Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
864/05.1TAPNF-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAÚL ESTEVES
Descritores: CRIME DE FRAUDE
OBTENÇÃO DE SUBSÍDIO
OBTENÇÃO DE SUBVENÇÃO
PENA ACESSÓRIA
PUBLICAÇÃO
SENTENÇA
TRANSCRIÇÃO NO REGISTO CRIMINAL
Nº do Documento: RP20180411864/05.1TAPNF-G.P1
Data do Acordão: 04/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º15/2018, FLS.212-218)
Área Temática: .
Sumário: I - Se a pena acessória da publicação da sentença condenatória, tem precisamente, em vista dar publicidade à condenação, por se entender ajustada aos fins da punição, tendo em mente as necessidades da prevenção geral, a pretensão do arguido de não transcrição da mesma condenação no certificado do registo criminal, tornaria aquela finalidade insuficiente.
II - Com efeito, o alcance da pena acessória de publicação da decisão absorve integralmente a transcrição da condenação no certificado de registo criminal, existindo, irremediável, conflito entre tal pena e a decisão da não transcrição da condenação, já que o fim em que aquela se alicerçou seria, agora, fragilizado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
1 Relatório
Nos autos 864/05.1TAPNF-G.P1, que correm os seus termos na Comarca do Porto Este, Juízo Central Criminal de Penafiel, Juiz 2, em que é arguido B… foi proferido despacho com o seguinte teor:
“B. FLS. 938-939 ― Da não transcrição da condenação para o registo criminal
1. B…, tendo sido condenado na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 dias de multa à taxa diária de €8, pela prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 36.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 28/84, de 28 de janeiro e pelos artigos 22.º e 23.º do Código Penal, veio requerer a não transcrição da condenação no registo criminal.
2. O Ministério Público não se opôs a tal pretensão (fls. 1087).
3. Cumpre tomar posição.
4. Considerando a tramitação dos autos e a posição dos sujeitos processuais a este respeito, importa considerar os seguintes factos provados:
a) No âmbito dos presentes autos, o arguido B… foi condenado pela prática de um (1) crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 36.º, n.º 1, al. c), n.º 2, e n.º 5, al. a) do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro e pelos artigos 22.º e 23.º do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 dias de multa à taxa diária de €8;
b) A decisão condenatória deu como provados, além de outros, os seguintes factos:
“Projecto n.º 40/…/2007 - CTE-C…
791. A candidatura deu entrada no Centro de Emprego de C… em 22/05/2007, sendo promotor o arguido B…, residente no Porto e inscrito no CTE D…, e fiadora E….
792. O arguido B… foi membro dos órgãos sociais da empresa “F…, Lda.”, no período temporal de 04/2003 a 03/2007.
793. O arguido apresentou no projecto uma declaração de cessação do contrato de trabalho em 28/02/2007, emitido pela referida empresa F… e com a assinatura de E…, com fundamento no despedimento do “trabalhador por inadaptação superveniente ao posto de trabalho”.
794. O falecido G… participou na instrução desta candidatura.
795. A candidatura visava a criação de uma empresa de venda de material informático e de prestação de serviços nessa área, com sede no concelho de Cinfães, e propunha-se realizar um investimento de 145.785,62€ com o apoio financeiro do IEFP a fundo perdido de 104.042,68€.
796. A residência situada na Rua …, n.º …, …, Esq., no Porto foi utilizada para a correspondência entre o CTE C… e o arguido B….
797. O investimento proposto assentava na aquisição de material informático, obras de adaptação do espaço e aquisição de viaturas automóveis, tendo sido apresentados para suportar a proposta os seguintes documentos:
• Factura proforma n.º .. da empresa H…, do Porto, datada de 3/04/2007, no valor de 41.900,00€ referente a obras de adaptação do espaço;
• Factura proforma da empresa I…, Ldª., no valor de 63.909,00€ (+IVA) relativa a mobiliário, software e equipamento informático.
798. A factura proforma da empresa I…, Ldª., no valor de 63.909,00€ (+IVA) não foi emitida pela empresa I…, Ldª..
799. A factura proforma da empresa H… é um documento forjado que ostenta um NIPC que não se encontra associado à referida empresa.
800. A constituição da sociedade denominada “J…, Unipessoal, Ldª.”, NIPC ………, com CAE …..-.., foi registada em 21.12.2007, tendo a mesma por objecto social edição de programas informáticos e sede na Rua …, n.º …, …, no Porto.
801. Esta candidatura propunha a criação líquida de cinco postos de trabalho, um de gerente, o promotor, 3 comerciais e um trabalhador ligado à produção.
802. Pela informação n.º 27/DN/ELA de 02/01/2008, o arguido K… emitiu parecer favorável à aprovação da candidatura, que foi aprovada, tendo sido fixado o apoio no valor de 104.042,68€.
803. Nesta informação, o arguido K… não confirmou as condições de elegibilidade do promotor.
804. O promotor B… é irmão do falecido G… e o arguido K… por diversas ocasiões pressionou o arguido G… no sentido do irmão entregar os documentos em falta para a instrução do projecto.
805. O incentivo aprovado não chegou a ser pago.
806. O arguido B… apresentou a candidatura e solicitou a concessão de apoios financeiros nos moldes acima descritos com o propósito de fazer com que o IEFP entregasse as quantias monetárias previstas para o financiamento do projecto, tendo conhecimento da forma como, para que a candidatura fosse aceite, o projecto foi instruído e sabendo que, com vista à aprovação daquilo que era pretendido, o mesmo tinha que ser apresentado no centro de emprego C….
807. O arguido B… agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
*
808. No ano de 2007, o arguido B… falou com o seu irmão G… sobre o Programa de Iniciativa Local de Emprego - “…” - por ter tido conhecimento que ele já teria instruído uma candidatura, dando-lhe a conhecer que se encontrava interessado em criar uma empresa de desenvolvimento de aplicações informáticas, como veio efectivamente a criar e à qual atribuiu a firma “J… – Unipessoal, Ldª.”.
809. O seu irmão, o falecido G…, demonstrou imediata disponibilidade em auxiliá-lo, tendo começado a instruir a candidatura ao programa em conjunto com o arguido L….
810. No seguimento destes factos, o arguido B… ia fornecendo ao seu irmão os documentos que este lhe ia solicitando, como foi o caso das declarações de inexistência de dívidas à Segurança Social e à fazenda Pública, e assinando a documentação e formulários necessários à formalização da candidatura.
811. Em Dezembro de 2007, o arguido constituiu a empresa “J… – Unipessoal, Ldª.”, a qual adquiriu uma viatura automóvel, marca Renault, em Junho de 2008.
812. A sociedade J… - Unipessoal, Ldª., nunca exerceu actividade em qualquer loja situada em Cinfães.
813. O arguido não encerrou a actividade da empresa, por ter estado a cumprir o contrato de leasing que celebrou com o Banco M… para aquisição da referida viatura.
814. O arguido não recebeu qualquer quantia pelo incentivo que foi aprovado.
(…)
1144. O arguido B… nasceu e cresceu junto do agregado familiar de origem, composto pelos pais e três descendentes, dos quais ele era o mais novo, beneficiando de uma dinâmica intra-familiar securizante.
1145. Aos 17 anos, o arguido deixou o contexto familiar, apresentando-se voluntariamente para o cumprimento do serviço militar, onde fez carreira como pára-quedista, durante cerca de seis anos, integrando missões no estrangeiro.
1146. Após, deixou a carreira militar e terminou a Licenciatura N…, formação que já havia iniciado durante a vida no exército.
1147. Tendo desenvolvido, ainda, actividade como formador em várias empresas, dedicou-se profissionalmente à área da informática, onde passou a trabalhar no âmbito da sociedade “F…”, da qual foi sócio, sendo gerente a sua namorada E….
1148. B… reside autonomamente desde o período em que se alistou no exército, muito embora tenha vivido parte do tempo na residência dos progenitores, num período em que os mesmos se encontravam a residir no Luxemburgo, juntamente com a sua irmã.
1149. O arguido mantém uma relação de namoro há cerca de catorze anos com E…, e, embora tenham adquirido um apartamento em Paços de Ferreira, pelo qual ainda se encontram a efectuar amortização do empréstimo bancário, e possuam um apartamento arrendado na cidade da Povoa de Varzim, o casal nunca residiu no mesmo espaço habitacional de forma permanente.
1150. Actualmente, o arguido mantém idêntico contexto vivencial, alternando a sua residência entre a casa dos pais em Paços de Ferreira, onde tem passado grande parte do seu tempo, pela necessidade de prestar apoio aos progenitores após o falecimento de um dos irmãos, e a companhia da namorada.
1151. No ano de 2014, terá auferido de um vencimento anual ilíquido de €7.128.42. (sete mil, cento e vinte oito euros, quarenta e dois cêntimos) no âmbito da empresa “F…”, beneficiando ainda da utilização de um cartão desta empresa para efeitos de pagamento das respectivas despesas.
1152. Este arguido não tem antecedentes criminais.”
c) Foi ainda condenado na pena acessória de publicação da sentença;

5. Desde já se adianta que a pretensão do arguido não pode deferida.
5.1. Estatui-se no artigo 6.º da Lei de Identificação Criminal (aprovada pela Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, com a Retificação n.º 28/2015, de 15 de junho) que estão sujeitas a inscrição no registo criminal, além de outras, as decisões que apliquem penas.
Sabe-se, ainda, que o exercício de certas profissões ou a apresentação a concurso para determinadas tarefas ou profissões se impõe ou se requer, ainda que facultativamente, a apresentação do certificado do registo criminal.
Assim, estatui-se no artigo 10.º, n.º 5 da indicada lei que “sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou atividade em Portugal, devem conter apenas:
a) As decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou atividade ou interditem esse exercício;
b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo;
c) As decisões com o conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respetivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis.”
Diferentemente, e com um conteúdo mais abrangente, “os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes” (n.º 6 do artigo 10.º do aludido diploma legal), ressalvando-se apenas as “decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou atividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido”.

É tendo presente este enquadramento que se reconhece que há situações em que a transcrição da condenação no registo criminal poderá significar um efeito colateral significativo na vida do condenado que, em última instância, poderá ter efeitos perversos do ponto de vista da sua reinserção social.
Por isso, a lei prevê-se a possibilidade de “os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade” “determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.os 5 e 6 do artigo 10.º”

5.2. No caso em apreço, referindo o arguido B… que desenvolve atividades várias para entes públicos e privados, designadamente como formador, admite-se perfeitamente como possível que possa precisar de certificado do registo criminal com as menções a que se alude no n.º 6 do artigo 10.º da Lei de Identificação Criminal.
Por isso, ao contrário do que sucede relativamente aos certificado do registo criminal emitidos apenas para “fins de emprego” a que se alude no artigo 10.º, n.º 5 da Lei de Identificação Criminal, o certificado do registo criminal a emitir para o arguido deve conter todas as condenações pelo mesmo sofridas.

Ora, sendo verdade que o arguido não sofreu condenação por crime da mesma natureza em que vai condenado nos presentes autos, importa aferir se “das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo da prática de novos crimes”.
No caso dos autos, os factos provados revelam que o arguido se encontra inserido socialmente, mas também importa ter presente que o tipo de crime pelo qual o arguido foi condenado é praticado, na esmagadora maioria das vezes, por pessoas que se apresentam socialmente integradas. Aliás, tal situação apresenta-se como condição “implícita” da obtenção de subsídios ou subvenções públicas que visam a criação ou promoção do emprego.
Por isso, tal fator não pode aqui ter um papel decisivo.

Por outro lado, da leitura da decisão condenatória não se vislumbra qualquer facto donde ressalte que o arguido interiorizou o desvalor da sua conduta e, nessa medida, dela está arrependido e procurará prosseguir com a sua vida sem voltar a delinquir: não há confissão e arrependimento.
Estes dados - que, no fundo, revelam que o arguido não interiorizou o sentido ilícito contido na sua conduta delituosa - não permitem, pois, afirmar que inexiste o perigo de que, havendo nova oportunidade, volte a entrar na rede do crime.

5.3. No caso em concreto, há ainda uma outra razão que leva a que o Tribunal não acolha a pretensão do arguido.
Como vimos, ao tempo da condenação - com a qual o arguido se conformou - as condições socias do arguido são essencialmente as mesmas da atualidade, pelo que não se poderá invocar um qualquer dado factual superveniente que leve o Tribunal a alterar a posição que consta da decisão condenatória.
Ademais, no caso concreto impôs-se mesmo uma pena acessória que tem em vista dar publicidade à condenação. Pena que, note-se bem, não é de aplicação automática, antes resultou de valoração própria. Por isso, mal se compreenderia que, dum lado, se quisesse dar publicidade à condenação e, doutro, a mesma não constasse do principal instrumento que visa publicitar a mesma determinando a sua não transcrição.
Permitir que a condenação do arguido - que, repete-se, ao longo do julgamento não adotou uma postura de arrependimento, inexistindo, assim, factos que atestem a interiorização do desvalor da sua conduta - não fosse transcrita no certificado do registo criminal nos termos gerais seria, no fundo, premiar quem não merece prémio e, ademais, “revogar” implicitamente a decisão condenatória, “escondendo” o que a decisão afinal queria que fosse público.

6. Pelo exposto, indefere-se a não transcrição da decisão condenatória para o registo criminal requerida.
Notifique.”
Notificado, veio o arguido interpor recurso, tendo concluído o seguinte:
I
Vai o presente recurso do douto despacho que recaiu sobre o requerimento apresentado em 13 de Fevereiro de 2017 pelo Recorrente a peticionar a não transcrição para o registo criminal da sua condenação no âmbito dos presentes autos., indeferindo a não transcrição requerida, ao qual não se opôs o Digno Magistrado do Ministério Público.
II
Carece de razão o Meritíssimo Tribunal “a quo” nos fundamentos aduzidos e que fundamentaram o dito indeferimento.
III
Nos presentes autos o Recorrente foi condenado por um crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22º, 23º, 72º e 73º do Código Penal e do artigo 36º, nº1, al.c), nº2, e nº5, al.a), do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20/01, na pena de dez meses de prisão, a qual se substituiu pela pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €8,00 (oito euros), o que perfaz €2.400,00.
IV
Conforme resulta assente, o Recorrente é sócio da empresa F…, Lda. que se dedica à venda de material informático e prestação de serviços nessa área, sendo que, no desenvolvimento da mesma, não só presta serviços para outras empresas que trabalham ao abrigo da contratação pública, como também participa em concursos públicos para fornecimento de equipamentos ou serviços.
V
A inscrição da sentença acima descrita no registo criminal do Recorrente irá prejudicar a sua atividade profissional, implicando praticamente a cessação da empresa já que os serviços que presta no âmbito da contratação pública são a maior fatia de serviço da mesma.
VI
O Recorrente preenche os requisitos constantes do art.º 13.º, n.º 1 da Lei da Identificação Criminal para deferimento do citado pedido: conforme bem admite o despacho em apreço, relativamente ao facto de o Recorrente não ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza, é óbvio e por aí não há a mínima dúvida; e, no que concerne ao requisito das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, ao invés do decidido, também nos parece encontrar-se preenchido.
VII
Resulta dos factos provados que (Facto 805 do Acórdão), o incentivo aprovado não chegou a ser pago, pelo que o Arguido não se apropriou ou fez sua qualquer quantia, sendo que, se atentarmos no universo de crimes consumados só no presente processo, tal facto não pode ser indiferente ou inócuo, uma vez que jamais o Recorrente se locupletou de qualquer verba.
VIII
E, se é certo que não conseguiu provar que não recebeu porque não quis, ou seja porque ele próprio desistiu, certo é também que não se provou qualquer outra razão.
IX
Resulta ainda dos factos (1144 a 1152) que o Recorrente nasceu e cresceu junto do agregado familiar de origem, composto pelos pais e três descendentes, dos quais ele era o mais novo, beneficiando de uma dinâmica intra-familiar securizante; aos 17 anos, o Recorrente deixou o contexto familiar, apresentando-se voluntariamente para o cumprimento do serviço militar, onde fez carreira como pára-quedista, durante cerca de seis anos, integrando missões no estrangeiro. Após, deixou a carreira militar e terminou a Licenciatura N…, formação que já havia iniciado durante a vida no exército. Tendo desenvolvido, ainda, atividade como formador em várias empresas, dedicou-se profissionalmente à área da informática, onde passou a trabalhar no âmbito da sociedade “F…”, da qual foi sócio, sendo gerente a sua namorada E….
X
Resulta ainda provado que o ora Recorrente reside autonomamente desde o período em que se alistou no exército, muito embora tenha vivido parte do tempo na residência dos progenitores, num período em que os mesmos se encontravam a residir no Luxemburgo, juntamente com a sua irmã e que mantém uma relação de namoro há cerca de catorze anos com E…, e, embora tenham adquirido um apartamento em Paços de Ferreira, pelo qual ainda se encontram a efetuar amortização do empréstimo bancário, e possuam um apartamento arrendado na cidade da Povoa de Varzim, o casal nunca residiu no mesmo espaço habitacional de forma permanente.
XI
Atualmente, o Recorrente mantém idêntico contexto vivencial, alternando a sua residência entre a casa dos pais em Paços de Ferreira, onde tem passado grande parte do seu tempo, pela necessidade de prestar apoio aos progenitores após o falecimento de um dos irmãos, e a companhia da namorada.
XII
O Recorrente não tem antecedentes criminais, sendo primário.
XIII
Ora é todo este manancial fáctico que leva o Tribunal “ a quo” a concluir que o facto de o Recorrente se encontrar inserido socialmente não releva (!!!); e que, como no decorrer do presente processo o Recorrente não confessou a prática de crime nem mostrou arrependimento, não se pode afirmar que inexiste perigo de havendo oportunidade, voltar a entrar na rede de crime.
XIV
Sendo certo que jamais o Recorrente pertenceu a qualquer “rede”, como se verifica do acórdão referido e sendo certo também que não se vislumbra que pratique outro crime.
XV
E que nunca recebeu não porque não tivesse sido concedido, porque resulta assente que foi aprovado; mas porque não quis, pois se o pretendesse, à luz dos demais projetos descritos nos autos, o Recorrente teria recebido o subsídio.
XVI
E relativamente à última razão apontada pelo Tribunal “a quo” para indeferir o requerido – inexistência de qualquer facto superveniente á data de condenação para o Tribunal alterar a posição que consta da decisão final – diga-se com o maior respeito que a lei não exige tal circunstância, já que a lei não refere que tem que ocorrer qualquer alteração posterior à decisão final que justifica que o prédio de não transcrição da condenação.
XVII
É precisamente face às circunstâncias de vida do Recorrente que já resultaram provadas no acórdão condenatório que se fundamenta o pedido em apreço.
XVIII
E por último, no que respeita á publicidade da condenação que foi decidida, trata-se de uma sanção acessória, jamais sendo revogada com a não transcrição que se pretende.
XIX
Note-se que a publicidade da condenação, como refere o artº. 19º do DL 28/84, conforme foi determinado no Acórdão final, será efetuada a expensas do Recorrente, em publicação periódica editada na área da comarca da prática da infração ou, na sua falta, em publicação periódica da comarca mais próxima, ficando assim cumprida e extinta tal obrigação: nada tem que ver uma coisa com a outra, nem uma revoga a outra.
XX
Ademais, a possibilidade que o citado artigo 13.º da referida Lei 37/2015, não apaga, pura e simplesmente, a condenação do Recorrente, apenas expressamente admite a não transcrição da sentença nos certificados de registo criminal lá identificados, o que não contende, de modo algum, com o caso julgado que se forma sobre a simples ordem de remessa de boletim ao registo criminal para inscrição, ali, da condenação proferida.
XXI
Acresce que, o ora Recorrente não consumou a prática do crime, os factos datam de 2007 – mais de 10 anos – e é primário, tendo um passado impoluto, sendo manifestamente favorável o juízo de prognose a efetuar.
XXII
Ademais, o crime pelo qual o Recorrente foi condenado, na forma tentada, nem sequer se trata de um crime de fácil reiteração.
XXIII
Devendo atentar-se que nem sequer foi o próprio quem diretamente diligenciou na tentativa de obter o subsídio em apreço.
XXIV
Por outro lado e sempre com o maior respeito se diz que parece existir na decisão sub judice uma obscuridade que, provavelmente alterará a mesma, na medida em que no ponto 5 do mesmo (pág. 12 do mesmo despacho), termina a decidir a não transcrição no certificado criminal nos termos gerais, uma vez que, na verdade o que o Recorrente peticionou e que obviamente mantém é a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.os 5 e 6 do artigo 10, para o que, como se vem dizendo, se encontram preenchidos os elementos materiais e formais exigidos no artº. 13º da citada Lei 37/2015 de 05/05.
XXV
Assim, ao decidir como decidiu, violou o Meritíssimo Juiz “ a quo” o disposto nos artºs. 13º e 10º. Nºs. 5 e 6 da Lei de Identificação Criminal (aprovada pela Lei nº. 37/2015 de 5 de Maio, com a Retificação nº. 28/2015, de 15 de Junho.
***
O Digno magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª Instância respondeu ao recurso, tendo pugnado pela sua improcedência.
Neste Tribunal o Digno Procurador-Geral Adjunto, teve vista nos autos, tendo emitido parecer no mesmo sentido.
Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º nº 2 do CPP, foram os autos aos vistos e procedeu-se à Conferência.
Nada obsta à apreciação do mérito do recurso.
Cumpre assim apreciar e decidir.
2 Fundamentação.
Atentas as conclusões do recurso, a única questão que importa apreciar e decidir é o saber se o recorrente reúne as condições para que a sua condenação não seja transcrita, com efeitos universais, no seu certificado de registo criminal.
Vejamos então.
Conforme resulta dos autos, o recorrente foi condenado pela prática de um (1) crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 36.º, n.º 1, al. c), n.º 2, e n.º 5, al. a) do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro e pelos artigos 22.º e 23.º do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 dias de multa à taxa diária de € 8, e na pena acessória de publicação da sentença.
Tal condenação resultou da factualidade dada como assente nos autos, sendo que, e para o efeito, reproduziu o despacho recorrido a factualidade relevante, razão pela qual não será agora novamente reproduzida.
Ora, dispõe o artigo 13.º nº 1 da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio, na sua versão actual, que :
Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.os 5 e 6 do artigo 10.º
Deste preceito, importa reter que a decisão de não transcrição de condenação de arguido, verificadas que são as condições objectivas – condenação em pena de prisão até um ano, ou em pena não privativa da liberdade e ausência de antecedentes criminais por crime de igual natureza – pode ser tomada se o Tribunal entender que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir o perigo da prática de novos crimes.
Ou seja, será sempre uma decisão do Tribunal que merecerá uma fundamentação positiva, ou negativa, quanto a tal possibilidade, pois nada na lei aponta para o carácter automático da sua aplicação.
A transcrição no certificado de registo criminal de uma condenação tem sempre o alcance de tornar publica tal decisão, o que terá que ser interpretado com o alcance próprio dos fins da punição assegurada pelo direito penal, e onde, como é evidente, a reinserção social do condenado ocupa um papel de destaque, sendo a decisão de não transcrição motivada unicamente com esse fim, evitando-se assim o estigma da condenação penal nesse processo de integração social e profissional.
No caso, e independentemente de estarem verificados os requisitos objectivos que permitiriam a não transcrição da condenação, entendeu o Tribunal que a mesma haveria de constar no certificado de registo criminal, fazendo apelo a várias razões que enumera no despacho recorrido.
Com o devido respeito, de todas as invocadas pelo Tribunal, apenas uma nos merece alguma ponderação.
Na verdade, o comportamento do condenado, fixado na factualidade provada, teve em vista a subsunção criminal e a graduação da sua culpa, com vista à determinação de uma pena, sendo, no caso, insuficiente para a demonstração que das circunstâncias que acompanharam o crime se possa induzir o perigo da prática de novos crimes, e muito menos, deverá ser agora objecto de ponderação o comportamento do arguido em sede de audiência de discussão e julgamento.
A única razão invocada no despacho que é merecedora de reflexão ajustada ao caso sub judice é o facto de ter sido decidido também – e tal hoje é pacífico, pois não houve recurso – a aplicação ao recorrente da pena acessória de publicação da sentença.
Tal pena, em concreto, teve em vista dar publicidade à condenação, entendendo o Tribunal que, seria a sua fixação ajustada aos fins da punição, tendo em mente uma das suas vertentes, esta consubstanciada nas necessidades de prevenção geral, e que, com o agora requerido pelo recorrente, e que foi objecto de indeferimento, tornaria tal finalidade insuficiente.
Efectivamente, o alcance da pena acessória de publicação da decisão absorve integralmente a transcrição da condenação no certificado de registo criminal, sendo claro que há conflito irremediável entre tal pena e a decisão da não transcrição da condenação, pois o fim em que aquela se alicerçou seria, agora, fragilizado.
Assim, e por este motivo, não será de censurar o despacho recorrido.
3 Decisão
Pelo exposto, julga-se não procedente o recurso, mantendo-se nos seus precisos termos o despacho recorrido.

Porto, 11 de Abril de 2018
Raúl Esteves
Vítor Morgado