Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1854/13.6TJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
JUSTA INDEMNIZAÇÃO
AVALIAÇÃO
POTENCIALIDADE EDIFICATIVA
ARRENDAMENTO
Nº do Documento: RP201811151854/13.6TJPRT.P1
Data do Acordão: 11/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º152, FLS.176-196)
Área Temática: .
Sumário: I – Na determinação do valor da indemnização, por serem os peritos especialistas na avaliação de bens e deverem também orientar-se pelos critérios de legalidade, objectividade e imparcialidade, com especial destaque para os peritos do tribunal, deve atender-se à sua especial importância (até pela obrigatoriedade da perícia) no âmbito da aplicação do princípio da livre apreciação da prova.
II – Não padece de nulidade por omissão de pronúncia nem por falta de fundamentação a sentença proferida no processo de expropriação que, acolhendo o relatório pericial maioritário (subscrito pelos peritos nomeados pelo tribunal e pelos expropriados), não discute as divergências existentes entre as posições assumidas pela perícia, entre estas e o relatório de arbitragem e os argumentos de que a expropriante e os expropriados se serviram, designadamente para discordar ou aceitar a posição arbitral.
III – Quando o aproveitamento económico normal da área de implantação do prédio não depende da demolição do edifício nele existente e se realiza pela via da sua reabilitação e aumento de área útil, a indemnização a atribuir ao expropriado deve espelhar essa sua potencialidade (caso se verifique à data da DUP).
IV – A ponderação do valor da indemnização devida ao arrendatário pela caducidade do arrendamento (motivada pela expropriação) na indemnização do proprietário senhorio depende das circunstâncias de cada caso, só acontecendo em situações de desajustamento ou desproporcionalidade entre o valor da renda e o estado do locado (renda inferior ao valor do locado).
V – A potencialidade do prédio verificada à data da DUP, a atender para efeito da justa indemnização, não se confunde com a mais - valia que poderá resultar da reabilitação do prédio efectivamente realizada ou a realizar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n° 1854/13.6TJPRT.P1- 3ª Secção (apelação)
Comarca do Porto – Juízo Local Cível – J1

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.[1]
Por deliberação do conselho de administração da Porto Vivo, SRU-Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa Portuense, S.A., publicada no DR - II SÉRIE, de 15 de julho de 2010, foi concretizada a declarada a utilidade pública com atribuição do carácter urgente que resulta diretamente da Lei[2], da expropriação de duas parcelas, a saber:

A) Parcela nº 1, localizada na Rua …, … - …, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto, com o nº 1866 de … e inscrita na matriz urbana respetiva sob o artigo 5507º, em que são expropriados e/ou interessados, na qualidade de proprietários:
1. B…, falecida;
2. C…, falecido;
3. D…, falecido;
4. E…, falecida;
5. F…, falecido; sendo deles herdeiros:
a) G…;
b) H…;
c) I…;
d) J…;
e) K…;
f) L…; e
g) G….

B) Parcela nº 2, localizada na Rua …, … - …, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto, com o nº 1867 de … e inscrita na matriz urbana respetiva sob os artigos 5254º a 5259º, em que são expropriados e/ou interessados:
1. B…, falecida;
2. C…, falecido;
3. D…, falecido;
4. E…, falecida; e
5. F…, falecido; sendo deles herdeiros:

a) G…;
b) H…;
c) I…;
d) J…;
e) K…;
f) L…; e
g) M….
*
A entidade expropriante deliberou tomar posse administrativa das parcelas expropriadas [cf. fls. 179/180 (parcela 1) e 181/182 (parcela 2)].
Foram realizadas vistorias ad perpetuam rei memoriam[3] (cf. fls. 189 a 235 quanto à parcela 1 e fls. 237 a 340 quanto à parcela 2).
Por decisão arbitral:
- De fls. 31 e seg.s., para a parcela nº 1, foi fixada a indemnização relativamente:
1 Aos proprietários, em €259.627,00;
2. Ao arrendatário do r/ch, traseira, N… (sucessores), em €43.669,20;
3. À arrendatária do r/ch frente, O… Unipessoal, Ldª, a quantia de €60.008,00.
De fls. 56 e seg.s., para a parcela nº 2, foi fixada a indemnização relativamente:
1. Aos proprietários, em €282.074,77;
2. À arrendatária do r/ch, traseira, P…, em €102.080,00.
Por despacho de fls. 120/121 foi adjudicada a propriedade dos bens à entidade expropriante.
Da decisão arbitral recorreram:
1. A entidade expropriante, a fls. 303 a 318, reputando como justa a indemnização:
- De €118.417,8, aos proprietários da parcela nº 1;
- De €125.278,43, aos proprietários da parcela nº 2;
- De €28.696,08, à arrendatária habitacional da parcela nº 1;
- De €43.190,40, à arrendatária da parcela nº 2.
2. Os expropriados proprietários, H… e J…, a fls. 332 seg.s., pugnando pela fixação global da indemnização para as duas parcelas, no montante de €1.695,515,00.
3. Os expropriados arrendatários, P…, Q… e a proprietária, K… e marido, a fls. 403 seg.s.
4. Os expropriados proprietários, I… e Herança aberta por óbito de S… e mulher E…, em que são herdeiros aquele e G… a fls. 490 e seg.s, concluindo como adequada a atribuição de uma indemnização de €938.000,00 para a parcela nº 1 e de €980.000,00 para a parcela nº 2.
Por despacho de fls. 531, admitiram-se os recursos.
A fls. 589 e seg.s, a expropriante respondeu aos recursos apresentados pelos expropriados proprietários e arrendatária, rejeitando os valores por eles propostos.
Os expropriados, a fls. 623 e seg.s e a fls. 658 e seg.s., também responderam, defendendo a improcedência do recurso da entidade expropriante.
Procedeu-se ao pagamento aos expropriados dos montantes em que se verificou acordo das partes.
Realizou-se a avaliação pericial, da qual resultou o relatório de fls. 994 a 1018, tendo sido fixada:
1. Pelos peritos designados pelo tribunal e pelos expropriados, a indemnização a atribuir aos:
- Expropriados proprietários, pela parcela nº 1, no valor de €637.558,80 e pela parcela nº 2, no montante de €601.437,83;
2. Pelo perito indicado pela entidade expropriante, a indemnização a atribuir aos expropriados proprietários, para a parcela nº 1, no montante de €589,419,00 e pela parcela nº 2, no quantitativo de €572.643,00;
3. A indemnização para a arrendatária da parcela nº 1, Q…, no valor de €83.306,80 e para a arrendatária da parcela nº 2, P…, no valor de €121.933,60.
Na sequência de reclamação da expropriante, foram prestados esclarecimentos pelos Srs. peritos, a fls. 1200 a 1210.
Designou-se data para inquirição das testemunhas (cf. fls. 1437 e 1438), a qual não se realizou por ter sido prescindida (fls. 1457).
Não houve outras diligências de prova.
As partes produziram alegações escritas.
A entidade expropriante, em súmula, reproduziu o teor do recurso apresentado (fls. 1471 ss.).
Os expropriados alegaram a fls. 1466, a fls. 1485 e seg.s e a fls. 1496 e seg.s.

Foi depois proferida sentença que, acolhendo as conclusões do relatório pericial subscrito pelos peritos do tribunal e dos expropriados quanto à avaliação dos bens, culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
« Por todo o exposto, julgo parcialmente procedentes os recursos apresentados pelos interessados e, em conformidade, fixo a indemnização a atribuir:
- aos interessados proprietários da parcela nº 1 a quantia de 637.558,80 euros (seiscentos e trinta e sete euros e quinhentos e cinquenta e oito euros e oitenta cêntimos) e da parcela nº 2 a quantia de 601.437,83 euros (seiscentos e um mil e quatrocentos e trinta e sete euros e oitenta e três cêntimos) e aos arrendatários: da parcela nº 1, Q… o valor de 83.306,80 euros (oitenta e três mil e trezentos e seis euros e oitenta cêntimos) e da parcela nº 2, 121.933,60 euros (cento e vinte e um mil, novecentos e trinta e três euros e sessenta cêntimos).
- determino que as referidas indemnizações devem ser atualizadas, à data da presente sentença, por aplicação do índice de preços no consumidor.
Custas: a cargo das partes, na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo de eventuais isenções subjetivas.»
*
Inconformada com a sentença, recorreu a expropriante, Porto Vivo, S.A., tendo alegado com as seguintes CONCLUSÕES:
«A. Vem o recurso interposto da decisão que fixou os valores de indemnização por força das expropriações, tendo aderido ao laudo subscrito pela maioria dos peritos.
B. A decisão considerou que aquele relatório adoptou o critério mais credível e justo e que a opinião minoritária não tem capacidade de abalar o laudo/parecer dos demais peritos.
C. Com base em tal motivação, a decisão nada mais contém acerca da apreciação dos fundamentos do recurso apresentados pela Expropriante.
D. Deixa assim o Tribunal por fazer a apreciação dos fundamentos do recurso do acórdão de arbitragem apresentado pela entidade expropriante, assim como dos meios de prova produzidos nos autos, fixando sem o menor esforço na análise do caso concreto as indemnizações.
E. É uma adesão sem mais ao relatório pericial dos autos, permitindo que em processos de expropriação, sejam os peritos a fixar as indemnizações devidas aos expropriados.
F. Na verdade, nem sequer a identificação dos expropriados e respectivas quotas está correcta, devendo ser alterada nos termos acima referidos.
G. Por outro lado as questões levantadas pela entidade expropriante no âmbito do recurso e posteriormente no decorrer dos autos após a realização da perícia não se revestem de tal carácter técnico que o Tribunal não seja capaz de as apreciar, ficando unicamente dependente da perícia que se produza nos autos.
H. As questões suscitadas pela expropriante reportaram-se, por exemplo, à área que deveria ser considerada para o cálculo da indemnização, à existência de uma servidão de passagem que onera um dos prédios, a existência de arrendamentos à data da DUP, a utilização de valores de referência muito posteriores à data da DUP (2010), tal como relativamente a imóveis que não eram similares com os expropriados, em termos de antiguidade, estado, áreas ou mesmo ónus associados, à ponderação do critério do rendimento, etc..
I. Quanto aos arrendatários, a expropriante impugnou ainda os valores utilizados para calcular os diferencias de renda, na medida em que se reportam a valores de imóveis novos e não iguais aos que os arrendatários dispunham, uma vez que a vistoria foi clara ao referir que os imóveis estavam em péssimas condições de conservação e não tinham qualquer condição de habitabilidade.
J. Tudo nos termos acima melhor explanados e que aqui se reproduzem para os devidos efeitos legais.
K. Resultou assim que os prédios objecto da expropriação na sua globalidade representaram em termos indemnizatórios um valor global de €1.444.237,03!
L. A expropriação veio assim claramente beneficiar os expropriados, na medida em que nunca os expropriados conseguiram vender os imóveis, à data da DUP, pelos valores agora fixados!
M. Tal viola o disposto no artigo 23º do CE.
N. O Tribunal teria impedido tal situação se tivesse adoptado uma posição crítica e fundamentada sobre as questões suscitadas, o que não sucedeu, violando também, por esse motivo, o quer o dever de pronúncia, quer o dever de fundamentação que sobre si impendem, nos termos das b) e d) do artigo 615º do CPC!
O. Note-se que na avaliação inicial efectuada [arbitragem], os técnicos são também nomeados pelo Tribunal, pelo que, no seguimento da posição expressa pelo Tribunal são também (tal qual os peritos nomeados para a perícia) imparciais.
P. A este propósito, desde já se refira que, nos termos do art. 389º do Código Civil (doravante “CC”), a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente apreciada pelo tribunal, assim como a prova é livremente apreciada, decidindo o juiz segundo a sua prudente convicção de cada facto.
Q. Assim, nada impedia o Tribunal, aliás antes se impunha, de adoptar os valores e critérios que considera adequados e justos à fixação da indemnização, apresentando a respectiva fundamentação.
R. Na verdade, os elementos considerados para efeitos de avaliação das parcelas e constantes no relatório pericial e na sentença que ora se recorre são infundados, desproporcionados e inválidos e, nessa medida, ilegais, motivo pelo qual deverá a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que fixe efectivamente o valor da justa indemnização, nos termos do artigo 23º do CE.» (sic)

Foram apresentadas contra-alegações em dois requerimentos autónomos:
A. De H…, G… e J… (fls. 1541 e seg.s); e
B. De K…, T… e P… (fls. 1549 verso e seg.s).
Os interessados G… e J… vieram informar que só por lapso nas contra-alegações referidas em A não constam também os seus nomes, devendo considerar-se também por eles apresentadas.
Em ambas as contra-alegações se defendeu a improcedência da apelação e a total confirmação do julgado.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
As questões a decidir --- exceção feita para o que é do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões da apelação da expropriante, acima transcritas (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil).
Este tribunal ad quem aprecia questões e não razões ou argumentos que naquelas sejam apresentados, sendo que os recursos não visam a criação de decisões sobre matéria nova e o seu âmbito é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida[4].

Somos chamados a apreciar e decidir as seguintes questões, a saber:
1. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação (art.º 615º, nº 1, al.s b) e d), do Código de Processo Civil);
2. Incorreção na utilização do critério de avaliação dos bens (violação do art.º 23º do Código das Expropriações) e atribuição de indemnizações injustas quer aos expropriados/interessados, quer aos arrendatários, na sentença recorrida.
3. Definição das quotas, a que cada proprietário/interessado tem direito na justa indemnização.
*
III.
O tribunal recorrido considerou provada a seguinte materialidade:[5]
A) Factos provados
1. Por deliberação do conselho de administração da Porto Vivo, SRU-Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa Portuense, S.A., publicada no DR, II SÉRIE, de 12 de Julho de 2010, foi declarada a utilidade pública e atribuído o carácter urgente da expropriação das parcelas:
A) parcela nº 1, localizada na Rua …, … - …, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto, com o nº 1866 de … e inscrita na matriz urbana respetiva sob o artº 5507º, em que é(são) expropriado(s) e/ou interessado(s), na qualidade de proprietários:
1. B…;
2. C…;
3. D…;
4. E…;
e
5. F…,
Sendo que, tendo falecido C…, D…, E…, são destes herdeiros:
j) G…;
k) H…;
l) I…;
m) J…
e
n) K….
B) parcela nº 2, localizada na Rua …, … - …, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto, com o nº 1867 de … e inscrita na matriz urbana respectiva sob os artºs 5254º a 5259º, em que é (são) expropriado(s) e/ou interessado(s):
1. B…;
2. C…;
3. D…;
4. E…;
e
5. F…,
Sendo que, tendo falecido C…, D…, E…, são destes herdeiros:
o) G…;
p) H…
q) I…;
r) J…
e
e) K….
2. As citadas parcelas têm a composição, caraterísticas e envolvência constantes das Vistorias “Ad Perpetuam Rei Memoriam” e do relatório de avaliação e respetivos esclarecimentos (cfr. docs. juntos a fls. 189 a 235 e 237 a 340, 994 a 1018 e 1200 a 1210 aqui dadas por inteiramente reproduzidas).
3. As aludidas parcelas situam-se na baixa da cidade do Porto, à margem da Rua …, junto à Praça …, numa zona nobre e valorizada, servida por infraestruturas, designadamente, acessos, transportes públicos (metro, ferrovia e autocarros), zonas de lazer, da qual se acede a pé e em pouco tempo a restaurantes, aos mais diversos estabelecimentos comerciais, salas de espetáculos, parques de estacionamento.
4. A Rua … constitui um acesso rodoviário pavimentado e betuminoso, dotado de passeios a toda a sua extensão, redes de abastecimento de água domiciliária, saneamento, distribuição de energia elétrica em baixa tensão, drenagem de águas pluviais, distribuição de gás, telefónica e estação depuradora, entre outros serviços (cfr. ainda relatório pericial de fls. 994 a 1108 e respetivos, supra dado por inteiramente reproduzido).
5. À data da DUP a parcela nº 1, encontrava-se arrendada a Q… (sucessora do primitivo arrendatário), devido ao seu óbito, o seu filho habilitado, T… (cfr. apenso A-habilitação herdeiros) (cfr. fls. 17) e a “O… Unipessoal, Ldª” (cfr. fls. 15 e 25)
6. À data da DUP a parcela nº 2, encontrava-se arrendada a P… (cfr. fls. 22 e 28).
7. A entidade expropriante, no dia 6 de novembro de 2012, deliberou tomar posse administrativa dos mencionados prédios/parcelas expropriados (cfr. docs. juntos a fls. 179 a 182, aqui dados por inteiramente reproduzidos).
8. Dou aqui por inteiramente reproduzidas as habilitações de herdeiros juntas aos autos.
9. Dou por reproduzidos todas as declarações constantes dos restantes documentos juntos aos autos.
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IV.
Conhecendo…
A. Considerações gerais[6]
O valor da justa indemnização pela expropriação das duas parcelas (nºs 1866 e 1867) tem de ser encontrado à luz dos princípios constitucionais e do critério legal estabelecido no Código das Expropriações de 1999, aprovado pelo Decreto-Lei nº 168/99, de 18 de Setembro[7], a lei aplicável, atenta a data da publicação do ato pelo qual a Porto Vivo, SRU – Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa Portuense, S.A. deliberou expropriá-las, nos termos e ao abrigo dos n.ºs 1, 3 e 4 do artigo 79° do Decreto-Lei 307/2 009, de 23.10, n° 1 do artigo 21° e artigo 23° do Decreto-Lei n° 104/2 004, de 07.05, com carácter de urgência, e tomar posse administrativa imediata dos prédios, com publicação no DR, 2ª série, de 12 de julho de 2010.
O artigo 62º da Constituição da República Portuguesa determina que a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.
Marcello Caetano, numa noção clássica, define a expropriação como a “relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em um fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o património da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória”[8]. O art.º 1º do Código das Expropriações, tal como o art.º 1310º do Código Civil, impõem o seu pagamento contemporâneo ao expropriado, a calcular nos termos dos art.ºs 23º e seg.s.
A indemnização deve corresponder à reposição no património do expropriado do valor dos bens. Como norma de princípio, a lei tem como justa, não a indemnização que vise compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas a que se destina a ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém do ato expropriativo, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública (art.º 23º, nº 1). Na definição da expressão “utilização económica normal” é fulcral o entendimento dado pelos peritos, atentos os seus conhecimentos técnicos específicos e a observação minuciosa que lhes cumpre fazer do local[9].
Em reforço, como se expôs no acórdão do Tribunal Constitucional de 16.3.1993[10], o conceito de justa indemnização, cujo pagamento constitui pressuposto de legitimidade do ato expropriativo, implica a plena compensação da perda patrimonial suportada pelo expropriado, potenciando que o sacrifício decorrente da expropriação seja repartido, em termos igualitários, por todos os cidadãos. Ou ainda, ela deve corresponder ao valor real e corrente em economia de mercado do bem expropriado, ou seja, ao valor que o expropriado obteria se o bem fosse vendido nas condições normais do mercado livre e não especulativo a um comprador prudente[11].
Segundo Alves Correia[12], o princípio da igualdade, como elemento normativo inderrogável que deve presidir à definição dos critérios de indemnização por expropriação, desdobra-se em duas dimensões ou em dois níveis fundamentais de comparação: o princípio da igualdade no âmbito relação interna e o princípio da igualdade no domínio da relação externa da expropriação.
No domínio da relação externa da expropriação, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada num montante tal que impeça um tratamento desigual entre os dois grupos. A observância do «princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos» na expropriação por utilidade pública exige que esta seja acompanhada de uma indemnização integral (volle Entschädigung) ou de uma compensação integral do dano infligido ao expropriado. Aquele princípio impõe que a indemnização por expropriação possua um «caráter reequilibrador» em benefício do sujeito expropriado, objetivo que só será atingido se a indemnização se traduzir numa «compensação séria e adequada» ou, noutros termos, numa compensação integral do dano suportado pelo particular.
Ainda na perspetiva de Alves Correia, o critério mais adequado ou mais apto para alcançar uma compensação integral do sacrifício patrimonial infligido ao expropriado e para garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto, é o do valor de mercado (Verkehrswert), também denominado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido normativo.
Com a expressão «valor de mercado normativamente entendido», designa o mesmo autor «o valor de mercado normal ou habitual», não especulativo, isto é, um valor que se afasta, às vezes substancialmente, do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da procura, já que está sujeito, frequentes vezes, a correções, as quais são ditadas por exigências da justiça. Uma boa parte destas manifesta-se em reduções que são impostas pela especial ponderação do interesse público que a expropriação serve, como a eliminação dos elementos de valorização puramente especulativos e das mais-valias ou aumentos de valor ocorridos no bem expropriado, em especial nos terrenos, que tenham a sua origem em gastos ou em despesas feitas pela coletividade. Mas, noutros casos, aquelas traduzem-se em majorações, devido à natureza dos danos provocados pelo ato expropriativo.
Também a jurisprudência tem atendido o valor de mercado normativamente considerado, sem elementos de valorização especulativa.[13] O que é essencial na determinação da justa indemnização é que sejam levados em conta os elementos valorativos do prédio que, numa análise objetiva da situação e segundo a opinião generalizada do mercado, não devam ser desprezados. Só assim se observam os princípios da igualdade e da proporcionalidade, orientadores da justeza da indemnização. A igualdade só ficará garantida se a generalidade das expropriações se fizer de modo a que as indemnizações atribuídas a final assegurem, em relação a cada caso concreto e tendo em atenção as respetivas circunstâncias específicas, a adequada reconstituição da lesão patrimonial infligida ao expropriado.
Na sequência do que já referimos quanto à prova pericial, impõe-se reforça a importância dessa prova na determinação do valor da indemnização, por serem os peritos especialistas na avaliação de bens e deverem também orientar-se pelos critérios de legalidade, com especial destaque para os peritos nomeados pelo tribunal, uma vez que a sua posição de maior imparcialidade garante, em princípio, a melhor objetividade da indemnização[14]. A peritagem, como meio probatório de avaliação, revela-se essencial e até indispensável, porque legalmente obrigatória (art.º 61º, nº 2). Obrigatória porque a lei parte do princípio que tal prova, a incidir sobre factos, se destina a elucidar o tribunal sobre o seu significado e alcance, no pressuposto de que a sua natureza e complexidade exigem habilitações e conhecimentos técnico-científicos especiais que escapam ao juiz, impondo-se o seu contributo para uma decisão conscienciosa e justa[15].
No processo de expropriação, tal meio probatório não se reporta apenas à perceção dos factos; os peritos procedem à sua valoração e apreciam-nos emitindo um juízo de valor sobre eles, que se revela, designadamente, na avaliação do bem expropriado. Todavia, tal juízo não vincula o julgador, pois no que tange à formulação de juízos jurídico-normativos e à estrita subsunção dos factos ao Direito, a lei atribui-lhe essa tarefa, podendo apreciar e valorar livremente esse meio probatório: «atribuindo-lhe o valor que entenda dever dar-lhe» (art.ºs 389º do Código Civil e 489º do Código de Processo Civil.)[16] Ou seja, os resultados da peritagem não são inexoravelmente vinculativos para o tribunal, que a eles pode, ou não, aderir, em função da sua apreciação e valoração finais, livremente efetivadas pelo juiz nos termos do art.º 607º do Código de Processo Civil[17].
Não obstante e como referimos já, mas nunca é demais repeti-lo --- devido ao respeito que os seus conhecimentos técnico-científicos devem merecer --- apenas perante uma prova clara, cabal e inequivocamente orientada em sentido diverso do que por aqueles for propugnado, maxime se por unanimidade, ou perante a constatação de erro seu, ou ainda por adoção de critério inadmissível por violação da lei aplicável, se poderão contrariar, sempre de forma motivada, a sua fundamentação e as suas conclusões.[18] Detetando evidentes deficiências passíveis de correção, o tribunal pode considerar outros elementos de prova que se mostrem interessantes e valiosos, afastando-se, nessa medida, da prova pericial[19].
Em caso de divergência de laudos --- como, em parte, ocorre no caso sub judice --- merece, em princípio, preferência, como é também jurisprudência corrente, a versão unânime dos peritos indicados pelo tribunal, se a houver, uma vez que a sua posição de maior imparcialidade garante, em princípio, a melhor objetividade da indemnização[20].
Todavia, como também já dissemos, o tribunal não fica a ela vinculado, podendo apreciá-la livremente e, se detetar deficiências passíveis de correção, pode convocar outros elementos de prova constantes dos autos que se mostrem interessantes e valiosos[21].
Partamos então destas ideias-base para a discussão das questões suscitadas.
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B. Nulidades da sentença
1. Omissão de pronúncia
São taxativos os fundamentos de nulidade da sentença previstos no art.º 615º, nº 1, do Código de Processo Civil. A omissão de pronúncia está prevista na respetiva al. d), segundo a qual a sentença é nula se o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.
Esta norma está em correlação com o art.º 608º, nº 2, do mesmo código. O juiz tem de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação. Além dessas só aprecia e decide aquelas cujo conhecimento a lei lhe imponha ou permita (ex officio).
A nulidade invocada há de resultar da violação do referido dever.
Não confundamos questões com factos, argumentos, considerações jurídicas ou mesmo observação pura da causa de pedir. Em termos gerais, designadamente na ação declarativa, a questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência em correlação com a respetiva causa de pedir[22] e, bem assim, com as exceções ou com a reconvenção que sejam deduzidas na contestação. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir.[23]
São questões os problemas concretos a decidir e não simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.
Se é certo que o juiz está obrigado a apreciar e decidir todas as questões que são submetidas à sua apreciação, certo é também que o juiz não tem que analisar, em pormenor, cada um dos factos, cada um dos argumentos ou cada uma das razões jurídicas que são invocadas pelas partes, podendo e devendo limitar-se a resolver as questões que deve conhecer, utilizando para o efeito os factos que ficaram provados e as razões jurídicas que entende adequadas à resolução das questões que as partes submeteram à sua apreciação.
Não interessa aqui se o tribunal decidiu bem ou mal, mas apenas se o tribunal deixou de conhecer das questões colocados ou que devesse conhecer por sua iniciativa.
Uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que o tribunal não podia socorrer-se, outra coisa é a nulidade por não conhecer de questões de que o tribunal podia e devia tomar conhecimento.
Diz-nos a recorrente que o tribunal aderiu sem explicação ao relatório pericial junto aos autos, que se limitou a considerar que aquele relatório (maioritário) adotou o critério mais credível e justo e a afirmar que a opinião minoritária não tem capacidade de abalar o laudo/parecer dos demais peritos.
Vejamos.
Logo na motivação da decisão, imediatamente subsequente ao que considerou ser a matéria de facto provada e não provada, o tribunal fez constar o seguinte: “A decisão respeitante aos fundamentos de facto resultou da análise da prova vertida nos autos --- prova documental e pericial (incluindo os esclarecimentos prestados), sendo certo que se acolheu no relatório apresentado a posição expressa pelos peritos dos expropriados e do tribunal.
Tal sucedeu, por se afigurar que contém o critério mais credível e justo, dado que foi indicado pelos peritos do tribunal e dos expropriados, os primeiros os mais imparciais e por se entender que o mesmo não foi abalado pelo critério do perito da expropriante.
Assim, entende-se que a opinião minoritária não tem a capacidade de abalar o laudo/parecer dos demais peritos, pelo que o mesmo será acolhido pelo tribunal.
Em sede de fundamentação de Direito, resulta da sentença: “Explicite-se que se concorda com os argumentos e com o teor do laudo de peritagem, de fls. 994 a 1108 e respetivos esclarecimentos, concretamente com a posição dos peritos indicados pelo tribunal e pelos expropriados, pelas razões supra expostas.
Deste modo, considerando a situação física do prédio, a sua localização, os restantes factos provados, bem como o disposto nas referidas Normas Provisórias, o preceituado no art. 24 do DL 104/2004, de 7/05, conjugado com os arts. 23, 24, 28 e 30 do Cód. das Exp, conclui-se, tal como no referido laudo pericial, que o valor da justa indemnização a atribuir aos expropriados proprietários da parcela nº 1 é de 637.558,80 euros e da parcela nº 2 de 601.437,83 euros e aos arrendatários: da parcela nº 1, Q… (herdeiro) o valor de 83.306,80 euros e da parcela nº 2, P…, de 121.933,60 euros”.
O Ex.mo Juiz não fez um confronto argumentativo entre as duas posições tomadas pelos Sr.s peritos: de um lado os três peritos nomeados pelo tribunal e o perito nomeado pelos expropriados e, do outro lado, o perito da nomeação da expropriante. Fez uma apreciação conclusiva dos relatórios, sem discutir as divergências argumentativas de uns e do outro, assim optando pela dita posição maioritária. Podia ter efetuado uma discussão mais concreta e mais profícua quando optou pelo laudo maioritário, assim motivando melhor a sua opção. Mas teria que o fazer necessariamente?
Ao optar pelo acolhimento da posição pericial maioritária de uma forma quase conclusiva, o Sr. Juiz deixou na sentença uma fundamentação menos rica, mas nem por isso deixou de conhecer da questão da avaliação das duas parcelas expropriadas e da determinação do valor do que considerou ser a justa indemnização, considerando transposta toda a argumentação expedida pela dita maioria, com que concordou absolutamente.
A recorrente discorda de determinadas partes do relatório pericial maioritário e dos esclarecimentos prestados. Essas partes foram acolhidas na sentença tal como os Sr.s peritos as estabeleceram. São a sua fundamentação. Esta fundamentação até poderá não estar correta e ter razão a recorrente (veremos adiante), mas nem por isso há omissão de pronúncia. A sentença decidiu as questões da ação.
Não ocorre nulidade por omissão de pronúncia.
2. Falta de fundamentação
O art.º 154º, nº 1, do Código de Processo Civil determina que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”. Esta norma decorre do comando constitucional que o art.º 205º da Constituição da República prevê: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
É pela fundamentação que a decisão se revela um ato não arbitrário, a concretização da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional. É por ela que as partes ficam a saber da razão ou razões do decaimento nas suas pretensões, designadamente para ajuizarem da viabilidade da utilização dos meios de impugnação legalmente admitidos.
Não surpreende, pois, que a falta de fundamentação da decisão, quando ela é devida, gere a sua nulidade. Dispõe o art.º 615º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil, que a decisão é nula quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Porém, este vício penaliza apenas a falta absoluta de fundamentação da decisão, não padecendo desse vício aquela que contém uma fundamentação deficiente, medíocre ou mesmo errada. Este é o entendimento praticamente uniforme na doutrina e na jurisprudência. Uma errada, insuficiente ou incompleta fundamentação não afeta o valor legal da decisão.[24]
A falta de fundamentação da decisão, seja ela um mero despacho ou uma sentença, há de revelar-se por ininteligibilidade do discurso decisório, por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira.
Como escreve o Professor Alberto dos Reis[25], «o que a lei considera causa de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou a mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
Só aquela ausência de motivação torna a peça imprestável ou impercetível. A fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões de facto e de direito que servem de apoio à solução adotada pelo julgador.
Bem ou mal --- não interessa para resolver esta questão ---, a decisão recorrida está fundamentada. Ao acolher uma posição sufragada pela maioria pericial, está a atender à fundamentação ali expendida, trazendo-a para a sentença como sua parte integrante, como, aliás, bem compreendeu a recorrente que, na realidade, manifesta discordância com essa fundamentação, defendendo a prevalência da sua própria argumentação e uma decisão diferente. Esta posição, relativa à solução do caso, não se confunde com as situações de nulidade da sentença que, pela sua gravidade, a tornam incompreensível, ininteligível ou imprestável.
Tanto basta para que se conclua, para efeito da al. b) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, pela inexistência da nulidade.
*
2. Incorreção na utilização do critério de avaliação dos bens (violação dos art.ºs 23º e seg.s do Código das Expropriações) e atribuição de indemnizações injustas quer aos expropriados/interessados, quer aos arrendatários, na sentença recorrida
Eis a questão fulcral.
Apontando para uma fundamentação demasiado conclusiva da sentença, com reporte de não discussão dos relatórios periciais e um acolhimento mecânico do relatório maioritário, subscrito pelos três peritos nomeados pelo tribunal e pelo perito indicado pelos expropriados, entende a recorrente que existem determinados pontos da realidade predial cuja análise justifica a redução das indemnizações fixadas. São eles:
- Os métodos de avaliação utilizados e a área das parcelas que deveria ter sido considerada para o cálculo da indemnização;
- A existência de uma servidão de passagem que onera um dos prédios;
- A existência de arrendamentos à data da DUP;
- A utilização de valores de referência do ano 2015, posteriores à data da DUP (2010) e relativos a imóveis diferentes dos que foram expropriados (em antiguidade, estado, áreas e ónus associados)
- O método do rendimento.
- Quanto aos arrendatários, no cálculo de diferenciais das rendas, a utilização de valores relativos a imóveis novos, diferentes dos que dispunham os arrendatários (estes com péssima condições, designadamente sem habitabilidade).
Vejamos.

Os métodos de cálculo e o valor das indemnizações atribuídas aos proprietários
A recorrente começa por estranhar a discrepância existente entre os valores fixados pela arbitragem e os valores encontrados pela posterior avaliação pericial, argumentando que os árbitros nomeados pelo tribunal e os peritos igualmente nomeados pelo tribunal são especialistas supostamente imparciais e isentos. Acaba por acentuar a sua discordância da avaliação pericial, pretendendo que se privilegie o relatório da arbitragem ou que se faça uma média entre os três métodos de avaliação admissíveis para a determinação das indemnizações. Mas acaba por propor valores de indemnização inferiores aos que resultam do relatório da arbitragem.
Não olvidará a apelante que o Sr. perito que ela própria indicou avaliou as parcelas e sustentou a atribuição de justas indemnizações a favor dos interessados por valores muito mais próximos do valor encontrado pela maioria pericial do que do valor atribuído pela arbitragem. Para exemplificar apenas com as indemnizações relativas aos proprietários das duas parcelas, temos que:
- Quanto à parcela 1, foram calculadas as seguintes indemnizações:
a) Arbitragem - €259.627,20; perícia maioritária - €637.558,80; perito da expropriante - €589,419,00.
Quanto à parcela 2, foram calculadas as seguintes indemnizações:
a) Arbitragem - €282.074,77; perícia maioritária - €601.437,83; perito da expropriante - €572.643,00.
Andou bem a expropriante ao reclamar da perícia realizada, assim abrindo caminho aos esclarecimentos por parte de quem tem o dever de os prestar: os subscritores do respetivo relatório. Sendo eles os autores da escolha dos métodos de avaliação dos bens e os seus utilizadores, também os especialistas, mais do que do tribunal, é deles que as partes devem exigir qualquer explicação em ordem a compreender, tão bem quanto possível, os fundamentos da determinação das parcelas de indemnização e o seu ajustamento à exigência legal da justa indemnização, que deve corresponder ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, com o enquadramento jurídico delineado nos art.ºs 23º, nº 1, do Código das Expropriações.
Não importa se a arbitragem e a perícia seguiram métodos/critérios de cálculo diferentes para a determinação das indemnizações. O que releva é que eles cumpram adequadamente o objetivo previsto no referido art.º 23º e os parâmetros de cálculo que os subsequentes artigos preveem para o efeito.
A expropriação visa a reabilitação dos dois edifícios que constituem a parcela 1 e a parcela 2.
O art.º 28º, nº 2, determina que “no caso de o aproveitamento económico normal da área de implantação e do logradouro não depender da demolição dos edifícios ou das construções, a justa indemnização corresponde ao somatório dos valores do solo e das construções, determinados nos termos do presente Código”.
A arbitragem optou por utilizar um método referencial. Partiu da área bruta construída à data da DUP, determinou a área útil de construção, atendeu ao valor do m2 de construção de acordo com a Portaria nº 1379-B/2009, de 30 de outubro, e encontrou o valor total para a construção de cada uma das parcelas. Com base nesse valor, seguiu o disposto nos nºs 6 e 7 do art.º 26º para encontrar o valor do solo, que considerou equivaler a 25% do custo da construção.
Na determinação do valor da construção do edifício, partiu do valor de uma construção nova, a custos de 2010, segundo o valor/m2 previsto na referida portaria e abateu-lhe 65% em razão da sua vetustez e desatualização de materiais e funcionalidade.
A perícia entendeu que a determinação dos valores de indemnização ao abrigo do método referencial aplicável, com base no n.° 2 do artigo 28.°, não logra alcançar valores que se
circunscrevam dentro da forquilha de valores admissíveis segundo o critério da justa indemnização. Nos esclarecimentos que prestaram, a fls. 1201 e seg.s, os Sr.s peritos explicaram aquela posição com o argumento de que, no caso não existe logradouro, sendo todo o solo abrangido pela área de implantação dos edifícios, razão pela qual não faz sentido autonomizar o valor do solo.
Usou então a perícia, todos os peritos, dois métodos de cálculo: o método comparativo e o método de custo e, tendo chegado a valores diferentes em cada um deles, a maioria de peritos optou por determinar a indemnização em função do valor médio encontrado com a aplicação dos dois métodos. Em vez da referida média, o Sr. Perito da expropriante optou, sem explicação, pelo valor mais baixo encontrado (o do método comparativo).
A perícia, tal como a arbitragem, diz raciocinar com áreas de construção existentes em cada uma das parcelas, à data da DUP, mas diverge da arbitragem ao admitir a possibilidade de elaboração de projetos que permitissem a ampliação da área de construção quer acima do solo, quer em cave. Por isso, na consideração da área total edificada, incluiu mezaninos (pisos intermédios), atendendo a que são possíveis face ao pé-direito existente, considerando-se também que as áreas de rés-do-chão e cave serão destinadas a uso comercial e que os pisos elevados serão destinados a habitação.
Usando do método comparativo, a perícia fez um estudo de mercado e comparou os valores de venda de imóveis de idênticas caraterísticas e antiguidade situados na zona das parcelas, com o objetivo de obter um conjunto de amostras suficientemente amplo, suscetível de permitir alcançar valores ajustados por homogeneização ao imóvel em avaliação. Registou o resultado num quadro que fez constar do relatório. Depois calculou o valor médio do m2 do conjunto das amostras recolhidas, que aplicou à avaliação de cada uma das parcelas através da multiplicação daquele valor (€900,00/m2) pela área útil de cada uma das parcelas.
Com o método de custos, os Sr.s peritos discriminaram entre áreas comerciais e áreas habitacionais e, atendendo ao respetivo coeficiente, determinaram as respetivas áreas úteis. Partindo de valores de venda/m2 (diferentes, conforme se trate de área comercial e de área habitacional), atingiram o valor total da venda de cada edificado. A este valor, os Sr.s peritos abateram os custos de reconstrução, projetos, taxas e licenças, comercialização, custos com financiamentos e lucro do promotor das vendas, atingindo então o valor de cada um dos prédios expropriados.
A perícia maioritária calculou a média entre os valores obtidos pelos dois métodos que utilizaram e estabeleceram as indemnizações aos proprietários em € 637.558,80 pela parcela 1, e em €601.437,83 pela parcela 2.
O Sr. perito da expropriante estimou em € 589.419,00 a indemnização pela parcela 1 e em €572.643,00 pela parcela 2, correspondentes ao menor valor encontrado entre o cálculo pelo método comparativo e o cálculo pelo método do custo, mais concretamente aos valores encontrados pelo método comparativo.

A recorrente começa por defender que, se a perícia tivesse englobado no cálculo da média de valores aqueles a que atendeu a arbitragem, teria chegado a indemnizações de valores inferiores.
O objetivo da perícia não é atingir valores reduzidos, mas valores justos. O valor das indemnizações não tem de resultar da média de valores a obter com base em todos os métodos admissíveis, ou com base em todos os métodos praticados no processo de expropriação, sob pena de risco de incongruência quando utilizados por árbitros e peritos que também partam de premissas divergente.
Note-se, por exemplo, que enquanto a arbitragem faz a avaliação de cada uma das duas parcelas com base no edificado, a perícia, por unanimidade, valorizou a possibilidade (física e legal) da reconstrução de cada um dos edifícios incluir mezaninos (pisos intermédios) e construção em cave, sem alteração da respetiva cércea.
As parcelas não valem tanto pelo que nelas existe, mas pelo que nelas se poderá realizar num aproveitamento económico normal de mercado.
No caso de solo destinado a construção, mas sem edificação, tem de se atender ao que nele pode ser edificado com aquele aproveitamento; havendo construção à data da DUP, há de atender-se ao seu valor ou ao que nele, física e legalmente, naquela mesma data, pode ser construído, acrescentado ou melhorado numa lógica de reabilitação, segundo o mesmo critério. Tal corresponde à consideração da potencialidade edificativa do prédio que a lei tutela para efeitos de atribuição da justa indemnização.
Tendo para nós como seguro que a construção dos mezaninos e da cave integra a potencialidade edificativa de cada um dos edifícios à data da DUP, o acolhimento, pela perícia do laudo de arbitragem (que não atendeu à potencialidade da reconstrução) não seria admissível para efeitos de obtenção da média de valores a relevar na fixação das indemnizações.
Por conseguinte, temos como justificada a área bruta atendida pela perícia (754,41 m2 na parcela 1) e injustificada a área bruta inferior atendida pela arbitragem (678 m2 para a mesma aparcela).

Passa depois a expropriante a dizer que, na conversão da área bruta em área útil, os Sr.s árbitros consideram um rácio de 0,86 e que tal não se admite porque atualmente, para uma construção nova, o rácio é de 0,80, não devendo o rácio de uma construção antiga, que remonta a meados do século XIX, ultrapassar 0,70 da área bruta.
Diz também a expropriante que a utilização, pela arbitragem, do critério definido pela Portaria nº 1379-B/2009, de 30 de outubro, constituía impedimento à soma do valor do solo, por no valor ali indicado estar já incluído aquele valor.
Acrescenta ainda quanto à parcela 1 que, não se tratando de construção nova, a arbitragem teria também de aplicar um coeficiente de vetustez que estima no rácio de 0,35, por se tratar de um prédio antigo.
Ora, esta posição da recorrente constitui um ataque ao laudo da arbitragem que, em larga medida, contradiz a própria expropriante quando defende que o método de cálculo das indemnizações ali utilizado (por referências) we os valores ali obtidos também deveriam ter sido ponderados pela perícia na determinação da média de valores que a mesma efetuou.
A opção por um rácio de 0.86, 0,80 ou 0,70 na conversão de área bruta em área útil de construção obedece a um critério estritamente técnico, que até poderá depender de medições concretas, independentemente da idade do prédio. Na falta de maior concretização, escapa ao tribunal.
Os valores para os quais aponta a referida portaria respeitam ao preço de construção da habitação por metro quadrado, consoante as zonas do país, para o ano de 2010, para efeito de cálculo da renda condicionada, como se extrai da letra do próprio diploma legal. Tal evidencia que, no valor ali previsto para a Zona I, a que a arbitragem atendeu, se inclui também o valor do solo de construção. No preço da construção está incluído o valor do solo. Não faria sentido calcular o valor de uma renda em função de um valor de construção que excluísse o custo do terreno.
O relatório de arbitragem não podia ter adicionado um valor de solo ao valor encontrado com apoio no valor indicado pela Portaria nº 1379-B/2009, de 30 de outubro, por neste último se dever ter como já incluído no preço da construção.
Tudo isto e o que já anteriormente foi dito a propósito do laudo arbitral contribuem para a sua desconsideração no cálculo das indemnizações.
De outro passo ainda, a arbitragem não decorre nem com o contraditório nem com a participação de peritos indicados pelas partes como acontece com a perícia que, além de obrigatória é ainda posterior àquela, podendo ponderar a análise efetuada pela arbitragem, dando-nos, também por estes motivos, em princípio, maior confiança e fiabilidade.
Mais ajustados se afiguram os métodos levados a cabo pela perícia, designadamente o método de custos, pela ponderação que daí resulta da potencialidade edificativa das parcelas numa lógica de reabilitação e aproveitamento normal das edificações.

Diz ainda a apelante que, mesmo que não seja de ponderar a arbitragem, também a perícia deveria ter aplicado um coeficiente de desvalorização do prédio.
A nossa resposta é negativa por razões já apontadas. Na economia do art.º 28º, nº 2, não é apenas o estado da construção que se avalia, mas essa construção com o valor acrescentado que a potencialidade do prédio admite, o que passa pela reconstrução e reabilitação, com os respetivos custos. Quantificam-se estes, e o se valor deve ser abatido ao valor final de mercado, para venda, da construção reabilitada. Foi esse o método de custos que a perícia seguiu, e bem.
Improcedem nesta parte os fundamentos da apelação.

Alegou também a recorrente que a perícia, no uso do método comparativo, utilizou valores de mercado de 2015.
Nos esclarecimentos que prestaram, os Sr.s peritos confessam que utilizaram, de facto, valores de mercado referentes àquele ano. Todavia, afirmam que estavam bem conscientes de que tais valores estavam em linha com os correspondentes a julho de 2010. Para o efeito, juntam gráficos elaborados com base em dados estatísticos do INE, com valores entre 2008 e 2015 e um relatório da U….
Assim, não foi violada a regra prevista do nº 1 do citado art.º 23º e do nº 1 do subsequente art.º 24º de que releva o valor real e corrente que o bem tem à data da DUP.

Passa depois a recorrente a considerar que deveria ter sido considerada uma servidão de passagem existente, como uma causa de desvalorização do prédio por ela onerado.
Dizem os Sr.s peritos no seu relatório: “A parcela 1 é um prédio urbano, implantado num lote de terreno com 197,29m2, composto por 4 pavimentos (rés-do-chão + 2 andares + andar recuado), constituído em regime de propriedade total, com acesso por três entradas, uma a Sul, exclusiva para o rés-do-chão traseiras com entrada pelo Pátio … n.° …, que permitia também o acesso ao rés-do-chão do prédio da parcela 2, outra a Nascente, para o rés-do-chão frente com entrada pelo n.° … da Rua … e uma outra também a Nascente, com o n.° …, da Rua …, que constitui a entrada comum para os pisos superiores da unidade predial, ou seja, quer para os da parcela 1, quer para os da parcela 2”.
A expropriante invoca uma “servidão de passagem” sobre um dos dois prédios, a favor do outro, como causa de desvalorização do prédio serviente, na reclamação que apresentou do laudo pericial.
Relativamente à parcela 1, escreveu-se no relatório de vistoria aprm: “Ao nível do Rés-do-Chão, adjacente a Poente, à linha intermédia de justaposição das 2 figuras – rectângulo e trapézio – que conformam o edifício, constituindo o extremo Nascente do rectângulo, há uma servidão de passagem. Tem cerca de 1.50 m x 8.00 m e atravessa toda a parcela transversalmente, de Sul para Norte, a partir do Pátio …, dando acesso ao Rés-do-Chão da Parcela 2, através duma porta. (…)”.
A perícia respondeu assim: “Quanto à servidão de passagem, tal facto só seria um ónus se os prédios fossem de proprietários diferentes, o que gerava um condicionamento a ter em conta. Desde o momento em que ambos os prédios são dos mesmos proprietários, tal condicionamento, num eventual processo de reabilitação é irrelevante e não condiciona o valor dos mesmos.
Respondeu corretamente.
Primeiro, não parece que o conceito esteja usado em rigoroso sentido jurídico (art.ºs 1543º e seg.s do Código Civil). Segundo, o sacrifício de um dos prédios é compensado com a vantagem que advém para o outro prédio. Se ambos pertenciam aos mesmos expropriados, o sacrifício e a vantagem anulam-se reciprocamente, daí não advindo qualquer desvalorização do conjunto predial que justifique uma redução da indemnização, mesmo numa situação de reabilitação predial com o mesmo proprietário.
Improcede também nesta parte a apelação.

A Porto Vivo, S.A. defendeu ainda que o valor do imóvel (parcela 1) deveria ter sido calculado atentas as circunstâncias e condições de facto existentes à data da DUP, ou seja, considerando que o imóvel não se encontrava devoluto, na medida em que existiam arrendamentos em vigor.
Por isso, deveria ter-se aplicado uma desvalorização sobre o valor encontrado, não inferior a 15%.
Esta questão foi colocada na reclamação relativa ao relatório de peritagem e foi respondida, uniformemente pelos 5 peritos, nos seguintes temos: “Relativamente ao condicionamento gerado pelos arrendamentos em vigor, entendem os Peritos que tal não deve penalizar os expropriados por duas razões: primeiro não foram os proprietários que escolheram a altura em que são expropriados, uma vez que, sempre poderiam aguardar, no caso de uma iniciativa própria, por ter o prédio totalmente devoluto; segundo porque num processo de reabilitação poderiam aumentar as rendas praticadas. Entende-se pois que o ónus do arrendamento não deve penalizar os proprietários.
Se é certo que o arrendamento constitui uma limitação ao exercício do direito de propriedade, já que, pelo contrato de arrendamento, o proprietário se obriga a ceder ao inquilino o gozo da coisa locada para os fins a que ela se destina, essa cedência, além de temporária, tem sempre uma contrapartida: a retribuição (art.ºs 1022º, 1031º e 1038º, al. a), do Código Civil) e o bem locado deve ser restituído no fim do contrato (art.º 1043º do mesmo código).
O arrendamento foi a forma encontrada pelos proprietários (ou antecessores) para rentabilizarem temporariamente o prédio e essa rentabilização perde-se com a expropriação, da mesma forma que se perde o bem com a transmissão do direito de propriedade para o expropriante.
Como em qualquer outra situação, com a expropriação, o proprietário perde o bem e o rendimento que, por qualquer forma, dele retirava ou podia retirar numa situação de normal aproveitamento. Com a expropriação do bem arrendado, o expropriado proprietário locador perde o bem e a renda.
Havendo arrendamento, o bem não está desvalorizado, está aproveitado. Naturalmente que a expropriante, com a expropriação, faz extinguir os direitos dos proprietários e o direito dos arrendatários (caduca), ambos tutelados pelo Código das Expropriações. Não deve a expropriante sentir-se surpreendida com o dever de reparação dos prejuízos de uns e de outros titulares (art.ºs 23º e seg.s e 30º e seg.s).
Diz-nos a recorrente que, se os proprietários quisessem alienar os dois imóveis na situação em que se encontravam à data da DUP, teriam de fazê-lo por um valor inferior àquele que praticariam caso os mesmos estivessem livres e devolutos.
Não seria necessariamente assim. Dependeria do valor da renda e da finalidade para a qual fossem adquiridos.
Uma renda justa, equilibrada e proporcional à restrição da utilização causada ao proprietário não representa qualquer desvalorização do locado e, em caso de venda para o mesmo fim, representa um rendimento ao comprador. Transfere-se a propriedade do bem juntamente com o rendimento que está a produzir.
Já se tem defendido que, sendo o arrendamento um encargo autónomo para efeitos de indemnização, não há que ponderar a indemnização devida ao proprietário do prédio; a indemnização devida ao arrendatário em virtude da expropriação não é dedutível à indemnização devida ao proprietário expropriado. Para esta doutrina, este deve ser ressarcido pelo seu prejuízo: o desapossamento da propriedade plena do bem. Por outro lado, o dever do expropriante de suportar uma indemnização suplementar (pela caducidade do arrendamento) a favor do inquilino é justo por receber o prédio imediatamente livre do vínculo contratual que sobre ele recai.[26]
Quanto a nós, admitimos a existência de situações em que o arrendamento pode acarretar a desvalorização do direito de propriedade do titular expropriado.[27] É o que acontece, por exemplo, em situações de desatualização das rendas acompanhada da manutenção ou melhoramento da qualidade da coisa locada. Não será assim se a desvalorização do locado, designadamente por falta de manutenção ou reabilitação, acompanhar proporcionalmente a desvalorização das rendas.
No caso, sempre seria indispensável a verificação de factos que apontassem nesse sentido, não sendo suficiente a mera prova da existência do arrendamento e do valor das rendas quando a matéria de facto revela acentuada desvalorização do edificado, atendida nos métodos de avaliação utilizados para determinação das indemnizações aos proprietários.
De resto, os proprietários não tinham de alienar os prédios na data da DUP e poderiam aguardar qualquer momento posterior ao termo dos arrendamentos para a sua alienação se por ela se decidissem. Podiam, em alternativa, reabilitar os imóveis e corrigir o valor das rendas, se o desejassem.
Com estes fundamentos, estamos mais uma vez de acordo com a solução encontrada no relatório pericial, não havendo que ponderar qualquer desvalorização na avaliação da parcela.

Ainda inconformada, a expropriante continua a referir que, só por lapso, os Sr.s peritos utilizaram o valor de €900,00/m2. Alega que seria um preço publicitado, mas não praticado no mercado e que, em 2010, o crescimento e o desenvolvimento da baixa ainda estava a dar os primeiros passos. Refere ainda que o montante da indemnização não pode contemplar as mais-valias resultantes da reabilitação da zona de intervenção e do próprio imóvel, nos termos do art.º 24º, nºs 1 e 2 do Decreto-lei nº 104/2004, de 7 de maio.
Já atrás nos referimos à questão do valor do preço/m2 atendido na perícia.
A expropriante referiu também que, em todos os elementos comparativos ou estatísticos que os Sr.s peritos utilizam para justificar o recurso a valores de 2015 não é referido que tipo de habitação está subjacente à análise (se nova, usada ou para reabilitar).
Esta falta de referência não significa que não tivesse sido adequadamente utilizado pelos peritos o método comparativo ou estatístico, nomeadamente quanto ao tipo de habitação subjacente. Aliás, é referido no seu relatório que se procedeu a uma prospecção no mercado imobiliário de compra e venda de imóveis com idênticas características na zona da parcela (Freguesia de …), com o objectivo de obter um conjunto de amostras suficientemente amplo, susceptível de permitir obter valores ajustados por homogeneização ao imóvel em avaliação, (…)”.
Não dispõe o tribunal de elementos de facto provados que permitam acompanhar a conclusão da recorrente de que se justifica a aplicação de um coeficiente de depreciação dos imóveis por os bens não terem no mercado, em 2010 e por comparação com outros imóveis com as mesmas caraterísticas e localização, um valor tão elevado quanto aquele a que os Sr. peritos atenderam.

O referido Decreto-lei nº 104/2004, de 7 de maio, consagra um regime jurídico excecional de reabilitação urbanística de determinadas áreas urbanas (históricas), em obediência a diversos princípios. Através dele, foi concedida aos municípios a possibilidade de constituírem sociedades de reabilitação urbana às quais são atribuídos poderes de autoridade e de polícia administrativa como os de expropriação e de licenciamento.
De acordo com o art.º 21º, nº 2, do Decreto-lei nº 104/2004, de 7 de maio, “os expropriados gozam de todos os direitos e garantias consagrados no Código das Expropriações, salvo os que sejam expressamente afastados por este diploma”. O subsequente art.º 20º estabelece no seu nº 1 que “no cálculo do montante das indemnizações seguem-se os critérios previstos nos artigos 23.º e seguintes do Código das Expropriações, com as especificidades constantes do presente artigo”. No nº 2, prevê-se: “O montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública e deve corresponder ao valor real e corrente dos imóveis expropriados no mercado, sem contemplação das mais-valias resultantes da reabilitação da zona de intervenção e do próprio imóvel”.
Ora, o valor real e corrente dos imóveis expropriados no mercado não pode deixar de incluir o valor da sua potencialidade edificativa (à data da DUP), sendo certo que esta pode não coincidir com a valorização resultantes da reabilitação urbanística efetivamente operada no imóvel na sequência da expropriação. Esta mais-valia pode ser mesmo muito superior, contemplando, logo em projeto, por exemplo, a valorização das fachadas ou de interiores ou ainda a utilização de materiais nobres que, por força deste normativo, não podem influenciar a indemnização, sob pena de injusto enriquecimento do proprietário. É este o sentido daquele normativo. Qualquer interpretação que permita eliminar a compensação indemnizatória da potencialidade edificativa do imóvel contrariaria o princípio constitucional da justa indemnização, previsto no art.º 62º, nº 2, da Constituição da República.

Passa depois a recorrente a afirmar, quanto à utilização do método comparativo pelos Sr.s peritos, relativamente à parcela nº 2, que foi incorretamente utilizado o valor de €900/m2 também para a área de 70 m da cave. Teriam, assim, utilizado o mesmo valor m2 para os pisos destinados a habitação e comércio, com e sem cave.
Sobre este assunto, pediu a expropriante esclarecimentos à perícia, ao que esta respondeu que, “quanto ao valor da cave e dos pisos intermédios, tendo em conta que a sua utilização é idêntica à das restantes áreas, e os valores utilizados são valores médios, considera-se que nada haverá que alterar nos valores utilizados nos cálculos conducentes à fixação do valor da justa indemnização no método comparativo”.
A expropriante reconhece no recurso que os Sr.s peritos, relativamente à parcela nº 2, utilizaram para a cave valores diferentes daqueles de que se serviram para os pisos destinados ao comércio e à habitação, respetivamente €1.000,00/m2, 1.850,00/m2 e €1.600,00/m2 (no método de custos). Mal se compreenderia que a mesma peritagem não tivesse tido também em consideração a diferença de valores conforme àquela destinação quando afirmam que o valor de €900,00/m2 de área útil é um valor médio do conjunto das amostras recolhidas (no método comparativo). Nessas amostras terão ponderado os valores de cave, por estarem cientes da sua existência e do seu valor inferior ao dos restantes pisos. Note-se que, no método de custos utilizado, àqueles três diferentes valores foram abatidos os custos da reconstrução e outros custos, o que não acontece no método comparativo, assim se justificando também a sua disparidade.

A expropriante discorda também da utilização dos valores de €1.850,00 e €1.600,00 para as áreas destinadas ao comércio e à habitação (parcelas 1 e 2), mas nada justifica ao ponto de devermos excluir a sua consideração, seja pela existência de um lapso, um qualquer erro de cálculo ou de outro tipo, ou ainda a pura violação de um critério legal.
Aliás, esta questão foi colocada aos Sr.s peritos em se de reclamação, tendo os cinco peritos respondido assim: “Os valores de venda apresentados, poderão ser devidamente justificados com os gráficos acima colocados.
Efetivamente poderemos constatar pelos referidos gráficos, nomeadamente pelo do Confidencial Imobiliário que o valor médio de construção pedido no Porto andou no ano de 2010, sempre acima dos 1.800,00€/m2 para habitação, quando os Peritos utilizaram um valor de 1.600,00€/m2, o que se traduz num valor bem modesto se considerarmos a localização do prédio em causa, talvez na zona mais valorizada do Porto, onde tal valor seria seguramente mais elevado que o valor médio referido.
Para a área comercial, utilizou-se um coeficiente de 15%, o que plenamente se justifica, tendo em conta a centralidade dos espaços e a atividade comercial envolvente.
Esta explicação é técnica e não foi abalada.

Vale aqui para a parcela 2 o que atrás já foi escrito relativamente à parcela 1 quanto à consideração pela perícia, da área de 754,41 m2 e não da área consignada na vistoria aprm e no relatório de arbitragem, de 678,58 m2.

A apelante também manifestou discordância relativamente aos custos de construção atendidos pela perícia, de €400,00/m2. Este valor respeita aos custos de reconstrução das áreas residenciais em ambas as parcelas. Defende que é muito baixo; não abarca os custos relativos às demolições, à fiscalização da obra e aos ramais. Esta questão também foi objeto da reclamação, tendo os Sr.s peritos respondido que “o custo de €400,00/m2 de reconstrução, cerca de dois terços do custo da construção nova, inclui todos os custos, nomeadamente demolições, ramais, e restantes custos de projeto, inclui-se a fiscalização”.
O tribunal não dispunha de elementos, como não dispõe a Relação, para contrariar esta asserção estritamente técnica, sustentada por unanimidade pericial.

A expropriante ataca também o método do rendimento que os Sr.s peritos também utilizaram para determinar o valor da justa indemnização, na sequência da reclamação onde a expropriante solicitou a sua aplicação ao caso. Constitui, assim, o terceiro método utilizado pela perícia (depois do método comparativo e do método de custos de que se serviu no relatório pericial).
Antes de mais, deve dizer-se que a perícia pode realizar-se pela utilização de um único método, contanto que seja próprio e adequado. Não tem que se servir de todos os métodos de que a entidade expropriante e o expropriado se lembrem de solicitar.
Em todo o caso, vejamos.
O método do rendimento utilizado consistiu basicamente no seguinte:
Os peritos partiram do valor dos custos de reabilitação de cada um dos dois edifícios que haviam calculado segundo o método do custo, ou seja, €423.609,90 para a parcela 1 e €395.320,85 para a parcela 2.
Consideraram um rendimento, após a reabilitação, de €10,00/m2 para o comércio e de €8,50/m2 para a habitação que capitalizaram à taxa de 6,5% e atingiram o valor de:
- €1.095.7775,40 para a parcela 1, a que deduziram o referido custo de reabilitação (€423.609,90), estimando a indemnização em €672.165,50; e
- €1.030.500,92 para a parcela 2, a que deduziram o referido custo de reabilitação (€395.320,85), estimando a indemnização em €635.180,07.
Alega a expropriante que a perícia não poderia ter considerado o rendimento que os prédios iriam produzir após a sua reabilitação, mas apenas o rendimento que estavam a produzir aquando da DUP, portanto, no ano de 2010. Ao entender assim, acrescenta, a perícia atendeu a uma situação especulativa que não traduz o valor real e efetivo dos prédios, previsto no art.º 23º.
Passa depois a expropriante a sugerir uma forma de cálculo da indemnização segundo o método do rendimento, concretizando-a em elementos que considerou válidos e aplicáveis, pela qual concluiu por uma indemnização relativa à parcela 1 no valor de €118.417,81 e relativa à parcela 2 no valor de €125.278,43; valores muito inferiores àqueles que foram encontrados pela unanimidade dos peritos quando utilizaram os referidos três métodos de cálculo.
Deve recordar-se que a única divergência surgida dentro da avaliação pericial, tem a ver com a opção efetuada pelo perito da expropriante de seguir o resultado obtido segundo o método comparativo, pelo qual foi atingido o valor de avaliação mais baixo, afastando-se apenas da opção da maioria de peritos (todos os demais) de estimar as indemnizações segundo um valor médio obtido na ponderação dos resultados daqueles dois métodos.
O Sr. perito indicado pela expropriante subscreveu inclusivamente o relatório de esclarecimentos segundo o qual se atingiu, pelo método do rendimento, valores muito próximos daqueles que perícia tinha encontrado na conjugação do método comparativo com o método de custo, sobretudo destes últimos.
Mais uma vez, a expropriante parte da ideia base de que cada um dos prédios vale apenas em função do que nele existia à data da DUP, designadamente pela concreta vigência dos contratos de arrendamento relativos a cada uma das parcelas expropriadas, considerando os valores de renda que então estavam a ser praticados pelos locatários.
Como observámos já, não pode ser descurada a potencialidade dos prédios à da ta da DUP e, assim, a sua capacidade de produzir rendimentos futuros num aproveitamento económico normal. Se a avaliação não pode desprezar o valor do prédio reabilitado, deduzido o custo da reabilitação, também não pode abdicar da capacidade que cada um dos prédios passou a ter para produzir rendimento num aproveitamento económico normal, deduzidos aqueles custos. O facto de existirem frações devolutas à data da DUP, não retira ao edifício onde se encontram o potencial que tem de produzir rendimento a valores de mercado e que jamais se poderão confundir com os valores praticados antes da intervenção urbanística. Portanto, já na data da DUP se potenciava uma atualização do valor das rendas em função da viabilidade da reabilitação do edifício, devendo considerar-se os valores indicados pela perícia (incluindo o perito da expropriante) como sendo os possíveis valores reais e correntes de mercado numa utilização económica normal.
Em conclusão, temos como aceitáveis os valores indemnizatórios calculados pela unanimidade de peritos segundo os três métodos de cálculo utilizados (métodos comparativo, de custos e de rendimentos), devendo seguir-se a posição da maioria de peritos obtida pelos Sr.s peritos nomeados pelo tribunal e pelos expropriados na opção que fizeram de que seja atribuída uma indemnização que resulte da média de valores encontrada pela aplicação conjugada do método comparativo com o método de custos, desde logo também porque a esse resultado chegou também a unanimidade dos peritos quando calculou a indemnização segundo o método de rendimento.
Nesta parte, a decisão sentenciada mer2ce confirmação.
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As indemnizações dos arrendatários e o critério da sua atribuição
Estão em causa dois contratos de arrendamento, sendo um deles na parcela 1 e o outro na parcela 2, que caducam com a expropriação. Ambos os locados se destinam a habitação.
Como vimos já, o arrendamento para o fim assinalado (assim como para comércio, indústria, o exercício de profissão liberal e o arrendamento rural) é considerado um encargo autónomo para efeitos de indemnização dos arrendatários (art.º 30º, nº 1).
O inquilino habitacional obrigado a desocupar o fogo em consequência de caducidade do arrendamento resultante de expropriação pode optar entre uma habitação cujas características, designadamente de localização e renda, sejam semelhantes à da anterior ou por indemnização satisfeita de uma só vez (nº 2 do citado art.º 30º).
Na fixação da indemnização a que se refere o número anterior atende-se ao valor do fogo, ao valor das benfeitorias realizadas pelo arrendatário e à relação entre as rendas pagas por este e as praticadas no mercado (nº 3, ainda do art.º 30º).

Quanto ao arrendamento situado na parcela nº 1 (r/ch traseiras), em que é arrendatária Q… (viúva de N…):
- A área do locado é de 125,85 m2;
- A renda praticada à data da DUP era de €76,60, o que perfaz um valor de cerca de €0,60/m2 (€756,60/125,86).

A arbitragem considerou que um novo arrendamento, na mesma zona, tem um valor aproximado de €3,50/m2, pelo que a nova renda mensal seria de €440,51. O diferencial das rendas que o inquilino terá de suportar é de €363,91/mês (€440,51- €76,60.
Por ano, a nova renda passaria a ser de €4.366,91.
Considerando como valor da indemnização, atribuição de 10 anos de renda, a indemnização relativa ao diferencial de rendas, seria, na perspetiva da arbitragem, de €4.366,92 x 10 anos = €43.669,20, sendo este o valor da indemnização.

A perícia seguiu o mesmo raciocínio, mas entendeu que um novo arrendamento na mesma zona terá um valor aproximado de €6,00/m2. Por isso, calculou em €81.556,80 a indemnização relativa ao diferencial de renda (€8.155,68 x 10 anos). Adicionou-lhe um valor de transferência e perdas de €1.750,00, pelo que estimou o valor total da indenização em €83.306,80.

Quanto ao arrendamento situado na parcela nº 2 (2º andar e recuado), em que é arrendatária P… (viúva de V…):

A arbitragem, considerando que a renda total que estava a ser paga era de 89,60/mês, partir do pressuposto de que uma nova renda mensal custaria €600,00, na mesma zona. Sendo o diferencial de €510,40/mês, o diferencia anual é de €6.124,80.
E concluiu que, capitalizando à taxa de 6%, o valor da indemnização é de €102.080,00.

A perícia, considerando que:
- A área das duas frações tem o total de 179,96 m2;
- A soma das duas rendas praticadas à data da DUP era de €89,60, que corresponde a cerca de €0,40/m2; e que
- Um novo arrendamento na mesma zona terá um valor aproximado de cerca de €6,00/m2; o diferencial de rendas que o inquilino terá de suportar será de €1.007,78/mês o que totaliza a quantia anual de diferencial de rendas de €12.093,36.
Considerando como valor da indemnização, a atribuição de 10 anos de renda, a indemnização relativa ao diferencial de renda será de 12.093,36€ x 10 anos = 120.933,60€. A este valor, a peritagem adiciona um valor de transferência e perda que estima em €1.000,00, assim totalizando um valor de indemnização de €121.933,60.

A apelante defende essencialmente que o tribunal deveria ter considerado que, nos termos da vistoria aprm, os imóveis em causa quase não dispõem de condições de habitabilidade, não sendo admissível que a avaliação da caducidade do arrendamento tenha por base valores de arrendamento de frações com um estado de conservação diferente dos imóveis objeto de expropriação. As frações arrendadas encontravam-se em péssimo estado de conservação.
Sobre o assunto, a partir da reclamação da expropriante, os Sr.s peritos prestaram o seguinte esclarecimento:
(…) utilizou-se para arrendamento atual de habitação em novo ou reabilitado/novo, um valor de 8,50€/m2, que sendo um valor estatístico atual se considerou adequado para a data de 2010, tanto mais que sendo um valor médio e sendo o local em causa claramente privilegiado relativamente à generalidade dos espaços envolventes, poderia até ser superior.
Mas admitindo que em 2010 seria o valor de 8,50€/m2, um valor razoável para arrendamento novo ou reabilitado/novo, considera-se que os 6,00€/m2 utilizados, se refeririam a uma construção usada em condições razoáveis de habitabilidade, como a existente no prédio em expropriação e no que se refere às habitações nele existentes.

Dos relatórios de vistoria aprm extrai-se, com interesse:
Parcela 1
O arrendamento respeita ao rés-do-chão/traseiras. O conjunto está, exteriormente, em razoável estado de conservação.
No interior, as carpintarias são em madeira de pinho esmaltada. As condições de iluminação e ventilação são deficientes. Não apresenta condições de habitabilidade, se avaliado pelos atuais padrões. Detetaram-se, mormente nas paredes exteriores e nas paredes dum compartimento interior do piso inferior, infiltrações de água, condensações e salitres. O estado geral de conservação é sofrível.
Parcela 2
O arrendamento respeita ao 2º andar poente (traseiras) e 3º andar.
O conjunto está, exteriormente, em razoável estado de conservação.
Forma um duplex com o 3° andar --- tendo constituído duas unidades funcionais todavia com o mesmo arrendatário ---, ao qual tem acesso por escadas interiores. Tem composição e acabamentos compatíveis com as suas funções. A sua ventilação é suficiente. A iluminação natural é razoável, garantida por amplos vãos abertos nos alçados Nascente e Poente, sendo melhorada por iluminação artificial. O estado geral de conservação é deficiente. Parte das paredes e dos tetos estão degradados, com humidades, salitres e apodrecimentos. Não apresenta atualmente condições de utilização.

Face a estas informações, os Sr.s peritos não interpretaram devidamente os relatórios de vistoria aprm. Deles resulta que, a padrões atuais (à data da vistorias), nenhum daqueles espaços arrendados apresenta condições de habitabilidade/utilização. Porém, os Sr.s peritos calculam as indemnizações partindo do pressuposto diferente, de que tais espaços apresentavam condições razoáveis de habitabilidade.
Deve atender-se ao teor daqueles relatórios, pois que é da sua natureza e fim servirem para considerar os sinais dos bens expropriados existentes em data próxima da DUP e que podem vir a relevar no futuro, designadamente para efeito de avaliação e cálculo das indemnizações (maxime, quando ocorrem alterações físicas nas coisas objeto da expropriação) (art.º 21º, nº 4).
Afigura-se-nos, no entanto, que é excessivamente baixo o valor do arrendamento proposto pela expropriante, de €2,5/m2. A perícia, nos esclarecimentos prestados, chegou a admitir que o valor considerado de €8,50/m2 para os arrendamentos novos, em 2010, sendo um valor razoável, poderia ser tido como insuficiente ou baixo, atendendo à qualidade da localização dos locados, claramente privilegiados relativamente à generalidade dos espaços envolventes.
Tudo ponderado, temos como equitativo e justo atender ao valor de €4,50/m2 do arrendamento em vez do valor de €6,00/m2 utilizado pelos Sr.s peritos.
Assim, seguindo o critério pericial, apenas com a referida correção de valor renda/m2:
Quanto à parcela 1 (arrendamento de Q…) 125,86 m2 x (4,5/m2 - 0,60/m2) x 12 meses x 10 anos = €58.902,48.

Quanto à parcela 2 (arrendamento de P…) 179,96 x (4,5/m2 - 0,40/m2) x 12 meses x 10 anos = €88.540,32.
A recorrente não discute os valores de transferência e perdas encontrados pela perícia. Acrescem àqueles valores de avaliação.
Em síntese, à arrendatária Q… assiste o direito a uma indemnização total de €60.652,32, e à arrendatária P… assiste o direito a uma indemnização total de €89.540,32.
Termos em que se altera a sentença recorrida.
*
3. Definição das quotas a que cada proprietário/interessado tem direito na justa indemnização
Não cabe neste processo partilhar bens, mas atribuir as indemnizações aos proprietários expropriados e aos arrendatários cujo arrendamento caducou por força da expropriação. A determinação da quota ou direito faz-se na partilha e por efeito dela.
Compete-nos resolver qualquer dúvida relativa à identificação dos titulares do direito à indemnização pela expropriação das duas parcelas. Para o efeito, foram ponderados os seguintes documentos, entre outros, juntos ao processo: fls.353, 362 e 363, 379, 383, 386, 389, 444, 445, 47º e seg.s, 477, 480, 605, 689 e 1107 e seg.s.
De entre os proprietários, faleceram B…, C…, D…, E… e F….
Os interessados atuais são:
- H…, na medida em que sucede a sua mãe, B… e foi instituído herdeiro de D…;
- J… e K…, enquanto sobrinhas da K… (viúva de C…) que, por testamento, as instituiu suas herdeiras;
- G… e I… (filho de W…) como sucessores de D… e de E… (esposa de S…, também falecido);
- L… e M… enquanto sucessores de F….
*
SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
...............................................................................................
...............................................................................................
...............................................................................................
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IV.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, altera-se a sentença recorrida apenas quanto ao valor das indemnizações atribuídas às arrendatárias pela caducidade dos contratos de arrendamento, fixando em €60.652,32 a justa indemnização a favor do sucessor de Q… (seu filho T…) e em €89.540,32 a justa indemnização a favor de P….
Determina-se que os interessados beneficiários das indemnizações devidas pela expropriação da propriedade das duas parcelas são as pessoas identificadas na fundamentação da questão nº 3, na proporção dos seus quinhões.

As custas, na apelação e na ação, serão suportadas pela expropriante e pelos expropriados na proporção do seu decaimento.
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Porto, 15 de novembro de 2018
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
_______
[1] Segue-se de perto o relatório da sentença recorrida, com algumas alterações, designadamente quanto à identificação dos interessados/expropriados.
[2] Decreto Regulamentar que instituiu a Área Critica de Recuperação e Reconversão Urbanística da Cidade do Porto, delimitada pelo Decreto Regulamentar n.° 54/85, de 12.08, e alargada pelos Decretos Regulamentares n°s 14/94, de 17.06 e 11/2000, de 24.08 e nº 3 do artigo 21° do Decreto-Lei n° 104/2004, de 07.05 (cf. ainda art.º 13º do Código das Expropriações).
[3] Adiante abreviadamente designadas aprm.
[4] V.d. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra, 4ª edição, p.s 54, 103 e 113 e seg.s, p. exemplo, o acórdão da Relação do Porto de 5.5.2009, in www.dgsi.pt.
[5] Por transcrição.
[6] Dada a especificidade do processo de expropriação e a relevância que vão ter para a decisão das questões colocadas na apelação.
[7] Diploma que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[8] Manual de Direito Administrativo revisto e actualizado pelo Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral, Volume II, 10ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 1020.
[9] Acórdão da Relação do Porto de 4.11.2004, Colectânea de Jurisprudência V, p. 165, apesar de tirado no âmbito da aplicação do Código das Expropriações de 1991.
[10] BMJ 425/160.
[11] Cf., ainda na jurisprudência dos tribunais, o ac. da Relação de Lisboa de 12.4.94, Colectânea de Jurisprudência, T. II, pág. 110 e o ac. do Tribunal Constitucional já referido; na doutrina, Alves Correia, “O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade”, pág. 532 e seg.s, e “As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública”, pág. 129, Marcelo Caetano, pág. 1039.
[12] O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, ps. 532 e ss.
[13] Cf. o citado acórdão do Tribunal Constitucional, o acórdão da Relação do Porto de 11.5.1999, BMJ 487/371 e o acórdão Relação de Coimbra de 11.2.2003, Colectânea de Jurisprudência I, p. 36.
[14] Cf., entre outros, o citado acórdão Relação de Lisboa de 12.4.94, os acórdãos da mesma Relação de 4.11.1999, in BMJ 491/320 e de 30.6.2005, Colectânea de Jurisprudência, T. III, p. 116, e da Relação de Coimbra de 2.3.1999 BMJ 485/491.
[15] Cf. acórdão da Relação de Lisboa de 17.10.1996, nº 0074676, in www.dgsi.pt, e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.09.1996, in BMJ, 459/513.
[16] Entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 03.11.2005 e de 16.03.2006, nºs. 3525/2005-6 e 241/2006-6, in www.dgsi.pt.; acórdão da Relação de Guimarães de 04.10.2007, nº 1565/07-1 e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, IV, 185/186.
[17] Atual art.º 607º, nº 5, do novo Código de Processo Civil.
[18] Cf. acórdãos da Relação de Lisboa de 15.4.1999, Colectânea de Jurisprudência T. II, pág. 102 e de 2.7.2009, in www.dgsi.pt, acórdão da Relação do Porto de 16.9.2008, in www.dgsi.pt, e ainda acórdão da Relação de Évora de 5.5.2005, Colectânea de Jurisprudência T. III, pág. 241.
[19] Cf. acórdãos das Relações do Porto e de Coimbra de 12/2/2001 e de 11.2.2003, Colectânea de Jurisprudência, T.s I, pág.s 210 e 36, respetivamente.
[20] Cf., entre outros, o citado acórdão da Relação de Lisboa de 12.4.94, os acórdãos da mesma Relação de 4.11.1999, in BMJ 491/320 e de 30.6.2005, Colectânea de Jurisprudência III, p. 116, e da Relação de Coimbra de 2.3.1999 BMJ 485/491.
[21] Cf. acórdãos das Relações do Porto e de Coimbra de 12.2.2001 e de 11.2.2003, Colectânea de Jurisprudência, T.s I, pág.s 210 e 36, respetivamente.
[22] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 58.
[23] Acórdão da Relação de Coimbra de 21.3.2006, proc. 4294/05, in www.dgsi.pt.
[24] Cf., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.4.2004 e de 10.4.2008, o acórdão da Relação de Lisboa de 17.1.1999, BMJ 489/396. Cf. ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.1.2000, de 26.2.2004, de 12.5.2005 e de 10.7.2008, o primeiro in Sumários, 37º, pág. 34 e, os restantes, in www.dgsi.pt e Pais do Amaral, in Direito Processual Civil, 7ª ed., pág. 390.
[25] Código de Processo Civil anotado, vol. 5º, pág. 140.
[26] Acórdão da Relação de Guimarães de 31.1.2008, Colectânea de Jurisprudência, T. I, pág. 276, citando doutrina e outra jurisprudência.
[27] Salvador da Costa, Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Almedina 2010, pág. 222; Alípio Guedes, Valorização de Bens Expropriados, Almedina, 3ª edição, pág.s 117 e 118