Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4188/18.6T8VFR-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: DESPEDIMENTO ILÍCITO
TRABALHADORA LACTANTE
NÃO ENVIO DO PROCESSO DISCIPLINAR
CITE
REMESSA DO PROCESSO DISCIPLINAR
DECURSO DO MESMO A TRABALHADORA DEIXE DE SER TRABALHADORA/LACTANTE
FACTOS CONSTANTES
NOTA DE CULPA
MOMENTO EM QUE A TRABALHADORA ERA TRABALHADORA/LACTANTE
Nº do Documento: RP201907174188/18.6T8VFR-C.P1
Data do Acordão: 07/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: DECISÃO SUMÁRIA EM RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 297, FLS 2-8)
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do artigo 63º do CT “1. O despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador no gozo de licença parental carece de parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. 2. O despedimento por facto imputável a trabalhador que se encontre em qualquer das situações referidas no número anterior presume-se feito sem justa causa. 3.Para efeitos do número anterior o empregador deve remeter cópia do processo à entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres: a) Depois das diligências probatórias referidas no nº1 do artigo 356º, no despedimento por facto imputável ao trabalhador”, sendo que as diligências a que se alude neste último artigo são “as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa”.
II - Sendo a trabalhadora à data da instauração do procedimento disciplinar trabalhadora lactante e imputando-lhe a empregadora factos, constantes da nota da culpa, reportados a esse momento [como trabalhadora/lactante] tanto basta para que a empregadora tenha que remeter o processo disciplinar à CITE para parecer prévio, sob pena de ilicitude do despedimento.
III. Tal obrigação – de remessa à CITE – mantém-se mesmo que no decurso do processo disciplinar a trabalhadora deixe de ser trabalhadora/lactante.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº4188/18.6T8VFR-C.P1
Relatora: M. Fernanda Soares – 1610

Na presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento – a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira – Juiz 2 – em que é TRABALHADORA B… e EMPREGADORA C…, Unipessoal LDA., foi proferido despacho, em 11.03.2019, a julgar ilícito o despedimento de que a TRABALHADORA foi alvo por parte da EMPREGADORA por esta não ter requerido o parecer prévio da CITE, nos termos dos artigos 63º, nº1 e nº3, al. a), 381º, al. d), todos do CT e, consequentemente, foi a EMPREGADORA condenada a pagar à TRABALHADORA as retribuições que deixou de auferir desde 03.12.2018, à razão mensal de € 580,00 e até ao trânsito em julgado da decisão que declarou a ilicitude do despedimento, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data do vencimento de cada prestação em falta.
A EMPREGADORA veio recorrer pedindo a revogação do despacho e a sua substituição por outro que ordene a remessa dos autos à 1ª instância para que proceda a julgamento dos factos articulados pela recorrente no articulado motivador do despedimento, concluindo do seguinte modo:
1. À data da prolação da decisão de despedimento com justa causa da Trabalhadora – 30.11.2018 – esta já não era trabalhadora lactante, tal como definido no artigo 63º, nº1 do CT, pelo que carecia a recorrente de solicitar o parecer prévio da CITE.
2. À data da realização do último acto instrutório – 26.11.2018 – a Trabalhadora já não era trabalhadora lactante, tal como definido no artigo 63º, nº1 do CT, pelo que carecia a recorrente de solicitar o parecer prévio da CITE.
3. Ao assim não entender, a Mmª. Juiz a quo fez uma errada interpretação dos artigos 63º, nº1 e nº3, al. a) bem como do disposto no artigo 381º, nº1, al. d), ambos do CT.
A TRABALHADORA veio contra alegar alegando que se encontrava na situação de lactante, quer na data em que lhe foi instaurado o processo disciplinar e foi suspensa preventivamente, quer na data em que foi notificada da nota de culpa – com a intenção de a despedir – quer na data em que foi realizada a última diligência de instrução, que se verificou no dia 23.11.2018, data em que o seu filho completou um ano de vida e em que ainda tinha direito a dispensa de trabalho para amamentação. Conclui pela manutenção da decisão recorrida.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
O recurso é admissível – artigo 79º-A, nº2, al. i) do CPT – e é tempestivo – artigos 80º, nº2 do CPT e 139º, nº5 do CPC.
Cumpre decidir.
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Os factos a ter em conta na decisão do presente recurso, e que não foram impugnados pela recorrente, são os seguintes:
1. A Autora B… é mãe de D…, nascido em 23.11.2017.
2. Após o nascimento, a Autora gozou o período de licença parental, tendo regressado ao trabalho em 05.07.2018, passando a gozar do direito à dispensa para amamentação.
3. Após o dia 23.11.2018, data em que o seu filho completou um ano de vida, a Autora não apresentou à Ré qualquer atestado médico, para efeito de dispensa de amamentação.
4. O processo disciplinar com vista ao despedimento da Autora foi instaurado em 26.09.2018.
5. A Ré enviou à Autora uma carta a suspendê-la de funções nesse dia 26.09.2018, carta essa que foi recepcionada pela Autora em 28.09.2018.
6. Em 18.10.2018, a Ré enviou à Autora a nota de culpa, da qual resulta ser intenção da Ré proceder ao seu despedimento com justa causa.
7. A Autora respondeu à nota de culpa em 08.11.2018, requerendo a inquirição de oito testemunhas.
8. As testemunhas arroladas pela Autora, na resposta à nota de culpa, foram ouvidas nos seguintes dias: 20, 21 e 23 de Novembro de 2018.
9. A diligência de inquirição de testemunhas, datada de 23.11.2018, foi acompanhada pela mandatária da Autora Dr.ª E… e as inquirições de testemunhas dos dias 20 e 21 foram acompanhadas pela mandatária da Autora Dr.ª F….
10. Por email enviado em 26.11.2018, a mandatária da Autora comunica à instrutora do processo disciplinar que prescinde da inquirição das demais quatro testemunhas arroladas na resposta à nota de culpa.
11. O último acto de instrução foi realizado no dia 23.11.2018.
12. A Ré não solicitou à CITE o parecer a que alude o artigo 63º do CT.
13. A decisão de despedimento está datada de 30.11.2018 e a carta de comunicação de tal decisão foi recepcionada pela Autora em 03.12.2018.
Em face do que consta do facto 10 adita-se o seguinte:
14. O teor do email referido em 10 é o seguinte: “Sou a informar que a arguida prescinde das quatro testemunhas arroladas e que não foram ainda ouvidas em sede de processo disciplinar”.
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Objecto do recurso
Se à data da prolação da decisão de despedimento – 30.11.2018 – e se à data da realização do último acto instrutório – 26.11.2018 – a TRABALHADORA já não era trabalhadora lactante.
A Mmª. Juiz a quo considerando que “o último acto de instrução realizado no processo disciplinar foi realizado em 23.11.2018, data em que a Autora ainda era considerada trabalhadora lactante” concluiu que “no caso, era necessário que a Ré tivesse solicitado à CITE o parecer prévio a que alude o artigo 63º, nº1 do CT, o que se apurou que não fez, pelo que o despedimento da Autora é ilícito com tal fundamento”.
A apelante discorda defendendo que o último acto instrutório ocorreu em 26.11.2018 e nesta data a aqui TRABALHADORA já não era trabalhadora lactante. Vejamos então.
Da parentalidade
Nos termos do artigo 35º do CT “1. A protecção na parentalidade concretiza-se através da atribuição dos seguintes direitos: “(…) “i) Dispensa para amamentação ou aleitação”. Segundo o disposto na al. c) do nº1 do artigo 36º do CT “No âmbito do regime de protecção da parentalidade, entende-se por: Trabalhadora lactante, a trabalhadora que amamenta o filho e informe o empregador do seu estado, por escrito, com apresentação de atestado médico”. O nº2 do mesmo artigo preceitua “O regime de protecção da parentalidade é ainda aplicável desde que o empregador tenha conhecimento da situação ou do facto relevante”.
Refere o artigo 47º, nº1 do CT “A mãe que amamenta o filho tem direito a dispensa de trabalho para o efeito, durante o tempo que durar a amamentação”. E o artigo 48º, nº1 do mesmo Código determina “Para efeito de dispensa para amamentação, a trabalhadora comunica ao empregador, com a antecedência de 10 dias relativamente ao início da dispensa, que amamenta o filho, devendo apresentar atestado se a dispensa se prolongar para além do primeiro ano de vida do filho”.
Tendo em conta a factualidade dada como provada, o filho da aqui TRABALHADORA completou um ano de idade no dia 23.11.2018. Se a TRABALHADORA pretendia usar do direito de dispensa para amamentação para além do dia 23.11.2018 deveria ter formulado tal pedido à EMPREGADORA e apresentar atestado médico até 10 dias relativamente ao “reinício” da dispensa, no caso, até 14.11.2018. A Autora, como resulta da matéria de facto, não apresentou atestado médico, pelo que a dispensa para amamentação terminou no dia 23.11.2018.
E atendendo à noção de trabalhadora lactante [a trabalhadora que amamenta o filho e informe o empregador do seu estado, por escrito, com apresentação de atestado médico] a aqui TRABALHADORA deixou de ter essa qualidade às 24 horas do dia 23.11.2018, posto que, e como já referido, não apresentou atestado médico que comprovasse essa situação.
Da ilicitude do despedimento – artigo 381º, al. d) do CT
Reza o citado artigo que o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito “Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres”.
Esta disposição legal tem de ser articulada com o disposto no artigo 63º do CT, o qual refere “1. O despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador no gozo de licença parental carece de parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. 2.O despedimento por facto imputável a trabalhador que se encontre em qualquer das situações referidas no número anterior presume-se feito sem justa causa. 3.Para efeitos do número anterior o empregador deve remeter cópia do processo à entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres: a) Depois das diligências probatórias referidas no nº1 do artigo 356º, no despedimento por facto imputável ao trabalhador”, sendo que as diligências a que se alude neste último artigo são “as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa”.
Cumpre aqui dizer, a respeito dos citados artigos, o seguinte.
Como defende Pedro Ferreira de Sousa [em O Procedimento Disciplinar Laboral, 3ª edição, página 247 e 249] (…) “o legislador laboral consagrou uma especial protecção às trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes, a qual se insere num regime mais alargado de tutela das referidas trabalhadoras. Tal protecção assenta na ideia de que as trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes se encontram especialmente sujeitas à arbitrariedade ou discriminação da entidade empregadora, considerando, designadamente, que, durante um certo período de tempo, as mesmas poderão estar afastadas da empresa ou, pelo menos, apresentar menor disponibilidade para o exercício das suas funções. Nessa senda, o legislador laboral estabeleceu um princípio geral que faz impender sobre a entidade empregadora um acrescido ónus de prova da existência de justa causa de despedimento” (…).
Tal especial protecção ao nível da codificação laboral constitui a “resposta” ao princípio constitucional da protecção da maternidade e da paternidade consagrado no artigo 68º, nº2 da CRP, no qual se estabelece que “A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes”. Voltemos ao caso em análise.
A EMPREGADORA não solicitou e referido parecer prévio. Mas deveria fazê-lo? É o que vamos analisar de seguida.
Percorrendo a nota de culpa junta aos autos podemos verificar que à TRABALHADORA são imputados factos ocorridos entre 16.08.2018 e 25.09.2018. Neste período a aqui TRABALHADORA era trabalhadora lactante, posto que tal situação apenas terminou, como já referimos, em 23.11.2018.
Ora, e ressalvando melhor entendimento, o momento “processual” disciplinar que o CT define para remessa do processo disciplinar à CITE [Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego], que é logo após a conclusão das diligências probatórias, tem a ver com o facto de o empregador estar impossibilitado de proferir decisão de despedimento antes do parecer prévio daquela Comissão, tudo se passando como se o processo disciplinar ficasse “suspenso” após a realização das diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa.
Ou seja, o estabelecido na al. a) do nº3 do artigo 63º do CT não tem por pressuposto que a trabalhadora, no momento determinado para o envio do processo disciplinar à CITE [que no caso, seria após a realização das diligências requeridas na resposta à nota de culpa] tenha a qualidade de trabalhadora lactante, desde que a tenha aquando da prática dos factos que lhe são imputados na nota de culpa.
Na verdade, a protecção a que atrás nos referimos e a sua razão de ser [no que respeita às trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes] permite-nos concluir que o legislador pretendeu “controlar” o despedimento destas mulheres/trabalhadoras com fundamento em factos ocorridos durante o período em que as mesmas passaram por essa concreta situação [no caso que apreciamos, de trabalhadora lactante].
Por outras palavras: o que releva, para efeitos do cumprimento do disposto na al. a) do nº3 do artigo 63º do CT, é o facto de os “factos imputados” à trabalhadora, fundamento do despedimento, terem ocorrido no período em que a trabalhadora era uma trabalhadora lactante.
Ora, se os factos constantes da nota de culpa ocorreram nesse especial período da vida da trabalhadora [trabalhadora/lactante] estava a aqui EMPREGADORA obrigada a dar cumprimento ao determinado na al. a) do nº3 do artigo 63º do CT.
Todo o circunstancialismo ocorrido durante a instrução do processo disciplinar, e já em momento temporal em que a aqui TRABALHADORA já não tinha a posição de trabalhadora lactante, é de todo indiferente. Na verdade, não é pelo facto de a aqui TRABALHADORA ter deixado, a determinado momento, de usar do direito de dispensa para amamentar, que as garantias legais que lhe são concedidas em termos de despedimento “desaparecem”, quando essa “especial protecção” lhe era concedida no momento da instauração do procedimento disciplinar e quanto a factos ocorridos quando era trabalhadora lactante e que fundamentam o despedimento.
Assim sendo, e ainda que por fundamentos não totalmente coincidentes [nos termos do artigo 5º, nº3 do CPC «O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito»] se conclui que a decisão recorrida não merece qualquer reparo ao ter concluído pela ilicitude do despedimento com base no disposto 381º, al. d) e 63º, nº3, al. a), ambos do CT.
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Termos em que, e ao abrigo do disposto nos artigos 652º, nº1, al. c) e 656º do CPC, se julga improcedente a apelação e se confirma a decisão recorrida.
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Custas a cargo da apelante.
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Notifique.
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Porto, 17.07.2019
Fernanda Soares