607.º consagra que o Tribunal deve expor de forma clara o percurso lógico para as conclusões que se extrai.
O dever de fundamentação das decisões judiciais é uma decorrência da lei fundamental (v. art. 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, abreviadamente CRP) e da lei ordinária, que se apresenta a densificá-lo (cfr. arts. 154º, n.º 1 e 615º, n.º 1, al. b)), e impõe ao juiz o dever de especificar os fundamentos de facto e de direito em que alicerça a sua decisão[4]. Tem por fim o convencimento do acerto da decisão, pois que destinando-se a decisão judicial a resolver um conflito de interesses (v. nº1, do art. 3º), esse conflito só logrará efetiva resolução com restauração da paz social se o juiz “passar de convencido a convincente”, o que apenas se conseguirá se aquele, através da fundamentação, convencer “os terceiros da correção da sua decisão”[5]. A fundamentação legitima o poder soberano, constitucionalmente atribuído aos tribunais, para, em nome do povo, administrar a justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos pelos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos públicos e privados (art. 202º, n.º 1, da CRP).
É, ainda, requisito de salvaguarda dos direitos de ação e de defesa das partes, assegurando-lhes o conhecimento da razão ou razões do decaimento das suas pretensões, designadamente, a fim de ajuizarem da viabilidade de utilizarem os meios legalmente previstos para sindicar e impugnar essas decisões. E é, também, requisito para que os tribunais superiores possam controlar as decisões dos tribunais inferiores, pois que as instâncias superiores carecem de conhecer os concretos fundamentos de facto e de direito em que o tribunal que proferiu a decisão, que está a ser sindicada, ancorou a mesma a fim de poderem reapreciar esses fundamentos e ajuizar do bem ou mal fundado da decisão[6]. Por isso, é que em termos de matéria de facto, se impõe ao juiz a obrigação de na sentença discriminar os factos que considera provados e não provados, devendo, de forma clara e especificada, analisar criticamente as provas e expor os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção em relação a cada facto (art. 607º, n.ºs 3, 4 e 5), explicitando desse modo, não só a respetiva decisão como, também, quais os motivos que a determinaram. E em sede de fundamentação da matéria de direito, a lei faz impender sobre o juiz iguais obrigações, impondo-lhe o ónus de, na decisão, identificar as normas e os institutos jurídicos de que se socorreu e a interpretação que deles fez em sede de subsunção jurídica ao caso concreto (n.º 3 daquele art. 607º).
Assim, “ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art. 607-3). Há nulidade (no sentido de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (ac. do STJ de 17.10.90, Roberto Valente, AJ, 12, p. 20: constitui nulidade a falta de discriminação dos factos provados). Não a constitui a mera deficiência de fundamentação (ac. do TRP de 6.1.94, CJ, 1994, I. p 197: a simples indicação do preceito legal aplicável constitui fundamentação suficiente da decisão[7].
Relativamente à falta de fundamentação de facto, diga-se que, integrando a sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto como a fundamentação dessa decisão (art. 607º, nº3 e 4), “deve considerar-se que a nulidade consagrada na alínea b), do nº1 (falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão) apenas se reporta à primeira, sendo à segunda, diversamente, aplicável o regime do art. 662, nºs 2-d e 3, alíneas b) e d) (ac. do TRP de 5.3.15, Aristides Rodrigues de Almeida, www.dgsi.pt.proc.1644/11, e ac. do TRP de 29.6.15, Paula Leal de Carvalho, www.dgsi.pt, proc 839/13)”[8].
Relativamente à falta de fundamentação de direito, que é indispensável para se saber em que se fundou a sentença, não pode “ser feita por simples adesão genérica aos fundamentos invocados pelas partes (art. 154-2; mesmo ac. de 19.1.84); mas é admitida em recurso, quando a questão a decidir é simples e foi já objeto de decisão jurisdicional, a remissão para o precedente acórdão (art. 656 e 663-5 (…). Este vício da sentença tem a falta da causa de pedir como seu correspondente na petição inicial (art. 186-2-a)[9].
Não obstante a essencialidade reconhecida à fundamentação, entende a doutrina e a jurisprudência, só a absoluta falta de fundamentação, isto é, a omissão absoluta de motivação, determina a nulidade da decisão. Tal acontece, designadamente, nos casos de falta de discriminação dos factos provados, ou de genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou de meros conclusivos juízos de direito, e não apenas em situações de mera deficiência da mesma[10], de fundamentação alegadamente insuficiente e, ainda menos, de putativo desacerto da decisão [11].
Deste modo, importa distinguir entre erros de atividade ou de construção da sentença (despacho – cfr. art. 613º, n.º 3), geradores de nulidade a que se reporta aquele art. 615º, n.º 1, dos erros de julgamento, que apenas afetam o valor doutrinal da decisão, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada[12] atacáveis em vias de recurso e não determinativos daquela invalidade.
A deficiente fundamentação, em que apenas se verifica uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou uma deficiente enunciação e interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, não constitui omissão de fundamentação, determinativa de nulidade da sentença mas tão só mero erro de julgamento, atacável e sindicável em via de recurso[13].
E nos casos em que o vício da deficiente fundamentação se coloque ao nível da decisão sobre a matéria de facto, esse vício tem de ser solucionado mediante as regras próprias enunciadas nos n.ºs 1 e 2 do art. 662º do CPC.
Ora, o despacho recorrido fundamentado se encontra, vindo indicadas as razões que levaram à improcedência do requerimento, sendo elas, a existência e validade do título, este a, junta,injunção na qual foi aposta fórmula executória”.
E quanto ao vício consagrado na al. d): omissão de pronúncia, cumpre referir que “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado”[14],uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC)[15].
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia há de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2, do referido artigo 608º, do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. E, na verdade, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras[16] e o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção[17].
O dever imposto no nº2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz[18].
“Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-3) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas (Alberto dos Réis. CPC anotado cit., V. p. 143)”[19], até porque a sentença não é uma “obra doutrinária: o juiz tem de resolver um litígio concreto e não deve perder de vista que o deve fazer com economia processual”[20].
Conclui a apelante pela não pronúncia do Tribunal a quo sobre uma questão de que lhe cabia conhecer e pela consequente nulidade do despacho.
Assim não acontece. O Tribunal a quo pronunciou-se, fundamentadamente, fazendo o enquadramento jurídico da questão – que enquadrou como de existência de título, bem o identificando - a “injunção na qual foi aposta fórmula executória”. Entendido e decidido foi existir, ser válido e eficaz o título oferecido como fundamento da execução e improceder, face a ele e ao afirmado, a exceção da ineptidão. Não foi omitida pronúncia obrigatória, antes a questão foi, fundamentadamente, decidida em sentido contrário ao pretendido pela ora apelante.
De nenhuma omissão de pronúncia ou falta de fundamentação padece, pois, o despacho em causa, que, por válido, é de manter, improcedendo as apontadas nulidades.
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2 – Do erro de mérito: da inexistência de título executivo e da ineptidão do requerimento executivo.
Nenhuma “incorreta interpretação das normas aplicáveis” se verifica dada a existência, validade e eficácia do título oferecido - a injunção a que foi aposta fórmula executória.
Com efeito, como bem fundamenta o Tribunal a quo, “nos termos da al. d) do nº1 do art. 703º do CPC, à execução apenas podem servir de base os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva” e o título executivo, no caso, uma “injunção traduz-se precisamente num título executivo extrajudicial ao qual, por disposição legal especial, lhe é conferida força executiva, de acordo com o disposto no DL nº 269/98, de 1.9”.
E bem deixa claro que o título existe, não se verificando, por isso, a sua falta, e não se verifica ineptidão do requerimento inicial, pois que a exequente, não tinha, pelo supra referido, de “alegar quaisquer factos que não os constantes do requerimento executivo, inexistindo, consequentemente, qualquer ineptidão do mesmo”.
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Toda a execução tem de ter por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (fins esses que, como previsto na lei, podem consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo, quer negativo - v. n.º 5 e 6, do art. 10º).
“O título executivo constitui pressuposto de caráter formal da ação executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui a base da execução, por ele se determinando o tipo de ação e o seu objeto (nº5), assim como a legitimidade ativa e passiva para a ação (art. 53º, nº1).
O objeto da execução tem de corresponder ao objeto da situação jurídica acertada no título (…) É também pelo título que se determina a quantum da prestação”[21].
A ação executiva só pode ser intentada se tiver por base um título executivo (nulla executio sine titulo), o qual, para além de documentar os factos jurídicos que constituem a causa de pedir da pretensão deduzida pelo exequente, confere igualmente o grau de certeza necessário para que sejam aplicadas medidas coercivas contra o executado.[22]
O título executivo realiza duas funções essenciais:
- por um lado, delimita o fim da execução, isto é determina, em função da obrigação que ele encerra, se a acção executiva tem por finalidade o pagamento de quantia certa, a entrega de coisa certa ou a prestação de facto;
- por outro lado, estabelece os limites da execução, ou seja, o credor não pode pedir mais do que aquilo que o título executivo lhe dá[23].
O art. 703º, apresenta uma enumeração taxativa (numerus clausus) dos títulos executivos que podem servir de base a uma ação executiva, sendo que cotejando as diversas alíneas do nº1, se constata que a lei estabelece uma distinção entre títulos executivos judiciais, títulos executivos parajudiciais ou de “formação judicial” e títulos executivos extrajudiciais[24].
Pela execução a exequente visa obter o pagamento coativo do crédito. Estamos, assim, perante de uma ação executiva para pagamento de quantia certa.
E o título executivo que serve de base à presente execução é a injunção, bem resultando a aposição de fórmula executória ao requerimento injuntivo.
Invoca a devedora, no requerimento que apresentou, a falta de título sem qualquer fundamento, pois que ele existe e está no processo, junto ao requerimento executivo.
A falta de título executivo constitui fundamento de oposição à execução por embargos de executado - alínea a), do art. 729º), sendo que os fundamentos dos embargos de executado fundados em título executivo distinto de sentença judicial os que se encontram enunciados no referido artigo e, ainda, todos aqueles que seria lícito deduzir como defesa no âmbito de processo de declaração - cfr. artº 731º do mesmo diploma.
Os embargos de executado, “a oposição à execução, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, toma o carácter duma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia. Quando veicula uma oposição de mérito à execução, visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo (judicial ou não), cujo escopo é obstar ao prosseguimento da acção executiva mediante a eliminação, por via indirecta, da eficácia do título executivo enquanto tal[25].
No caso sequer embargos de executado foram deduzidos, meramente tendo sido apresentado um requerimento na execução a despoletar pronuncia oficiosa.
E bem resulta que o título existe, encontra-se junto, é dado por reproduzido no requerimento executivo, vindo nele indicado o valor em dívida, por aquele titulado e não pago.
Como bem referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa “O procedimento de injunção (cujo modelo foi fixado pela Port. Nº 21/20, de 28/1) é adequado à obtenção de título executivo sempre que, no campo das relações contratuais geradoras de obrigações pecuniárias, o devedor não haja subscrito documento correspondente à previsão das als. b) e c) do nº1 do art. 703º. O seu campo de aplicação é o definido pelo art. 1º do DL nº 269/98, de 1/9, significando que poderá ser utilizado a propósito de relações de índole contratual que tenham por objeto obrigações pecuniárias, quando o valor da dívida não exceda € 15.000,00. (…) o credor de uma quantia em dinheiro, cujo valor não exceda o referido limite, pode optar entre a via declarativa propriamente dita, caso em que deverá instaurar aquela ação especial (cf. o art. 546º, nº2), a qual lhe poderá proporcionar uma sentença condenatória como título executivo, ou o procedimento de injunção com vista a obter o correspondente título executivo.”[26].
Mais acrescentam “resulta das disposições conjugadas dos arts. 14º e 16º do respetivo regime que a formação de título executivo, pela aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção (a apresentar nos termos fixados no art. 10º), depende da verificação simultânea de duas condições: efetivação da notificação do requerido e falta de oposição por parte deste. O procedimento de injunção é rodeado de cautelas adequadas a assegurar o contraditório do requerido, o qual fica habilitado a defender-se em termos similares àqueles de que disporia no caso de o credor ter instaurado a ação declarativa especial. Quando não deduza oposição nesse procedimento, para além de poder vir a ser executado, fica sujeito ao efeito cominatório previsto no art. 14º-A, nº1, com a redação introduzida pela Lei nº 117/19, de 13/9 (disso sendo advertido na própria notificação – art. 13º, nº1, als b) e c), pelo que, vindo a ser depois executado, os embargos que pretenda deduzir estarão limitados, em sede de fundamentos, aos termos definidos no art. 857º, nº2 (alterado pela mesma Lei)”.
O artigo 857.º, com a epígrafe “Fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção” consagra:
“1 – Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.
2 — Verificando-se justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º, podem ainda ser alegados os fundamentos previstos no artigo 731.º; nesse caso, o juiz receberá os embargos, se julgar verificado o impedimento e tempestiva a sua declaração.
3 — Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento:
a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção;
b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso”.
A Lei nº 117/2019 de 13 de setembro, a vigorar a partir de 01 de Janeiro de 2020, alterou o nº 1 deste preceito, sendo a sua anterior redação:
“1 — Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, apenas podem ser alegados os fundamentos de embargos previstos no artigo 729.º, com as devidas adaptações, sem prejuízo do disposto nos números seguintes”.
E é a seguinte a redação do referido artigo 14.º-A, com a epígrafe “Efeito cominatório da falta de dedução da oposição”, do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, introduzido pelo artigo 7º da Lei nº 117/2019, de 13 de setembro:
“1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.
Assim, o supra referido art. 857º, “nº1, na sua anterior redação, apenas permitia àquele que fosse executado com base em requerimento de injunção dotado de fórmula executória erigir como fundamento de embargos os previstos no art. 729º (fundamentos de oposição à execução baseada em sentença), com as devidas adaptações, sem prejuízo das ressalvas contidas nos nºs 2 e 3. Todavia, o Ac. do Trib. Const. Nº 264/2015 declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de tal preceito quando interpretado “no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”, por violação do princípio da proibição da indefesa. Na sequência dessa decisão, deveria considerar-se que, além dos fundamentos de embargos previstos no art. 729º, com as devidas adaptações, poderiam ser alegados quaisquer outros invocáveis como defesa no processo de declaração, aplicando-se, pois, o art. 731º (cf. Rui Pinto, CPC anot., vol. II, p. 746). Em consequência da leitura do preceito imposta pelo Trib. Const., os nºs 2 e 3, que estavam estruturados como exceção ao nº1, perdiam utilidade, pois visam assegurar algo que, deste modo, seria já alcançável por via do sentido a dar àquele nº1”[27].
Mais aí se refere que “Ocorre, no entanto, que aquele aresto do Trib. Const. Não analisou, na sua plenitude, o regime vigente na ordem jurídica portuguesa, passando ao lado do Regulamento (CE) nº 1896/2006, que criou um procedimento europeu de injunção de pagamento. Nos termos do art. 22º, nº3, desse Regulamento, a injunção de pagamento europeia não pode, em caso algum, ser reapreciada quanto ao mérito no Estado-Membro de execução. Daqui deriva que, no Estado-Membro de execução, está precludida a arguição de exceções não alegadas no anterior procedimento europeu de injunção de pagamento. (…) Neste contexto era de questionar a compatibilidade do regime interno português com a exigência da preclusão das exceções não alegadas no procedimento europeu de injunção de pagamento”[28].
Em nota ao referido art. 857.º, bem elucida o Ilustre Senhor Desembargador Dr. Carlos Gil, no Código de Processo Civil divulgado, questões que se suscitam, designadamente, equacionadas pelo Senhor Prof. Miguel Teixeira de Sousa, em torno da declarada inconstitucionalidade[29].
“Da nova redação do nº1, introduzida pela Lei nº 117/19, de 13-9, conjugada com o disposto no art. 14º-A do Anexo ao DL nº 269/98, de 1/9, também aditado pela mesma Lei, além do suprimento das questões de inconstitucionalidade, resultou a clarificação do regime de fundamentos de embargos de executado (remetendo para o disposto no art. 729º), no confronto com a cominação associada à falta de oposição no procedimento de injunção (estabelecendo ressalvas à preclusão decorrentes da revelia fixada no nº1 daquele art. 14º-A). (…) Considerando o disposto nos arts. 11º e 15º da Lei nº 117/19, de 13-9, o regime deste art. 857º, bem assim do art. 14º-A do Anexo ao DL nº 269/98, de 1-9, apenas tem aplicação relativamente a procedimentos de injunção iniciados após 1-1-2020[30].
Revertendo para o caso, cumpre referir que nos autos, foi determinado, já, por Acórdão desta Relação de 26/10/2020, ao juiz do Tribunal a quo, que apreciasse o requerimento deduzido pela executada, pese embora de embargos de executado se não trate, por entender poder o juiz apreciar oficiosamente as questões suscitadas no requerimento em apreciação e, assim sendo, podendo-o, “a reclamante também podia, como efectivamente fez, suscitar a apreciação dessas questões ao Tribunal” – cfr. fls 50 a 53 e, ainda, fls 61 a 63.
Considerou-se naquele Acórdão que:
A recorrente argumenta, em suma, que o tribunal a quo deveria ter-se pronunciado sobre as questões suscitadas uma vez que o poderia fazer oficiosamente ao abrigo do art. 734º nº1 do CPC (que consta nas regras do processo ordinário da execução para pagamento de quantia certa e que prevê que, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, o juiz possa conhecer oficiosamente das questões que poderiam ter determinado o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo).
Emprega-se o processo sumário às execuções baseadas, como é o caso, em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória (art. 550º, nº2 al. b) do CPC).
À execução sumária aplicam-se subsidiariamente as disposições do processo ordinário (art. 551º, nº3 do CPC) o que implica que seja aplicável ao processo de execução sumário a supra citada norma do processo ordinário de execução.
No processo executivo ora em causa, só é atribuída força executiva ao requerimento inicial se o executado não deduzir ab initio oposição (art. 14º nº1 do DL nº 269/98 de 1/9) e o executado ainda pode deduzir oposição à execução por meio de embargos conforme arts 856º e 857º do CPC (inclusive, após 1/1/2020, de forma ampla nos termos da nova redacção dada ao art. 857º, nº1 pelo DL nº 117/2019 de 13/9)”,
e entendeu-se poder o juiz apreciar oficiosamente as questões suscitadas e podendo-o, ser direito da reclamante suscitar a sua apreciação.
No cumprimento do determinado, decidiu o Tribunal a quo, por despacho de 5/1/2021, julgar improcedente o requerido, por considerar existir título executivo – a injunção a que foi aposta formula executória – e inexistir qualquer ineptidão do requerimento executivo, face ao que deste e daquele consta.
Ora, e tendo presente, como acima se referiu, que o recurso é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, não podendo este Tribunal conhecer de questões novas, não alegadas pelas partes e suscitadas perante o Tribunal de 1ª instância, constata-se bem ter o Tribunal a quo decidido, pois que, na verdade, e como resulta dos factos dados como provados, existe título executivo - o requerimento de injunção ao qual foi aposta a formula executória (cfr. fls 2) - e o requerimento executivo não padece de ineptidão, pois que dele (cfr fls 3 e, ainda, fls 2) bem resulta ser o título executivo a referida injunção a que foi aposta a formula executória, dela figurando a, afirmada, quantia exequenda e alegado sendo que a executada nada pagou, estando em dívida a importância reclamada relativa ao “Contrato de utilização de cartão de crédito” celebrado em 6/5/2011, “contrato nº ………………., celebrado entre a requerida e D…, que cedeu o crédito à exequente, por contrato de cessão de créditos celebrado entre ambas e comunicado à requerida.
Assim, bem sabe a executada a que respeita a quantia peticionada – utilização, que fez, do cartão de crédito em causa – estando, embora sucintamente, invocados, suficientemente, especificados e densificados os concretos factos que integram a causa de pedir da pretensão que formulou na injunção apresentada e que foram dados por reproduzidos no requerimento executivo a que aquela se encontra junta.
A explicação, fundamentação, especificação, densificação fáctica para a exigência do capital encontra-se nos alegados factos da vida real, na afirmação da celebração dos contratos em causa e na utilização do cartão a gerar o crédito - o Contrato de utilização de cartão de crédito (contrato nº ……………….), celebrado em 6/5/2011 entre a requerida e D… e o contrato de cessão do crédito à exequente, referente àquela utilização, celebrado entre aquele banco e esta, comunicado à requerida.
Resulta da injunção a alegação de a importância peticionada emergir da “discriminação e pela causa … indicada”.
Refira-se, ainda, que, no requerimento injuntivo, o requerente, utilizando modelo de requerimento aprovado por portaria do Ministro da Justiça, deve, entre outros, expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão, como se refere no art.º 10.º/1 e 2, alíneas d) do anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 1 de setembro e, sendo a causa de pedir o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido e corresponde ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido, só a omissão total de causa de pedir corresponde à falta absoluta de indicação de factos que fundamentam o efeito jurídico pretendido e só esta pode conduzir à ineptidão da petição inicial – art.º 186.º/2, al. a), do C. P. Civil[31].
Apesar de, “Na injunção, sob pena de ineptidão do requerimento injuntivo, por falta de indicação de causa de pedir, o requerente dever invocar os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, pois que a lei ao dispensar a pormenorizada alegação de facto, bastando-se com a alegação sucinta e não articulada dos factos, em termos de brevidade e concisão, não postergou, com tal agilização, os princípios gerais da concretização fáctica, embora sucinta, em termos de integração dos pressupostos da respectiva norma jurídica substantiva” e de “No procedimento para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos [Injunção] e nas acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias [AECOPs] com origem naquele procedimento, em que a pretensão do requerente/autor só pode emergir de uma transacção comercial fundada num contrato ou numa pluralidade de contratos, a narrativa da causa de pedir não pode deixar de conter o conteúdo essencial das declarações negociais e os factos negativos ou positivos consubstanciadores do incumprimento por parte do requerido”[32] [33], certo é que, no caso, a alegação mínima foi observada.
Com efeito, para além de especificados os contratos, designadamente o contrato nº ……………….), celebrado em 6/5/2011 entre a requerida e D…, e as partes outorgantes, foi indicada a importância de crédito utilizado com o cartão em causa cedido à exequente, com comunicação da cessão do crédito à executada/apelante.
Deste modo, exigindo a lei, para o requerimento de injunção, meramente, uma sucinta exposição dos factos que fundamentam a pretensão, a alegação dos contratos celebrados e do incumprimento do acordado quanto ao pagamento do capital mostra-se suficiente, bem permitindo a compreensão dos negócios que estão na origem do litígio que levou ao recurso ao meio “injunção” e à, subsequente, ação executiva, fundada em tal injunção a que foi conferida força executiva, por falta de pagamento voluntário.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
*
III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC -, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.

Porto, 6 de setembro de 2021
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
António Eleutério
______________
[1] Cfr. Ac. do STJ de 1/4/2014, proc. 360/09: Sumários, abril /2014 e Ac. da RE de 3/11/2016, Proc. 1070/13: dgsi.pt
[2] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735
[3] Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in Dgsi.
[4] Ac. RE de 3/11/2016, Proc. 1774/13.4TBLLE.E1.dgsi.net, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed., março/2017, pág. 922
[5] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348.
[6] Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 332.
[7] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 735
[8] Ibidem, pág 736
[9] Ibidem, pág 736
[10] Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol. II, Almedina, pág. 370; Lebre de Freitas, in ob. cit., pág. 332; Abílio Neto, in Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed., Março/2017; pág. 906, e Acs. STJ. de 14/11/2006, Proc.06A1986; de 17/04/2017, Proc. 07B418; R.C. de 16/10/2012, Proc. 127963/11.1YIPRT.C1; RG. de 14/05/2015, Proc. 853/13.2TBGMR.G1, todos in base de dados da DGSI.
[11] V. Ac. STJ de 2/6/2016, Processo 781/11 e António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado vol I, 2ª edição, Almedina pág. 763
[12] Ac. STJ de 5/4/2016, Processo 128/13, Sumários abril/2016, pág 8, Abílio Neto, in Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed., Março/2017; pág. 921
[13] Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
[14] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 737
[15] Neste sentido Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 142 e seg.
[16] Ac. do STJ, de 30/9/2014, Proc. 2868/03: Sumários, Setembro 2014,pag 39
[17] Ac. da Relação de Lisboa de 17/3/2016, Proc. 218/10:dgsi.net
[18] Ac. do STJ, de 20/10/2015, Proc. 372/10: Sumários, 2015, p.555
[19] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 712-713
[20] Ibidem, pág 714
[21] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág 33.
[22] Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, pág 43-44.
[23] Ibidem, pág 48.
[24] Ibidem, pág 52.
[25] Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da Reforma, 4ª Edição, Coimbra Editora, pág. 188
[26] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 28 e seg.
[27] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 287.
[28] Ibidem, pág. 287 e seg
[29] Aí se refere “No sentido da inconstitucionalidade material do preceito, na sua redacção originária veja-se, Um Novo Código de Processo Civil, Vida Económica 2014, Elizabeth Fernandez, página 170 e 171. Propugnando por uma interpretação restritiva do preceito em conformidade com a Constituição da República Portuguesa veja-se, A Ação Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora 2013, José Lebre de Freitas, páginas 354 e 355.
O acórdão do Tribunal Constitucional nº 714/2014, publicado no nº 238, da segunda série do Diário da República, de 10 de Dezembro de 2014, pronunciou-se no sentido da inconstitucionalidade material do primitivo nº 1.
O acórdão nº 264/2015, publicado na primeira série do Diário da República nº 110/2015, de 08 de Junho de 2015, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redacção primitiva, quando interpretada «no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória».
A propósito do acórdão nº 714/2014 do Tribunal Constitucional, o Sr. Professor Teixeira de Sousa escreveu no seu blogue do IPPC o seguinte “post”:
“Inconstitucionalidade dos fundamentos da oposição à execução baseada em injunção
1. O TC 28/10/2010 (714/2014) julgou inconstitucional o art. 857.º, n.º 1, CPC, aprovado pela L 41/2013, de 26/6, quando interpretado no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória. Isto significa que, apesar da diferença entre os preceitos, o TC continua a fazer o mesmo juízo de inconstitucionalidade que fez quanto ao disposto no art. 814.º CPC/61 (cf. TC 9/7/2013 (388/2013)).
2. Antes de fazer uma breve apreciação do acórdão, convém recordar que, na ordem jurídica portuguesa, vigora, além do regime relativo à injunção "interna", o regime respeitante à injunção de pagamento europeia (instituída pelo Reg. 1896/2006)”.
E aí se analisa e expõe dificuldades, perante diversas declaradas inconstitucionalidades e aí se afirma “supõe-se que a conclusão se impõe: se o disposto no art. 857.º, n.º 1, CPC é inconstitucional, então também a preclusão das excepções na execução que decorre do Reg. 1896/2006 é incompatível com a CRP. Pode sempre alegar-se que, dos 27 Estados da União Europeia que são membros do Reg. 1896/2006 (a Dinamarca não participou na aprovação no Reg. 1896/2006), Portugal é o único que avalia correctamente o regime da injunção de pagamento europeia e que descobre nele incompatibilidades com valores constitucionais. Mas talvez seja mais avisado não pensar que somos os únicos a vislumbrar o que outros até agora não foram capazes de descobrir.”.
[30] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 288.
[31] Ac. da RE de 11/5/2017, proc. 18163/16.1YIPRT.E1, in dgsi
[32] Ac. RL de 16/5/2019, proc. 89078/18.6YIPRT-A.L1-6, in dgsi.pt
[33] Cfr., ainda, in dgsi, Ac. RG de 27/6/2019, proc. 30491/18.7YIPRT.G1, onde se sumaria “1. A petição inicial é inepta quando falte a indicação da causa de pedir, consubstanciada nos factos concretos que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito. 2. Embora num requerimento de injunção se tenha de formular a causa de pedir e o pedido num modelo aprovado pelo Ministério da Justiça (nos termos do art. 10º do DL n.º 209/98, de 01.09), o que implica uma necessária concisão, a lei não dispensa que se invoquem os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, para que se compreenda, incluindo o requerido, o negócio que está na origem do litígio” e Acs. RE de 17/1/2016, proc. 60592/14.4YIPRT.E1, onde sumariado se encontra “I, No requerimento de injunção o requerente não está dispensado de indicar, ainda que sinteticamente, os factos integrantes da causa de pedir, com as limitações próprias do impresso-modelo. II. Tendo em conta a forma sucinta de narração dos factos exigível ao requerente do procedimento de injunção, e tendo este identificado o contrato em causa, as obrigações dele decorrentes para as partes, os montantes em dívida, a data dos respectivos vencimentos e o período em questão, entende-se que a causa de pedir está suficientemente especificada no procedimento em causa” e de 14/7/2021, proc. 23680/19.9YIPRT.E1. onde se escreve“1.Resulta do artigo 10.º, n.º 2, alínea d), do regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09, que, não obstante os objectivos de simplificação e celeridade visados por esse regime jurídico, não se dispensou a indicação, ainda que de forma sucinta, da causa de pedir no requerimento de injunção. 2 – Não há falta de indicação da causa de pedir no requerimento de injunção quando, neste, se alega, como fonte do direito de crédito invocado, a celebração de um contrato de fornecimento de bens ou serviços, a data dessa celebração, a identidade dos outorgantes, o preço convencionado e o não pagamento deste último”.