Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
471/14.8TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: CONTRATO DE SWAP
CONTRATO QUADRO
CONVENÇÃO ARBITRAL
INTERPRETAÇÃO
INCOMPETÊNCIA
Nº do Documento: RP20150413471/14.8TVPRT.P1
Data do Acordão: 04/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo as partes celebrado um ‘contrato quadro’ (master agreement), no âmbito do qual estipularam que o mesmo se destinava «a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entre as Partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente», deverá entender-se que visaram aplicar as cláusulas do referido contrato ao “Contrato de Permuta de Taxa de Juro (Interest Rate Swap)” que celebraram mais tarde.
II - A conclusão enunciada reforça-se com a estipulação pelas partes de que «o estabelecido no presente contrato constitui parte integrante do enquadramento de cada uma das operações financeiras a realizar entre as Partes, salvo quando por escrito for por elas acordado o contrário».
III - Estipulando as partes no referido ‘contrato quadro’, que «Os diferendos que possam surgir entre as Partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso para qualquer instância» deverá interpretar-se a sua vontade no sentido de que visaram submeter à apreciação do tribunal arbitral as divergências emergentes do “Contrato de Permuta de Taxa de Juro (Swap)”.
IV - Invocada pelo réu a convenção arbitral, impõe-se ao tribunal, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º da LAV, a absolvição do réu da instância, salvo se constatar que a convenção de arbitragem invocada é manifestamente nula, ineficaz ou inexequível, ou seja, se tais vícios se apresentarem ao julgador de forma evidente, sem necessidade de qualquer produção de prova.
V - Conforme expressamente decorre do disposto no n.º 3 do artigo 18.º da LAV, no âmbito dos poderes decisórios do tribunal arbitral cabe a apreciação da validade do próprio contrato onde se insere a convenção arbitral.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 471/14.8TVPRT.P1

Sumário do acórdão:
I. Tendo as partes celebrado um ‘contrato quadro’ (master agreement), no âmbito do qual estipularam que o mesmo se destinava «a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entre as Partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente», deverá entender-se que visaram aplicar as cláusulas do referido contrato ao “Contrato de Permuta de Taxa de Juro (Interest Rate Swap)” que celebraram mais tarde.
II. A conclusão enunciada reforça-se com a estipulação pelas partes de que «o estabelecido no presente contrato constitui parte integrante do enquadramento de cada uma das operações financeiras a realizar entre as Partes, salvo quando por escrito for por elas acordado o contrário».
III. Estipulando as partes no referido ‘contrato quadro’, que «Os diferendos que possam surgir entre as Partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso para qualquer instância» deverá interpretar-se a sua vontade no sentido de que visaram submeter à apreciação do tribunal arbitral as divergências emergentes do “Contrato de Permuta de Taxa de Juro (Swap)”.
IV. Invocada pelo réu a convenção arbitral, impõe-se ao tribunal, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º da LAV, a absolvição do réu da instância, salvo se constatar que a convenção de arbitragem invocada é manifestamente nula, ineficaz ou inexequível, ou seja, se tais vícios se apresentarem ao julgador de forma evidente, sem necessidade de qualquer produção de prova.
V. Conforme expressamente decorre do disposto no n.º 3 do artigo 18.º da LAV, no âmbito dos poderes decisórios do tribunal arbitral cabe a apreciação da validade do próprio contrato onde se insere a convenção arbitral.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
B…, Lda. - actual C…, S.A. intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra D…, S.A., formulando os seguintes pedidos:
«A. Ser reconhecida a manifesta invalidade do contrato de permuta de taxa de juro, acima identificado e ainda
B. Ser reconhecida a válida resolução do presente contrato de permuta de taxa de juro, em virtude das invalidades invocadas;
C. Ser a Ré condenada no pagamento de indemnização corresponde ao valor de 40.000,00 Eur, acrescido de demais quantias que venham a ser indevidamente cobradas à Autora após a entrada da acção, bem como todos os juros vencidos e vincendos até integral pagamento.
D. Ser a Ré no pagamento à Autora de uma indemnização não inferior a 20.000 Eur (vinte e cinco mil euros) a titulo de responsabilidade pré-contratual e contratual por violação dos princípios da boa-fé na nos preliminares e na execução do contrato, bem como indemnização por todos os danos tidos com a celebração do presente contrato, condenando em custas de parte e procuradoria e no que demais for devido».
Em síntese, e com relevância para a apreciação da questão suscitada em sede recursória, alegou a autora: celebrou com a ré dois contratos de financiamento: contrato de Abertura de Crédito por conta corrente, titulado pelo n.º ……………, com data de 27 de Março de 2010 com taxa de juro variável Euribor de 3 meses e um Programa de Emissões de Papel Comercial (Cfr. Documento n.º 1 e 2); as partes celebraram ainda um contrato de permuta de taxa de juro (interest rate swap) vulgo contrato swap, que teria em vista, garantir a cobertura do risco de aumento da taxa de juro dos financiamentos da autora, face à forte probabilidade da subida da taxa de juro Euribor a 3 meses (Cfr. Documento n.º 3), financiamentos esses no valor de 1.000.000,00€: - 500.000,00€ correspondente ao Programa de Emissões de Papel Comercial, que foi liquidada em 2012/06/08 (Cfr. Documento n.º 4); - 500.000,00€ correspondente a uma conta corrente caucionada que foi reduzida para 250.000,00€ em 2012/06/01 (Cfr. Documento n.º 5); aquando da venda do produto, o contrato de permuta de taxa de juro visava impedir, através da troca da taxa de juro, os prejuízos que podiam advir da oscilação em alta da taxa de juro variável – podendo desse modo a autora fixar o valor das taxas dos financiamentos (de forma a poder antever a 4 anos quanto iria pagar de juros); assim, em 27 de Julho de 2010, foi subscrito um contrato de permuta de taxa de juro, proposto pela ré, a entrar em vigor apenas um ano depois, em 29.07.2011; contudo, a autora, foi fortemente prejudicada no negócio celebrado na medida em que subscreveu um contrato assente numa inexacta representação psicológica da realidade motivadora da decisão negocial.
Citado, o réu apresentou contestação, na qual se defende por excepção e por impugnação.
No que se reporta a excepções, o réu invoca a incompetência absoluta do tribunal por preterição do tribunal arbitral, e a incompetência territorial.
Como fundamento da incompetência absoluta do tribunal por preterição do tribunal arbitral, alegou o réu em síntese: as partes celebraram entre si, designadamente, o contrato de swap de taxa de juro junto pela A. como doc. n.º 3; contudo, além do contrato designado “Confirmação de Contrato de Permuta de Taxa de Juro”, as partes celebraram também em 24 de setembro de 2003 o denominado “Contrato-Quadro para Operações Financeiras”, que se junta como doc. n.º 1; a validade desse contrato-quadro não foi posta em causa pela A. (cfr. pedido final); o contrato-quadro celebrado em 2003 entre as partes destina-se “a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entre as Partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente” – ponto 1 da cláusula 1ª do doc. n.º 1 – e permanece totalmente válido e eficaz; no contrato-quadro as partes convencionaram igualmente que “Em tudo o que não resulte expressamente dos respectivos termos e condições particulares, as operações financeiras a realizar entre as Partes ficarão sujeitas ao estabelecido no presente contrato” – n.º 3 da citada cláusula 1ª; a cláusula 41ª do referido contrato estabelece também que “Os diferendos que possam surgir entre as Partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral (…)” – cláusula 41ª, n.º 1 do Contrato-Quadro para Operações Financeiras; a cláusula 41ª do referido contrato-quadro trata da questão da resolução de conflitos entre as partes e, toda ela, prevê e regula a forma, condições, efeitos e processo decorrentes da convenção arbitral estabelecida entre as partes (cláusula 41ª, n.º 1 a 12), remetendo para os tribunais de 1ª instância e para a lei processual civil apenas a execução da decisão do Tribunal Arbitral e a aplicação supletiva da mesma nas restantes questões (cfr. cláusula 41ª, n.º 13 e 15); o contrato de swap cuja validade a A. impugna não contém qualquer cláusula que excecione ou de algum modo limite, altere ou modifique o que consta das atrás citadas cláusulas contratuais; sendo o contrato-quadro o que, em primeira linha, rege todas as relações relativas a operações financeiras entre as partes e sendo o contrato de swap uma dessas operações, é evidente que a (in)validade deste estará abrangida pela cláusula de arbitragem estabelecida naquele; ora, sendo o contrato de swap uma operação financeira regulada pelas disposições do contrato-quadro, nenhuma dúvida pode haver de que, de acordo com as regras de interpretação da vontade previstas no Código Civil, esse diferendo está abrangido pela convenção arbitral estabelecida entre as partes.
Em abono da sua tese, cita a contestante vários arestos jurisprudenciais, concluindo: assim, face à plena validade, eficácia e exequibilidade do contrato-quadro (e inexistindo qualquer alegação e/ou prova da invalidade do mesmo e, por isso, da convenção de arbitragem estabelecida entre as partes) e decorrendo do texto das cláusulas 1ª e 41ª desse contrato que as partes sujeitaram a arbitragem todos os diferendos que viessem a existir entre si relativos a operações financeiras, impõe-se a verificação da exceção de incompetência absoluta deste Tribunal e a consequente absolvição do R. da instância, nos termos do art.º 96º do atual CPC.
A autora respondeu às excepções deduzidas pela ré, alegando em síntese: pretende nesta acção ver reconhecida e declarada a nulidade do “contrato de Swap” estabelecido com a ré, ou a sua anulabilidade por erro na transmissão da declaração e erro sobre o objecto do negócio; não estão em discussão questões de natureza bancária ou financeira especificas referentes ao “contrato quadro” invocado pela ré; atenta a causa de pedir e o pedido formulados na acção, bem como a inexistência de qualquer cláusula a esse respeito no contrato em crise nos autos [“Contrato Permuta de Taxa de Juro – Interest Rate Swap”], resulta manifesto estarmos no âmbito das relações jurídicas de direito privado civil, decorrentes da aplicação das normas gerais do Código Civil, da exclusiva competência dos Tribunais Judiciais, nos termos do artigo 64º do Código de Processo Civil.
Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, por preterição de tribunal arbitral voluntário, julgo este tribunal cível – 1ª Secção Cível da Instância Central do Porto - absolutamente incompetente para a ação e, em consequência, absolvo o Banco Réu da instância.».
Não se conformou a autora e interpôs o presente recurso de apelação, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:
I. A douta sentença veio julgar incompetente para a presente acção, a secção cível da instância central do Porto, por alegada preterição do tribunal arbitral voluntário, absolvendo o Réu da instância.
II. Para essa decisão, a douta sentença, suporta-se no facto de existir um contrato quadro junto a fls. 212-219, que se destinava a regular todas as operações financeiras.
III. Porém, a Autora não pretende colocar em causa o contrato quadro – em que se baseia a Douta decisão -, mas a validade e resolução de um contrato de SWAP – diferente do contrato quadro – (Cfr. para o efeito Doc. n.º 3 junto à PI).
IV. Em concreto pretendia a Autora com a presente acção [Cfr. PI]: i) o reconhecimento da invalidade do Contrato de Permuta de Taxa de Juro (Swap); ii) o reconhecimento da validade da resolução do contrato SWAP; iii) a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização no valor de € 40.000,00, acrescida das demais quantias cobradas indevidamente à Autora após a entrada desta acção, além dos juros vencidos e vincendos e; iv) a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização não inferior a € 20.000,00, a título de responsabilidade pré-contratual e contratual por violação dos princípios da boa fé nos preliminares e na execução do citado contrato, bem como indemnização por todos os danos tidos com a celebração do citado contrato.
V. No que aqui mais releva, a Autora pretende ver reconhecida e declarada a nulidade do “contrato de Swap” estabelecido com a Ré, ou a sua anulabilidade por erro na transmissão da declaração e erro sobre o objecto do negócio e que o Tribunal reconheça a resolução desse contrato por alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, invocando a Autora determinados erros e vícios na formação do contrato, e omissões e abuso, que determinam a invalidade desse mesmo contrato.
VI. Ora, fácil estará de ver que não está em discussão na presente acção questões de natureza bancária ou financeira especificas referentes ao “contrato quadro” invocado pela Ré e que foi celebrado em 24.09.2003, mas tão somente a (in)validade e a resolução de um outro contrato - o de SWAP- celebrado em 27.07.2010.
VII. Daqui resulta que a douta sentença não atendeu à natureza da questão em litígio “em particular à causa petendi e pedido formulados na petição inicial” apresentada em juízo, pois é por aquela que se vai aferir a posição a tomar (Acórdão do Supremo Tribunal De Justiça, de 10/3/08, www.dgsi.pt).
VIII. Pelo que, resulta manifesto estarmos no âmbito das relações jurídicas de direito privado civil, decorrentes da aplicação das normas gerais do Código Civil, da exclusiva competência dos Tribunais Judiciais, nos termos do artigo 64º do Código de Processo Civil.
IX. É pois nesse sentido que vai a jurisprudência, nomeadamente a propósito de um contrato de SWAP e em situação tout court à presente, se pronunciou o Tribunal Da Relação de Guimarães em 08.03.2012 (…).
X. O aresto da Relação de Guimarães de 08.03.2012 prevê, ainda, a esse respeito que: (…).
XI. Atente-se, a esse propósito, que o contrato quadro continua a vigorar para outras operações e a respeito deste contrato de SWAP tal já não sucede, pois o mesmo foi resolvido em 22 de Abril de 2014 [Cfr. carta dirigida à Ré aqui junta, bem como resposta da Ré de 09.05.2014].
XII. Por outro lado, o contrato quadro, na cláusula 41º, que a douta sentença aplicou ao contrato SWAP por alegada remissão deste, refere que: “Os diferendos que possam surgir entre as Partes no presente contrato [contrato quadro] são dirimidos por um tribunal arbitral (...)”.
XIII. Sucede que a Autora, na acção que conformou, não manifesta diferendo em relação ao contrato quadro – que aliás ao que tem conhecimento se manterá em vigor para outras operações financeiras -, mas pelo contrário, pretende ver reconhecida a válida resolução de um outro contrato, o de SWAP, sendo que a referida cláusula 41.º apenas se refere a diferendos nesse mesmo contrato quadro.
XIV. Acresce que como explanado na petição inicial, o contrato swap, é o único contrato que está aqui em causa nos presentes autos, por se ter revelado meramente especulativo e estruturalmente um contrato de jogo ou aposta – o que note-se não foi nunca a intenção da autora -, o que a concretizar-se sempre conduziria à invalidade do negócio celebrado.
XV. Estando manifestamente e apenas em causa: i) Invalidade do contrato de swap, decorrente do erro sobre o objecto e sobre a base do negócio; ii) Alteração anormal das circunstâncias que motivam a legítima resolução do contrato; iii) Invalidade decorrente da autonomia do contrato de swap porque existia um contrato swap para segurar valores de financiamento que não existiam; e sempre sem prescindir, estará sempre em causa uma manifesta violação do dever de informação e esclarecimento por parte da Ré.
XVI. A resolução do contrato SWAP, precedida pela Autora, é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, nos termos do disposto no artigo 433º e ss. do Código Civil, ficando sem efeito a eventual aplicação de cláusula compromissória em relação a um contrato quadro (cujos termos não se pretendeu atacar).
XVII. Está por isso em causa, não a composição de um diferendo emergente do contrato quadro, mas outrossim um litígio decorrente de incumprimento definitivo por parte da aqui Ré, que importou a resolução do contrato do SWAP pela ora Autora e, apenas por essa razão é que esta propôs a presente acção nos tribunais judiciais, numa situação não prevista na cláusula compromissória de um outro contrato.
XVIII. Por outro lado, mesmo que assim não se entenda, o que a Autora nem concebe, sempre estaríamos perante a inaplicabilidade e invalidade da aplicação da cláusula de arbitragem, apenas prevista no contrato quadro.
XIX. Na análise do conteúdo das convenções de arbitragem, no que aqui mais interessa, o objecto da convenção de arbitragem é o litígio que ali é referido, nomeadamente a cláusula 41ª que dispõe “Os diferendos que possam surgir entre as Partes no presente contrato [contrato quadro] são dirimidos por um tribunal arbitral (...)”.
XX. A douta sentença entendeu que existe um contrato quadro para todas as operações financeiras que fixa a convenção de arbitragem e que o contrato SWAP em crise.
XXI. Porém, compulsado o contrato de permuta de taxa de juro (SWAP) e a respectiva confirmação - Cfr. Doc. n.º 3 junto à Petição Inicial - não encontramos qualquer remissão expressa para o contrato quadro, nem sequer se encontra qualquer remissão expressa para o contrato quadro, na confirmação8.
8 Apenas, conforme documento junto a fls. 85-92, ficou a constar que tal carta constituía uma “confirmação nos termos estabelecidos no Contrato Quadro para Operações Financeiras (Contrato Quadro) mais recente assinado entre as partes. No caso de divergência entre o disposto no Contrato Quadro e o estabelecido nesta Confirmação, prevalecerá esta última.”
XXII. Na verdade, nos termos a Lei da Arbitragem Voluntária, no seu artigo 1º, é imposto para haver convenção de arbitragem de qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial que haja convenção de arbitragem, eventual ou futuro, desde que emergente de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória).
XXIII. Porém, para esse efeito, o artigo 2º, nºs 1, 2, 4 e 6 impõe determinados requisitos da convenção de arbitragem, nomeadamente a forma escrita, valendo como convenção de arbitragem a remissão feita num contrato para documento que contenha uma cláusula compromissória [o que não sucede no caso em apreço], desde que a remissão seja feita de modo a fazer dessa cláusula parte integrante do mesmo e, ainda, a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem.
XXIV. Porque no contrato SWAP que está em crise nos presentes autos, seja pelo contrato, seja pela confirmação que lhe seguiu, não encontramos qualquer remissão expressa para as condições previstas no contrato quadro, onde consta a convenção de arbitragem.
XXV. Além disso, mesmo que fosse considerada a remissão feita (contrato SWAP) de modo a fazer dessa cláusula parte integrante do mesmo (contrato quadro), a cláusula compromissória deveria especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem o que, também, não foi redigido.
XXVI. Além disso, tinha sempre o acordo de ser expresso, o que, também, não aconteceu no caso concreto, nem sequer existe qualquer acordo escrito que satisfaça os requisitos de forma do contrato e fonte da obrigação, muito menos nos termos do n.º 4 do artigo 94º do Código de Processo Civil, não designando sequer as questões a que se refere e o critério de determinação do tribunal que fica sendo competente.
XXVII. E como é sabido, a interpretação da convenção de arbitragem está submetida às regras de interpretação das declarações negociais, contidas nos artigos 236º a 238º do Código Civil, não valendo tal convenção com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa razoavelmente deduzir do comportamento do declarante.
XXVIII. Face ao exposto aquela convenção de arbitragem, prevista num contrato quadro inicial, não pode ser aplicável ao contrato SWAP dos presentes autos, sob pena de ser nula a convenção de arbitragem, por violação dos artigos 1º e 2º da Lei de Arbitragem Voluntária, nos termos do artigo 3º e artigo 5º, ambos do mesmo diploma, por ser, assim, manifestamente nula a convenção de arbitragem ou ineficaz ou inexequível, não podendo serem aplicáveis os artigos 96º, alínea a), e ss. do Código de Processo Civil.
XXIX. Portanto, em concreto temos que, apenas as partes contratantes no contrato quadro inseriram uma cláusula compromissória, tendo que no contrato SWAP, não existindo qualquer remissão expressa, também, não foi redigida no mesmo qualquer convenção de arbitragem para os efeitos previstos no artigo 95º do Código de Processo Civil.
XXX. Na verdade, para aquilatar da possibilidade de extensão de competência em casos em que exista uma unidade contratual, mais do que aquilatar da eficiência processual em regra daí resultante, importa determinar qual foi a vontade das partes aquando da celebração dos contratos em apreço, ao abrigo do princípio da liberdade contratual previsto no artigo 405º, n.º 1 do Código Civil,
XXXI. No caso dos autos, é manifesto que as partes que declararam a sua intenção de convenção de arbitragem no contrato quadro, não pretenderam, no contrato SWAP posterior, que os litígios que viessem a ocorrer fossem subtraídos à decisão dos tribunais judiciais para serem submetidos a uma decisão em tribunal arbitral, razão pela qual, a extensão da convenção arbitral aos demais contratos em que foi atribuída a jurisdição aos tribunais judiciais, não é aceite.
XXXII. Aliás, atenta a causa de pedir e o pedido formulado na presente acção, se for declarada a nulidade do contrato SWAP, tal não se repercutirá, em face da vontade das partes, no contrato quadro, não fazendo consequentemente qualquer sentido que se remeta para apreciação pelo tribunal arbitral o contrato SWAP [vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25.09.2014, embora à contrário, por inexistência de idêntica cláusula compromissória no contrato em crise nos presentes autos].
XXXIII. Conclui-se, portanto, que no caso em apreço, existindo convenção de arbitragem incompatível, porque não se tratam de contratos com o mesmo objecto e com relações contratuais conexas, também, não é admissível a extensão da convenção arbitral inserida pelas partes contratantes do contrato quadro inicial ao contrato SWAP posterior.
XXXIV. A conclusão que se extrai é que o Tribunal não apreciou (todas) as questões que lhe foram colocadas e, por consequência, que verifica-se a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, bem como por erro de julgamento.
XXXV. Donde se conclui que a sentença está afectada na sua validade jurídica por omissão de pronúncia e erro de julgamento, verificando-se a arguida nulidade, nos termos do disposto nos artigos 615º e ss. do Código de Processo Civil, contrariamente ao decidido, não são aplicáveis no caso concreto, como foram, os artigos 99º, n.º 1, 278º, n.º 1, alínea a), 576º, n.º 2, e 577º, alínea a), do Código de Processo Civil.
XXXVI. Para terminar, à data do contrato quadro, 27.03.2010, e à data do contrato SWAP, 27.07.2010, este que só entraria em vigor decorrido um ano, ainda estava em vigor a Lei de Arbitragem Voluntária aprovada pela Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto (com as alterações introduzidas), a qual apenas viria ser revogada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, três meses após 14 de Dezembro de 2011, ressalvando-se, assim, as disposições transitórias nos artigos 4º e 5º deste último diploma.
XXXVII. Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, por nulidade da sentença, substituindo-se esta por outra que aprecie todas as questões formuladas em 1.ª instância, eliminando-se, deste modo, a nulidade arguida.
Nestes termos e nos mais de direito que v.ª ex.ª doutamente suprirá:
a) deve ser admitido o presente recurso, pela legitimidade, tempestividade e recorribilidade da sentença;
b) deve ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença, por outra que proceda à improcedência da excepção de preterição de tribunal arbitral, pela convenção de arbitragem não é aplicável, prosseguindo os presentes autos os demais trâmites neste tribunal judicial;
c) e, consequentemente, seguindo-se os trâmites normais, ser a ré condenada nos pedidos, com as demais consequências daí advindas.
A recorrida respondeu às alegações de recurso, concluindo:
1 – A A.-Recorrente começa, nas suas alegações, por afirmar claramente que a A. “não pretende colocar em causa o contrato quadro (…) mas a validade e resolução de um contrato de SWAP (…)”, sustentando que “não está em causa na presente acção questões de natureza bancária ou financeira específicas referentes ao “contrato quadro”, que “continua a vigorar para outras operações” ao contrário do contrato de swap “pois o mesmo foi resolvido”, estando em causa um “litígio decorrente de incumprimento definitivo (…) que importou a resolução do contrato de SWAP”, razão pela qual esta ação seria da competência dos tribunais judiciais, invocando um Acórdão da TRG a seu favor – cfr. Conclusões III, VI a XI e XIII a XVII;
2 – Adicionalmente, sustenta que não haveria, nos contratos de swap e na “Confirmação do Contrato de Permuta de Taxa de Juros (Swap)”, qualquer remissão expressa para o contratoquadro, que não estariam preenchidos os requisitos previstos na Lei da Arbitragem, que não teria sido intenção das partes estender a convenção de arbitragem ao contrato de swap, que a nulidade do contrato de swap não se repercutirá no contrato quadro e que existiria uma “convenção de arbitragem incompatível, porque não se tratam de contratos com o mesmo objeto e com relações contratuais conexas” – cfr. conclusões XVIII a XXXIII;
3 – Do supra referido resultaria, finalmente, que o Tribunal recorrido não teria apreciado todas as questões que lhe foram colocadas (com a consequente nulidade da sentença por omissão de pronúncia e erro de julgamento) e que, de qualquer modo, a lei da arbitragem aplicável seria a Lei n.º 31/86, de 29 de agosto, e não a Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro que o Tribunal aplicou.
4 – Ora, da admissão expressa de que a A.-Recorrente nunca quis pôr em causa o contratoquadro resulta, desde logo, o afastamento do Acórdão que a mesma invoca a seu favor que, sendo caso absolutamente isolado na jurisprudência portuguesa, teve também por base uma situação distinta em que o autor havia colocado em causa a própria validade/existência do contrato-quadro (e daí que a sentença recorrida afirme que “Atento o acima exposto e a configuração concreta dos presentes autos, cremos não ser aqui de seguir a jurisprudência do Ac. do TRG de 08/03/2012 (…)”);
5 – De resto, a jurisprudência nacional largamente prevalecente e a doutrina (designadamente, João Lopes dos Reis) são contrárias ao entendimento da Recorrente, tendo vindo uniformemente a considerar como verificada a exceção de incompetência dos tribunais judiciais face à cláusula compromissória constante do contrato-quadro assinado pelas partes, como resulta da jurisprudência recente citada na sentença recorrida e na própria contestação (e que se reproduziu nestas contra-alegações);
6 – Acresce que, como bem se refere na sentença recorrida, foi “acordado expressamente pelas partes, [que] o regime fixado no citado contrato quadro aplica-se ao contrato de Swap aqui em causa, operação financeira também e desde logo expressamente prevista naquele contratoquadro” pelo que “por via da remissão/incorporação/aceitação, o fixado pelas partes no citado contrato quadro aplica-se ao contrato de Swap aqui em causa, incluindo a citada convenção de arbitragem”, que “foi regularmente invocada pelo Banco Réu, é válida e eficaz e não pode ser aqui afastada, atento o disposto na LAV (…)”, pelo que “Assiste assim razão ao Banco Réu”;
7 – Passando à questão da natureza bancária ou financeira do contrato de swap, dir-se-á que o argumento é absolutamente ininteligível atendendo a que o contrato-quadro contém as cláusulas gerais que se aplicarão a todas as operações bancárias ou financeiras, celebradas ou a celebrar entre as partes, e que o contrato de swap é, claramente, uma operação financeira como decorre do “instrumento de Confirmação de Contrato de Permuta de Taxa de Juro (Swap) junto a fls. 85-92, no qual ficou a constar que tal carta constituía uma confirmação nos termos estabelecidos no Contrato Quadro para Operações Financeiras (Contrato Quadro)”, de no “citado Contrato Quadro Para Operações Financeiras junto a fls. 212-219, no qual ficou também a constar que tal contrato se destinava a regular as condições gerais a que ficavam sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer entre as partes, fossem elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente” e de “Mais ficou aí fixado que o estabelecido em tal contrato quadro constituía parte integrante do enquadramento de cada uma das operações financeiras a realizar entre as partes, ficando abrangidas por tal contrato, designadamente, as permutas financeiras (Swaps) (cfr. a cláusula 1ª, pontos 1 a 5).”;
8 – Da aplicação aos contratos supra referidos das principais regras em matéria de interpretação (e integração) de contratos (designadamente, dos art.º 236º a 238º do Código Civil), resulta ter sido vontade das partes que a cláusula compromissória constante do contrato-quadro se aplicasse a todos os litígios (designadamente os decorrentes da invalidade dos contratos) que viessem a surgir entre as partes emergentes de operações financeiras e, designadamente, do swap;
9 – Um contrato-quadro (ou contrato-chapéu) depende para o preenchimento dos seus pressupostos (rectius, para aplicação das suas cláusulas) da realização de outros contratos a ele subordinados (sob pena de não ter o mesmo qualquer aplicabilidade), pelo que nenhum sentido faz dizer que aquela cláusula compromissória, nos termos em que está formulada e nos termos que decorrem das restantes cláusulas do contrato-quadro (designadamente, da cláusula 1ª desse contrato, que determina a aplicação das suas normas a todas as operações financeiras presentes e futuras entre as partes), se restringe aos litígios emergentes do próprio contrato-quadro e não também aos conflitos emergentes dos futuros contratos subordinados;
10 – Em relação ao argumento da A.-Recorrente segundo o qual o facto de o contrato de swap ter sido resolvido (e, logo, ser inexistente) determinaria a inaplicabilidade do contrato-quadro, conclui-se que, tendo sido resolvido/sendo inexistente o contrato de swap, isso determina, por si só, a improcedência da ação na medida em que a A. está a formular um pedido de nulidade/anulabilidade com base em algo (contrato de swap) que já não existe;
11 – Quanto ao argumento também defendido pela A.-Recorrente de que a cláusula 41ª do contrato-quadro apenas se aplicaria a esse mesmo contrato (e não já ao de swap), é evidente a falta de razão, seja pela letra e espírito do contrato-quadro (cfr. cláusula 1ª, n.º 1 a 5, e cláusula
41ª), seja pela letra e espírito da “Confirmação”;
12 – De resto, se as cláusulas do contrato-quadro (designadamente, a cláusula compromissória) apenas a este fossem aplicáveis, ficariam as mesmas sem objeto, dada a natureza de contrato-quadro ou contrato-chapéu e a necessidade de integração das mesmas nos contratos subordinados;
13 – Em relação ao sustentado pela Recorrente nas suas conclusões XVIII e ss., julga-se que, tendo a mesma reiterado que não está em causa a validade ou eficácia do contrato-quadro, não pode agora vir sustentar “a inaplicabilidade e invalidade da aplicação da cláusula de arbitragem”, sob pena de contradição manifesta;
14 – Acresce que não é verdade que não haja, na “Confirmação”, uma remissão expressa para o contrato-quadro (integrando assim no contrato de swap os termos daquele), como, aliás, a própria A.-Recorrente acaba por reconhecer na citação que faz em nota de rodapé (n.º 8) das suas alegações;
15 – Mas mesmo que não houvesse uma remissão expressa no contrato de swap e/ou na “Confirmação”, a existência dessa cláusula compromissória no contrato-quadro e a afirmação de que o mesmo se aplica a todos os litígios que surjam das operações bancárias e financeiras (designadamente, de Swap) presentes e futuras celebradas entre as partes bastaria para tornar aplicável ao caso sub iudice, como decorre do art.º 1º e 2º, n.º 1 e 2 da LAV;
16 – Também não tem razão a A.-Recorrente ao defender que a cláusula compromissória deveria especificar a relação jurídica a que diz respeito e que não seria possível a “extensão de competência” (?!?) da cláusula compromissória, na medida em que, pelo teor da mesma e aplicando as regras da interpretação e integração das declarações negociais, resulta evidente terem as partes pretendido abranger na mesma todas os litígios, independentemente da sua concreta natureza, pelo que forçosamente aí se integra a questão da (in)validade do contrato de swap;
17 – O facto de a eventual nulidade do contrato de swap não ter repercussão no contratoquadro é uma questão totalmente irrelevante e que nada retira ao facto de o tribunal judicial estar impedido de analisar (até) essa questão face ao compromisso arbitral estabelecido entre as partes e ao disposto nos art.º 96º, al. b), 97º, n.º 1, 98º, 99º, 278º, n.º 1, al. a), 576º, n.º 1 e 2, 577º, al. a) e 578º do C.P.C. e aos art.º 1º, 2º e 5º da Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro;
18 – A afirmação de que o contrato-quadro e o contrato de swap não têm o mesmo objeto e/ou não têm relações contratuais conexas carece em absoluto de fundamento, atenta a natureza de contrato-chapéu do primeiro e os termos expressamente consagrados em ambos, designadamente a “remissão/incorporação/aceitação “ do conteúdo do contratoquadro feita na “Confirmação”;
19 – Também não tem razão a A-Recorrente ao afirmar que o Tribunal recorrido não teria analisado todas as questões que lhe foram colocadas uma vez que o referido Tribunal analisou e decidiu a questão da invocada exceção de incompetência absoluta decorrente da existência de uma cláusula compromissória, que, por si, determina a improcedência da ação;
20 – Por fim, quanto à questão da Lei aplicável, apesar de nenhum efeito prático decorrer da eventual aplicação ao caso da Lei n.º 31/86, de 29 de agosto, sempre se dirá que à data em que a questão se suscitou a lei aplicável é a Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, pelo que – mais uma vez – bem andou o Tribunal recorrido.
Nestes termos, e nos mais de direito, deve o recurso interposto ser considerado totalmente improcedente, confirmando-se a sentença do tribunal recorrido, como é de inteira Justiça.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), consubstancia-se numa única questão: saber se ocorre a preterição do tribunal arbitral voluntário.

2. Fundamentos de facto
É a seguinte a factualidade provada relevante:
2.1. B…, Lda. [actual C…, S.A.] e D…, S.A., celebraram em 24 de Setembro de 2003 um acordo que denominaram por “Contrato Quadro para Operações Financeiras” (doc. 1 junto à contestação).
2.1.1. Consta do ponto 1. da cláusula 1.ª do referido contrato: «O presente contrato destina-se a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entre as Partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente”.
2.1.2. Consta do ponto 2. da cláusula 1.ª do referido contrato: «Cada uma das operações financeiras a realizar entre as Partes reger-se-á pelos respectivos termos e condições particulares, que serão estabelecidos de acordo com o que abaixo se indica».
2.1.3. Consta do ponto 3. da cláusula 1.ª do referido contrato: «Em tudo o que não resulte expressamente dos respectivos termos e condições particulares, as operações financeiras a realizar entre as Partes ficarão sujeitas ao estabelecido no presente contrato».
2.1.4. Consta do ponto 4. da cláusula 1.ª do referido contrato: «Para os efeitos do determinado nos números anteriores, o estabelecido no presente contrato constitui parte integrante do enquadramento de cada uma das operações financeiras a realizar entre as Partes, salvo quando por escrito for por elas acordado o contrário».
2.1.5. Consta do ponto 1. da cláusula 41.ª do referido contrato: «Os diferendos que possam surgir entre as Partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso para qualquer instância».
2.1.6. Consta do ponto 15. da cláusula 41.ª do referido contrato: «A título supletivo, vigoram as normas da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei 31/86, de 29 de Agosto) e do Código de Processo Civil».
2.2. B…, Lda. [actual C…, S.A.] e D…, S.A., celebraram em 27 de Junho de 2010 um acordo que denominaram por “Contrato de Permuta de Taxa de Juro”, junto aos autos com a contestação (documento n.º 6).
2.3. Na mesma data (27 de Junho de 2010) foi efectuada pelo réu em carta remetida à autora a “Confirmação de Contrato de Permuta de Taxa de Juro (Interest Rate Swap Ref. 3450305)”, junta à petição como documento n.º 3.

3. Fundamentos de direito
3.1. Lei aplicável
Pede a autora: A) o reconhecimento da invalidade do contrato de permuta de taxa de juro (Swap); B) o reconhecimento da validade de resolução do referido contrato; C) a condenação do réu no pagamento de indemnização corresponde ao valor de € 40.000,00; D) e a condenação da ré no pagamento de uma indemnização a título de “responsabilidade pré-contratual e contratual”.
O “Contrato Quadro para Operações Financeiras” onde as partes estabeleceram a convenção de arbitragem foi celebrado em 24 de Setembro de 2003.
O “Contrato de Permuta de Taxa de Juro”, cuja invalidade a autora pretende ver declarada foi celebrado em 27 de Junho de 2010.
À data da celebração do contrato onde as partes consignaram convenção de arbitragem, bem como à data da celebração do “Contrato de Permuta de Taxa de Juro”, encontrava-se em vigor a lei n.º 31/86, de 29 de Agosto [Lei da Arbitragem Voluntária], com a alteração introduzida pelo DL n.º 38/2003, de 8 de Março.
Esta lei veio entretanto a ser revogada pelo artigo 5.º da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, que nos termos do seu artigo 6.º entrou em vigor três meses após a data da sua publicação [15.03.2012].
Prevê o artigo 4.º do novo regime legal a seguinte disposição transitória:
«1 – Salvo o disposto nos números seguintes, ficam sujeitos ao novo regime da Lei da Arbitragem Voluntária os processos arbitrais que, nos termos do n.º 1 do artigo 33.º da referida lei, se iniciem após a sua entrada em vigor.
2 - O novo regime é aplicável aos processos arbitrais iniciados antes da sua entrada em vigor, desde que ambas as partes nisso acordem ou se uma delas formular proposta nesse sentido e a outra a tal não se opuser no prazo de 15 dias a contar da respectiva recepção.
3 - As partes que tenham celebrado convenções de arbitragem antes da entrada em vigor do novo regime mantêm o direito aos recursos que caberiam da sentença arbitral, nos termos do artigo 29.º da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, caso o processo arbitral houvesse decorrido ao abrigo deste diploma.
4 – (…)».
Resulta do normativo transcrito que: i) ficam sujeitos ao novo regime legal os processos arbitrais que se iniciem após a sua entrada em vigor (é o que ocorre in casu)[1] [n.º 1]; ii) apenas se exceptua da regra enunciada o regime de recurso da sentença arbitral, mantendo-se nesta parte em vigor o que se encontrava previsto no art. 29.º da Lei n.º 31/86[2] [n.º 3].
O M.º Juiz considerou aplicável o regime da nova Lei da Arbitragem Voluntária (aprovado pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro).
Contra tal interpretação insurge-se a recorrente, alegando (conclusão XXXVI): “Para terminar, à data do contrato quadro, 27.03.2010, e à data do contrato SWAP, 27.07.2010, este que só entraria em vigor decorrido um ano, ainda estava em vigor a Lei de Arbitragem Voluntária aprovada pela Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto (com as alterações introduzidas), a qual apenas viria ser revogada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, três meses após 14 de Dezembro de 2011, ressalvando-se, assim, as disposições transitórias nos artigos 4º e 5º deste último diploma.”.
Face à disposição transitória constante do pelo artigo 4.º da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, transcrita supra, revela-se aplicável a Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, com excepção do regime de recurso da sentença arbitral[3].
3.2. O âmbito contratual abrangido pela convenção de arbitragem
Esta é a questão fulcral nos autos, sobre a qual divergem as partes, alegando a autora que a convenção de arbitragem não é aplicável ao contrato swap cuja invalidade pretende ver judicialmente reconhecida, contrapondo o réu que tal contrato se encontra abrangido pela estipulação da referida convenção.
Vejamos.
Consta do “Contrato Quadro para Operações Financeiras” celebrado entre as partes em 24.09.2003: «O presente contrato destina-se a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entre as Partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente» [cl. 1:ª, ponto 1.]; «Cada uma das operações financeiras a realizar entre as Partes reger-se-á pelos respectivos termos e condições particulares, que serão estabelecidos de acordo com o que abaixo se indica» [cl. 1:ª, ponto 2.]; «Em tudo o que não resulte expressamente dos respectivos termos e condições particulares, as operações financeiras a realizar entre as Partes ficarão sujeitas ao estabelecido no presente contrato» [cl. 1:ª, ponto 3.]; «Para os efeitos do determinado nos números anteriores, o estabelecido no presente contrato constitui parte integrante do enquadramento de cada uma das operações financeiras a realizar entre as Partes, salvo quando por escrito for por elas acordado o contrário» [cl. 1:ª, ponto 4.]; «Os diferendos que possam surgir entre as Partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso para qualquer instância» [cl. 41:ª, ponto 1.]; «A título supletivo, vigoram as normas da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei 31/86, de 29 de Agosto) e do Código de Processo Civil» [cl. 41:ª, ponto 5.].
Haverá que interpretar a vontade das partes, face às regras previstas no Código Civil.
Vocacionados para dirimir a questão, os artigos 236.º a 238.º do citado código prevêem as regras que o intérprete deverá seguir, consagrando uma doutrina objectivista da interpretação, temperada por uma salutar restrição de inspiração subjectivista[4].
O n.º 1 do artigo 236.º consagra a denominada teoria da impressão do destinatário, nestes termos: «A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele».
O n.º 2 do citado normativo estabelece o princípio de que «[s]empre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida».
O artigo 237.º prevê as situações de dúvida interpretativa, estabelecendo o seguinte critério para a sua superação: «Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações».
Finalmente, o n.º 1 do artigo 238.º estabelece o primado do elemento interpretativo literal: «Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso»[5]; prevendo o n.º 2 as condições excepcionais e específicas do seu afastamento: «Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade».
A jurisprudência tem considerado que «na interpretação dos contratos, prevalecerá, em regra, “a vontade real do declarante”, sempre que for conhecida do declaratário; faltando esse conhecimento, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (...)»[6].
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela[7] em anotação ao artigo 236.º do Código Civil, enuncia-se no n.º 1 deste normativo, a seguinte regra: «o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante».
Referem os autores citados que se exceptuam apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.º 2), concluindo que o objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir.
No que concerne ao conceito normativo de “declaratário normal”, referem os autores citados que tal “normalidade” se exprime, não só na “capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.”.
A ambiguidade objectiva, ou até a inexactidão da expressão externa, como refere Mota Pinto[8], não impedem a relevância da vontade real se o destinatário a conheceu, sendo certo que, havendo coincidência de sentidos (o que o declarante quis e o que o declaratário compreendeu), será esse o sentido decisivo
Voltando à situação concreta, tendo em conta a transparência do elemento literal e o princípio geral enunciado no n.º 1 do citado artigo 238.º (primado do elemento interpretativo literal), não parecem restar dúvidas sobre a vontade das partes no sentido de projectar para os contratos futuros a vinculação à convenção de arbitragem estipulado no contrato quadro.
É o que resulta de forma unívoca, desde logo do ponto 1. da cláusula 1.ª: do “Contrato Quadro para Operações Financeiras”: «O presente contrato destina-se a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entre as Partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente».
As partes foram mesmo ao ponto de incorporar nos futuros contratos, de forma expressa, as condições estipuladas no contrato quadro, convencionando que o seu afastamento só poderia ser feito por escrito e por acordo de ambas: «Em tudo o que não resulte expressamente dos respectivos termos e condições particulares, as operações financeiras a realizar entre as Partes ficarão sujeitas ao estabelecido no presente contrato» [cl. 1:ª, ponto 3.]; «Para os efeitos do determinado nos números anteriores, o estabelecido no presente contrato constitui parte integrante do enquadramento de cada uma das operações financeiras a realizar entre as Partes, salvo quando por escrito for por elas acordado o contrário» [cl. 1:ª, ponto 4.]
Como lapidarmente se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.02.2015[9]: «É usual a utilização, no âmbito dos contratos de swap, de um contrato-tipo (master agreement), contendo a definição do regime geral para as sucessivas transacções acordadas entre as partes, e que ocorram, previsivelmente, no futuro, e em que, além do mais, é consagrado um pacto de jurisdição, o qual é susceptível de, mediante instrumento particular celebrado pelas partes, integrar a relação contratual».
Foi exactamente o que se passou in casu: as partes convencionaram um “contrato quadro”, contendo a definição do regime geral para as sucessivas e futuras transacções que viessem a acordar, consagrando ainda um pacto de jurisdição: «Os diferendos que possam surgir entre as Partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso para qualquer instância» [cl. 41:ª, ponto 1.]; «A título supletivo, vigoram as normas da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei 31/86, de 29 de Agosto) e do Código de Processo Civil» [cl. 41:ª, ponto 5.].
A questão que inicialmente se colocou resume-se, afinal, a saber se as partes, com a celebração da convenção de arbitragem, pretenderam vincular-se abrangendo nas suas cláusulas as operações futuras.
A resposta não poderá deixar de ser positiva, face ao teor do ‘contrato quadro’ onde se estipula que este se destina a “regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entre as Partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente”.
De uma forma que definiríamos como assertiva, com vista a não deixar margem para dúvidas, mais estipularam a recorrente e o recorrido, que “as operações financeiras a realizar entre as Partes ficarão sujeitas ao estabelecido no presente contrato”, o qual “constitui parte integrante do enquadramento de cada uma das operações financeiras a realizar entre as Partes, salvo quando por escrito for por elas acordado o contrário”.
Revela-se incontornável o elemento interpretativo literal que, salvo todo o respeito devido, torna insustentável a argumentação da recorrente. O que as partes pretenderam com a estipulação em apreço, na perspectiva de um declaratário normal medianamente instruído e diligente, só pode ter sido a aplicação do contrato inicial às operações financeiras posteriores. É manifesta a incongruência da tese da recorrente, dado que todas as estipulações contratuais das partes vão no sentido inverso ao que advoga.
Finalmente, refira-se que se as partes tivessem pretendido afastar do contrato swap cuja invalidade a recorrente pretende ver judicialmente reconhecida, as cláusulas do ‘contrato quadro’, sempre teriam que exprimir essa vontade por escrito, no próprio contrato, nos termos do ponto 4. da cláusula 1:ª.
Em conclusão: o contrato swap cuja invalidade a recorrente pretende ver judicialmente reconhecida encontra-se abrangido pela convenção de arbitragem.
3.3. Apreciação da excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral
Estipula o artigo 96.º do Código de Processo Civil:
Determinam a incompetência absoluta do tribunal:
a) A infração das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional;
b) A preterição de tribunal arbitral.
O normativo transcrito correspondente ao artigo 101º do CPC, na redacção anterior à que lhe foi conferida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, alargando os casos de incompetência absoluta à violação dos pactos privativos de jurisdição que determinava a incompetência relativa (artigo 108º do CPC) e à preterição do tribunal arbitral, anteriormente qualificada como excepção dilatória de conhecimento não oficioso (artigos 494º, alínea j) e 495º do CPC).
Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 99.º do mesmo código, que a verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar.
Na abordagem da questão da violação da convenção de arbitragem ou preterição do tribunal arbitral voluntário, refere João Luís Lopes dos Reis[10] que não se trata de uma questão de competência, porque implicaria “que se discutissem as parcelas de jurisdição de diferentes tribunais titulares da função jurisdicional do Estado”, antes versando uma questão “a montante” da competência: “discute-se se o litígio introduzido em juízo pode ser submetido à jurisdição pública ou se, pelo contrário, não está (ainda) em condições de ser apreciado por um tribunal judicial”.
Em acórdão de 18.01.2000[11], o Supremo Tribunal de Justiça define lapidarmente a arbitragem voluntária nestes termos: «é contratual na sua origem, privada na sua natureza, (…) jurisdicional na sua função e pública no seu resultado».
O regime da Arbitragem Voluntária, instituído pela Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, unificou a cláusula compromissória e o compromisso arbitral, quanto aos seus efeitos, passando ambos a integrar o conceito de convenção de arbitragem e, para defender a sua plena eficácia, estabeleceu um mecanismo de defesa da esfera de competência do árbitro, consagrando o princípio da competência do árbitro para conhecer da sua própria competência (art. 21/1)[12], determinando que a decisão pela qual o tribunal arbitral se declara competente só pode ser apreciada pelo tribunal judicial depois de proferida por este a decisão sobre o fundo da causa (art. 21/4).
Com a entrada em vigor do novo regime da Arbitragem Voluntária [Lei 63/2011, de 14 de Dezembro], mantém-se o princípio da competência do árbitro para conhecer da sua própria competência[13] [art. 18/1], passando a estar previsto o recurso perante o tribunal estadual, da decisão interlocutória pela qual o tribunal arbitral se declare competente [art. 18/9], prosseguindo o processo arbitral durante a pendência da impugnação da sua competência [art. 18/10], cessando o mesmo processo e deixando de produzir efeitos a sentença nele eventualmente proferida, caso ocorra o trânsito em julgado da decisão do tribunal estadual que considere o tribunal arbitral incompetente para julgar o litígio que lhe foi submetido [art. 5/3].
Em suma, mantém-se a regra de que o tribunal estadual só pode conhecer em definitivo da incompetência do tribunal arbitral após este se ter pronunciado sobre a sua competência (declarando-a ou negando-a).
Quando uma das partes suscita o litígio junto do tribunal estadual, e a outra invoca a excepção de preterição do tribunal arbitral voluntário, com fundamento na aplicabilidade de uma convenção de arbitragem, o tribunal estadual, caso a questão esteja abrangida por uma convenção de arbitragem “deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível” nos termos do n.º 1 do artigo 5.º da Lei da Arbitragem em vigor.
Tem-se discutido na doutrina a questão dos efeitos da apreciação judicial sobre a sua própria competência, quando o tribunal estadual é confrontado com um litígio em que uma das partes invoca a existência de uma convenção de arbitragem[14].
No que concerne ao efeito negativo, nunca se suscitaram dúvidas, mesmo antes da vigência do novo regime da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011), que veio instituir no n.º 1 do artigo 5.º, sob a epígrafe “Efeito negativo da convenção de arbitragem”: «O tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível.»[15].
No que respeita ao efeito positivo – saber se a decisão de absolvição da instância implica a vinculação do tribunal arbitral ao reconhecimento da sua competência para apreciar o litígio – a questão assume contornos mais complexos.
Como refere João Luís Lopes dos Reis[16], a questão da validade, a questão da eficácia, mesmo a questão da aplicabilidade da convenção de arbitragem ao litígio submetido ao tribunal judicial estão subtraídas à jurisdição do juiz. Na tese do autor citado, o tribunal judicial apenas será competente para a apreciação do litígio se a convenção de arbitragem for inoperante, por invalidade, por ineficácia ou por inaplicabilidade ao caso concreto, mas tal juízo compete, antes de mais, ao árbitro, e só depois deste se pronunciar (ou pela sua incompetência ou sobre o mérito) é que o tribunal judicial poderá conhecer da questão da competência do árbitro.
Em suma, a declaração da incompetência absoluta do tribunal judicial com base na existência de convenção arbitral aplicável, não manifestamente nula, ineficaz ou inexequível, poderá não resolver definitivamente a questão da competência, na medida em que o árbitro poderá vir a julgar-se incompetente[17].
No entanto, a questão submetida à nossa apreciação reconduz-se a saber se, perante a invocação da convenção de arbitragem por parte do recorrido, deveria o tribunal a quo ter-se declarado incompetente.
Tal questão encontra resposta e critério legal de decisão no já citado n.º 1 do artigo 5.º da Lei da Arbitragem: «O tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível.».
O critério de decisão apontado pelo legislador afigura-se-nos transparente: ao tribunal a quo impunha-se a absolvição do réu da instância salvo se constatasse que a convenção de arbitragem invocada era manifestamente nula, ineficaz ou inexequível.
A ora recorrente não invocou a nulidade, nem a ineficácia da convenção de arbitragem, alegando apenas a sua não aplicabilidade ao contrato de permuta de taxa de juro (swap), por estar integrada no ‘contrato quadro’ e não expressamente inserta no contrato cuja invalidade pretende ver judicialmente declarada.
No ponto anterior (3.2) considerámos que o contrato em apreço (swap) encontra-se abrangido pela convenção de arbitragem.
Ora, não se vislumbrando que a convenção de arbitragem seja manifestamente nula, ineficaz ou inexequível, quid juris?
A estatuição normativa é óbvia: o tribunal deverá absolver o réu da instância.
Tem sido este o entendimento quase unânime dos tribunais superiores, como se ilustra com o sumário do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (relator (Conselheiro Lopes do Rego) em 10.03.2011[18]: «Face ao princípio, ínsito no art. 21º, nº1, da LAV[19], segundo o qual incumbe prioritariamente ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal os pressupostos que a condicionam – validade, eficácia e aplicabilidade ao litígio da convenção de arbitragem – os tribunais judiciais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção invocada é nula ou ineficaz ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respectivo âmbito de aplicação».
Como se refere no acórdão da Relação de Coimbra, de 5.02.2013[20], citando Mariana França Gouveia e Jorge Morais Carvalho, in Convenção de Arbitragem em contratos múltiplos, anotação ao Ac. do STJ de 10-03-2011, publicada no n.º 36 dos Cadernos de Direito Privado, págs. 44: «a manifesta nulidade, ineficácia original ou superveniente ou inexequibilidade da convenção de arbitragem é aquela que se apresente ao julgador de forma evidente, não carecendo de qualquer produção de prova para ser apreciada»[21].
Recorrendo a mais uma citação de João Luís Lopes dos Reis[22], concluímos com este autor:
«… para que se verifique a excepção dilatória da preterição do tribunal arbitral basta que se alegue e prove ao tribunal judicial a existência de convenção de arbitragem que não seja manifestamente nula ou ineficaz e que seja apenas susceptível de vincular as partes no litígio e de conter tal litígio no seu objecto. Nada mais é necessário.
Pode até ser que se venha depois a concluir pela invalidade ou pela ineficácia da convenção de arbitragem, ou mesmo pela sua inaplicabilidade em relação a alguma das partes no litígio, ou a este mesmo. Tal conclusão, porém, tem de ser obtida perante o tribunal arbitral ou em decisão judicial que conheça da impugnação da decisão dos árbitros. E, se assim for, o tribunal judicial verá ser-lhe reconhecida a sua jurisdição e será normalmente competente».
A recorrente baseia as suas conclusões de recurso num acórdão da Relação de Guimarães, que cita abundantemente: acórdão de 8.03.2012, proferido no Processo n.º 1387/11.5TBBCL-B.G1, acessível no site da DGSI.
Defende-se no aludido acórdão, que “para aferir da existência da aludida excepção dilatória, há que atender à forma como o A. configura a acção, ou seja, como alega a causa de pedir e faz os pedidos, e que, in casu, a A. não se pretende valer do contrato junto, sendo que a causa de pedir e o pedido supõem justamente, pelo contrário, a invalidade do contrato, pelo que assim sendo, não se pode afirmar a existência desta excepção, e, por outro lado, a própria cláusula refere diferendos que possam surgir no âmbito do contrato”.
Ressalvado todo o respeito devido, não sufragamos a tese do acórdão em apreço, que se nos afigura como voz isolada no coro jurisprudencial sobre a matéria.
A questão da competência (pressuposto processual) é prévia à questão da validade do contrato (aferição do mérito). Em primeiro lugar haverá que averiguar quem tem competência para a apreciação da questão e só depois se passa à apreciação do mérito das pretensões formuladas na acção.
Quem tem competência para apreciar a validade do contrato é a entidade que as partes elegeram para o efeito, e a quem atribuíram voluntariamente esse estatuto. O juiz deverá, perante a convenção arbitral abster-se de se pronunciar sobre o mérito da questão, salvo se constatar que a convenção de arbitragem invocada é manifestamente nula, ineficaz ou inexequível, nos termos do amplamente citado n.º 1 do art. 5.º da Lei da Arbitragem.
Tendo as partes convencionado a atribuição de competência ao tribunal arbitral, tal competência abrange a apreciação de todas as vicissitudes do contrato, nomeadamente os eventuais vícios de que possa decorrer a sua nulidade ou a sua ineficácia.
Conforme expressamente decorre do disposto no n.º 3 do artigo 18.º da Lei da Arbitragem Voluntária, no âmbito dos poderes decisórios do tribunal arbitral cabe a apreciação da validade do próprio contrato onde se insere a convenção arbitral: «A decisão do tribunal arbitral que considere nulo o contrato não implica, só por si, a nulidade da cláusula compromissória.».
Perante o imperativo legal enunciado, ressalvando sempre o devido respeito, não vislumbramos como possa defender-se a subtracção à competência do tribunal arbitral da questão da validade do contrato, quando as partes estipularam a atribuição a esse tribunal de jurisdição para dirimir todos os conflitos referentes ao aludido contrato, consignado no ponto 1. da cláusula 41.ª do ‘contrato quadro’: «Os diferendos que possam surgir entre as Partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso para qualquer instância» (ponto 2.1.5. da factualidade provada).
Como se sumariou no acórdão da Relação de Lisboa, de 5.06.2007[23]: «A questão da validade, a questão da eficácia, mesmo a questão da aplicabilidade da convenção de arbitragem ao litígio submetido ao tribunal judicial estão subtraídas à jurisdição do juiz, quer se discuta a validade da própria convenção – por exemplo, em função dos poderes do subscritor do contrato em que se insere a cláusula compromissória – quer se discuta a sua eficácia – por, v.g., ter sido ultrapassado o prazo fixado para a decisão – quer se discuta apenas a sua aplicabilidade – por exemplo, por o subscritor do contrato em que se insere a cláusula compromissória ter cedido o contrato, sendo parte no litígio o cessionário».
Face à imperatividade do n.º 1 do artigo 5.º da Lei da Arbitragem, que impõe ao tribunal estadual a absolvição do réu da instância “a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível”, não vislumbramos como poderia o Tribunal a quo deixar de cumprir o ditame legal enunciado.
Finalmente, não encontrámos o acórdão do Supremo de 10.03.2008, citado no acórdão da Relação de Guimarães invocado pela recorrente[24], sendo certo que o citado aresto, como já se disse, defende uma posição que não tem logrado obter acolhimento na restante jurisprudência dos tribunais superiores[25].
Alega a recorrente (conclusões XXXIV e XXXV), que o Tribunal a quo não apreciou todas as questões que lhe foram colocadas e, por consequência, que se verifica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Não vislumbramos qualquer suporte válido para a conclusão em apreço, na medida em que o Tribunal apreciou a única questão (prévia) que se suscitava: a da sua competência[26].
Decorre do exposto a manifesta improcedência do recurso, pelo que terá que naufragar a pretensão recursória formulada pela autora.

4. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso e, em consequência, em manter na íntegra a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.
*
O presente acórdão compõe-se de trinta e duas páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.

Porto, 13 de Abril de 2015
Carlos Querido
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
___________
[1] O processo iniciou-se em 2 de Junho de 2014.
[2] Dispunha a citada disposição legal: “1 - Se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem para o tribunal da relação os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal de comarca. 2 - A autorização dada aos árbitros para julgarem segundo a equidade envolve a renúncia aos recursos.”.
[3] Sendo certo que tal regime se encontra afastado por expressa declaração de vontade das partes: «Os diferendos que possam surgir entre as Partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso para qualquer instância» (ponto 2.1.5. da factualidade provada).
[4] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 4.ª edição, 1987, pág. 223.
[5] A LAV aprovada pela Lei n.º 31/86, de 29/08, estipulava no n.º 1 do seu art. 2.º, tal como ocorre hoje com o regime aprovado pela Lei n.º 63/2011, de 14/12, que a convenção de arbitragem é obrigatoriamente reduzida a escrito.
[6] Acórdãos do STJ de 14.01.1997 (CJ-STJ, V, 1, 47) e de 20.10.2009 – Proc. 1307/06.9TBPRD.S1, acessível no site da DGSI.
[7] Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 4.ª edição, 1987, pág. 223.
[8] Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1996, pág. 449.
[9] Proferido no Processo n.º 877/12.7TVLSB.L1-A.S1, acessível no site da DGSI.
[10] In ‘A Excepção da Preterição do Tribunal Arbitral (voluntário)’, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 58 – Volume III - Dezembro de 1998, pág. 1126.
[11] Processo n.º 99A1015, disponível no site da DGSI.
[12] Previa o n.º 1 do artigo 21.º da LAV aprovada pela Lei n.º 31/86, de 29/08: “O tribunal arbitral pode pronunciar-se sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção”. O n.º 1 do artigo 18.º da LAV em vigor (aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14/12) não difere no conteúdo, nem no sentido, apesar da ligeira alteração verbal: “1 - O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção.”.
[13] Como se sumariou no acórdão do STJ, de 20.01.2011, Proc. 2207/09.6TBSTB.E1.S1: “Vigora, entre nós, o princípio lógico e jurídico da competência dos tribunais arbitrais para decidirem sobre a sua própria competência, designado em idioma germânico por Kompetenz-kompetenz e que, na sua acepção negativa, impõe a prioridade do tribunal arbitral no julgamento da sua própria competência, obrigando os tribunais estaduais a absterem-se de decidir sobre essa matéria antes da decisão do tribunal arbitral. Com efeito, o artº 21º nº 1 da Lei de Arbitragem Voluntária consagra expressis verbis que «o tribunal arbitral pode pronunciar-se sobre a sua competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela insira, ou a aplicabilidade da referida convenção»”.
[14] Apesar de no novo CPC (Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) a preterição de tribunal arbitral ter passado a determinar a incompetência absoluta do tribunal (art. 96/b), o n.º 1 do art. 97.º excepciona do seu conhecimento oficioso os casos de preterição do tribunal arbitral voluntário.
[15] Como refere Manuel Pereira Barrocas, in Lei da Arbitragem Comentada, Almedina, 2013, pág. 34, o efeito negativo traduz-se numa auto-limitação pelo tribunal estadual do exercício da sua actividade pelo facto de perante ele se erguer uma convenção de arbitragem que lhe retira competência, a pedido de, pelo menos, uma das partes.
[16] In ‘A Excepção da Preterição do Tribunal Arbitral (voluntário)’, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 58 – Volume III - Dezembro de 1998, pág. 1128.
[17] Como refere João Luís Lopes dos Reis na obra citada (pág. 1129): “… se o juiz declarar a excepção procedente, tal não implica que o árbitro deva, depois, julgar-se competente para decidir o litígio. O julgamento da procedência da excepção implica tão só o julgamento da existência de convenção de arbitragem não manifestamente nula e eventualmente aplicável no caso concreto”.
[18] Proferido no Processo n.º 5961/09.1TVLSB.L1.S1, acessível no site da DGSI.
[19] Norma em tudo idêntica ao actual artigo 18.º, n.º 1. da LAV aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14.12, como já tivemos oportunidade de referir.
[20] Proferido no Processo n.º 57/12.1TBMGL-A.C1, acessível no site da DGSI.
[21] No sumário acessível no site da DGSI há um manifesto lapso traduzido na omissão do advérbio de negação antes da forma verbal: “A manifesta nulidade, ineficácia original ou superveniente ou inexequibilidade da convenção de arbitragem é aquela que se apresente ao julgador de forma evidente e que carece de qualquer produção de prova para ser apreciada”
[22] Obra citada, pág. 1131.
[23] Proferido no Processo n.º Proc. 1380/2007-1, acessível no site da DGSI.
[24] A única referência que encontrámos foi noutro acórdão da Relação de Guimarães (313901/11.2YIPRT.G1), no qual se discute se a competência para a causa pertence aos tribunais comuns ou aos tribunais administrativos, o que nos permite concluir que o aresto do STJ citado corresponde à Revista 08A391, de 13.03.2008, reportada à referida questão de competência entre tribunais (administrativo e comum).
[25] Vejam-se os seguintes arestos em sentido contrário, todos disponíveis no site da DGSI: Acórdão do STJ, de 18.01.2000, Proc. 99A1015; Acórdão do STJ, de10.03.2011, Proc. 5961/09.1TVLSB.L1.S1; Acórdão do STJ, de 20/01/2011, Proc. 2207/09.6TBSTB.E1.S1; Acórdão da Relação de Lisboa, de 5.06.2007, Proc. 1380/2007-1; Acórdão da Relação de Coimbra, de 5.02.2013, 57/12.1TBMGL-A.C1; Acórdão da Relação de Coimbra, de 19.12.2012, Proc. 477/11.8TBACN.C1; Acórdão da Relação de Lisboa, de 15.11.2012, Proc. 9/11.9TVLSB-C.L1-2; Acórdão da Relação de Guimarães, de 30.01.2014, Proc. 1257/13.2TBVCT.G1; e Acórdão da Relação de Coimbra, de 5.02.2013, Proc. 57/12.1TBMGL-A.C1.
[26] Cumprirá não esquecer que as questões a decidir não coincidem necessariamente com os argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as posições que assumem na lide vão assumindo ao longo do desenvolvimento da lide (Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2ª edição, Coimbra Editora 2008, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, páginas 679 a 681), reconduzindo-se unicamente aos concretos problemas jurídicos que o tribunal tem, necessariamente, que decidir em função da causa de pedir e do pedido formulado, das excepções e contra-excepções invocadas.