Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
76/11.5TTPRT.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
PLURALIDADE DE RÉUS
Nº do Documento: RP2014110376/11.5TTPRT.P2
Data do Acordão: 11/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A decisão (acórdão da Relação) transitada em julgado que decide no sentido de que a mera declaração de insolvência da Ré não determina a extinção da instância por inutilidade da mesma tem força de caso julgado formal, a isso não obstando o Acórdão do STJ, uniformizador de jurisprudência, nº 1/2014, transitado em julgado e publicado em Diário da República (de 25.02.2014) apenas em data posterior àquela decisão (de 17.06.2013).
II - A declaração de insolvência de uma das Rés não acarreta a extinção da instância por inutilidade da mesma em relação à outra das Rés (que não foi declarada insolvente) contra a qual foram reclamados créditos com fundamento em alegada transmissão de estabelecimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 76/11.5TTPRT.P2
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 753)
Adjuntos: Des. Maria José Costa Pinto
Des. João Nunes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

B…, C…, D… e E…, vieram intentar a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra “F…, Ldª” e “G…, Ldª”, pedindo que as rés sejam condenadas a reconhecerem como jurídico-laboral a relação estabelecida com os autores e em consequência sejam as mesmas condenadas, solidariamente, a pagar-lhes:
- ao 1º autor, as quantias de €7.200,00 e de €1.525,00;
- ao 2º autor, as quantias de €9.600,00 e de €1.525,00;
- ao 3º autor as quantias de €16.000,00 e de €925,00;
- à 4ª autora, as quantias de €6.750,00 e de €995,00,
correspondendo as primeiras quantias a remunerações de férias, a subsídios de férias e de Natal não pagos, e as segundas quantias à retribuição do mês de Julho de 2010.
Alegaram em síntese que através de contratos ajustados sucessivamente, a 1ª Ré contratou os Autores para sob a sua autoridade, lhe prestarem atividade como técnicos de som (1º autor e 4ª autora), luz (3º autor) e palco (2º autor). A 1ª Ré exigiu a outorga de contratos de prestação de serviços, mas o cumprimento das funções caracteriza a relação como laboral. Em Outubro de 2010, a 1ª Ré, através de contrato cujo conteúdo os autores desconhecem, transmitiu à 2ª Ré todo o universo da logística do estabelecimento de teatro ou casa de espetáculos ou unidade de realização de atividades de índole cultural, incluindo todo o acervo e a sua unidade funcionante para o espetáculo que a 2ª Ré encetou então, pelo que a 2ª Ré sucedeu à 1ª em todos os vínculos contratuais detidos pelos autores. Aos autores não foi prestada qualquer informação sobre os motivos da transmissão, suas consequências jurídicas, económicas ou sociais, tendo apenas sido anunciado que a 2ª Ré passaria a ser a entidade processadora de remunerações. Aos Autores nunca foram abonados férias e respetivo subsídio nem subsídio de Natal. A 1ª Ré não pagou aos AA. total ou parcialmente, a retribuição de Julho de 2010 e apenas pagou dois dias de trabalho em Setembro de 2010.

As RR contestaram:
- A Ré F…, Ldª, alegando que os contratos celebrados são de prestação de serviços e pugnando por isso pela improcedência dos pedidos.
- A Ré G…, Ldª, invocando a inexistência de transmissão de estabelecimento da 1ª Ré para si, invocando que os Autores foram por si contratados em Setembro de 2010 mas a título de trabalho independente, concluindo a final pela sua absolvição do pedido.

Tendo tomado conhecimento da insolvência da 1ª Ré “F…”, os Autores vieram requerer a notificação do Administrador de Insolvência, o qual, notificado, informou que a 1ª Ré foi declarada insolvente por sentença datada de 15.4.2011, correndo o respetivo processo pelo 4º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, sob o nº 387/11.0TYLSB e que os presentes autos não têm qualquer efeito útil, não devendo prosseguir, porquanto qualquer sentença condenatória eventualmente proferida será inexequível, por força do artigo 88º do CIRE, sendo que qualquer credor que pretenda ver os seus créditos reconhecidos, deverá reclamá-los no processo de insolvência através de ação autónoma, ao abrigo do artigo 146º do CIRE, uma vez que o prazo estabelecido no artigo 128º do CIRE já terminou. Requereu pois que fosse mandado arquivar o processo por inutilidade superveniente da lide.

Veio então a 2ª Ré invocar a inutilidade da lide, referindo que: a sua legitimidade e responsabilidade deriva, nos termos que resultam da petição inicial, duma alegada transmissão de estabelecimento, sendo pois que a 2ª Ré apenas intervém como responsável solidária com a 1ª. Ora, sendo a responsabilidade da 2ª Ré totalmente decalcada da 1ª Ré, terá que se apurar em primeiro lugar a responsabilidade desta, para depois se aferir da responsabilidade da segunda. Contudo, sendo manifesto que por força da insolvência estes autos não têm qualquer utilidade, só depois dos autores reclamarem o seu crédito na insolvência e de ali se estabelecer a responsabilidade da 1ª Ré, poderão então demandar a 2ª Ré com base na alegada solidariedade, sendo evidente que os presentes autos deverão naufragar com base na inutilidade superveniente da lide.

Os Autores vieram aos autos manifestar não poderem conformar-se com o entendimento do Administrador de Insolvência, visto que está em causa o reconhecimento da natureza laboral da vinculação entre as partes, concluindo que nas acções em que se discuta a validade e subsistência da relação de trabalho, não obstante a declaração de insolvência da ré, inexiste impossibilidade superveniente da lide.

Junta aos autos a certidão da sentença que decretou a insolvência da 1ª Ré, a Mmª Juiz a quo proferiu o despacho de fls. 235, em cuja parte dispositiva, a final, julgou extinta a lide por inutilidade superveniente quanto a ambas as RR.

Inconformados, os AA. recorreram, havendo esta Relação, por acórdão de 17.06.2013 (fls. 307 a 311), decidido conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e ordenado o normal prosseguimento dos autos.

Prosseguindo o processo na 1ª instância, neste foi, aos 19.09.2013, prestada a informação pelo Tribunal de Comércio de Lisboa de fls. 323, nos termos da qual os autos de insolvência “se encontram a aguardar que seja proferida decisão de encerramento nos termos do artº 232º do CIRE.”.

Proferido despacho saneador (fls, 328 a 334), com seleção da matéria de facto assente e controvertida, aos 22.01.2014 foi proferido o despacho de fls. 375, ora recorrido, declarando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

Inconformados, vieram os AA. Recorrer, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:

Sendo duas as Rés entidades empregadoras demandadas e sendo declarada insolvente apenas uma das duas, não ocorre inutilidade superveniente da lide, devendo a acção prosseguir, contra a ré não declarada insolvente;

Não se apresenta a situação de facto dos presentes autos - pela existência do litisconsórcio - como subsumível ao objecto processual considerado pelo Acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ de 11-12-2013 (Proc nº 785/09.9 TTFAR.E1.S1) onde inexistia uma situações de litisconsórcio passivo e, em consequência, não sofre a restrição inerente à fixação de jurisprudência;

Mesmo assim, o estabelecimento do direito para uma causa cujo objecto processual é do foro laboral, nunca caberia ao Tribunal do Comércio competente para a declaração da insolvência das entidades empregadoras, por estar fora da jurisdição deste o foro laboral, mas caber-lhe apenas o conhecimento de reclamações de créditos já constituídos (judicialmente ou por outra via legal); segmento esse que não foi abordado pelo referido acórdão do Venerando STJ;

No caso dos presente autos os Autores recorrentes formulam um pedido, no pagamento de créditos laborais, de condenação solidárias das duas RR entidades empregadoras ao abrigo das normas dos arts 285º e segs do Código do Trabalho, aquela que foi declarada insolvente mas ainda a segunda Ré;

Mas formulam igualmente um pedido de declaração de existência de uma relação jurídico-laboral; e,

É legítimo e regular esperar obter de uma causa laboral o efeito reflexo, indirecto, de estabelecimento do direito quanto à natureza da relação jurídica existente entre as partes, de trabalhador e entidade empregadora, sobre a relação contributiva relativa à segurança social.

Ao ter decidido como o fez, não obstante o seu mérito intrínseco, violou a douta decisão recorrida as normas dos arts 518º e segs do Código Civil, 128º/3 do Código da Insolvência e art 85º da Lei nº 3/99, de 13-1 onde se estabelece a competência cível dos Tribunais do Trabalho e ainda as normas dos arts 285º e segs do Código do Trabalho.
Termos em que, e nos melhores de direito do douto suprimento deve o presente recurso ser admitido e, na atendibilidade das suas conclusões, ser proferido acórdão que determine a prossecução dos autos, revogando-se a decisão recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.

Foi pela relatora determinada a baixa dos autos à 1ª instância com vista à fixação do valor da ação, o qual veio a ser fixado em €44.460,00, conforme despacho de fls. 418.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Matéria de facto provada

Tem-se como assente o que consta do relatório precedente e, ainda, que:

1. Por sentença de 15.4.2011, transitada em julgado, a 1ª Ré foi declarada insolvente, tendo sido declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno e fixado em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos.
2. Não há notícia, nos autos, de que já tenha sido proferida com trânsito em julgado a sentença de graduação e verificação de créditos.
3. Conforme informação de fls. 323, de 19.09.2013, prestada pelo 4º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, os autos de insolvência da 1ª ré “aguardam que seja proferida decisão de encerramento nos termos do art. 232º do CIRE”
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III. Do Direito

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi dos arts. 5º, nº 1, da citada Lei e 1º, nº 2, al. a), do CPT/2009).
A questão suscitada pelos Recorrentes consiste em saber se a declaração de insolvência da 1ª Ré, “F…, Ldª” não determina a inutilidade superveniente da instância e, por consequência, a sua extinção, quer no que se reporta à Ré insolvente, quer no que se refere à 2ª ré, que não foi declarada insolvente.

2. Existe, porém, uma questão prévia, de conhecimento oficioso e, que, assim, importa dela conhecer, a qual consiste na exceção dilatória do caso julgado formal (arts. 577º, al. i) e 578º do CPC/2013) decorrente do decidido no primeiro acórdão, de 17.06.2013, proferido por esta Relação.

2.1. Como se disse no relatório do presente acórdão, o anterior acórdão desta Relação revogou a decisão da 1ª instância que, face à declaração de insolvência da 1ª Ré, havia declarado a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, importando referir que, em tal aresto, se considerou que, não estando provada a prolação de sentença de verificação e graduação de créditos, a declaração de insolvência do empregador não determina a inutilidade superveniente da lide.

Por sua vez, é o seguinte o teor do despacho ora recorrido:
“Após a prolação neste processo do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, a 4.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, por douto Acórdão proferido em 15/05/2013, uniformizou jurisprudência no seguinte sentido:
“Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da al. e) do art. 287.º do CPC.”
No âmbito de um recurso de Revista Excepcional foi recentemente proferido em 11/12/2013 douto Acórdão pelo STJ que acolheu aquela decisão uniformizadora de jurisprudência.
Assim sendo, tratando-se de um entendimento uniforme do Supremo Tribunal de Justiça superveniente, cumpre a este tribunal seguir o mesmo e decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide uma vez que a 1.ª Ré foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado.
No que concerne à 2.ª Ré, afigura-se-nos evidente que, face ao objecto da acção, não se justifica a continuação da mesma, na medida em que a responsabilidade daquela depende do reconhecimento dos alegados créditos não cumpridos pela 1.ª Ré, insolvente.
Pelo exposto, decide-se julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide.
Custas pela massa insolvente.”.

2.2. Nos termos do disposto nos artºs 619º, nº 1, do CPC/2013 [já aplicável atenta a data da decisão recorrida] a decisão sobre a relação material controvertida que conste de sentença transitada em julgado passa a ter força obrigatória dentro e fora do processo, nos limites e termos em que julga, consubstanciando o que se denomina de força (e eficácia) do caso julgado material.
Por sua vez, dispõe o art. 620º, que se reporta ao caso julgado formal, que as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.

O caso julgado ocorre quando se verifica uma repetição da causa; isto é, quando entre duas causas existe: identidade de sujeitos (quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica); identidade de pedido (quando em ambas as causas se visa obter o mesmo efeito jurídico); e identidade de causa de pedir (quando a pretensão deduzida em abas procede do mesmo facto jurídico) – artºs 580º e 581º do CPC.
A força ou eficácia do caso julgado determina que, transitada em julgado uma decisão, não se possa vir a conhecer, novamente, da questão que nela foi decidida, assim se impedindo que esta venha a ser, mais tarde, decidida em termos diferentes de que o havia sido. Tem, pois, o propósito de evitar que o tribunal seja colocado em posição de se repetir ou contradizer e, assim, conferir a necessária certeza e segurança jurídicas às relações jurídicas materiais (força do caso julgado material) e à relação jurídico-processual (eficácia do caso julgado formal).
Uma decisão transita em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação – cfr. 628º do CPC.
E, nos termos do artº 625º, nº 1, do CPC, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar, principio este que é aplicável à contradição existente entre duas decisões que dentro do processo, versam sobre a mesma questão concreta da relação processual, como o determina o nº 2 desse art. 625º.
Importa também ter em conta o disposto no art. 687º, nº 5, do CPC, nos termos do qual o acórdão uniformizador de jurisprudência deve ser publicado na 1ª série do Diário da República, bem como no art. 695º, nº 3, do CPC, relativo ao recurso para uniformização de jurisprudência, que dispõe que “3. A decisão de provimento do recurso não afeta qualquer sentença anterior à que tenha sido impugnada nem as situações constituídas ao seu abrigo.”.

2.3. No caso, o 1º acórdão desta Relação, de 17.06.2013, transitou em julgado, sendo que o mesmo tem força do caso julgado formal, impedindo que, dentro do processo, a questão nele tratada se volte a discutir.
Ora, esse acórdão decidiu no sentido de que a declaração de insolvência da 1ª ré não acarretava a inutilidade superveniente da lide e, conjugando-o com os seus fundamentos, nele se entendeu que tal inutilidade apenas ocorreria com a sentença de verificação e graduação de créditos proferida no processo de insolvência. Ele tem, pois, força de caso julgado formal, impedindo que, dentro dos presentes autos, se venha a proferir nova decisão; e, mesmo que viesse, sempre valeira a proferida em primeiro lugar.
E a isto não obsta, salvo melhor opinião, o Acórdão do STJ, uniformizador de jurisprudência, nº 1/2014, de 08.05.2013, publicado no DR, 1ª Série, de 25.02.2014, que veio a fixar jurisprudência no sentido de que “transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 287º do CPC”.
É certo que o primeiro acórdão desta Relação, de 17.06.2013, é anterior ao referido acórdão uniformizador de jurisprudência; é, porém, posterior à sua publicação no Diário da República.
Não se desconhece que o acórdão uniformizador de jurisprudência não tem a força obrigatória geral que era conferida, no passado, aos assentos, sendo que o então o art. 2º do Código Civil foi, primeiramente, declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 743/96, de 28.05 (DR de 18.07.1996) e, posteriormente, revogado pelo DL 329-A/95, de 12.12.
Não obstante, tem uma força vinculativa diríamos que mitigada. Como refere António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 378/379, “Todavia, a lei não deixou de lhes atribuir um especial relevo, conferindo-lhe implicitamente força persuasiva, (…). (…), a jurisprudência uniformizadora deve merecer da parte de todos os juízes uma atenção especial. (…) a jurisprudência uniformizadora do STJ conduzirá a que só razões muito ponderosas poderão justificar desvios de interpretação das normas jurídicas em causa. (…) Em suma, para contrariar a doutrina uniformizada pelo Supremo devem valer fortes razões ou outras especiais circunstâncias que porventura ainda não tenham sido suficientemente ponderosas.”.
Serve isto para dizer que é essa força que justifica que os acórdãos uniformizadores sejam publicados na 1ª série do DR, devendo valer quanto a eles a regra da sua eficácia em relação a terceiros apenas após a sua publicação tendo em conta que, anteriormente a essa publicação, ele não é do conhecimento geral, assim se salvaguardando, face ao princípio geral da segurança jurídica, o valor e eficácia das decisões judiciais proferidas anteriormente. Aliás, e fora do processo em que é proferido, não saberiam, ou poderiam não saber, os tribunais da sua existência, bem como da data do respetivo trânsito em julgado.
Ainda que o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência não seja nenhuma das decisões previstas no art. 119º, nºs 1, al. g) e 2 da CRP [que se reporta às decisões do Tribunal Constitucional, bem como às dos outros tribunais a que a lei confira força obrigatória geral e que determina que a falta de publicidade das mesmas implica a sua ineficácia jurídica], afigura-se-nos poder ser a solução consagrada em tal norma chamada à colação, dada a sua ratio e a semelhança das situações, como elemento coadjuvante da referida solução da ineficácia daquele em relação a terceiros antes da sua publicação no Diário da República.
Ou seja, no caso e pelo referido, afigura-se-nos que o acórdão uniformizador acima mencionado, e invocado na decisão recorrida, publicado que foi em data posterior ao do primeiro acórdão proferido nesta Relação, não poderá obviar ao caso julgado formal por este formado. Por outro lado, tendo o Acórdão desta Relação sido proferido aos 17.06.2013 e o Acórdão Uniformizador aos 08.05.2013, nem decorre dos autos que, àquela data, este houvesse transitado. Aliás, do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 46/2014, publicado no DR, 2ª série, de 11.02.2014, decorre que do mencionado acórdão uniformizador foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, o qual, só por acórdão de 09.01.2014 (posterior, pois, ao acórdão desta Relação), é que veio a ser julgada constitucional a interpretação perfilhada no acórdão uniformizador.
De todo o modo, uma decisão proferida contra acórdão uniformizador é passível de recurso (art. 629º, nº 2, al. c), do CPC/2013), sendo que se dela não for interposto recurso, a mesma transita em julgado, formando, após o trânsito, caso julgado.
Afigura-se-nos, pois e em conclusão, que o despacho recorrido viola o caso julgado formal formado pela anterior decisão desta Relação.
Cumpre apenas realçar que dos autos não consta que haja sido proferida, no processo de insolvência, sentença de verificação e graduação de créditos, esta a situação em que esta Relação considerou, no já mencionado acórdão, que a insolvência determinaria a inutilidade superveniente da lide. Aliás, da informação prestada pelo Tribunal de Comércio a fls. 323 resulta que o processo de insolvência aguarda que seja proferida decisão de encerramento nos termos do art. 232º do CIRE.
E, assim sendo, a decisão recorrida não se poderá manter.

3. De todo o modo, e no que se reporta à 2ª Ré, G…, Ldª, não se poderá deixar de dizer que a insolvência da 1ª Ré não afetaria, nem poderia afetar, a continuidade dos autos em relação a ela, 2ª Ré, que não foi declarada insolvente e não tendo a declaração de insolvência da 1ª ré efeitos sobre eventuais obrigações de outros que não o insolvente e sobre os processos judiciais que contra estes corram.
Se é certo que os créditos reclamados pelos AA. contra a 2ª Ré estão dependentes da prova da existência do contrato de trabalho mantido com a 1ª ré e da transmissão do estabelecimento (que os AA. situam em Outubro de 2010), a fazer-se tal prova a 2ª Ré poderá eventualmente ser, nos termos do art. 285º, nº 1, do CT/2009, responsável pelos créditos reclamados, nem consubstanciando o caso, sequer, qualquer situação de litisconsórcio necessário de ambas as RR, bem podendo os AA., sem intervenção da Ré insolvente, demandar a entidade (2ª Ré) para quem entendem que os créditos se transmitiram. Ou seja, não se vê que, em termos substantivos e/ou processuais, a demanda da 2ª Ré esteja dependente da demanda da 1ª Ré e que, por esta ter sido declarada insolvente, não possa a ação correr contra a 2ª Ré.
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IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e determinando-se o prosseguimento dos autos.
Custas pela parte vencida a final.

Porto, 03.11.2013
Paula Leal de Carvalho
Maria José Costa Pinto
João Nunes