Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2917/16.1JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ELSA PAIXÃO
Descritores: CRIME DE HOMICIDIO QUALIFICADO
MOTIVO TORPE
MOTIVO FÚTIL
ESPERA
TRAIÇÃO
Nº do Documento: RP201803212917/16.1JAPRT.P1
Data do Acordão: 03/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º755, FLS.24-49)
Área Temática: .
Sumário: I – Motivo torpe é aquele que se considera comummente repugnante ou baixo, sendo motivo fútil aquele que não se pode razoavelmente explicar ou justificar, sem qualquer tipo de valor ou em que este se mostre insignificante ou irrelevante.
II – O que identifica o motivo fútil é o que realça a inadequação e faz avultar a desproporcionalidade entre o que impulsionou a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal com que ela se objectivou.
III – Não constitui acto traiçoeiro a espera, se surge na sequência de troca de mensagens e provocações mútuas e não surpreendeu a vítima de tal forma que esta não tivesse possibilidade de se defender, por ter surgido de frente e a agressão haver sido precedida de troca de palavras entre arguido, ofendido e um terceiro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2917/16.1JAPRT.P1
Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 6 – do Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
No Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 6 – do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, no processo comum coletivo nº 2917/16.1JAPRT foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo sido proferida decisão com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, as juízas que constituem este tribunal colectivo deliberam o seguinte:
I.
a) Convolar a conduta do arguido B… de um crime de homicídio qualificado, p.p. pelos arts. 131° e 132°, n.°s 1 e 2, als. e) e j), do Código Penal para um crime de homicídio, p.p. pelo art. 131 do Código Penal, condenando-o na pena, especialmente atenuada, nos termos do disposto nos arts. 4 do Dec. Lei 401/82, de 23.09, e 73 do Código Penal de 6 (seis) anos de prisão efectiva.
b) condenar o arguido B… no pagamento das custas do processo, com taxa de justiça, que se fixa em 3 UCs.
II.
Julgar o pedido de indemnização civil formulado por C… parcialmente procedente e, em consequência:
Absolver a demandada D… do pedido que contra si foi formulado;
Condenar o demandado B…, representado pela sua mãe D…, no pagamento à demandante da quantia de €30.000,00 (trinta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal e actual e até efectivo pagamento, a contar da presente data;
Condenar o demandado nas custas do pedido de indemnização civil.
Nos termos do disposto no art. 213°, n.° 1, al. b), do Código de Processo Penal, procede-se à revisão dos pressupostos da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica a que o arguido se encontra sujeito.
Por se mostrarem inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, não havendo novas notícias de incumprimento, tornando possível a execução desta medida, e não se mostrando ultrapassado o prazo máximo da sua duração, determina-se que o arguido continue a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a tal medida - cfr. art. 18 da Lei 33/2010, de 02.09, 193, 201, 218, n.° 3, e 215 do Código de Processo Penal.
Notifique.
Proceda-se ao depósito do acórdão na secretaria.
Após trânsito,
Remeta boletim ao registo criminal;
Proceda-se à recolha de vestígio biológicos ao arguido, de origem humana, destinado a análise de ADN a efetivar, em duplicado, sempre que possível, por profissionais diferentes, através de método não invasivo, que respeite a dignidade humana e a integridade física e moral individual, designadamente pela colheita de células da mucosa bucal ou outro equivalente, devendo o arguido ser previamente informada nos termos do art.° 10.°, n.° 1, da Lei de Proteção de Dados Pessoais e 9.° da Lei n.° 5/2008, de 12 de Fevereiro, com a entrega do documento constante do anexo III do Regulamento de funcionamento da base de dados de perfis de ADN (cfr. Deliberação n.° 3191/2008, de 15-07-2008 do Instituto Nacional de Medicina Legal, IP in Diário da República, II Série, n.° 234, de 03-12-2008, pág. 48881 e segs.), a fim de o perfil de ADN a obter a partir das amostras recolhidas e os correspondentes dados pessoais ser introduzido na base de dados de perfis de ADN a que alude o art.° 15.°, n.° 1, al. e), da Lei n.° 5/2008, de 12 de Fevereiro (cfr. arts. 8.°, n.° 2, 10.° e 18.°, n.° 3, da referida Lei n.° 5/2008, de 12 de Fevereiro e arts. 7.° e 8.°, do Regulamento de funcionamento da base de dados de perfis de ADN). As amostras recolhidas deverão ser destruídas imediatamente após a obtenção do perfil de ADN (cfr. arts. 34.°, n.° 1, da Lei n.° 5/2008, de 12 de Fevereiro e 13.° do Regulamento de funcionamento da base de dados de perfis de ADN).
O arguido deverá ser advertido que não se pode eximir a ser submetido à dita recolha, sob pena de, caso se recuse a se submeter à dita recolha, ser compelida à mesma pela uso da força física estritamente necessária para o efeito (cfr. arts. 6.°, n.° 1 e 7.°, n.° 2, da Lei n.° 5/2008, de 12 de Fevereiro e 4.° do Regulamento de funcionamento da base de dados de perfis de ADN, que apenas impõem o consentimento livre, informado e escrito no caso das recolhas de amostras em voluntários ou em pessoas para fins de identificação civil, designadamente em parentes de pessoas desaparecidas, o que não é o caso dos autos; 172.°, n.° 1, do C.P.P. ex vi art.° 10.° da Lei n.° 5/2008, de 12 de Fevereiro).
Os custos da recolha deverão ser oportunamente adiantados pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP, entrando em regra de custas (cfr. art.° 8.°, n.° 1, n.° 5 e 6, do dito Regime jurídico das perícias médico-legais e forenses).
- Comunique enviando certidão da decisão condenatória, com nota de trânsito em julgado, e do presente despacho, ao Instituto Nacional de Medicina Legal, IP (cfr. arts. 5.° da Lei n.° 5/2008, de 12 de Fevereiro e 7.° do Regulamento de funcionamento da base de dados de perfis de ADN).
- Comunique, com certidão do acórdão, à DGRS - equipe de vigilância electrónica;
- Abra conclusão a fim de serem emitidos mandados de condução do arguido para cumprimento da pena de prisão aplicada.
***
Inconformado com a decisão, o arguido veio interpor recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
A - A pena concretamente aplicável deverá fixar-se próxima do limite mínimo, 1 ano e sete meses, e por consequência, inferior a 5 anos.
B - Verificados que estão os pressuposto da suspensão da pena de prisão inferior a cinco anos, o tribunal a quo interpretou erradamente o disposto no artigo 50.° do Código Penal, devendo, em consequência o Tribunal de 2a instância, revogar, nesta medida, o douto acórdão.
C - Foram violadas os artigos 50° e 71°do Código Penal.
Nestes termos e nos mais de direito que V.s Ex.as muito doutamente suprirão:
Deve ser, por V.as Ex.as concedido provimento ao presente recurso, com as legais consequências.
Assim se fazendo JUSTIÇA
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Também inconformado com o acórdão, o Ministério Público veio interpor recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1 - O Ministério Público interpõe o presente recurso do douto acórdão em que condenou B… na pena de 6 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio, previsto e punível pelo artigo 131.°, n.°1 do Código Penal e nos termos do disposto no artigo 4.° do Dec. Lei 401/82, de 23/9;
2 - O nosso dissídio para com o decidido nos autos, com todo o alto respeito que nos merece a posição ali vertida, se desdobra em matéria de facto naquilo que contende com a matéria dada como não provada:
- "Contemporaneamente às mensagens referidas nos factos provados, porque o arguido já tinha tomado a decisão de atentar contra a integridade física e mesmo a vida de E…, quase que diariamente, após o jantar, por volta das 20,30 horas, o arguido permanecia por largos minutos, nunca inferior a 10, parado nas escadas da sede da colectividade "F…” ou junto ao estabelecimento comercial de roupa denominado "G…", a partir do qual tinha campo de visão para a entrada da residência de E…, observando e controlando as suas movimentações e rotina. Contudo, por regra, aquele fazia-se acompanhar de amigos, como era o caso de H…, também conhecido pela alcunha de "H1…;
- Ao desferir aquele(s) golpe(s) violento(s) na cabeça de E…, nomeadamente no olho esquerdo, o arguido B… pretendeu tirar a vida ao jovem E… e provocar-lhe a morte, como logrou alcançar.
- O arguido propusera-se dias antes sobre o acontecimento e desde que ficou desavindo com o E… utilizar o mosquetão com acoplagem de chaves com intenção de causar a morte àquele.
- Porém, o arguido apesar de saber tudo isto, e de que o seu comportamento acima descrito era proibido e, nestas circunstâncias, especialmente perverso, mais gravemente censurável e especialmente punível por lei, quis actuar da forma descrita revelando manifesta e completa insensibilidade perante o valor da vida humana, com o objectivo de tirar a vida a E…, como conseguiu.
E naquilo que intercede com a matéria de facto dada como provada:
"Ao actuar do modo descrito o arguido quis com o golpe desferido atingir a zona do rosto de E…, admitindo como possível que ao fazê-lo com a chave colocada na posição em que a colocou pudesse causar lesões determinantes da morte do último.
Apesar de admitir tal possibilidade, o arguido procedeu do modo descrito, conformando-se com a mesma.", tudo isto umbilicalmente ligado ao tratamento da matéria de facto dada como provada no douto acórdão no que envolve o modo como foi apreciado o depoimento do arguido e das testemunhas presenciais; e
3 - E também em matéria de direito, no que intercede com a qualificação jurídica dos factos, naquilo que necessariamente envolve a pugnada alteração da matéria de facto e com isso para a punição do arguido em pena mais severa e, a não prevalecer o por nós pugnado (seja na alteração da matéria de facto seja na qualificação jurídica), também sobre a medida da pena, que consideramos benevolente e não faz jus às necessidades de punição que o caso requer.
4 - Com os fundamentos da nossa impugnação relativamente à matéria de facto dada como provada e matéria dada como não provada exposta no douto acórdão e que consideramos incorrectamente julgada (e prova que, a nosso ver, conjugada com a demais matéria dada como provada, impõe decisão diversa da recorrida), naquilo que sustentamos tratar-se de erro de julgamento, pugnamos que passe a constar dos factos dados como provados:
5 - "Contemporaneamente às mensagens referidas nos factos provados, porque o arguido já tinha tomado a decisão de atentar contra a integridade física e mesmo a vida de E…, quase que diariamente, após o jantar, por volta das 20,30 horas, o arguido permanecia por largos minutos, nunca inferior a 10, parado nas escadas da sede da colectividade "F…” ou junto ao estabelecimento comercial de roupa denominado "G…", a partir do qual tinha campo de visão para a entrada da residência de E…, observando e controlando as suas movimentações e rotina. Contudo, por regra, aquele fazia-se acompanhar de amigos, como era o caso de H…, também conhecido pela alcunha de "H1…"
- Ao desferir aquele golpe violento na cabeça de E…, nomeadamente no olho esquerdo, o arguido B… pretendeu tirar a vida ao jovem E… e provocar-lhe a morte, como logrou alcançar.
- O arguido sabia que o mosquetão com acoplagem de chaves que utilizou e na forma como colocou aquela chave era, pelas suas concretas características, um meio que facilitava a obtenção do resultado morte a que se propusera dias antes sobre o acontecimento e desde que ficou desavindo com o E…;
- Porém, o arguido apesar de saber tudo isto, e de que o seu comportamento acima descrito era proibido e, nestas circunstâncias, especialmente perverso, mais gravemente censurável e especialmente punível por lei, quis actuar da forma descrita revelando manifesta e completa insensibilidade perante o valor da vida humana, com o objectivo de tirar a vida a E…, como conseguiu, e da matéria de facto dada como provada pelo tribunal ser retirado aquele conjunto de factos que estão em contradição com estes (naquilo eu envolve o elemento subjectivo)
5 - O que nos separa do decidido no por nós afirmado erro de julgamento, com todo o respeito que nos merece a opinião contrária, é a consideração que existe prova bastante para impor e por isso sustentar uma convicção segura de que contemporaneamente com as mensagens o arguido, porque já tinha tomado a decisão de agredir a vítima, passou a dirigir-se para as proximidades da habitação daquele e com isso controlar as suas motivações e rotina.
6 - E com a informação que assim recolhera e quando percebeu que naquele dia a vítima não se encontrava acompanhado do H… e apenas da sua namorada, decidiu fazer uma espera naquele local e aí agredi-lo mortalmente usando para isso aquela chave acoplada ao mosquetão com que já andava há vários dias, bem sabendo que ao usá-la nos termos em que o fez iria provocar a morte daquele;
7 - Ou seja, diferentemente do expendido pelo tribunal é nosso modesto entendimento que a prova produzida é apta a afirmar-se que os factos foram praticados com dolo directo e não dolo eventual, para um resultado pretendido, planeado, executado e conseguido.
8 - Por outro lado, e naquilo que também nos separa do decidido, na consideração que as circunstâncias que rodearam aquela espera, a forma concreta em que ocorreu a sua actuação (em plena via pública e na presença de outros) e bem assim é possível afirmar especial censurabilidade e perversidade na actuação do arguido e com isso afirmar-se a qualificativa do crime de homicídio.
9 - Esse erro de julgamento surpreende-se, na nossa perspectiva, ab initio da simples leitura da motivação, onde é possível verificar que muito embora dê como não provado que " Contemporaneamente às mensagens referidas nos _factos provados, porque o arguido já tinha tomado a decisão de atentar contra a integridade física e mesmo a vida de E…, quase que diariamente, após o jantar, por volta das 20,30 horas, o arguido permanecia por largos minutos, nunca inferior a 10, parado nas escadas da sede da colectividade "F…" ou junto ao estabelecimento comercial de roupa denominado "G…", a partir do qual tinha campo de visão para a entrada da residência de E…, observando e controlando as suas movimentações e rotina. Contudo, por regra, aquele fazia-se acompanhar de amigos, como era o caso de H…, também conhecido pela alcunha de "H1…", o certo é que na motivação da matéria de facto o tribunal afirma que que o arguido já tinha bem antes daquele dia 27 de Agosto de 2016 (e naquilo que as mensagens revelavam) decidido agredir o arguido, afirmando que "Pese embora se tenha apurado que o arguido, pelo menos desde há cerca de um mês antes dos factos se deslocava para a colectividade "F…" e para o "G…", estabelecimentos localizados nas proximidades da casa de E… e a partir dos quais tal casa é visível, como o próprio arguido referiu esclarecendo as respectivas localizações com referências às fotografias constantes de fls. 177 a 180".
10. - A despeito de se ter apurado tal matéria o tribunal não a leva aos factos dados como provados, dando inclusive tal factualidade como não provada, quando o certo é que, tal como o próprio arguido explícita e o tribunal disso dá conta a referida a configuração daqueles locais era apta ao arguido controlar os movimentos e rotinas da vítima e tanto assim o era que naquele dia 27 de Agosto de 2016 o arguido conseguiu reunir condições para fazer aquela espera nos termos em que a realizou e surge reflectida nas declarações da testemunha I… que o tribunal sintetiza, indo para aquele local com uma antecedência de mais de 30 minutos;
11. - Ora, para alguém (como o arguido) cuja versão sobre as circunstâncias em que ocorreu aquele encontro e agressão é afastada pelo tribunal, não pode valer para que se afirme apta a dizer que não tinha em vista aquele fim para além de outros (no que envolveria o consumo de estupefaciente), sendo possível afirmar que aquelas deslocações do arguido para aquele local tanto não eram deslocações inocentes pois que lhe permitiu com relativa antecedência saber e escolher o concreto local onde a vítima iria passar como passou e que não estava acompanhada daquele seu amigo.
12. - Por outro lado, tendo o tribunal dando como provado naquilo que foram as circunstâncias em que naquele dia 27 de Agosto de 2016 os factos ocorreram, tudo conflui para que, como o tribunal o afirma, " (...) permitem claramente concluir que o arguido, que se encontrava sozinho na esquina e logo aborda E… e J…, ali estava precisamente à espera daquele, não se tratando por isso de um encontro casual;
13. - E muito embora o tribunal não tenha feito reflectir naqueles factos a forma e concreto local como o arguido fez a espera ao casal, o certo é que estes dois factos conjugados entre si permitem de facto, até da própria motivação explanada pelo tribunal, do evidente erro de julgamento no que envolve aquele primeiro facto dado como não provado, pois que a espera que a testemunha I… refere e que o tribunal sintetiza é ela mesmo a evidência exacta que o arguido por força da permanência naqueles locais nos dias anteriores tomou conhecimento das rotinas e movimentações do arguido e que lhe permitiram com a necessária segurança fazer aquela concreta espera num tempo e local por si escolhidos e não fruto de um qualquer acaso.
14. - Por isso, se impunha, como se impõe, que seja dado como provado que:
"Contemporaneamente às mensagens referidas nos factos provados, porque o arguido já tinha tomado a decisão de atentar contra a integridade física e mesmo a vida de E…, quase que diariamente, após o jantar, por volta das 20,30 horas, o arguido permanecia por largos minutos, nunca inferior a 10, parado nas escadas da sede da colectividade "F…" ou junto ao estabelecimento comercial de roupa denominado "G…", a partir do qual tinha campo de visão para a entrada da residência de E…, observando e controlando as suas movimentações e rotina. Contudo, por regra, aquele fazia-se acompanhar de amigos, como era o caso de H…, também conhecido pela alcunha de "H1…"._
15. - Este erro de julgamento, da própria leitura da motivação da matéria de facto plasmada no acórdão agora em crise, estende-se ainda àquilo que foi a interpretação dos elementos objectivos para afirmar o elemento subjectivo, na consideração que o arguido actuou com dolo eventual e não dolo directo.
16 - Com efeito, para quem, como o tribunal explica:- que "(...)se socorreu de uma chave com cerca de 7,5 cm de comprimento total, tendo a parte destinada a introduzir-se na fechadura a forma cilíndrica e 5 cm de comprimento, sendo esta parte recortada e estreitada na ponta(...); - "que pretendia atingir E… com o uso de um instrumento com características perfurantes para provocar lesões não só ao nível do hábito externo, mas também interno". - "que antes da agressão se munira do objecto em causa, colocando os dedos mindinho e anelar da mão direita no interior do mosquetão a que a chave supra identificada se encontrava acoplada e esta entre os dedos, com a parte cilíndrica e pontiaguda para fora, desferiu com esta mão fechada e nessas condições um soco que atingiu a zona ocular esquerda da vítima; - que "se pode concluir que a intenção do arguido foi a de atingir a vítima na zona da cabeça e em concreto, ao assim desferir o soco, no rosto"; - que "a cabeça, como é comumente sabido, é uma zona do corpo humano onde se encontram localizados órgãos importantes, como o globo ocular, o aparelho auditivo, a cavidade nasal, a cavidade bucal, o cérbero e o cerebelo e que estão protegidos pela meninge e pela caixa craniana"; - que "se pode concluir igualmente que o arguido, munido da chave nas circunstâncias descritas, ao desferir o soco na direcção do rosto da vítima, não podia deixar de admitir que com a sua actuação pudesse atingir qualquer zona, designadamente o globo ocular - permeável à perfuração e com acesso a zonas vitais como é o cérebro, como se disse já - e, assim, que, designadamente por esse modo, pudesse causar lesões determinantes da morte daquele."; - que "o arguido bem sabia da capacidade lesiva de um instrumento usado nos termos em que usou a chave - demonstrou-o ao aludir à suspeição que alegou de que a vítima o poderia agredir colocando o isqueiro entre os dedos da mão para potenciar a agressão, sendo certo que o arguido escolheu precisamente entre as duas chaves acopladas, a que tinha as características de objecto perfurante."; que "o nível de conflitualidade e agressividade entre os dois jovens, potenciado pelas provocações insertas nas mensagens de fls. 513 e ss. e principalmente nos comentários no perfil do facebook de fls. 512 dois dias antes dos factos";e que "Estes elementos dão-nos também a conhecer a propensão com que o arguido já se encontrava para, quando encontrasse a vítima, designadamente com a testemunha J…, mostrar por qualquer forma toda a sua superioridade relativamente àquela, independentemente das consequências.", permite afirmar sem rebuços e, diversamente da conclusão tirada pelo tribunal, que "E é neste contexto que, sabendo da potencialidade do instrumento que decidiu usar, um meio que facilitava a obtenção do resultado morte a que se propusera realizar desde que ficou desavindo com o E…. Porém, o arguido apesar de saber tudo isto, e de que o seu comportamento acima descrito era proibido, e naquelas circunstâncias especialmente perverso, mais gravemente censurável e especialmente punível por lei, quis actuar da forma descrita revelando manifesta e completa insensibilidade perante o valor da vítima humana, com o objectivo de tirar a vida a E…, como conseguiu";
17. - Aliás é manifestamente contraditório afirmar-se "a propensão com que o arguido já se encontrava para, quando encontrasse a vítima, designadamente com a testemunha J…, mostrar por qualquer forma toda a sua superioridade relativamente àquela, independentemente das consequências" para, com a verificação da consequência morte, se concluir que tenha apenas admitido como possível o resultado morte.
18. - Tendo presente a forma o arguido ilustrou o funcionamento da utilização de um mero isqueiro como objecto de agressão, o facto de ter escolhido aquela concreta chave e não a outra que a acompanhava no chaveiro (de dimensões bem menores como ilustram as fotografias mencionadas na fundamentação), as características daquela concreta chave acoplada ao mosquetão, a forma como aquela chave foi colocada pelo arguido, o facto da agressão ter consistido num único, singelo e certeiro golpe, golpe esse dirigido para a zona da cabeça, e que logo depois de o ter desferido foge e se desfaz do instrumento que usa na agressão (mesmo sabendo que se tratava da chave da própria casa) tudo, impõe a conclusão, diversa da do tribunal, que o arguido agiu daquele modo e utilizou aquele instrumento com o objectivo de tirar a vida ao E… como conseguiu.
19. - Aquele instrumento que o arguido usou e o tribunal dá como provado foi em tudo idêntico ao uso de uma chave de fendas com a mesma dimensão, ou um estilete, na evidência de que instrumento com aquelas características e usado com a força e potência que o arguido utilizou, dirigido à zona da cabeça, do pescoço e até do torax é apto a afirmar-se como arma mortal, pois que é instrumento apto a penetrar 5 centímetros no interior do corpo e com isso a atingir qualquer órgão vital.
20. - Por isso, daquilo que consideramos ser um erro de julgamento que se extrai das próprias contradições entre a fundamentação e a matéria de facto, aquele conjunto de prova na linha do raciocínio seguido pelo tribunal a quo afirma-se bastante para afirmar uma convicção segura que, contemporaneamente com as mensagens e particularmente nos últimos quinze dias que antecederam aquele dia 27 de Agosto de 2016 o arguido tomou a decisão de atentar contra a integridade física e vida da vítima e para esse efeito controlou naquele período as movimentações e rotina da vítima sendo que, por força do conhecimento obtido dessas deslocações, no dia 27 de Agosto de 2016, aproveitando o facto de aquele se encontrar desacompanhado do amigo H…, lhe fez aquela espera e usando aquele instrumento com um único golpe quis atingir mortalmente a vítima impedindo qualquer tipo de reacção.
21. - Por isso se impunha, como se impõe, que o tribunal desse como provado que:
Ao desferir aquele golpe violento no olho esquerdo do E…, o arguido B… pretendeu tirar a vida ao jovem E… e provocar-lhe a morte, como logrou alcançar.
O arguido sabia que o mosquetão com acoplagem de chaves que utilizou e na forma como colocou aquela chave era, pelas suas concretas características, um meio que facilitava a obtenção do resultado morte a que se propusera dias antes sobre o acontecimento e desde que ficou desavindo com o E…;
Porém, o arguido apesar de saber tudo isto, e de que o seu comportamento acima descrito era proibido e, nestas circunstâncias, especialmente perverso, mais gravemente censurável e especialmente punível por lei, quis actuar da forma descrita revelando manifesta e completa insensibilidade perante o valor da vida humana, com o objectivo de tirar a vida a E…, como conseguiu".
22. - E se desde logo da leitura da motivação é possível sustentar o invocado erro de julgamento com relação à apontada matéria de facto dada como provada e não provada, mais se torna o mesmo patente quando se percorre os diversos elementos de prova produzidos em julgamento e que o tribunal considerou para a afirmação da sua convicção.
23. - Naquilo que flui das declarações do arguido, no que constituiu a sempre e sistemática negação na forma como utilizou aquele instrumento ou ainda no relato que fez sobre as circunstâncias que tinham estado no encontro entre ambos, mas sobretudo da testemunha I… que descreveu em que circunstâncias de modo, tempo e lugar percepcionou a presença do arguido em posição de espera e depois a forma como este abordou o casal e agrediu a vítima e ainda da testemunha K…, que momentos antes do fatídico evento vira seja o arguido naquele local que permitia visão para a saída da
casa da vítima, seja a própria vítima que se havia deslocado a um estabelecimento de café já na companhia da namorada e antes de realizar o percurso naquela artéria onde o arguido decidiu fazer aquela espera;
24. - Com relação às declarações prestadas pelo arguido, contidas no ficheiro de gravação 20171025095359_14943606_2871450, importa atentar especificamente ao afirmado pelo mesmo ao minuto 12,35 e seguintes, ao min 14, ao minuto 15,45, ao minuto 19 e seguintes, pois que muito embora negue que as deslocações para aquele local se destinavam a fazer vigilâncias e tenha referido que não o conhecia como amigo (apenas virtual), consegue dizer onde se situa especificamente a cada do E… - 19:40 a 20:05 e depois a propósito da expressão contida nas mensagens "tu moras em … não …" explica que referiu isso "porque estava em … mas a maior parte dos amigos eram de … e trazia os amigos de …. para a zona para ver se me viam" - 20:35
25. - Ou seja, acaba o arguido por revelar que a própria vítima tinha conhecimento daquelas deslocações do arguido para as proximidades da sua casa e por causa dessas vigilâncias pedira aos amigos para virem para ali para ver se viam o arguido, e ainda no que de manifesto ainda se recolhe do minuto 24 e seguintes onde é o próprio arguido que admite que se deslocou para aqueles locais próximos da cada da vítima precisamente no período que corresponde à troca das aludidas mensagens, que daqueles locais conseguia ver a casa do E… "a cerca de 25 metros" e que naquelas circunstâncias já o tinha visto acompanhado "pelo melhor amigo H…";
26. - Depois ao minuto 1h13min e seguintes muito embora refira que não era sua intenção aquele tipo de agressão o certo é que naquilo que de negação ao modo como utilizou aquele chaveiro e chave - cfr. minuto 38:40 e seguintes - e ainda a forma como descreve o encontro com o E… e a namorada é por demais demonstrativo a falta de sustentabilidade da versão do arguido perante tudo aquilo que constitui o depoimento da testemunha I… e aquilo que são as conclusões do laudo pericial - cfr. ainda min. 46 e seguintes;
27. - Por outro lado, não se tendo provado que o casal tivesse trocado qualquer tipo de objecto entre ambos, cfr. ainda o depoimento de J… cujo depoimento consta do ficheiro 20171025150841_14943606_2871450 - e designadamente do teor gravado aos minutos 5, 7:45 e 11:50 e seguintes, ao min. 16,50, claudica a argumentação do arguido relativamente ao que o tinha determinado a munir-se daquele mosquetão e desferir aquele golpe;
28. - A forma pronta e ágil como o arguido usou aquele instrumento e apontou aquela concreta chave (que não a outra) tudo empresta sentido à afirmação que a sua utilização era já prevista pelo arguido, pois que de outro modo, e tal como o próprio admite sobre o que seria espectável num encontro físico entre ambos se trataria de uma simples luta;
29. - E naquilo que envolve o depoimento da testemunha I…, cujo depoimento está contido no ficheiro 20171025160536_14943606_2871450, acompanhando na íntegra as considerações tecidas pelo tribunal a propósito da sua credibilidade e da veracidade do por si relatado, importa no entanto fazer menção ao afirmado pela mesma depois do minuto 8:30 onde esclarece o local e forma como o arguido ali fez a espera e depois a forma como se dirigiu ao casal e agride o E…, extraindo-se da expressão ouvida por aquela testemunha logo se percebe do que movia o arguido seja naquela troca de mensagens, seja nas deslocações para a proximidade da casa do E…, seja no interesse do arguido de se encontrar e confrontar o E… e com isso afastá-lo da "competição".
30. - A propósito das declarações do arguido e porque não se afastam muito daquelas que antes já havia produzido em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido perante Juiz de Instrução Criminal, (cuja leitura foi realizada pela MM.a Juiz Presidente), fazemos ainda notar os trechos constantes da transcrição constante dos autos, designadamente nas páginas 5, 9, 21, 36, 37, 27 a 29, 34 no que se explicita na nossa motivação de recurso;
31. - Por isso, perante aquilo que é o conjunto desta prova, o conjunto da diversa prova documental, o teor do relatório pericial, o que referiram aquelas duas testemunhas e aquilo que o próprio arguido admitiu de crescendo no desentendimento com o E… tudo empresta conteúdo, significado, sentido e coerência ao conjunto daquilo que acima explanamos no sentido de ser dada como provada aquela factualidade dada como não provada e com isso afastar-se aquela outra dada como provada.
32. - Perante este conjunto de prova é nosso entendimento que o tribunal a quo errou no julgamento ao dar como não provados aqueles factos relativamente aos quais intercede a mesma razão de ser para afirmar a sua positividade que aqueles outros não admitidos pelo arguido e dados como provados.
33. - Tais elementos feitos reflectir na fundamentação pelo tribunal a par ainda do acima exposto naquilo que é o conjunto de factos conhecidos e dados como provados, tudo contribui para que a par da demais prova produzida que foi considerada como relevante, devidamente conjugada e analisada, confira suporte adequado para que aquela matéria de facto dada como não provada passe a ser considerada como provada.
34. - E não se diga que aquilo que constitui a nossa censura relativamente ao decidido envolve e colide com o princípio da livre convicção da entidade julgadora e com isso a imiscuir na livre convicção do julgador, pois que, nunca sendo nossa pretensão substituir a convicção daqueles a quem compete a decisão, no significado atribuído a tal princípio impõe-se que a apreciação da prova nunca se desvincule da prova efectivamente produzida, que a analise e pondere devida e criticamente, que apele às regras de experiência e, depois, decida de acordo com a sua livre convicção.

35. - Não se verifica naquele conjunto de prova a existência de um qualquer elemento que possa ou pudesse ter criado ao tribunal o estado de dúvida para valorar a favor do arguido relativamente ao sentido que atribui às deslocações para aquele local, mas sim que permitiram ao arguido reunir-se da necessária informação para determinar o modo, lugar e momento para abordar o E… e agredi-lo na forma que o veio a realizar.
36. - Por isso no concatenar de tais elementos acima referidos, é possível afirmar que o "arguido ao actuar da forma que o fez e sabendo que o seu comportamento era proibido, era naquelas circunstâncias especialmente perverso, mais gravemente censurável e especialmente punível por lei" e "quis actuar da forma descrita revelando manifesta e completa insensibilidade perante o valor da vítima humana, com o objectivo de tirar a vida a E…, como conseguiu".
37. - Face ao que acima se expendeu, a hipótese acusatória relativamente àqueles concretos factos surge assim confirmada por aquelas provas designadamente do que o próprio arguido acabou por admitir, o que aquelas testemunhas revelaram e na inverosimilhança com que se apresenta o afirmado pelo arguido seja nas idas para aqueles locais, a forma como se encontrou com o E… e a namorada e o uso daquele instrumento agressão, e naquilo que surge corroborado pela demais prova testemunhal e pericial e bem assim aos contornos de credibilidade que o tribunal lhe reconhece e que necessariamente implica a verdade desses elementos probatórios;
38. - Pelo que deve ser alterada a decisão da matéria de facto passando a dar-se como provado aqueles factos da matéria de facto dada como não provada passem para os factos provados passando a integrar os factos dados como provados a par da restante matéria e dali ser retirada aquela outra que se encontra em contradição com esta.
39. - E assim deve a matéria de facto dada como provada ser alterada passando a constar:
"(…)
Contemporaneamente às mensagens referidas nos factos provados, porque o arguido já tinha tomado a decisão de atentar contra a integridade física e mesmo a vida de E…, quase que diariamente, após o jantar, por volta das 20,30 horas, o arguido permanecia por largos minutos, nunca inferior a 10, parado nas escadas da sede da colectividade "F…" ou junto ao estabelecimento comercial de roupa denominado "G…", a partir do qual tinha campo de visão para a entrada da residência de E…, observando e controlando as suas movimentações e rotina. Contudo, por regra, aquele fazia-se acompanhar de amigos, como era o caso de H…, também conhecido pela alcunha de "H1…".
Nessa sequência no dia 27 de Agosto de 2016, entre as 20.30 horas e as 21.30 horas, o arguido dirigiu-se apeado à rua …, em …, Gondomar, onde aguardou que E… saísse do interior da sua residência, sita na rua …, n.° …, …, em ….
O arguido trazia consigo um mosquetão em alumínio, com cerca de 6 cm de comprimento, o qual tinha acopladas, através de uma argola, duas chaves da residência.
Uma das chaves tinha cerca de 7,5 cm de comprimento total, tendo a parte destinada à inserção na fechadura da porta cerca de 5 cm de comprimento.
A parte da chave destinada à inserção na fechadura tinha a forma cilíndrica, era recortada e estreitada na ponta.
Por volta das 22.00 horas, E… saiu do interior da sua residência, acompanhado pela sua namorada J…, com o propósito de se dirigirem apeados à estação de … do Metro do Porto.
Quando se encontravam próximo ao número de polícia …, da Rua …, em …, foram surpreendidos pelo arguido que ali os esperava há já algum tempo e que lhes surgiu na sua frente trazendo na mão o mosquetão e as chaves.
Perante a abordagem do arguido, de imediato E… solicitou ao àquele que não fizesse nada à frente da namorada J… e, por sua vez, esta também se lhe dirigiu, pedindo-lhe que não fizesse mal ao seu namorado, tentando-o, assim, demover dos seus propósitos.
Nessa altura, o arguido, irado, empurrou J… que se colocara entre os dois.
O arguido, que se encontrava munido do mosquetão supra identificado, introduziu os dedos mindinho e anelar da mão direita no interior do mesmo e a chave supra identificada entre os dedos, deixando saída para fora, a parte cilíndrica e mais estreita.
Com o mosquetão e as chaves nessa posição e a mão fechada, o arguido desferiu um murro, que atingiu o E… no olho esquerdo, perfurando com a parte cilíndrica da chave a zona palpebral sob a sobrancelha, alcançando a base do crânio.
Acto contínuo, E… caiu no solo, em paralelos, sangrando abundantemente da boca e do olho esquerdo.
Seguidamente, ao ver E… no solo o arguido abandonou o local, em passo acelerado, tendo lançado para uma área em vegetação adjacente àquela artéria o mosquetão e chaves.
(...)
Como consequência directa e necessária de tais lesões traumáticas crâniomeningo-encefálicas atrás descritas adveio a morte de E…, beneficiário do serviço nacional de saúde com o n.° ……….
Ao desferir aquele golpe violento na cabeça de E…, nomeadamente no olho esquerdo, o arguido B… pretendeu tirar a vida ao jovem E… e provocar-lhe a morte, como logrou alcançar.
O arguido sabia que o mosquetão com acoplagem de chaves que utilizou e na forma como colocou aquela chave era, pelas suas concretas características, um meio que facilitava a obtenção do resultado morte a que se propusera dias antes sobre o acontecimento e desde que ficou desavindo com o E…;
Porém, o arguido apesar de saber tudo isto, e de que o seu comportamento acima descrito era proibido e, nestas circunstâncias, especialmente perverso, mais gravemente censurável e especialmente punível por lei, quis actuar da forma descrita revelando manifesta e completa insensibilidade perante o valor da vida humana, com o objectivo de tirar a vida a E…, como conseguiu"(...)

40 - Ao ter decidido da forma que o fez o douto acórdão violou, para além dos preceitos incriminadores acima mencionados, o disposto nos artigos 125.°, 127.°, 128.° e 163.°, todos do Código de Processo Penal.
41. - Perante a pugnada alteração de factos cremos que estão de facto reunidos os elementos objectivos e subjectivos e os elementos de culpa para afirmar que o arguido cometeu o imputado crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 131.° e 132.°, n.°s 1 e 2, alíneas e) e j) do Código Penal, pois que agiu por motivo fútil, frieza de ânimo e com reflexão sobre os meios empregados e persistindo nessa intenção de matar por mais de 24 horas e na afirmação do dolo directo.
42. - Mas se por hipótese não prevalecer a nossa posição sobre a pugnada alteração de facto, sempre afirmamos que a matéria de facto dada tal como foi dada como provada pelo tribunal a quo é a bastante para afirmar que estão igualmente verificados os elementos do tipo para afirmar que o arguido cometeu o imputado crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 131.° e 132.°, n.°s 1 e 2, alíneas e) e j) do Código Penal, naquilo que intercede com motivo fútil e frieza de ânimo.
43. - Com efeito, se acima sustentamos que o tribunal a quo errou no julgamento daquela matéria de facto, é nosso entendimento que o explicitado pelo tribunal e a linha de raciocínio que seguida pelo tribunal, naquilo que de inconfessada foi a espera que o arguido realizou naquele local (em plena via pública) e tempo, na presença da namorada daquele e aquele modo de actuação furtivo no uso daquele instrumento e que impediu qualquer esboço de defesa por parte da vítima, tudo apto a afirmar que as circunstâncias de modo tempo e lugar que antecederam, rodearam e veio a acontecer aquela agressão são tradutoras de um "especialmente perverso, mais gravemente censurável e especialmente punível por lei" como imputado na acusação e com isso a afirmação que o arguido cometeu um crime de homicídio qualificado.
44. - Por isso discordamos da afirmação realizada pelo tribunal a tal propósito que, consideramos traduzir uma visão redutora da globalidade da actuação do arguido e onde nos contornos verificados e que o que a matéria de facto espelha é que a respectiva causa revelam uma especial censurabilidade e perversidade na exacta medida em que constitui "motivo claramente desproporcionado, inadequado face à génese do crime e ao modo de execução, que torna este incompreensível para a generalidade das pessoas, que não pode razoavelmente explicar (e muito menos justificar) o crime, revelando o facto, inteiramente desproporcionado, repudiado pelo homem médio, profunda insensibilidade e inconsideração pela vida humana, insensibilidade moral traduzida na brutal malvadez do agente".
45. - Especial censurabilidade e perversidade que são também reveladas na forma em que o arguido realizou aquela espera por longos minutos, a forma desabrida como o faz em plena via pública e completamente indiferente à presença da própria namorada da vítima, escolhe e usa de modo furtivo aquele instrumento com um único golpe e impossibilitando qualquer gesto de defesa por parte da vítima.
46. - Tudo um conjunto de elementos para afirmar a especial censurabilidade e perversidade que permite a subsunção dos factos à qualificativa do crime de homicídio prevista no n.°2, alíneas e) e j) do artigo 132.° do Código Penal.
47. - A vingar a pugnada alteração de factos e/ou a pugnada alteração da qualificação jurídica dos factos, considerando a moldura penal para o crime em causa (homicídio qualificado) e beneficiando da atenuação especial atribuída pelo Regime para Jovens Delinquentes, tendo presente o tribunal a quo referiu como factores a atender para a medida da pena e ainda na consideração que o arguido cometeu um crime de homicídio qualificado, que não confessou os factos designadamente na parte que envolveu a espera e a forma como usou aquele objecto com que agrediu o E…, efectuando a pertinente ponderação da utilidade do adquirido quadro-fáctico pelos critérios de individualização das penas previstos nos normativos 40.°, n.° 1 e 71.°, n.° 1, do Código Penal, entendemos que para a prossecução daqueles objectivos, repressivos e preventivos, e proporcionais ao desvalor comportamental, respectivo nexo de imputação (dolo directo) e culpa pessoal, as necessidades de punição que o caso requer só ficarão plenamente satisfeitas com a aplicação ao arguido de uma pena de prisão entre os 11 (onze) e os 12 (doze) anos de prisão;
48. - Para a hipótese de ser mantida inalterada a qualificação jurídica dos factos realizada pelo tribunal a quo, é nosso entendimento que a pena deveria ser fixada bem mais próximo do último terço da moldura que compete ao crime e onde a pena concretamente aplicada não dá plena satisfação às necessidades de punição que o caso requer.
49. - Perante o conjunto de elementos considerados pelo tribunal e todos eles a constituírem ingredientes que agravam as necessidades de punição e com isso a fazer subir na graduação da moldura abstracta do crime, o certo é que o tribunal não fez repercutir o facto do arguido ter realizado os factos em plena via pública e na presença da namorada da vítima (a despeito dos apelos desta);
50. - Por outro lado, muito embora o tribunal refira que "o arguido não tem demonstrado capacidade crítica sobre os factos e não se tem mostrado ainda capaz de adequar a sua conduta às regras impostas pela comunidade" não retirou qualquer consequência do facto do mesmo não ter confessado os factos, mantendo sempre uma postura de negação perante a forma como esperou e depois veio a agredir mortalmente o E….
51. - Tudo elementos que traduzem e reflectem um grau de culpa elevadíssimo e onde os factores favoráveis se reconduzem à falta de ausência de antecedentes criminais e à inserção social e familiar e a sua jovem idade.
52. - Por isso aquele conjunto de factores elencados pelo tribunal a par daqueles que acima referimos determinam necessariamente um maior afastamento do limite mínimo e uma clara maior aproximação ao último terço da moldura para dar plena satisfação às necessidades de punição que o caso requer, razão pela qual consideramos que a pena aplicada se afirma benevolente e não dá satisfação àquelas necessidades, apresentando-se injustificadamente tão próxima do meio da moldura.
53. - Perante a moldura do crime explicitada pelo tribunal, na nossa perspectiva, as necessidades de punição que o caso requer só ficariam plenamente satisfeitas com a aplicação de uma pena de prisão situada entre os 8 (oito) anos e os 9 (nove) de prisão.
54. - Ao ter decidido da forma que o fez ao aplicar aquela pena de seis anos o tribunal violou o disposto no artigo 40.° e 71.° do Código Penal.

Deve assim ser julgado procedente o presente recurso e nestes termos devem aqueles factos acima elencados serem dados como provados e desconsiderados aqueles outros considerados pelo tribunal como provados e que estão em contradição com estes (com referência ao elemento subjectivo).
E na verificação do cometimento pelo arguido de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 131.° e 132.°, n.°s 1 e 2, alíneas e) e j) do Código Penal ser aplicada ao arguido uma pena de prisão entre os 11 (onze) e os 12 (doze) anos.
Para a hipótese de vir a manter-se intocada a qualificação jurídica levada a cabo pelo tribunal a quo seja aplicada ao arguido uma pena entre os 8 (oito) e os 9 (nove) anos de prisão.
Assim farão Vossas Excelências Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, como sempre, JUSTIÇA
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Os recursos foram admitidos (cfr. despachos de fls. 1159).
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O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido, defendendo que “Deve o recurso ser rejeitado nos termos previstos no artigo 417.°, n.°6, alínea b) e 420.°, n.°1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal, tal a evidente falta de fundamentação ou, assim se não entendendo e naquilo que constitui o por nós pugnado no recurso já interposto deverá ser julgado improcedente”. Formulou as seguintes conclusões:
1. – B… foi condenado nos presentes autos na pena de 6 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio, previsto e punível pelo artigo 131.°, n.°1 do Código Penal e nos termos do disposto no artigo 4.° do Dec. Lei 401/82, de 23/9;
2. - O recurso interposto pelo arguido não deve merecer provimento e com todo o respeito que nos merece a opinião contrária, estarão reunidos os pressupostos para que sobre o recurso recaia decisão sumária determinando a sua rejeição, nos termos previstos no artigo 417.°, n.°6, alínea b) e 420.°, n.°1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal, tal a evidente falta de fundamentação;
3. - Na verdade, colocando o recorrente unicamente em crise a medida da pena de prisão (pedindo a sua diminuição para uma pena inferior a 5 anos e com isso suspensa na sua execução), verifica-se que o recorrente não invoca qualquer facto ou argumento onde se possa extrair a violação de qualquer dos critérios a atender para a medida da pena, invocando apenas generalidades ou o teor de normativo (cfr. fls. 1128 e verso).
4. - Assim se não entendendo, não invocando o recorrente argumentos que não tivessem sido ponderados naquilo que constitui o conjunto de motivação expendida pelo tribunal no acórdão proferido e que ali surgem escalpelizados, se existe crítica relativamente a tal matéria é da benevolência na pena aplicada como por nós surge sustentado no recurso interposto nos autos, pelo que não assiste qualquer razão ao recorrente naquilo que invoca.
5 - Até naquilo que por nós foi peticionado no recurso já interposto, sem conceder ou conceber, e para a hipótese (académica na nossa perspectiva) de ser fixada ao arguido uma pena igual ou inferior a 5 anos de prisão, face aos factos dados como provados o afastamento de qualquer pena de substituição resulta inequívoca e sustentada numa argumentação perfeitamente balizada naquilo que é o conjunto de factos em apreciação e a personalidade manifestada pelo arguido no crime em causa e na postura manifestada em julgamento e mesmo em sede de motivação de recurso;
6 - Perante a matéria de facto dada como provada, a personalidade manifestada na prática dos factos, no julgamento e em sede de recurso, não é possível formular qualquer juízo de prognose favorável relativamente ao arguido a despeito da sua jovem idade que a mera suspensão da execução da pena de prisão, realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição que o caso requer, impondo-se a necessidade do cumprimento efectivo da pena de prisão, para corresponder a exigências mínimas de tutela dos bens jurídicos e de confiança da comunidade na validade e vigência das normas jurídicas atingidas.
***
A assistente C… respondeu a ambos os recursos.
Em resposta ao recurso interposto pelo arguido defende que não lhe assiste razão, atento às razões aduzidas no recurso interposto pelo Ministério Público, concluindo que não deverá tal recurso merecer provimento.
Em resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público, a assistente manifesta a concordância na íntegra com a motivação do recurso apresentado, pelas razões de facto e de direito aí aduzidas. E conclui que deve o recurso interposto pelo Ministério Público ser julgado procedente, nos termos peticionados.
***
Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso interposto pelo arguido não merece provimento e o recurso do Ministério Público merece provimento parcial, pelas seguintes e sucintas razões:
“a) Pelo teor da motivação e conclusões do recurso, afigura-se-me que a impugnação da matéria de facto deve proceder, exceto quanto à modalidade de dolo direto pretendida. Com efeito, do que consta dos autos, mormente as mensagens escritas trocadas entre arguido e vítima, e considerando os depoimentos relevantes para apuramento das circunstâncias contemporâneas e anteriores à concretização da agressão, o modo como esta se concretizou, num só golpe e com um instrumento pouco convencional, pese embora o seu inegável potencial ofensivo e porventura até mais insidioso do que as tradicionais armas brancas, pelo inesperado e surpreendente efeito sobre a vítima, que assim vê diminuídas as suas possibilidades de defesa, tudo aponta no sentido de o arguido ter agido intencionalmente dirigido à ofensa da integridade física do E… e não com dolo direto de morte, ainda que desde sempre tenha equacionado esta como resultado possível da sua ação e com ele se tenha conformado, não se abstendo de consumar o seu plano de afirmação de superioridade relativamente àquele;
b) Dessa procedência, mesmo que expurgada da intenção diretamente dirigida ao resultado morte, é dizer, mantendo-se a imputação do homicídio a título de dolo eventual, resultarão dissipadas quaisquer dúvidas sobre a atuação preparada, ponderada e persistente do arguido durante cerca de 1 mês com vista à concretização daquele objetivo de afirmação da sua superioridade, nos termos e pelas razões expendidas na motivação e conclusões do recurso do MP, assim se podendo afirmar, sem hesitações, o preenchimento das circunstâncias qualificativas do crime, previstas nos n.°s 1 e 2, als. e) e j), do artigo 132° do CP;
c) Qualificativas que, ao contrário do afirmado no acórdão recorrido, não são incompatíveis com a modalidade de dolo eventual, como maioritariamente vem reconhecendo a doutrina e a jurisprudência dos nossos mais altos tribunais, orientação maioritária e quase unânime de que poucos divergem, precisamente a autora, L…, e o acórdão do STJ, de 23.11.2006, nele citados.
Todavia, em favor da tese contrária, ou seja, a de que nenhuma incompatibilidade existe entre aquela modalidade de dolo e a qualificação do crime ao abrigo do artigo 132° do CP, pronuncia-se a restante doutrina e jurisprudência consultadas, designadamente os autores e acórdão do STJ também citados no aresto sob escrutínio e todos os demais mencionados em anotação ao mesmo artigo por Maia Gonçalves, no seu "Código Penal - anotado e comentado - legislação complementar", 16a edição, Almedina, 2004 Coimbra, por Leal - Henriques e Simas Santos, a pp. 88 a 90 do seu "Código Penal Anotado, parte especial, 2o volume", 3" edição, 2000, Editora Rei dos Livros, e por Paulo Pinto de Albuquerque, no seu "Comentário do Código Penal - à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem", anotação 28°, Universidade Católica Editora, 2008;
Qualificativas que, como salienta o magistrado recorrente, se mostrarão preenchidas mesmo em caso de total improcedência da sua impugnação da matéria de facto e que, portanto, permitirão e deverão conduzir à condenação do arguido pela prática do crime de homicídio qualificado de que vinha acusado, com os inevitáveis efeitos aumentativos da pena de prisão aplicada, que, nessa hipótese ou mesmo sem essa qualificação, deverá ser substituída por outra que se aproxime da medida indicada na motivação e conclusões do recurso do MP para cada uma dessas eventualidades”.
***
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, tendo sido apresentada resposta pela assistente na qual “vem dar por reproduzida a resposta aos recursos apresentados, quer pelo M.P, quer pelo arguido. Devendo em consequência ser dado como procedente o recurso apresentado pelo M.P.”.
***
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
***
II – FUNDAMENTAÇÃO
Passemos agora ao conhecimento das questões alegadas nos recursos interpostos da decisão final proferida pelo tribunal coletivo.
Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida.
Segue-se a enumeração dos factos provados e não provados e respetiva motivação (transcrição):
Fundamentação de facto.
Factos provados.
Desde data não concretamente apurada, que o arguido, também conhecido pela alcunha de "B2…", nascido a 01-12-1999, e E…, também conhecido pela alcunha de "E1…", nascido a 28-09-2001, são conhecidos entre si por residirem ambos na freguesia de …, em Gondomar, mantendo, inclusive, amizade mútua na rede social facebook onde o arguido era utilizador do perfil de facebook https://www.facebook.com/B1..., com o nome de utilizador "B2…".
E… tinha uma relação de namoro com J… desde pelo menos Fevereiro de 2016, que em 21 de Junho se encontrava terminada, o que era do conhecimento do arguido, que por aquela tinha sentimentos de afecto.
No dia 21 de Julho de 2016, na sequência de um post de uma fotografia de meio corpo de J…, no seu perfil de facebook, o arguido colocou o seguinte comentário: "APAIXONEI D ".
Cerca de 14 minutos após ter visionado tal comentário, pelas 8.08 horas, e desagradado com tal comentário, E… manifestou via chat Messenger (mensagem privadas) da rede social Facebook ao arguido o seu descontentamento, o que originou que os mesmos se desentendessem um com o outro, dirigindo ameaças de agressão mútuas.
Assim, na sequência de tal publicação, logo no dia 21-07-2016, o arguido e E… mantiveram conversa privada na rede social facebook, tendo digitado ambos as seguintes mensagens:
E…: nabo
Arguido: nabo?
E…: sim
Arguido: na andavas com ela
E…: es gd porco filho
Arguido: que queres o ton anda sozinho e parto-te a boca
Ela se pos isso e pk não gsta de ti ahaha
E…: tas td cego filho, nem namorava c ela Arguido: e eu sei onde moras eu vou te derreter boiola
Ent n fales tp
E…: anda kkk
Arguido: so falas aqui e so te mandas pk tens amigo e vê lá se não tens e de mudar de casa pk tu moras é em … não é em …
E…: e ent filho, mudar de casa pq ?! oh filho vai dormir. Arguido: mas dps falamos cara a car
E…: tass bem ent kkkkk Arguido: dps não chores pra os teus amigos pk n te adianta
E…: Achas filho dps falamos
No dia 19-08-2016, pelas 2.32h, o arguido manteve, através do programa Messenger da rede social facebook, conversa privada com E…, tendo trocado as seguintes mensagens:
Arguido: o filho da puta anda ter cmg
E…: nem em casa tou otario do crl, onde eq tu estás ? Arguido: tou com a tua mãe
E…: quem te dera filho
Arguido: Quero ver se me chamas otario na cara mas e quando tiveres sozinho não e acompanhado o borrado Tua mae disse para te dizr que tens grandes cornos,
E…: não te preocupes meu menino
Es mm tone rpz, qdo te apanhar vou te calcar a cabeça
Arguido: eu não nem tinha motivos para isso Vais vais Ahahha tenho pena ate
Mas vais levar cahaco para aprenderes
E…: tens pena ?! eu n vou ter pena de ti filho
Quero ver isso filho , vais levar tanto chapo nessa cara Arguido: E bom que não tenhas mas so e bom para ti
Sonhas muito o borrado
Agora nem que esteja a tua mae ao lado
E…: dps falamos tone Arguido: Levas na mm
E…: meu menino , me cago , agr quando te apanhar seja onde for ,
vou te arrebentar a cabeça Arguido: Ate logo
E…: Te logo
No dia 27 de Agosto de 2016, entre as 20.30 horas e as 21.30 horas, o arguido dirigiu-se apeado à rua …., em …, Gondomar, onde aguardou que
E… saísse do interior da sua residência, sita na rua …, n.° …, …, em ….
O arguido trazia consigo um mosquetão em alumínio, com cerca de 6 cm de comprimento, o qual tinha acopladas, através de uma argola, duas chaves da residência.
Uma das chaves tinha cerca de 7,5 cm de comprimento total, tendo a parte destinada à inserção na fechadura da porta cerca de 5 cm de comprimento.
A parte da chave destinada à inserção na fechadura tinha a forma cilíndrica, era recortada e estreitada na ponta.
Por volta das 22.00 horas, E… saiu do interior da sua residência, acompanhado pela sua namorada J…, com o propósito de se dirigirem apeados à estação de … do Metro do Porto.
Quando se encontravam próximo ao número de polícia …, da Rua …, em …, foram surpreendidos pelo arguido que lhes surgiu na sua frente trazendo na mão o mosquetão e as chaves.
Perante a abordagem do arguido, de imediato E… solicitou ao àquele que não fizesse nada à frente da namorada J… e, por sua vez, esta também se lhe dirigiu, pedindo-lhe que não fizesse mal ao seu namorado, tentando-o, assim, demover dos seus propósitos.
Nessa altura, o arguido, irado, empurrou J… que se colocara entre os dois.
O arguido, que se encontrava munido do mosquetão supra identificado, introduziu os dedos mindinho e anelar da mão direita no interior do mesmo e a chave supra identificada entre os dedos, deixando saída para fora, a parte cilíndrica e mais estreita.
Com o mosquetão e as chaves nessa posição e a mão fechada, o arguido desferiu um murro, que atingiu o E… no olho esquerdo, perfurando com a parte cilíndrica da chave a zona palpebral sob a sobrancelha, alcançando a base do crânio.
Acto contínuo, E… caiu no solo, em paralelos, sangrando abundantemente da boca e do olho esquerdo.
Seguidamente, ao ver E… no solo o arguido abandonou o local, em passo acelerado, tendo lançado para uma área em vegetação adjacente àquela artéria o mosquetão e chaves.
E… foi assistido no local pelo I.N.E.M., depois de J… ter pedido ajuda aos transeuntes, e foi transportado à Urgência do Hospital M…, onde deu entrada pelas 22.52 horas, tendo sido internado no Serviço de Medicina Intensiva Pediátrica vindo a falecer no dia 29 de Agosto de 2016, pelas 21,37 horas.
Foi, assim, E… atingido pelo arguido na órbita esquerda e regiões faciais adjacentes de que lhe resultaram as seguintes lesões crânio, meníngeas e encefálicas:
"AO NÍVEL DO HÁBITO EXTERNO:
CABEÇA: Numa localização mais medial, um conjunto de escoriações superficiais, de dimensões milimétricas e fundo avermelhado, agrupadas numa área total com 1 cm por 0,7 cm de maiores dimensões; lateralmente a este conjunto, uma solução de continuidade aproximadamente linear, disposta verticalmente, com bordos irregulares e coalescentes e fundo infiltrado de sangue, medindo 1,2 cm de comprimento, esta localizada na linha de inserção capilar; posteriormente a esta solução de continuidade, observou-se outra solução de continuidade ovalada, com 0,8 cm de diâmetro, com infiltração sanguínea do fundo e dos bordos, os quais são lisos; lateralmente às lesões descritas observaram-se ainda duas escoriações superficiais, de dimensões milimétricas e fundo avermelhado.
Presença de solução de continuidade, de forma ovalada, bordos regulares e infiltrados de sangue, interessando a região frontal à direita da linha média, com 0,2 cm de diâmetro, compatível com atitude terapêutica (colocação cateter de medicação da pressão intra-craniana).
Dois adesivos transparentes colocados em cruz sobre a pálpebra superior do olho esquerdo de modo a encerrar a fenda palpebral do mesmo. Após a remoção dos mesmos observaram-se as seguintes lesões: equimose roxa, com áreas de coloração mais intensa e outras mais ténues, que se estende ao longo do bordo inferior da pálpebra superior, desde o canto interno ao externo, com 4 cm de comprimento, sendo que na sua metade mais medial se prolonga superiormente, terminando imediatamente abaixo da sobrancelha correspondente, apresentando 4 cm de largura nesta localização e 0,5 cm de largura na sua restante extensão; esta equimose descrita prolonga-se ainda, ao nível do canto interno do olho, para a porção mais medial da pálpebra inferior, onde apresenta 0,5 cm por 0,3 cm de maiores dimensões; edema da pálpebra superior; a circundar estas equimoses descritas observou-se um halo equimótico amarelado, que se estende desde a sobrancelha à região zigomática e desde o canto interno ao externo do olho; na porção súpero-lateral da pálpebra superior, imediatamente inferior à sobrancelha, observou-se ainda uma solução de continuidade de bordos irregulares e infiltrados de sangue e com fundo hemático, com uma parte superior de formato ligeiramente oval e uma parte inferior mais linear e horizontal, medindo na totalidade 1 cm por 0,5 cm de maiores dimensões; inferiormente a esta solução de continuidade, observou-se outra solução de continuidade aproximadamente linear, disposta horizontalmente e paralela ao bordo inferior da pálpebra superior, distando 0,5 cm deste, com 0,7 cm de comprimento e fundo ligeiramente hemorrágico. Esta última solução de continuidade dista 1,1cm da anterior.
Área com pontuado hemorrágico localizada na mucosa labial da metade direita do lábio superior, junto à comissura labial correspondente, ocupando uma área total com 1cm por 0,7 cm de maiores dimensões.
Mobilidade anormal dos ossos próprios do nariz, com crepitação óssea associada.
MEMBRO SUPERIOR DIREITO: Sinal de picada na fossa cubital, com ligeira infiltração sanguínea associada. Sinal de picada no terço inferior do bordo lateral do antebraço, com infiltração sanguínea associada. Conjunto de escoriações punctiformes, com vestígios hemáticos secos circundantes, a ocupar uma área com 2cm por 1 cm de maiores dimensões localizada na região tenar da mão.
MEMBRO SUPERIOR ESQUERDO: Ligadura dobrada sobre si e fixada na fossa cubital com adesivos transparentes. Após a remoção da ligadura, observaram-se quatro sinais de picada, com infiltração sanguínea associada e equimose avermelhada circundante, bem como escoriação linear superficial com crosta sanguínea em formação, medindo 2,5 cm de comprimento. Três equimoses avermelhadas ténues localizadas no terço médio da face ântero-lateral do antebraço, uma mais lateral com 3 cm por 2cm de maiores dimensões e duas mais mediais, medindo a superior 2 cm por 1,5 cm e a inferior 1 cm por 0,5 cm de maiores dimensões. Quatro sinais de picada, com infiltração sanguínea associada e equimose arroxeada ténue circundante, estando este conjunto localizado no terço inferior da face anterior do antebraço, medindo 3,5 cm por 3 cm de maiores dimensões. Sinais de picada, com infiltração sanguínea associada, localizados na face anterior do punho, na sua região mais lateral. Sinal de picada, com infiltração sanguínea associada, localizada no dorso da mão, ao nível do carpo.
MEMBRO INFERIOR ESQUERDO: Escoriação superficial do tipo abrasivo, com crosta sanguínea desidratada, localizada no terço inferior da face lateral da perna, com 1,5 cm por 0,5 cm de maiores dimensões.
Ao nível do HÁBITO INTERNO:
CABEÇA - Partes moles: Infiltração sanguínea da face interna do couro cabeludo e da aponevrose epicraniana respectivos às regiões fronto-temporo-esfenoidal esquerdas. Infiltração sanguínea da face interna do couro cabeludo e da aponevrose epicraniana respectivos à região frontal direita, na localização correspondente à das lesões observadas e descritas no capítulo "Exame do hábito externo", incluindo a solução de continuidade, de forma ovalada, com 0,2 cm de diâmetro, compatível com atitude terapêutica (colocação de cateter de medição da pressão intra-craniana). Das restantes, apenas a solução de continuidade localizada imediatamente inferior à sobrancelha esquerda apresenta continuidade na face interna do couro cabeludo. Infiltração sanguínea da aponevrose do músculo temporal esquerdo.
OSSOS DA CABEÇA - BASE: Fractura esquirolosa com fragmentos ósseos dispersos, que revela um orifício irregular de dimensões menores na tábua externa que na interna (bisel interno) situado na metade esquerda do andar anterior, atingindo o tecto da órbita; a fractura esquirolosa estende-se medialmente até à metade esquerda da lâmina crivosa do osso etmóide e apresenta infiltração sanguínea dos topos ósseos, sendo visível a exteriorização de tecido encefálico através da mesma para a órbita esquerda. Infiltração sanguínea da sela turca e da porção petrosa de ambos os ossos temporais.
MENINGES: Presença de solução de continuidade, de forma ovalada, localizada na dura-máter correspondente à metade direita do osso frontal, com 0,2 cm de diâmetro, compatível com atitude terapêutica (colocação de cateter de medição da pressão intra-craniana). Presença de hematoma subdural agudo na convexidade do hemisfério cerebral direito, na convexidade do lobo frontal esquerdo e na base de ambos os hemisférios no que diz respeito aos lobos frontais. Presença de coágulos sanguíneos ligeiramente aderentes à túnica íntima, estratificados, no interior de todos os seios venosos da dura-máter. Presença de hemorragia subaracnoideia generalizada, mais acentuada na cisura de Sylvius esquerda.
ENCÉFALO: Circunvoluções cerebrais muito aplanadas e sulcos menos profundos em relação com acentuado edema encefálico. Tecido encefálico muito amolecido, com perda de substância na base do lobo frontal esquerdo com 4cm de diâmetro, rodeada por infiltração sanguínea e associada a focos de contusão, em relação com fractura da base craniana descrita previamente. Hérnia uncal bilateral. Ao corte, observado hematoma extenso, de localização na substância branca de ambos os lobos frontais e parietais, área de infiltração sanguínea nos núcleos da base do hemisfério cerebral direito, no septo pelúcido e na hipófise. Hemorragia tetraventricular, encontrando-se os ventrículos laterais mais alargados, com presença de maior quantidade de sangue à direita. Não foi possível identificar o polígono de Willis devido às lesões traumáticas existentes. Artérias vertebrais e artéria basilar íntegros, sem ateromatose. Tronco cerebral com áreas hemorrágicas milimétricas, mais acentuadas na sua metade posterior. Peso: 1760 g.
OSSOS DA FACE: Mobilidade anormal dos ossos próprios do nariz, com crepitação óssea associada, sinais compatíveis com fractura a esse nível. Cavidades orbitárias e globos oculares: Fractura do tecto da cavidade orbitária esquerda (ver "Ossos da Cabeça-Base)."
Como consequência directa e necessária de tais lesões traumáticas crâniomeningo-encefálicas atrás descritas adveio a morte de E…, beneficiário do serviço nacional de saúde com o n.° ………..
Ao actuar do modo descrito o arguido quis com o golpe desferido atingir a zona do rosto de E…, admitindo como possível que ao fazê-lo com a chave colocada na posição em que a colocou pudesse causar lesões determinantes da morte do último.
Apesar de admitir tal possibilidade, o arguido procedeu do modo descrito, conformando-se com a mesma.
E… era saudável, brincalhão e com alegria de viver.
Praticavam juntos actos da vida corrente.
E… era o único filho da demandante e entre ambos existiam forte laços de afectividade e cumplicidade.
E… era dócil e carinhoso.
A demandante ficou destroçada com a noticia da morte de E…, tendo-se tornado numa pessoa triste, amarga e apática.
A demandante entrou em depressão, sendo medicada com ansiolíticos. B… nasceu em … mas por volta dos seus 8 anos de idade foi residir para o continente português - cidade do Porto, na qual permaneceu durante cerca de 9 anos.
Coabitou então com a progenitora, D…, actualmente com 40 anos, ajudante de cozinha, com o companheiro desta, N…, 41 anos, distribuidor de panificação, actualmente desempregado e com doença oncológica e com um irmão uterino, X… fruto do actual relacionamento da progenitora, de 11 anos, estudante.
Em maio de 2016, também integrava o agregado um outro irmão uterino de B…, O… (fruto de uma primeira relação de namoro da progenitora), actualmente com 23 anos, desempregado e a namorada deste, J…, de 19 anos, os quais se encontravam provisoriamente deslocados no Porto por motivos de saúde de O…. Regressaram, entretanto, a …. O pai de B… residia no Canadá e faleceu há cerca de onze anos.
Entretanto, em Dezembro de 2016, na sequência do facto de ter ficado sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, na residência dos avós maternos, B… veio para … fixando residência em casa destes.
O actual agregado é composto pela avó, Q… (com quem morava antes da partida para o continente), de 64 anos, analfabeta, recentemente reformada por invalidez, pelo avô, S…, de 67 anos, reformado da construção civil, pelo irmão, O…, o qual foi vítima de um acidente de viação e é reformado por invalidez e pela respectiva namorada, P…, 7° ano, doméstica.
A habitação é propriedade dos avós, de tipologia T4 e dispõe de boas condições de habitabilidade.
Do ponto de vista económico, o avô recebe uma pensão de reforma no valor mensal de cerca de 325 Euros e a avó de cerca de 470 Euros. O… recebe uma pensão de invalidez no valor de 390 Euros mensais.
A progenitora de B… apoia economicamente o seu sustento, enviando regularmente algumas quantias em dinheiro para a sua mãe, pelo que aquele tem assegurada a cobertura das suas necessidades básicas de forma minimamente satisfatória.
B… nunca gostou de residir no continente e que a sua deslocação para fora da Ilha ocasionou o seu afastamento dos familiares maternos, com quem mantinha fortes laços afectivos.
Para além disso, mantinha uma relação relativamente conflituosa com o padrasto e, não obstante manter boa relação com a mãe e de a considerar preocupada e empenhada no seu processo educativo, B… nunca se sentiu plenamente integrado em termos familiares e sociais.
Efectivamente, o seu processo socioeducativo denota vulnerabilidades significativas ao nível da supervisão educativa, pautadas por uma atitude permissiva das figuras parentais, com frágil estruturação e supervisão de regras e limites e subsequente ausência de estratégias reguladoras do comportamento do arguido, designadamente em contexto escolar, conjuntura que acabou por comprometer o desenvolvimento de um padrão comportamental normativo.
As dificuldades identificadas ao nível das competências parentais/educativas, relacionadas com o padrão de absentismo/disrupção comportamental de B… em contexto escolar, vieram a culminar com uma intervenção da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Gondomar, consubstanciada num acordo de medida de apoio junto dos pais, então em execução junto da mãe.
Em … e junto do agregado dos avós, B… tem revelado algumas dificuldades de adaptação, essencialmente decorrentes do facto de se encontrar sujeito à obrigação de permanência na habitação e de ter retomado contacto com amigos de infância, alguns dos quais referenciados pela avó como problemáticos.
Em termos relacionais, tem sido problemática a relação com o avô, aspecto particularmente relacionado com a existência do presente processo, o qual aquele terá tido dificuldade em aceitar, ainda que muito recentemente ambos se tenham reconciliado num contexto de desculpabilização mútua.
B… apresenta um percurso escolar marcado por sucessivas retenções, designadamente ao nível do 5° ano de escolaridade, atribuídas a um desinvestimento generalizado relativamente às actividades lectivas, revelando também absentismo e disrupção comportamental em contexto escolar.
No ano lectivo 2015/2016 integrou o curso vocacional do 2° ciclo, de actividades de recreação e lazer, restauração e electricidade, ainda no continente. Contudo, o aproveitamento escolar foi novamente comprometido pelo padrão de desinteresse/desvinculação perante o processo de escolarização.
Já em … e no âmbito da intervenção tutelar educativa (sendo que o arguido foi alvo de aplicação de medida tutelar educativa - Acompanhamento Educativo, pela prática de factos correspondentes a crime de roubo), foi proposta a eventual integração do arguido em vertente escolar/formativa através de inscrição na Agência para a Qualificação e Emprego, entretanto inviabilizada no contexto do actual processo.
Enquanto no continente e estudante, B… não desenvolveu qualquer actividade extracurricular minimamente estruturada, mantendo proximidade com grupos de pares/modelos conotados como desviantes das normas/expectativas sociais convencionais, designadamente com comportamentos de oposição/desafio perante o processo de escolarização, consumos de substâncias psicoactivas e práticas antissociais.
Presentemente, retomou contacto e convivência com amigos de infância da zona de residência dos avós maternos, alguns dos quais referenciados como socialmente problemáticos e ligados aos consumos de substâncias aditivas. Segundo B…, o mesmo consome haxixe desde os 12 anos de idade, no contexto de grupo de pares, consumos que actualmente mantém, ainda que sendo reduzidos ao longo do tempo, não obstante a condição restritiva a que se encontra sujeito.
O padrão de funcionamento habitual de B…, actualmente com 17 anos de idade, sugere vulnerabilidades pessoais e socioeducativas que constituem factores de risco de desenvolvimento/manutenção de um funcionamento desviante das exigências/expectativas desenvolvimentais convencionais, designadamente ao nível do seu processo de adaptação escolar e social.
Apresenta também vulnerabilidades emocionais e alguma imaturidade, com repercussões em termos de competências pessoais e sociais, autocontrolo, autonomia e resolução de problemas.
É também bastante permeável à influência do grupo de pares, procurando corresponder às expectativas destes e aos próprios sentimentos de pertença e de autoafirmação como fonte de realização pessoal.
É nesta Ilha que B… pretende residir e orientar o seu percurso de vida, tendo entretanto estabelecido uma relação de namoro com uma jovem, estudante e residente na mesma localidade.
Tem sido alvo de apoio e suporte emocional por parte desta e também de alguns amigos face aos constrangimentos e aos receios que enfrenta no presente processo, manifestando especial preocupação com a sua própria protecção e defesa pessoal.
Não revela particular sentimento de empatia para com a vítima no processo, adoptando um discurso de acordo com a desejabilidade social, nomeadamente em termos da assunção das consequências do seu comportamento.
No âmbito do acompanhamento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, cujo cumprimento teve início a 13 de Dezembro de 2016, têm-se registado diversos incidentes, como frequentes saídas não autorizadas, já reportadas ao processo.
Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.
Factos não provados
Com relevância para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos, designadamente que:
O arguido e E… conhecem-se desde Agosto de 2014.
Contemporaneamente às mensagens referidas nos factos provados, porque o arguido já tinha tomado a decisão de atentar contra a integridade física e mesmo a vida de E…, quase que diariamente, após o jantar, por volta das 20,30 horas, o arguido permanecia por largos minutos, nunca inferior a 10, parado nas escadas da sede da colectividade "F…” ou junto ao estabelecimento comercial de roupa denominado "G…", a partir do qual tinha campo de visão para a entrada da residência de E…, observando e controlando as suas movimentações e rotina. Contudo, por regra, aquele fazia-se acompanhar de amigos, como era o caso de H…, também conhecido pela alcunha de "H1…".
Quando surpreendeu E… e a testemunha J… o arguido dirigiu-se ao primeiro dizendo "Chegainde aqui. E agora ao borrado".
O arguido, munido do mosquetão em alumínio referido nos factos provados, empunhou-o com a mão direita e, após, cerrou o punho com força desferindo golpes que atingiram E…, imprimindo bastante força, na cabeça, nomeadamente no olho esquerdo, e, em acto contínuo desferiu pontapés pelo corpo, provocando-lhe traumatismo crânio-encefálico, com hemorragia cerebral e hematoma orbitário do olho esquerdo.
Ao desferir aqueles golpes violentos na cabeça de E…, nomeadamente no olho esquerdo, o arguido B… pretendeu tirar a vida ao jovem E… e provocar-lhe a morte, como logrou alcançar.
O arguido propusera-se dias antes sobre o acontecimento e desde que ficou desavindo com o E… utilizar o mosquetão com acoplagem de chaves com intenção de causar a morte àquele.
Porém, o arguido apesar de saber tudo isto, e de que o seu comportamento acima descrito era proibido e, nestas circunstâncias, especialmente perverso, mais gravemente censurável e especialmente punível por lei, quis actuar da forma descrita revelando manifesta e completa insensibilidade perante o valor da vida humana, com o objectivo de tirar a vida a E…, como conseguiu.
Motivação
O tribunal formou a convicção quanto à matéria de facto com base na prova produzida em audiência de julgamento, analisada de forma conjugada e crítica à luz das regras da experiência comum.
Assim, no que respeita aos factos provados.
No apuramento do relacionamento existente entre o arguido e E…, considerou-se o teor dos documentos de fls. 49 a 56 (referentes à troca de mensagens entre ambos através do facebook), conjugados estes com as declarações do arguido e mesmo com o depoimento da testemunha J…, que nesta parte referiu apenas de modo objectivo e até coincidente quer com o que resulta das mensagens, quer com as declarações do arguido, que este e a vítima se conheciam de … e eram "amigos" (com o sentido que esta expressão tem no meio das redes sociais, no facebook).
Dos referidos documentos resulta ainda identificado o nome de utilizador do arguido no facebook e nome utilizador.
Também a relação de namoro existente entre E… e J… foi esclarecida por esta. A testemunha referiu que namorava desde pelo menos 2015 com E… e que esse relacionamento terminou por algumas vezes, esclarecendo que na data da publicação da sua fotografia no facebook (documento de fls. 50) tal relacionamento inexistia, só tendo sido retomado no dia dos factos - este depoimento mostra-se em consonância com o teor do documento de fls. 51, onde se lê que o próprio E…, numa mensagem dirigida ao arguido, lhe diz que nessa data nem namorava com ela.
Das declarações do arguido, do depoimento da testemunha J… e do teor dos documentos de fls. 51 e 513, onde se pode ver que esse assunto era abordado entre o arguido e E…, como se viu já, e entre o arguido e J…, resulta claro que o arguido tinha conhecimento da existência de um relacionamento de namoro entre o E… e a referida J…, embora este estivesse cessado na altura da troca de mensagens no facebook.
A publicação da fotografia de e por J… no facebook resultou igualmente das declarações do arguido, do depoimento da testemunha J…, que os assumiram e do teor do documento de fls. 50 - aí se documentam o post da fotografia, as trocas de mensagens e as publicações no facebook.
O sentimento de afecto por parte do arguido relativamente a J… resultou do próprio teor das mensagens e da publicação na fotografia, dizendo "Apaixonei"
Quanto ao ocorrido no dia 27 de Agosto, tendo presente que no local apenas se encontravam, além do arguido, as testemunhas J… e I…, há que considerar desde logo que o arguido admite que se deslocou para o local e que tinha consigo o mosquetão com as chaves de casa, que já estavam na mão quando se aproximou de E… e de J…, tendo a testemunha N…, padrasto do arguido, referido, além da hora aproximada de saída deste de casa, que as chaves e o mosquetão que o mesmo possuía lhe tinham sido entregues por si e eram idênticos aos que actualmente tem e que se encontram fotografadas com as respectivas medições a fls. 194 a 199 (de resto, mosquetão e chaves essas que foram exibidos fisicamente em julgamento).
Embora o arguido não refira que se deslocou ao local para encontrar E…, apresentando uma versão de acordo com a qual o encontro teria sido ocasional quando vinha de comprar cigarros, tal versão foi infirmada pelo depoimento da testemunha I…, que se encontrava na marquise de sua casa a pendurar roupa, dando esta para o local onde os factos ocorreram e onde inicialmente viu um indivíduo. A testemunha, cujo depoimento se afigurou absolutamente espontâneo e isento, até porque a mesma nenhum contacto tinha ou tem, quer com E… e a sua família, quer com o arguido e sua família, mostrou-se absolutamente relevante para o apuramento dos factos. Disse que se encontrava na referida marquise quando se apercebeu de um indivíduo encostado na esquina da rua com um boné. Referiu que então se apercebeu de um casal que descia a rua e que aquele se lhes dirigiu. Disse que nessa altura e já junto ao casal o rapaz empurrou a rapariga. Mais disse que, então, mal olha vê o rapaz que descia a rua no chão, acrescentando mais à frente do seu depoimento que foi tudo muito rápido. Disse que, entretanto, o indivíduo que inicialmente vira foi embora pela travessa. Este depoimento, conjugado com o teor do documento de fls. 512 respeitante às publicações feitas no facebook em conversa trocada com J… dois dias antes dos factos, permitem claramente concluir que o arguido, que se encontrava sozinho na esquina e logo aborda E… e J…, ali estava precisamente à espera daquele. Face a esta prova e considerando que, contrariamente ao que sucede com o arguido, a identificada testemunha I… nenhum interesse tem no desfecho do processo, a versão deste acabou por não merecer qualquer credibilidade, apurando-se quanto a esta matéria os factos considerados provados.
Quanto à abordagem o próprio arguido a assume. Também a J… refere a a refere, esclarecendo que, além do pedido que fez para que este não agredisse E…, este também o fez. O arguido não nega tal facto, dizendo apenas que não ouviu E… dizer nada. Pese embora, a testemunha I… não tenha feito referência a estes pedidos, apenas mencionando outras expressões que o arguido terá dito (diferentes da que o arguido refere), o certo é que se mostra pouco razoável que J… e o próprio E… nada tivessem dito ante a abordagem do arguido e permanecessem em silêncio. Deste modo porque a testemunha I… pode de facto não ter ouvido tais expressões, pelas mais diversas razões, designadamente por estes terem falado mais baixo, tendo arguido e testemunha J… prestado declarações e deposto em sentido convergente e conforme as regras da normalidade do acontecer considerou-se provado que ao arguido foram dirigidos os pedidos referidos por J….
Quanto ao que concretamente sucedeu até ao murro que vem a provocar a lesão e o respectivo contexto, divergiram as declarações do arguido e da testemunha J…. Enquanto o primeiro refere que E… lhe deu dois socos e um pontapé e na sequência de tal agressão é que vem a desferir o soco, a última diz que foi o arguido quem começou a agressão, envolvendo-se ambos em agressões mútuas com murros e pontapés, até que foi desferido o soco que provocou a queda de E…. No que a este aspecto respeita, tendo em consideração o interesse que o arguido tem no processo, por um lado, e, por outro, que a versão da testemunha também se não afigura nesta parte como traçando um retrato fiel do ocorrido na realidade, uma vez que no corpo de E… não existiam outras marcas de agressão, para além da referente à que esteve na origem da morte, das referentes aos tratamentos e ainda à eventual queda, como foi referido pela perita médica em julgamento, não mereceram os mesmos credibilidade. Por outro lado, como se viu já, o depoimento da testemunha I… é divergente em absoluto do que resulta de uma ou outra daquelas versões, percebendo-se do mesmo, já antes analisado, que tudo se passou muito rapidamente - vendo a testemunha o E… no chão logo a seguir ao empurrão dado a J…, sem que se tenha apercebido da existência de um confronto físico, o que seria normal até porque estava com atenção ao que se estava a passar pela sua estranheza da presença do arguido nas circunstâncias que descreveu. Atendendo, pois, ao depoimento da testemunha I…, que se nos afigurou merecer credibilidade, considerou-se, pois, como assente a existência da agressão a murro apenas pelo arguido nos termos já antes fundamentados.
Ainda no que toca ao modo como ocorreu a agressão, apesar do referido pelo arguido, no sentido de que apenas usou o mosquetão e que foi com este que atingiu E…, o certo é que tal versão se não mostra compatível com a prova pericial junta aos autos. Na verdade, resulta desta que a lesão que acabou por causar a morte foi efectuada por um instrumento de natureza perfuro-contundente (assim se justificando a intrusão do mesmo no hábito interno), ou actuando como tal, o que claramente o mosquetão não é. Desse modo, a versão do arguido não só não encontra acolhimento em qualquer outra prova, como é contrariada pelo juízo de natureza científica que a prova pericial constitui.
Neste contexto e tendo presente o referido exame pericial e os esclarecimentos prestados pela perita que realizou a autópsia, pode com segurança asseverar-se que a agressão ocorreu precisamente com o uso da única chave com características que se adaptam à natureza da lesão causada - designadamente às características da própria solução de continuidade (uma solução de continuidade de bordos irregulares com uma parte superior de formato ligeiramente oval). Chave essa colocada nos termos que se consideraram provados, por forma a que o arguido a pudesse utilizar como instrumento perfurante e causar uma lesão dessa natureza como se provou. O acabado de referir não significa que o arguido, como disse, não tenha introduzido os dedos no mosquetão, o que se admite e se considera ter ocorrido tendo em consideração que a chave se encontrava acoplada ao mosquetão. Não pode é concluir-se apenas por isso, resultando ainda, como antes se referiu que, além de introduzir os dedos no mosquetão, o arguido colocou a chave entre os dedos e assim desferiu o soco nos termos que se consideraram provados, causando as lesões descritas no relatório de autópsia e referidas pela própria perita médica em sede de esclarecimentos prestados em julgamento.
As consequências da agressão constam do relatório de autópsia de fls. 534 a 544 e dos registos clínicos juntos aos autos (fls. 21 e 22, resumo de episódio de urgência e diário clínico de fls. 21 e 22, informação clínica do Hospital M… de fls. 100, 114 e 115 e boletim de informação clínica de fls. 143 a 146)
Na determinação do elemento subjectivo tomaram-se em consideração os meios de prova já anteriormente citados, os quais, possibilitando apurar as circunstâncias objectivas do facto, permitiram igualmente ao tribunal formar a convicção quanto àquele.
Assim, em termos objectivos, apurou-se que o arguido para atingir E… na cara se socorreu de uma chave com cerca de 7,5 cm de comprimento total, tendo a parte destinada a introduzir-se na fechadura a forma cilíndrica e 5 cm de comprimento, sendo esta parte recortada e estreitada na ponta (como se visualiza nas fotografias fls. 196 e 197). Este facto permite concluir com segurança que o arguido pretendia atingir E… com o uso de um instrumento com características perfurantes para provocar lesões não só ao nível do hábito externo, mas também interno.
Apurou-se ainda que o arguido, que antes da agressão se munira do objecto em causa, colocando os dedos mindinho e anelar da mão direita no interior do mosquetão a que a chave supra identificada se encontrava acoplada e esta entre os dedos, com a parte cilíndrica e pontiaguda para fora, desferiu com esta mão fechada e nessas condições um soco que atingiu a zona ocular esquerda da vítima. Daqui se pode concluir que a intenção do arguido foi a de atingir a vítima na zona da cabeça e em concreto, ao assim desferir o soco, no rosto.
Ora, a cabeça, como é comumente sabido, é uma zona do corpo humano onde se encontram localizados órgãos importantes, como o globo ocular, o aparelho auditivo, a cavidade nasal, a cavidade bucal, o cérbero e o cerebelo e que estão protegidos pela meninge e pela caixa craniana. A cara, por seu turno, constitui a zona anterior da cabeça e é nela que se encontra designadamente o já mencionado globo ocular - zona permeável à perfuração e com acesso à zona cerebral, como é facilmente perceptível.
Daqui se pode concluir igualmente que o arguido, munido da chave nas circunstâncias descritas, ao desferir o soco na direcção do rosto da vítima, não podia deixar de admitir que com a sua actuação pudesse atingir qualquer zona, designadamente o globo ocular - permeável à perfuração e com acesso a zonas vitais como é o cérebro, como se disse já - e, assim, que, designadamente por esse modo, pudesse causar lesões determinantes da morte daquela.
Note-se que o arguido bem sabia da capacidade lesiva de um instrumento usado nos termos em que usou a chave - demonstrou-o ao aludir à suspeição que alegou de que a vítima o poderia agredir colocando o isqueiro entre os dedos da mão para potenciar a agressão, sendo certo que o arguido escolheu precisamente entre as duas chaves acopladas, a que tinha as características de objecto perfurante.
Por outro lado ainda, na definição do consciência e vontade de actuação do arguido há que considerar o contexto de actuação do mesmo, para o que relevarão as mensagens constantes de fls. 50 e ss., de onde se extrai bem o nível de conflitualidade e agressividade entre os dois jovens, potenciado pelas provocações insertas nas mensagens de fls. 513 e ss. e principalmente nos comentários no perfil do facebook de fls. 512 dois dias antes dos factos, onde o arguido responde à vítima "borrado eu? Vamos flr agr vai se ver o otario" e após a J… "espero vê lo ao teu lado na rua e para veres o forte do teu namorado" que, por sua vez ainda respondeu "eu sei quem tenho (...) tou a espera desse dia ent (...)."
Estes elementos dão-nos também a conhecer a propensão com que o arguido já se encontrava para, quando encontrasse a vítima, designadamente com a testemunha J…, mostrar por qualquer forma toda a sua superioridade relativamente àquela, independentemente das consequências. Manifestamente, o que lhe interessava era demonstrar essa sua superioridade.
E é neste contexto que, sabendo da potencialidade do instrumento que decidiu usar, quis e atingiu a vítima nos termos já referidos, admitindo apenas como possível que aquele, naquelas precisas circunstâncias, era até capaz de causar lesões determinantes da morte, com isso se conformando, não obstante, não se abstendo de actuar, movido pelo sentimento de "raiva", que referiu.
De resto, essa possibilidade admitida pelo arguido resulta também do seu próprio comportamento posterior ao facto. Logo que se apercebeu do que aconteceu, ao ver a vítima cair, fugiu, desfez-se do instrumento do crime e percebeu que o INEM teria sido chamado por causa da vítima, tendo dito à testemunha N…, companheiro da mãe do arguido, que "se calhar tinha feito uma asneira, que o rapaz tinha ficado estendido no chão". O pânico foi o de ter efectivamente alcançado um resultado que sabia ser possível e que acabou por advir.
A prova assim apreciada, à luz do contexto e das regras da experiência, permitiu apurar os factos referentes ao elemento subjectivo nos termos que se consideraram provados - permitindo concluir pela admissibilidade da morte como consequência possível e pela conformação com esse resultado e não já pela intenção concreta de causar a morte, certo que, como resulta de toda a apreciação anteriormente feita, nenhum elemento de prova se mostra suficiente para concluir nesse sentido, tendo a mesma sido negada pelo arguido.
Sobre as consequências sofridas pela demandante, sobre a relação entre esta e o E… e sobre este (características de personalidade, designadamente), prestou declarações a própria demandante e depôs a testemunha T…, companheiro daquela.
As testemunhas U… e V…, respectivamente amigo e ex-professora do arguido, prestaram depoimento sobre as características de personalidade do arguido anos antes, nada sabendo acerca dos factos. Também P…, namorada do irmão do arguido, esclareceu sobre o apoio que est vai dando ao irmão Todos estes três depoimentos foram conjugados com o relatório social que se mostra junto aos autos.
Finalmente, a mãe do arguido, não tendo visto os factos, esclareceu sobre o estado em que estava o arguido quando o encontrou em casa e sobre os procedimentos que adoptaram. Embora refira a existência de lesões, que não foram confirmadas e se mostre junto aos autos prova pericial que faz referência a vestígios hemáticos no casaco do arguido compatíveis com o perfil dele, o certo é que não ficou determinada de forma convicta a origem de tais lesões.
Conjugadamente com esta prova, consideraram-se ainda, quanto ao ocorrido, designadamente após o facto (intervenção do INEM e deslocação para o hospital), os demais documentos constantes dos autos, designadamente, os registos clínicos já referidos, a reportagem fotográfica de fls. 76 a 85 e os registos fotográficos dos ferimentos de E… de fls. 165 e 166 e certidões de nascimento e óbito.
O certificado de registo criminal consta dos autos.
Os factos não provados mereceram, por seu tuno, resposta negativa, quer em função da antecedente apreciação crítica, quer da ausência de prova nesse sentido.
Assim, o modo como ocorreu a agressão causadora da morte de E…, respectivo contexto e intenção descritos na acusação para que remete o despacho de pronúncia mereceram resposta negativa em função do que se apurou e se mostra acima descrito
Quanto à data desde a qual o arguido e E… se conheciam nenhuma prova foi produzida.
Pese embora se tenha apurado que o arguido, pelo menos desde há cerca de um mês antes dos factos se deslocava para a colectividade "F…” e para o "G…", estabelecimentos localizados nas proximidades da casa de E… e a partir dos quais tal casa é visível, como o próprio arguido referiu esclarecendo as respectivas localizações com referências às fotografias constantes de fls. 177 a 180, o certo é que o arguido esclareceu a razão pela qual se deslocava para esse local. Por outro lado, a testemunha a testemunha K… referiu que o arguido desde há cerca de um mês se deslocava para aquele local, onde permanecia com um amigo, e a testemunha H… amigo do E…, que tinha conhecimento da troca de mensagens entre este e o arguido, referiu que uma semana antes começou a ver o arguido no café F…, chegando a vê-lo no G… com vários rapazes. Neste contexto, a circunstância de as deslocações do arguido serem contemporâneas da troca de mensagens e de os estabelecimentos serem próximos à casa de E… não permite por si só concluir que o arguido se encontrasse a vigiar o último - pode sublinhar-se a coincidência, pode até especular-se sobre ela, mas asseverar-se que tal assim sucedida não se mostra possível, certo que nenhuma prova inequívoca permite concluir nesse sentido.
Finalmente, apesar de se saber que E… se fazia acompanhar por vezes da testemunha H…, como este mesmo referiu, tal não basta por si só para concluir-se que a regra era essa, como vinha imputado e que tal facto desmotivou qualquer actuação anterior do arguido.
***
Enunciação das questões a decidir nos recursos em apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal [cfr. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal” III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada e Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95)].
Assim, face às conclusões apresentadas pelo arguido, importa decidir as seguintes questões:
- Dosimetria da pena de prisão;
- Pena substitutiva da pena de prisão: suspensão da execução da pena.
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Face às conclusões apresentadas pelo Ministério Público, importa decidir as seguintes questões:
- Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto provada/erro de julgamento;
- Qualificação jurídica dos factos;
- Dosimetria da pena de prisão.
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Passemos à análise das questões suscitadas nos recursos interpostos.
Considerando as questões acima elencadas e suscitadas pelos recorrentes, por razões de lógica preclusiva, começamos por decidir a questão atinente à impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto provada/erro de julgamento, suscitada pelo Ministério Público.
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do Código de Processo Penal, no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, de conhecimento oficioso, cuja indagação, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum (Cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.).
No segundo caso, da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do Código de Processo Penal, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do Código de Processo Penal.
Nestes casos (de impugnação ampla), o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
E sem esquecer que uma das grandes limitações do tribunal de recurso, quando é chamado a pronunciar-se sobre uma impugnação de decisão relativa a matéria de facto, sobretudo quando tem que se debruçar sobre a valoração, efetuada na primeira instância, da prova testemunhal, decorre da falta do contacto direto com essa prova, da ausência de oralidade e, particularmente, de imediação.
No nosso sistema processual vigora o princípio da livre apreciação da prova, em conformidade com o qual o juiz tem total liberdade, de acordo com a sua íntima convicção, de proceder à valoração dos meios de prova obtidos (cfr. artigo 127º do Código de Processo Penal).
E a livre apreciação da prova está sujeita ao controlo deste tribunal de recurso, quando a violação do princípio da objetividade for evidente.
Diretamente ligada a esta apreciação livre das provas, e determinante na formação da convicção do julgador, está o «princípio da imediação», que Figueiredo Dias, in «Direito Processual Penal», 1º Vol., Coimbra Editora, 1974, pág. 232, define como «a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão».
Também não podemos esquecer que o julgador pode recorrer a presunções naturais ou hominis no processo de formação da sua convicção, uma vez que se trata de um meio de prova admitido na lei (cf. art. 125º do Código de Processo Penal).
Na verdade, é comumente aceite que, para a prova dos factos em processo penal, é perfeitamente legítimo o recurso à prova indireta (cfr., entre muitos outros, os acórdãos do TRP de 28.01.2009, do TRC de 30.03.2010 e do STJ de 11.07.2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt), também chamada prova indiciária, por presunções ou circunstancial.
Para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão.
Em face de todo o exposto, podemos dizer que, regra geral (e ressalvadas as exceções previstas na lei), na apreciação da prova e partindo das regras de experiência, o tribunal é livre de formar a sua convicção. Normalmente, o que acontece é que, face à globalidade da prova produzida, o tribunal se apoie num certo conjunto de provas, em detrimento de outras, nada impedindo a que esse convencimento parta de um registo mínimo, mas credível, de prova, em detrimento de vastas referências probatórias, que, contudo, não têm qualquer suporte de credibilidade.
O duplo grau de jurisdição na apreciação da decisão da matéria de facto não tem, portanto, a virtualidade de abalar o princípio da livre apreciação da prova que está conferido ao julgador de primeira instância.
É certo que casos há em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.
Atente-se, aliás, que o legislador, consciente das limitações que o recurso da matéria de facto necessariamente tem envolver, teve o cuidado de dizer que as provas a atender pelo Tribunal ad quem são aquelas que “impõem” e não as que “permitiriam” decisão diversa (cfr. artigo 412º, nº 3, al. b) do Código de Processo Penal).
O nosso poder de cognição está confinado aos pontos de facto que o Ministério Público considere incorretamente julgados, com as especificações estatuídas no artigo 412º n.º 3 e 4 do Código Processo Penal.
E diga-se que o recorrente cumpriu o ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do Código de Processo Penal.
Atentemos no que se fez constar na Motivação da Matéria de Facto do acórdão recorrido. E atentemos também nos argumentos invocados pelo Ministério Público recorrente que defende que foram incorretamente julgados como não provados, quando deveriam ter sido julgados como provados, os seguintes factos:
- "Contemporaneamente às mensagens referidas nos factos provados, porque o arguido já tinha tomado a decisão de atentar contra a integridade física e mesmo a vida de E…, quase que diariamente, após o jantar, por volta das 20,30 horas, o arguido permanecia por largos minutos, nunca inferior a 10, parado nas escadas da sede da colectividade "F…" ou junto ao estabelecimento comercial de roupa denominado "G…", a partir do qual tinha campo de visão para a entrada da residência de E…, observando e controlando as suas movimentações e rotina. Contudo, por regra, aquele fazia-se acompanhar de amigos, como era o caso de H…, também conhecido pela alcunha de "H1…;
- Ao desferir aquele(s) golpe(s) violento(s) na cabeça de E…, nomeadamente no olho esquerdo, o arguido B… pretendeu tirar a vida ao jovem E… e provocar-lhe a morte, como logrou alcançar.
- O arguido propusera-se dias antes sobre o acontecimento e desde que ficou desavindo com o E… utilizar o mosquetão com acoplagem de chaves com intenção de causar a morte àquele.
- Porém, o arguido apesar de saber tudo isto, e de que o seu comportamento acima descrito era proibido e, nestas circunstâncias, especialmente perverso, mais gravemente censurável e especialmente punível por lei, quis actuar da forma descrita revelando manifesta e completa insensibilidade perante o valor da vida humana, com o objectivo de tirar a vida a E…, como conseguiu.”

Defende ainda que da matéria de facto dada como provada devem ser retirados os factos que se encontram em contradição com estes, e que são os seguintes factos:
“Ao actuar do modo descrito o arguido quis com o golpe desferido atingir a zona do rosto de E…, admitindo como possível que ao fazê-lo com a chave colocada na posição em que a colocou pudesse causar lesões determinantes da morte do último.
Apesar de admitir tal possibilidade, o arguido procedeu do modo descrito, conformando-se com a mesma."
Alega o Ministério Público que “existe prova bastante para sustentar uma convicção segura de que contemporaneamente com as mensagens o arguido, porque já tinha tomado a decisão de agredir mortalmente a vítima, passou a dirigir-se para as proximidades da habitação daquele e com isso controlar as suas motivações e rotina. E que quando percebeu que naquele dia a vítima não se encontrava acompanhado do amigo H… e apenas da sua namorada, decidiu fazer uma espera naquele local e aí agredi-lo usando para isso aquela chave acoplada ao mosquetão, bem sabendo que ao usá-la nos termos em que o fez iria provocar a morte daquele num resultado por si querido”.
E conclui que a prova produzida é apta a afirmar que os factos foram praticados com dolo directo e não dolo eventual, para um resultado pretendido, planeado, executado e conseguido. E bem assim é possível afirmar especial censurabilidade e perversidade na actuação do arguido e com isso afirmar-se a qualificativa do crime de homicídio.
Vejamos.
O tribunal a quo na “Motivação” do acórdão em causa refere “Pese embora se tenha apurado que o arguido, pelo menos desde há cerca de um mês antes dos factos se deslocava para a colectividade "F…" e para o "G…", estabelecimentos localizados nas proximidades da casa de E… e a partir dos quais tal casa é visível, como o próprio arguido referiu esclarecendo as respectivas localizações com referências às fotografias constantes de fls. 177 a 180”.
Quer dizer, não obstante o tribunal a quo referir que se apurou tal matéria, não a leva aos factos dados como provados, dando inclusive tal factualidade como não provada.
Não refutamos que a configuração daqueles locais fosse apta a controlar os movimentos e rotinas da vítima. Mas também não podemos esquecer que tanto o arguido como o falecido E… residiam na freguesia de …, pelo que seria perfeitamente normal que um ou outro frequentassem aqueles estabelecimentos. Nem escamoteamos que o próprio tribunal a quo considerou como provado que naquele “dia 27 de Agosto de 2016, entre as 20.30 horas e as 21.30 horas, o arguido dirigiu-se apeado à rua …, em …, Gondomar, onde aguardou que E… saísse do interior da sua residência, sita na rua …, n.° …, em …. Por volta das 22.00 horas, E… saiu do interior da sua residência, acompanhado pela sua namorada J…, com o propósito de se dirigirem apeados à estação de … do Metro do Porto. Quando se encontravam próximo ao número de polícia …, da Rua …, em …, foram surpreendidos pelo arguido que lhes surgiu na sua frente trazendo na mão o mosquetão e as chaves”.
Nem que o próprio tribunal tenha afirmado “(...) Este depoimento, conjugado com o teor do documento de fls. 512 respeitante às publicações feitas no facebook em conversa trocada com J… dois dias antes dos factos, permitem claramente concluir que o arguido, que se encontrava sozinho na esquina e logo aborda E… e J…, ali estava precisamente à espera daquele.”
Do que decorre que o arguido já sabia onde o ofendido residia, o que aliás é aceite pelo mesmo. E, por isso, naquele dia, ali esperou o ofendido E….
Contudo, não nos parece que possamos generalizar: do facto de o arguido ali estar, naquele dia concreto, àquela hora, não se pode concluir, sem mais, que anteriormente tenha vigiado o ofendido.
Revertendo para as declarações do arguido, e no que se refere à matéria atinente aos dias que precederam o encontro, o mesmo sempre negou qualquer tipo de controlo de movimentações e rotina e qualquer espera à vítima (segundo ele teria sido um encontro meramente casual naquele dia 27 de Agosto).
Vejamos ainda:
- ao minuto 12,35 afirma que tinha mantido a última conversa com a J… no dia 26 de Agosto no facebook e que no dia 24 ou 25 aquela tinha-lhe dito que tinha acabado com o E…;
- ao minuto 14 assevera que não tinha qualquer amizade pela J…;
- ao minuto 15,45 refere que ele e o E… nunca falaram pessoalmente ou através de telemóvel mas apenas no facebook;
- ao minuto 19 e seguintes, o arguido nega que as deslocações para aquele local se destinavam a fazer vigilâncias e referiu que não o conhecia como amigo (apenas virtual), conseguindo dizer onde se situa especificamente a casa do E…;
- 19:40 a 20:05 e depois a propósito da expressão contida nas mensagens "tu moras em … e não …" explica que referiu isso "porque estava em … mas a maior parte dos amigos eram de … e trazia os amigos de … para a zona para ver se me viam" - 20:35 (do que decorre que a própria vítima tinha conhecimento das suas deslocações para os referidos estabelecimentos e trazia aos amigos para ali para ver se viam o arguido).
- ao minuto 24 explica que só se deslocou para aqueles locais "depois dos conflitos entre nós" "Durante 2/3 semanas antes de acontecer" e mais declarou que "já fazia isso há 1 mês e 1 semana" mas que "não foi derivado ao E…".
- ao minuto 24,30, confirma que daqueles locais conseguia ver a casa do E… "a cerca de 25 metros" - 25:40;
- ao minuto 34:05 admite que naquelas circunstâncias já o tinha visto acompanhado "pelo melhor amigo H…", referindo que conhecia este "conheço-o pessoalmente. Já andamos juntos na mesma escola".
- ao minuto 46 o arguido depois de dar a sua versão sobre como desferiu o murro em questão e colocou o mosquetão nos dois dedos ( e que melhor ilustra e exemplifica ao min. 1h4850 e seguintes), explica ainda que o fez pois tinha-lhe parecido que a J… teria entregue qualquer coisa ao E… parecido com um isqueiro entre os dedos, explicando de que modo um isqueiro pode ser usado no desferir de um murro "metê-lo no meio dos dedos";
- ao minuto 1h13min referiu que não era sua intenção aquele tipo de agressão;
Vejam-se também os seguintes trechos das declarações prestadas pelo arguido, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido perante Juiz de Instrução Criminal (cuja leitura foi realizada pela MM.a Juiz Presidente):
Na página 5 onde afirma "E eu dei-lhe um murro que eu estava com um mosquetão. Eu dei-lhe um murro, comecei a correr";
Na página 9 onde afirma "Eu falava com ela, ela dizia que não namorava com ele. Eu e ela andávamo-nos a conhecer e depois nesse dia por acaso vi-os juntos";
Na página 36 afirma "Eu não gostava da J…, eramos só amigos";
Na página 37 refere "se eu lhe dei a entender que que me fiz a ela, também ela se fez a mim porque o que eu lhe mandava a ela, ela mandava a mim"
Na página 21 "Eu deitei o mosquetão fora por causa do medo. Eu tinha medo que a polícia viesse atrás de mim, mas eu não sabia que ele tinha ficado em mau estado, eu pensava que ele tinha caído para trás";
Na página 27 refere que o E… tinha "medo de vir falar sozinho comigo ter os amigos à perna para tudo. Os amigos para ele é que resolviam os problemas todos, por isso lhe chamei de borrado";
Na página 28 e 29 refere que aquele "andava acompanhado de uns cinco/seis sempre, mais velhos que o E…";
Na página 34 revela que "Já sabia que se me apanhassem era ele e os amigos" e que "Já tinha dito aos amigos que ia-me bater e tal"
Anote-se que desde o dia 21 de Julho de 2016, data em que foi colocado o post de uma fotografia de meio corpo de J…, no seu perfil de facebook, o arguido colocou o seguinte comentário: “APAIXONEI D” até à data em que os factos ocorreram - 27 de Agosto de 2016 – decorreu 1 mês e 1 semana.
Por sua vez, a testemunha J… afirmou:
- ao min 5 que retomou o namoro com a vítima naquele dia;
- ao min 7:45 e seguintes afirma que relativamente ao arguido "não, simplesmente perguntava como estava (...) nunca disse que gostava dele (...) nunca fui ter com ele", mas que no dia anterior chegou a haver a possibilidade de com a sua melhor amiga ir ter com o arguido mas tal não veio a acontecer e fê-lo porque "tentei juntá-los" (arguido e a sua amiga).
- ao min 11:50 refere as circunstâncias como viu o arguido na W… depois de terem ido ao café próximo da casa do E… e na companhia deste, "ele estava lá, parado, assim com os braços, como se estivesse à espera", deparando-se com ele "de frente", dirigiu-se a ele "agarrei-lhe pelos pulsos e disse não vais fazer nada"... "ele empurrou-me" ... "tirou algo do casaco", "Ele foi ao casaco buscar mas não vi o que era"... antes ele não tem nada com ele na mão;
- ao min 16:50 refere que vinha com o E… com as mãos dadas e assevera que não trocou nada com o E… antes de se dirigir ao arguido.
Atentemos também no depoimento da testemunha I…, que depois do minuto 8:30 ter esclarecido o local onde se encontrava "o rapaz, estava na Travessa …" onde acaba esta e entronca na Rua com o mesmo nome, onde "tinha visto o rapaz encostado e não sabia o que estava a fazer", refere que "ele ainda esteve" ali algum tempo "com um boné a tapar a cara". Depois descrevendo a forma como aconteceram os factos refere que viu um casal a descer a rua e vê o "rapaz a ir de encontro ao casal" e ouviu-o a chamar-lhe "oh chavalo o que andas a fazer com a minha namorada"- cfr. min. 12:45 - e "mal olho nem vi barulho ou não e vi o rapaz no chão" e "o rapaz de boné fugiu (...) pela travessa". E ao min. 17:30 e seguintes - assevera que não viu ninguém a dar murros pois quando se apercebeu "ele já estava no chão".
Por outro lado, a testemunha K… referiu que o arguido desde há cerca de um mês se deslocava para aquele local, onde permanecia com um amigo.
E a testemunha H…, amigo do E…, que tinha conhecimento da troca de mensagens entre este e o arguido, referiu que uma semana antes começou a ver o arguido no café F…, chegando a vê-lo no G… com vários rapazes.
Ora, da conjugação e concatenação da prova produzida, entendemos assistir razão ao Ministério Público no que que refere às deslocações do arguido para os referidos locais, locais esses donde era possível avistar a casa da vítima.
O mesmo não acontece quanto à demais matéria fáctica que o mesmo recorrente propugna seja considerada como provada.
Com efeito, o arguido negou que tais deslocações tivessem como fim observar e controlar as movimentações e rotina da vítima, tendo o mesmo esclarecido a razão pela qual se deslocava para esses locais – lugares sitos no local da sua residência e pontos de encontro de amigos e conhecidos. Ademais, as testemunhas acima identificadas referem que o arguido estava acompanhado nesses locais, o que não é consentâneo com a alegada tarefa de observação e controle da vítima.
Acolhemos, assim, o raciocínio expendido pelo tribunal a quo no sentido de que “Neste contexto, a circunstância de as deslocações do arguido serem contemporâneas da troca de mensagens e de os estabelecimentos serem próximos à casa de E… não permite por si só concluir que o arguido se encontrasse a vigiar o último - pode sublinhar-se a coincidência, pode até especular-se sobre ela, mas asseverar-se que tal assim sucedida não se mostra possível, certo que nenhuma prova inequívoca permite concluir nesse sentido”.
Na verdade, o conjunto da prova adiantada pelo Ministério Público não possui a consistência que o mesmo lhe pretende atribuir, para que se possa decidir, com a necessária segurança, no sentido pretendido. Tal acervo probatório não impõe uma decisão diversa daquela que foi tomada pelo tribunal a quo, decisão devidamente fundamentada, e que se apresenta como uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência.
Assim, no relatado contexto probatório, numa apreciação conjunta da prova produzida, numa análise e valoração concatenada, estabelecendo-se correlações internas entre as várias provas, confrontando-as, tendo presentes as regras da lógica e as máximas da experiência, com recurso a presunções naturais, não podemos senão concluir que a argumentação e prova indicadas pelo Ministério Público apenas impõem, nos termos da al. b) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal, a alteração da matéria de facto não provada decidida pelo Tribunal a quo, de forma a que passe a apenas constar da matéria de facto provada o seguinte:
“Contemporaneamente às mensagens referidas nos factos provados, o arguido deslocava-se para a colectividade “F…” e para o estabelecimento comercial de roupa denominado “G…”, estabelecimentos localizados nas proximidades da casa de E…, e a partir dos quais tal casa é visível. Por regra, o E… fazia-se acompanhar de amigos, como era o caso de H…, também conhecido pela alcunha de "H1…".
A demais matéria fáctica constante deste parágrafo permanecerá no elenco dos “Factos não provados”
E que dizer quanto à restante factualidade constante da matéria de facto não provada (atinente ao elemento subjectivo) e que o recorrente Ministério Público pretende seja considerada como provada?
Está em causa a prova dos factos que realizam o tipo subjetivo do crime. E para se apurar o elemento subjetivo do crime, não tem de o mesmo de resultar da confissão do arguido, pois se tal fosse necessário, não existiriam crimes.
O dolo, como processo psíquico, pertence ao foro interno do agente, sendo insuscetível de apreensão direta, e por isso, na ausência de confissão (ou de confissão congruente), tem de ser inferido dos factos materiais que, provados e apreciados com a livre convicção do julgador e conjugados com as regras da experiência comum, apontam para a sua existência.
Ao julgador exige-se, então, que decida a questão de facto de forma a concluir, ou não, se o agente agiu internamente da forma como o revelou externamente. E essa conclusão assentará, não num juízo de certeza absoluta – esse dificilmente se obterá fora da confissão e mesmo esta pode não ser verdadeira – mas num juízo que vença ou ultrapasse a dúvida razoável.
As vicissitudes da prova da intenção são comuns à generalidade dos crimes, sendo que os factos que integram o dolo constituem um exemplo frequente de demonstração por prova indireta.
O tribunal a quo a este propósito escreveu:
“Na determinação do elemento subjectivo tomaram-se em consideração os meios de prova já anteriormente citados, os quais, possibilitando apurar as circunstâncias objectivas do facto, permitiram igualmente ao tribunal formar a convicção quanto àquele.
Assim, em termos objectivos, apurou-se que o arguido para atingir E… na cara se socorreu de uma chave com cerca de 7,5 cm de comprimento total, tendo a parte destinada a introduzir-se na fechadura a forma cilíndrica e 5 cm de comprimento, sendo esta parte recortada e estreitada na ponta (como se visualiza nas fotografias fls. 196 e 197). Este facto permite concluir com segurança que o arguido pretendia atingir E… com o uso de um instrumento com características perfurantes para provocar lesões não só ao nível do hábito externo, mas também interno.
Apurou-se ainda que o arguido, que antes da agressão se munira do objecto em causa, colocando os dedos mindinho e anelar da mão direita no interior do mosquetão a que a chave supra identificada se encontrava acoplada e esta entre os dedos, com a parte cilíndrica e pontiaguda para fora, desferiu com esta mão fechada e nessas condições um soco que atingiu a zona ocular esquerda da vítima. Daqui se pode concluir que a intenção do arguido foi a de atingir a vítima na zona da cabeça e em concreto, ao assim desferir o soco, no rosto.
Ora, a cabeça, como é comumente sabido, é uma zona do corpo humano onde se encontram localizados órgãos importantes, como o globo ocular, o aparelho auditivo, a cavidade nasal, a cavidade bucal, o cérbero e o cerebelo e que estão protegidos pela meninge e pela caixa craniana. A cara, por seu turno, constitui a zona anterior da cabeça e é nela que se encontra designadamente o já mencionado globo ocular - zona permeável à perfuração e com acesso à zona cerebral, como é facilmente perceptível.
Daqui se pode concluir igualmente que o arguido, munido da chave nas circunstâncias descritas, ao desferir o soco na direcção do rosto da vítima, não podia deixar de admitir que com a sua actuação pudesse atingir qualquer zona, designadamente o globo ocular - permeável à perfuração e com acesso a zonas vitais como é o cérebro, como se disse já - e, assim, que, designadamente por esse modo, pudesse causar lesões determinantes da morte daquela.
Note-se que o arguido bem sabia da capacidade lesiva de um instrumento usado nos termos em que usou a chave - demonstrou-o ao aludir à suspeição que alegou de que a vítima o poderia agredir colocando o isqueiro entre os dedos da mão para potenciar a agressão, sendo certo que o arguido escolheu precisamente entre as duas chaves acopladas, a que tinha as características de objecto perfurante.
Por outro lado ainda, na definição do consciência e vontade de actuação do arguido há que considerar o contexto de actuação do mesmo, para o que relevarão as mensagens constantes de fls. 50 e ss., de onde se extrai bem o nível de conflitualidade e agressividade entre os dois jovens, potenciado pelas provocações insertas nas mensagens de fls. 513 e ss. e principalmente nos comentários no perfil do facebook de fls. 512 dois dias antes dos factos, onde o arguido responde à vítima "borrado eu? Vamos flr agr vai se ver o otario" e após a J… "espero vê lo ao teu lado na rua e para veres o forte do teu namorado" que, por sua vez ainda respondeu "eu sei quem tenho (...) tou a espera desse dia ent (...)."
Estes elementos dão-nos também a conhecer a propensão com que o arguido já se encontrava para, quando encontrasse a vítima, designadamente com a testemunha J…, mostrar por qualquer forma toda a sua superioridade relativamente àquela, independentemente das consequências. Manifestamente, o que lhe interessava era demonstrar essa sua superioridade.
E é neste contexto que, sabendo da potencialidade do instrumento que decidiu usar, quis e atingiu a vítima nos termos já referidos, admitindo apenas como possível que aquele, naquelas precisas circunstâncias, era até capaz de causar lesões determinantes da morte, com isso se conformando, não obstante, não se abstendo de actuar, movido pelo sentimento de "raiva", que referiu.
De resto, essa possibilidade admitida pelo arguido resulta também do seu próprio comportamento posterior ao facto. Logo que se apercebeu do que aconteceu, ao ver a vítima cair, fugiu, desfez-se do instrumento do crime e percebeu que o INEM teria sido chamado por causa da vítima, tendo dito à testemunha N…, companheiro da mãe do arguido, que "se calhar tinha feito uma asneira, que o rapaz tinha ficado estendido no chão". O pânico foi o de ter efectivamente alcançado um resultado que sabia ser possível e que acabou por advir.
A prova assim apreciada, à luz do contexto e das regras da experiência, permitiu apurar os factos referentes ao elemento subjectivo nos termos que se consideraram provados - permitindo concluir pela admissibilidade da morte como consequência possível e pela conformação com esse resultado e não já pela intenção concreta de causar a morte, certo que, como resulta de toda a apreciação anteriormente feita, nenhum elemento de prova se mostra suficiente para concluir nesse sentido, tendo a mesma sido negada pelo arguido.”

Comecemos por dizer que não vislumbramos que seja contraditório (ou manifestamente contraditório, conforme refere o Ministério Público) afirmar-se que “a propensão com que o arguido já se encontrava para, quando encontrasse a vítima, designadamente com a testemunha J…, mostrar por qualquer forma toda a sua superioridade relativamente àquela, independentemente das consequências" para depois apenas se concluir que tenha apenas admitido "como possível que aquele, naquelas precisas circunstâncias, era até capaz de causar lesões determinantes da morte, com isso se conformando, não obstante, não se abstendo de actuar, movido pelo sentimento de "raiva", que referiu".
E independentemente das consequências, ou seja, pensamos nós, aconteça o que acontecer, ainda que seja a morte do E…. O que apenas se quer traduzir é que o arguido se conformou com o resultado morte e não que o procurou como objectivo deliberado da sua acção.
Aliás, a afirmação do Ministério Público, no sentido de que o arguido “se actuava independentemente das consequências necessariamente na forma como actuou aquele resultado morte obtido é uma consequência directa e necessária daquele modo de actuar e com o qual se conformou por pretendido” parece-nos contraditória, porque começa por dizer que o resultado morte obtido é uma consequência directa e necessária daquele modo de actuar, mas acaba por reconhecer que o arguido se conformou com tal resultado, independentemente da intenção direta de provocar o resultado morte.
Ao invés do defendido pelo recorrente, não podemos deixar de acentuar que o arguido não utilizou, para perpetrar o crime, uma arma normalmente utilizada no cometimento do crime de homicídio.
Na verdade, o arguido escolheu uma chave da própria residência, que trazia consigo e que se encontrava acoplada, juntamente com outra chave, num mosquetão em alumínio. É certo que o arguido escolheu aquela concreta chave – de 7,5 de comprimento total, tendo a parte destinada à inserção na fechadura da porta cerca de 5 cm de comprimento, esta tinha a forma cilíndrica, era recortada e estreitada na ponta - e não a outra que a acompanhava no chaveiro (de dimensões bem menores).
Contudo, embora não se possa negar que o instrumento em causa possa ser utilizado como meio de agressão, não se trata de uma arma, trata-se de um objecto de uso habitual para a generalidade das pessoas. Ou seja, o arguido não procurou munir-se de um instrumento específico de agressão, de uma arma tipicamente letal.
E o facto de a agressão ter consistido num único e singelo golpe, golpe esse dirigido para a zona da cabeça, não impõe necessariamente a conclusão no sentido de que o arguido agiu com o objectivo de tirar a vida ao E… como aconteceu.
Ora, o facto de apenas ter sido necessário um único e singelo golpe apenas revela a violência desse golpe, não é decisivo para se concluir pela intenção de matar.
É preciso contextualizar a situação em causa, sem escamotear que tudo começou nas redes sociais, na troca de mensagens entre arguido, na ocasião com 16 anos de idade, e ofendido, que dali a um mês faria 15 anos, por causa de um eventual namoro com a referida J…. Assim, arguido e ofendido são ambos jovens e, na situação em questão, tendo em conta o teor das mensagens trocadas entre os mesmos, evidencia-se uma competição “amorosa” entre eles.
Percebe-se que o arguido age movido por este intuito competitivo, o que o levou a querer encontrar e confrontar o E… e mesmo afastá-lo da "competição", conforme refere o Ministério Público. Mas esse intuito também é revelado pela própria vítima (conforme decorre das mensagens trocadas entre ambos). E admite-se a existência de um crescendo no desentendimento com o E….
Assim, remetemos para o raciocínio expendido no acórdão, que acolhemos, no sentido de que “na definição da consciência e vontade de actuação do arguido há que considerar o contexto de actuação do mesmo, para o que relevarão as mensagens constantes de fls. 50 e ss., de onde se extrai bem o nível de conflitualidade e agressividade entre os dois jovens, potenciado pelas provocações insertas nas mensagens de fls. 513 e ss. e principalmente nos comentários no perfil do facebook de fls. 512 dois dias antes dos factos, onde o arguido responde à vítima "borrado eu? Vamos flr agr vai se ver o otario" e após a J… "espero vê lo ao teu lado na rua e para veres o forte do teu namorado" que, por sua vez ainda respondeu "eu sei quem tenho (...) tou a espera desse dia ent (...)."
Na verdade, não podemos descontextualizar o comportamento do arguido, pois, mais uma vez recorrendo ao acórdão “Estes elementos dão-nos também a conhecer a propensão com que o arguido já se encontrava para, quando encontrasse a vítima, designadamente com a testemunha J…, mostrar por qualquer forma toda a sua superioridade relativamente àquela, independentemente das consequências. Manifestamente, o que lhe interessava era demonstrar essa sua superioridade.”. E dizemos nós, mostrar a superioridade através de violência sem ponderar os seus limites.
E é neste contexto que entendemos não se impor a conclusão de que o arguido agiu daquele modo e utilizou aquele instrumento, cujas características conhecia, com o objectivo de tirar a vida ao E….
Com efeito, no clima de competição relatado, em que os ânimos estão ao rubro para ver quem ganha esta batalha amorosa, em que arguido e vítima não são mais do que dois jovens no verdadeiro sentido da palavra, com a inerente falta de maturidade que também se traduz na inconsequência dos seus atos, no agir sem pensar nas consequências, em que apenas importa ser o “superior e o maior”, ganhar aquela batalha, olvidando tudo o resto, entendemos que não podemos concluir que o arguido agiu deliberadamente para matar o E…, “seu concorrente”.
É certo que o arguido utilizou um instrumento perigoso se utilizado numa zona vital do corpo, como foi o caso. E que esse instrumento foi utilizado de forma violenta.
Contudo, estas circunstâncias revelam-se insuficientes para se concluir por uma intenção deliberada de matar.
No entanto, o arguido agindo nessas circunstâncias não podia deixar de ter consciência de que a sua conduta podia provocar a morte, tendo-se conformado com essa possibilidade.
Entendemos, pois que o conjunto da prova adiantada pelo Ministério Público, tal acervo probatório não impõe uma decisão diversa daquela que foi tomada pelo tribunal a quo (no sentido propugnado pelo recorrente), decisão devidamente fundamentada, e que se apresenta como uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência.
Pelo que, quanto à demais matéria de facto que o recorrente entende dever ser considerada como provada e como não provada e acima elencada, entendemos que, numa apreciação conjunta da prova produzida, numa análise e valoração concatenada, estabelecendo-se correlações internas entre as várias provas, confrontando-as, tendo presentes as regras da lógica e as máximas da experiência, com recurso a presunções naturais, não podemos senão concluir que a argumentação e prova indicadas pelo Ministério Público não impõem, nos termos da al. b) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal, a alteração dessa matéria fáctica decidida pelo Tribunal a quo.
Procede, assim, apenas parcialmente, este fundamento do recurso do Ministério Público.
Aqui chegados, e considerando-se definitivamente fixada a matéria de facto provada e não provada, cumpre enquadrar juridicamente a conduta do arguido.
Defende o Ministério Público, perante a pugnada alteração de factos, que estão de facto reunidos os elementos objectivos e subjectivos e os elementos de culpa para afirmar que o arguido cometeu o imputado crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 131.° e 132.°, n.°s 1 e 2, alíneas e) e j) do Código Penal, pois que agiu por motivo fútil, frieza de ânimo e com reflexão sobre os meios empregados e persistindo nessa intenção de matar por mais de 24 horas e na afirmação do dolo directo.
E mesmo não havendo lugar à pugnada alteração de facto, defende que a matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo é bastante para afirmar que estão igualmente verificados os elementos do tipo para afirmar que o arguido cometeu o imputado crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 131.° e 132.°, n.°s 1 e 2, alíneas e) e j) do Código Penal, naquilo que intercede com motivo fútil e frieza de ânimo.
Defende, pois que, a espera que o arguido realizou naquele local (em plena via pública) e tempo, na presença da namorada daquele e aquele modo de actuação furtivo no uso daquele instrumento e que impediu qualquer esboço de defesa por parte da vítima, as circunstâncias de modo, tempo e lugar que antecederam, rodearam e em que veio a acontecer aquela agressão são tradutoras de um "especialmente perverso, mais gravemente censurável e especialmente punível por lei".
Segundo o mesmo recorrente, a matéria de facto espelha uma especial censurabilidade e perversidade na exacta medida em que constitui "motivo claramente desproporcionado, inadequado face à génese do crime e ao modo de execução, que torna este incompreensível para a generalidade das pessoas, que não pode razoavelmente explicar (e muito menos justificar) o crime, revelando o facto, inteiramente desproporcionado, repudiado pelo homem médio, profunda insensibilidade e inconsideração pela vida humana, insensibilidade moral traduzida na brutal malvadez do agente".
Vejamos.
O artigo 131.º, do Código Penal, que estabelece o tipo legal fundamental dos crimes contra a vida, dispõe que quem “matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos”.
E o artigo 132º do Código Penal dispõe que:
1 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos.
2 - É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente:
(…)
e) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil;
j) Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas”.
O homicídio qualificado, previsto e punível pelo art.º 132º do Código Penal, constitui um caso especial de homicídio doloso que o legislador decidiu punir com uma moldura penal agravada, resultando esta do facto de a morte ter sido causada em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade do agente (n.º 1). Por sua vez, o seu n.º 2 faz uma enumeração das circunstâncias susceptíveis de revelar a referida especial censurabilidade ou perversidade.
O legislador adotou neste domínio a técnica chamada dos exemplos padrão (cfr. Figueiredo Dias, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, p. 25, §2).
Figueiredo Dias, salienta que a “…não verificação [das circunstâncias ou elementos, uns relativos aos factos, outros ao autor, elencados no n.º2, indiciadores da especial censurabilidade ou perversidade], por outro lado, não impede que se verifiquem outros elementos substancialmente análogos (não deve recear-se o uso da palavra ‘análogos’) aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador. Deste modo devendo afirmar-se que o tipo de culpa supõe a realização dos elementos constitutivos do tipo orientador (…) que resulta de uma imagem global do facto agravada correspondente ao especial conteúdo de culpa tido em conta no art. 132º-2 …” (in ob cit, pág. 26).
Para além disso, pode suceder que a verificação de qualquer uma dessas circunstâncias não implique, por si só, a qualificação do crime exigindo-se, por isso, que, no caso concreto, elas exprimam, insofismavelmente, uma especial perversidade ou censurabilidade do agente.
E isto, porque, as circunstâncias descritas nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 132º não são de funcionamento automático (neste sentido, cf. Actas das sessões da Comissão Revisora do Código Penal - Parte Especial, p. 21/24 Figueiredo Dias, Comentário, cit., p. 27, § 4, Cristina Líbano Monteiro, RPCC, 1996, p. 122 e seguintes).
Segundo Teresa Serra, in Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Coimbra, 1990, pág. 63/64 existe especial censurabilidade quando “as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal com os valores"; por seu turno, a especial perversidade supõe "uma atitude profundamente rejeitável no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade".
O Ministério Público entende que o arguido cometeu o imputado crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 131.° e 132.°, n.°s 1 e 2, alíneas e) e j) do Código Penal, pois que agiu por motivo fútil, frieza de ânimo e com reflexão sobre os meios empregados e persistindo nessa intenção de matar por mais de 24 horas.
Considerando que a pretendida alteração na matéria de facto provada e não provada apenas procedeu parcialmente, cumpre, perante a factualidade definitivamente assente, analisar se a conduta do arguido é de subsumir ao crime de homicídio simples ou ao de homicídio qualificado.
No que se refere à qualificativa da alínea j) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal importa, desde logo, adiantar que não se provou a persistência da intenção de matar por mais de 24 horas.
Por outro lado, apesar do relatado contexto da actuação não podemos concluir que o arguido tenha atuado movido por um motivo fútil ou torpe.
Motivo torpe ou fútilsignifica - como dizem os Professores Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, in ob. cit., ps. 62 e 63 - que o motivo da actuação, avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito (...), de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana»”.
Com efeito, consideramos como motivo torpe aquele que se considera comummente repugnante ou baixo, sendo motivo fútil aquele que não se pode razoavelmente explicar ou justificar, sem qualquer tipo de valor ou em que este se mostre insignificante ou irrelevante.
O motivo fútil tem sido caracterizado pela jurisprudência como o motivo de importância mínima, o motivo frívolo, leviano, a «ninharia» que leva o agente á prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção homicida; o que se apresenta notoriamente inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime praticado; o que traduz uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e impeliu o agente a essa comissão, que acentua o desvalor da conduta por via do desvalor daquilo que impulsionou a sua prática.
O vector fulcral que identifica o «motivo fútil» não é, pois, tanto o que imprime a ideia de tão pouco ou imperceptível relevo, quase que pode nem chegar a ser motivo, mas aquele que realce a inadequação e faça avultar a desproporcionalidade entre o que impulsionou a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal com que ela se objectivou: no fundo, em essência, o que prefigure a especial censurabilidade que decorre da futilidade, sendo que esta pressupõe um motivo por ela rotulável e que dela e por ela se envolva (neste sentido o ac. do STJ de 19.02.2014, disponível em www.dgsi.pt).
No caso vertente, não obstante a conformação do arguido com o resultado produzido, o certo é que este actuou num contexto de desentendimento mútuo à distância, por causa de uma publicação de uma fotografia de uma rapariga com quem ambos se relacionavam, embora de modo diverso. Como se refere no acórdão em crise “Este desentendimento acaba por desembocar no encontro procurado pelo arguido na sequência das prévias provocações mútuas, as quais motivaram decisivamente a sua actuação”.
No entanto, embora aquele desentendimento e respectiva causa não justifiquem, de todo, o comportamento do arguido, embora o quadro factual descrito revele um certo primitivismo de reacções em que emergem pulsões primárias que indicam a desproporcionalidade entre o motivo que despoleta o itinerário criminoso, não se pode apontar a ausência de racionalidade ou, dito por outras palavras, uma ausência de um processo compreensível que, minimamente, convoque a lógica como explicação da conduta do arguido. Entende-se, assim, que os factos apurados são insusceptíveis de integrar aquele indício de qualificação do crime de homicídio, nomeadamente da al. e) do n.º 2 do art. 132.º do Código Penal.
Na verdade, não obstante a conduta do arguido revelar um grau de culpa intenso, pelas circunstâncias de modo e tempo - espera por parte do arguido, que surgiu de frente trazendo na mão o mosquetão e as chaves, por volta das 22.00 horas, na presença da namorada da vítima e a violência empregue na agressão – não pode tal conduta ser considerada especialmente censurável para efeitos de integração dos factos no artigo 132º do Código Penal. No entanto, essas circunstâncias devem ser valoradas, contra o arguido, na determinação da medida concreta da pena, nos termos do artigo 71º do Código Penal.
De facto, não escamoteamos a existência de uma espera por parte do arguido ao ofendido, espera essa que ocorreu de noite e que precedeu imediatamente a prática dos factos.
Contudo, essa espera não pode ser considerada como um ato traiçoeiro, pois que surge na sequência da troca de mensagens e provocações mútuas, e não surpreendeu a vítima de tal forma que esta não tivesse possibilidade de se defender, já que o arguido surgiu de frente e a agressão foi precedida de uma troca de palavras entre arguido, vítima e namorada desta.
Entendemos, pois, que não se verifica, nenhuma situação análoga a qualquer das circunstâncias previstas nas alíneas e) e j) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal donde decorra uma especial censurabilidade ou perversidade.
Assim, por tudo o exposto, conclui-se, pela verificação de um crime de homicídio simples, previsto e punível pelo art. 131º do Código Penal, pelo que não merece censura o acórdão recorrido quanto à subsunção jurídica dos factos.
Improcede, pois, também este fundamente do recurso do Ministério Público.
Aqui chegados, feito o enquadramento jurídico-penal dos factos, cumpre proceder à determinação da medida concreta da pena de prisão a aplicar ao arguido.
Ambos os recorrentes – arguido e Ministério Público – suscitaram a questão atinente à dosimetria da pena de prisão, pelo que esta questão terá tratamento conjunto.
O arguido defende que a pena concretamente aplicável deverá fixar-se próxima do limite mínimo, 1 ano e sete meses, e por consequência, inferior a 5 anos, pena essa que deverá ser suspensa na sua execução, por estarem verificados os requisitos previstos no artigo 50.° do Código Penal.
Por sua vez, o Ministério Público defende a aplicação ao arguido de uma pena de prisão entre os 11 (onze) e os 12 (doze) anos de prisão (considerando a moldura penal para o crime de homicídio qualificado) e a aplicação de uma pena de prisão situada entre os 8 (oito) anos e os 9 (nove) de prisão (no caso de condenação pelo crime de homicídio simples).
Vejamos.
A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (cfr. art.40º do Código Penal). Todavia, convém ter presente que a aplicação de uma pena criminal tem uma finalidade de prevenção geral e especial da prática de futuros crimes e não uma função de retribuição pelo mal que foi praticado.
Neste sentido, refere o Prof. Figueiredo Dias “A base irrenunciável da solução aqui defendida para o problema dos fins das penas reside pois em que estas só podem ter natureza preventiva - seja de prevenção geral, positiva ou negativa, seja de prevenção especial, positiva ou negativa - não de natureza retributiva”, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, ano 2001, pág.104.
A medida da pena há de ser dada pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto, assumindo a proteção de bens jurídicos um significado prospetivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade, na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade das normas infringidas (prevenção geral positiva ou de integração que decorre do princípio político criminal básico da necessidade da pena – art. 18.°, n.° 2 da Constituição da Republica Portuguesa).
É a prevenção geral positiva ou de integração que fornece um “espaço de liberdade ou de indeterminação”, mais precisamente “uma moldura de prevenção”, (Prof. Figueiredo Dias, in “Consequências Jurídicas do crime”, Direito Penal 2, Parte Geral, pág. 283).
Na referida “moldura de prevenção” a função da culpa é a de estabelecer o limite máximo da pena concreto e como tal a pena nunca a pode ultrapassar, uma vez que a culpa constitui o pressuposto e limite da pena. O limite mínimo resulta do quantum de pena imprescindível, no caso concreto, e ainda comunitariamente suportável de medida da tutela de bens jurídicos e de estabilização das expectativas comunitárias da validade das normas violadas.
Na determinação da pena deve ter-se em conta, nos termos do art. 71º do Código Penal, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, fixando-se o limite máximo daquela de acordo com a culpa do mesmo; o limite mínimo, de acordo com as exigências de prevenção geral; e a pena a aplicar, dentro da moldura penal assim conseguida, de acordo com as exigências de prevenção especial que ao caso convenham.
Assim, a determinação da pena concreta far-se-á em função da culpa do agente, atendendo às necessidades de prevenção de futuros crimes e a todos os elementos exteriores ao tipo legal que deponham a favor ou contra o arguido, nos termos do disposto art.º. 71º do Código Penal.
Desta norma se retira o critério norteador da tarefa de que nos ocupamos, e que se pode sintetizar da seguinte forma: a medida concreta da pena deverá ser encontrada, entre o ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos da comunidade e o limiar mínimo em que essa tutela ainda é eficaz (“moldura de prevenção”), através do recurso a considerações de prevenção especial de socialização, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa do arguido. Aquela “moldura de prevenção” é fornecida pela prevenção geral positiva ou de integração, que, tal como já foi aflorado, se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade e vigência da norma infringida.
Os fins das penas encontram-se estabelecidos no já citado artigo 40.º do Código Penal.
O requisito da culpa traduz a vertente pessoal do crime entendido como um juízo de censura pela personalidade manifestada no facto, fixando-se através dela o limite máximo da pena, sendo pressuposto da mesma, limitando de forma inultrapassável as exigências da prevenção (Neste sentido, Figueiredo Dias, “Direito Penal, Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 255 e ss).
Como já se disse, complementarmente à medida da culpa - dentro da margem de variação por esta consentida - intervêm as necessidades de prevenção.
Assim mesmo se têm pronunciado a doutrina, maxime: Figueiredo Dias in “Direito Penal Português”, pag. 227/228; Robalo Cordeiro In “Jornadas de Direito Criminal”, CEJ, vol. I, pag. 265/270; Maia Gonçalves in “Código Penal Português” em anotação ao art.º. 71º e Leal Henriques e Simas Santos in “Código Penal”, vol. I, pag. 550/558) e a jurisprudência do STJ (maxime Ac. de 21/9/94, proc. 46290/3ªsec e de 20/5/95, proc. 47386/3ªsec).
A individualização da pena concreta aplicada pelo tribunal em cada caso não depende de uma qualquer opção matemática ou discricionária por um qualquer número. Tem, pois, o tribunal de fixar o quantum da pena dentro das regras postuladas pelo legislador, impondo-se-lhe que objetive os critérios que utilizou e que fundamente a quantificação que decidiu -vd. artigo 71º n.º 3 do Código Penal.
Assim, na graduação da pena atender-se-á aos critérios fornecidos pelos artigos 40° e 71° do Código Penal.
Analisemos o caso concreto.
A moldura penal abstracta aplicável ao crime de homicídio simples é a de prisão de 1 ano e 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses (cfr artigo 4º do Regime Penal Especial para Jovens Delinquentes (RPEJD), regulado pelo Dec. Lei n.° 401/82, de 23 de Setembro, artigos 73º, 74º e 131º, todos do Código Penal).
Importa, desde logo, ter em consideração que o arguido agiu com dolo eventual, denunciando os factos que foi a falta de controlo e de gestão adequada das próprias emoções que determinou a sua actuação, não deixando de relevar aqui a pouca idade do arguido.
No que concerne à ilicitude dos factos, é elevada, tendo em consideração que, apesar do desentendimento existente, o arguido actuou num contexto específico de espera, em que surpreendeu E…, com intuito de o confrontar, munindo-se de um instrumento que destinou à agressão. A atentar, pois, no modo de execução dos factos e suas consequências, que mais gravosas não poderiam ser.
As exigências de prevenção geral são cada vez mais elevadas, considerando que está em causa o bem jurídico mais precioso que é a vida, cuja violação tem de ser fortemente sancionada, sobretudo se tivermos em consideração que ocorrências com esta gravidade entre jovens, potenciadas designadamente pelos novos meios de comunicação inter-relacional, de natureza virtual ou não, se assumem em número cada vez maior, causando forte e máximo alarme, obrigando a que a pena, tendo sempre como limite a culpa do arguido, seja aplicada e fixada de forma a não defraudar as expectativas da sociedade, fazendo-a continuar a acreditar na eficácia do ordenamento jurídico.
As exigências de prevenção especial também são consideráveis se considerarmos que, apesar de não ter antecedentes criminais, o arguido não tem demonstrado capacidade crítica sobre os factos e não se tem mostrado ainda capaz de adequar a sua conduta às regras impostas pela comunidade (o que resulta concretamente da dificuldade que chegou a demonstrar no cumprimento da medida de coacção imposta, com registo de diversos incidentes, como frequentes saídas não autorizadas) e pela própria família, denunciando uma desadaptação às circunstâncias e dificuldade de reacção à frustração. Ademais, o arguido manteve uma postura de negação perante a forma como esperou e depois veio a agredir mortalmente o E….
Assim, face a todo o exposto, atentando na moldura abstracta da pena revertendo para o acórdão recorrido e considerada a factualidade apurada, bem como todas as circunstâncias que depõem a favor e contra o recorrente, elencadas na mesma decisão, o grau da ilicitude e do dolo na prática dos factos, a situação pessoal e social do arguido, a sua conduta anterior e a posterior aos factos, a natureza do crime em causa e as já referidas prevenção geral e especial, tudo ponderado, entendemos que a pena de 8 (oito) anos de prisão, em vez da pena de 6 (seis) anos de prisão encontrada pelo tribunal a quo, se mostra ajustada e perfeitamente adequada às necessidades de prevenção geral e especial, sem exceder a culpa.
Procede, assim, este fundamento do recurso do Ministério Público.
E improcede, na totalidade, o recurso do arguido, perante a agravação da pena de prisão aplicada e inadmissibilidade legal de a mesma ser suspensa na sua execução (cfr. artigo 50º do Código de Processo Penal).
***
III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em:
a) Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B…;
Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 UC’s a taxa de justiça.
b) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e alterar a matéria de facto provada e não provada nos termos acima explanados;
c) Alterar a medida concreta da pena e condenar o arguido B… pena de 8 (oito) anos de prisão pela prática de um crime de homicídio, previsto e punível pelo artigo 131º do Código Penal.
d) Manter, quando ao demais, a decisão recorrida.
Sem tributação.
***
Porto, 21 de março de 2018
Elsa Paixão
Maria dos Prazeres Silva