Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
68/09.4JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: CRIME DE AUXÍLIO À IMIGRAÇÃO ILEGAL
UNIDADE CRIMINOSA
Nº do Documento: RP2013091168/09.4JAPRT.P1
Data do Acordão: 09/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Comete um único crime de auxílio à imigração ilegal o arguido que permite que várias cidadãs estrangeiras “trabalhem” no seu estabelecimento comercial na actividade de alterne e prostituição, auferindo desse modo rendimentos para o seu sustento ao mesmo tempo que lhes facilita a permanência no país.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo comum colectivo 68/09.4JAPRT do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Mirandela

Relator - Ernesto Nascimento
Adjunto - Artur Oliveira

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. Efectuado o julgamento foi proferido Acórdão, através do qual se decidiu, julgar, parcialmente procedente por provada a acusação deduzida, em função do que,
foi o arguido B…,

absolvido, da prática dos crime(s) de auxílio à imigração ilegal p. e p. pelo e artigo 183º/2 da Lei 23/2007 que lhe vinham imputado(s)e,

condenado, pela prática de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169º/1 C Penal, na pena de 18 meses de prisão, cuja execução se decretou pelo mesmo período de tempo.

I. 2. Inconformado com o assim decidido, interpôs recurso o Magistrado do MP - pugnando pela revogação do Acórdão e pela sua substituição por um outro onde se altere a matéria de facto e se julgue praticado o crime de auxílio à imigração ilegal e, bem, assim, se condene o arguido em conformidade – apresentando o que se não pode, em bom rigor, mesmo num critério amplo, como de conclusões, no sentido comummente aceite de resumo das razões do pedido e, que por essa razão aqui se não transcrevem, apenas se enunciando, as questões aí suscitadas e, que são as seguintes:
a violação do princípio in dubio pro reo;
erros de julgamento;
a questão da subsunção jurídico-penal dos factos tidos como erradamente julgados e,
a ser procedente a alteração do julgamento da matéria de facto, saber se os novos factos integram o tipo legal de auxílio à imigração ilegal e,
ainda, nessa conformidade, a questão da medida da pena, parcelar e da pena única, através da operação de cúmulo jurídico a efectuar ex-novo.

I. 3. Na resposta que apresentou o arguido defende a manutenção do julgado.

II. Subidos os autos a este Tribunal o representante do MP., em vista dos autos, da mesma forma, emitu parecer no sentido do provimento do recurso, louvando-se na motivação apresentada na 1ª instância.

No exame preliminar decidiu-se nada obstar ao conhecimento do mérito do recurso e que ao mesmo fora atribuído o efeito adequado.

Seguiram-se os vistos legais.

Foram os autos submetidos à conferência.

Cumpre agora apreciar e decidir.

III. Fundamentação

III. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões suscitadas no presente são, então, a de saber se,
se mostra violado o princípio in dubio pro reo;
existem erros de julgamento;
a questão da subsunção jurídico-penal dos factos tidos como erradamente julgados e,
a ser procedente a alteração do julgamento da matéria de facto, saber se os novos factos integram o tipo legal de auxílio à imigração ilegal e,
ainda, nessa conformidade, a questão da medida da pena, parcelar e da pena única, através da operação de cúmulo jurídico a efectuar ex-novo.

III. 2. Vejamos, então, para começar, a matéria de facto definida pelo Tribunal recorrido.

A) Factos provados:

1) O arguido, B…, decidiu explorar um estabelecimento onde se combinasse a actividade de “alterne” com a de aliciar os clientes para a prática de relações sexuais renumeradas, com vista à obtenção de proventos económicos;
2) Para tal, em execução de tal plano, começou a contratar mulheres, maioritariamente de nacionalidade brasileira e paraguaia, que se dedicavam ou queriam iniciar-se nas actividades de alterne e prostituição, estipulando, com cada uma delas, os termos e moldes de cada contrato celebrado;
3) Como já era referenciado como tal, era igualmente procurado por mulheres que se dedicavam ao alterne ou prostituição e acordavam com ele os termos do exercício dessas actividades.
4) Algumas dessas mulheres, sobretudo de nacionalidade brasileira e paraguaia, entraram e encontravam-se ilegalmente em território nacional, pretendendo imigrar para o nosso país;
5) Pelo menos, desde 2008 até 2010, o arguido explorou um estabelecimento comercial denominado de “C…” e de “D…”, sito na …, na …, área desta comarca de Mirandela;
6) O esquema geralmente utilizado pelo arguido, consistia na entrada do cliente pela porta principal, onde lhe era entregue um cartão. Posteriormente, havia o encaminhamento do cliente para a sala, onde se encontravam as mulheres e os homens que frequentavam aquele estabelecimento e onde decorria a actividade de alterne;
7) Na sala os clientes são recebidos por mulheres que os induzem a consumir bebidas alcoólicas de diversa natureza, das quais cobram uma percentagem de 50%;
8) A actividade de alterne era a mais das vezes, preliminar e preparatória da prática de relações sexuais que eram mantidas nos quartos existentes no primeiro andar daquele estabelecimento;
9) Estas relações sexuais eram remuneradas pela prévia combinação do preço entre os intervenientes;
10) Cada mulher cobrava, geralmente, uma quantia de € 35,00 (trinta e cinco euros) por cada relação sexual mantida;
11) Esta quantia era recebida pela mulher directamente do cliente;
12) Antes de a mulher ir para o quarto com o cliente dirigia-se ao balcão para ir solicitar a chave de um dos quartos;
13) No final da noite, eram feitas as contas com o arguido, sendo que da quantia cobrada por cada relação sexual, € 25,00 (vinte e cinco euros) eram para a mulher e € 10,00 (dez euros) eram para o estabelecimento;
14) Em algumas das ocasiões, algumas das mulheres foram transportadas do local onde residiam para o referido estabelecimento em veículo conduzido pelo arguido;
15) Assim, neste enquadramento, desde 2008 até 2010, o arguido recebeu de diversas mulheres, que se prostituíram no estabelecimento comercial denominado de “C…” e de “D…”, diversas quantidades em dinheiro, cujo montante total não foi possível apurar, correspondentes às percentagens acordadas em virtude da prática de relações sexuais remuneradas com os clientes que procuraram aquele estabelecimento com essa finalidade;
16) Agiu o arguido, B…, deliberada e profissionalmente, com a intenção de obter proventos económicos e angariar dinheiro, não obstante saber que deste modo fomentava, promovia e facilitava o exercício da prostituição por parte de terceiras mulheres, não se coibindo de assim actuar durante aquele período de tempo;
17) Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal;
18) O arguido é casado;
19) O processo de desenvolvimento do arguido processou-se junto do seu agregado familiar de origem, constituído por 8 irmãos, em …, …, no seio de uma família de condição sócio-económica humilde, trabalhando os pais na agricultura e pecuária;
20) A relação conjugal atingiu o ponto de ruptura, no dizer da esposa, não havendo disponibilidade desta para continuar a apoiá-lo de forma consistente no futuro;
21) Tem dois filhos de 26 e 14 anos de idade, sendo que o mais velho já constituiu família e encontra-se a viver no Brasil e o mais novo reside com a mãe;
22) Em Janeiro de 2011 o arguido imigrou para a Suíça para ali trabalhar e ganhar dinheiro para pagar as diversas dívidas contraídas, mas nunca enviou dinheiro para a família;
23) Na comunidade são conhecidos ao arguido hábitos ligados à vida nocturna, mas sempre manteve relações socialmente ajustadas com uma conduta cordial e amistosa;
24) Possui como habilitações literárias o 4º ano de escolaridade;
25) Do CRC nada consta.

B) Factos não provados

Que era do inteiro conhecimento do arguido, que algumas dessas mulheres, de nacionalidade brasileira e paraguaia, entraram e encontravam-se ilegalmente em território nacional, que as auxiliava e explorava em proveito próprio com intenção lucrativa;
Que sabia o arguido que, pelo menos, E…, F…, G…, H…, I… e J… se encontravam em permanência ilegal em território nacional;
Que as mulheres eram transportadas do local onde residiam para o referido estabelecimento em veículos conduzidos pelo arguido.
Que sabia o arguido, B…, que algumas dessa mulheres eram de nacionalidade estrangeira, não se encontravam habilitadas com autorização de residência no nosso país ou visto de trabalho e que assim favorecia e facilitava o trânsito ilegal de pessoas estrangeiras no território nacional, fazendo-o com intenção ilícita e lucrativa.
Que a sua conduta era proibida e punida por lei.

C) Porque tal questão releva igualmente para a discussão do recurso, vejamos, também, o que em sede de fundamentação se deixou exarado no que concerne à convicção assim formada pelo Tribunal.

O tribunal, tendo sempre presentes os princípios e regras legais sobre os meios de prova admissíveis, modos de obtenção e força probatória legalmente conferida, formou a sua convicção de forma livre e à luz das regras da experiência – artº. 127º, do CPP -, tendo em conta que tais regras não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes, se reconduziu, fundadamente, nas provas produzidas, sem esquecer, no entanto, que os critérios da experiência comum e a lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica se bastam com a descoberta da verdade material e não exigem a busca da verdade ontológica, transcendental, porventura inalcançável, nem uma livre e ilimitada especulação projectada para hipótese segundo o gosto e capacidade de cada ser pensante, jurista ou não. E procurou seguir de perto a jurisprudência do Tribunal Constitucional respeitante à fundamentação da convicção quanto à matéria de facto.
Assim, na determinação dos factos que considerou provados e não provados atendeu o tribunal, fundamentalmente, ao teor dos documentos juntos aos autos a fls. 8 a 10, 13, 48, 49, 52, 55, 56, (participação e relatos de diligências externas), fls. 87 a 119 (auto de busca e apreensão, bem como a licença ou autorização de utilização emitida pelo Câmara Municipal …, contrato de arrendamento do imóvel, planta do estabelecimento, facturas e recibos, vários cartões de consumo, relação dos objectos apreendidos, autos de apreensão do imóvel e várias fotos, para ale do mais), fls. 125, 129, 132 (títulos de residência e cópia de passaporte de cidadãs brasileiras), fls. 135 a 142, 146 a 151 (informações do SEF sobre a situação de umas cidadãs brasileiras), fls. 156 a 159 (relato de diligência efectuada pela PJ), fls. 164 a 171 (relatório da acção de fiscalização efectuada pelo SEF), fls.180 a 189, auto de notícia efectuado pelo SEF) fls. 302 a 309, fls. 320 e 418 (CRC do arguido), fls. 323 e 324 (auto de exame e avaliação dos objectos) fls. 452 a 455 (relatório social), bem como todos os demais documentos dos autos, que são claros, idóneos, esclarecedores e credíveis sobre os factos a que se reportam, não deixando dúvidas sobre os mesmos.
Atendeu ainda o tribunal ao depoimento das testemunhas: K… que refere conhecer o arguido, o qual explorava um café - bar em … que frequentou quatro ou cinco vezes, onde verificou que no mesmo havia quatro ou cinco mulheres, umas portuguesas, outras brasileiras que se dedicavam à prostituição. Acrescenta que esteve no dito bar em 30-4-2008, desde cerca das 22 horas até à uma da manhã, que pagou o consumo mínimo de 5€, que correspondia a duas ou três cervejas, pois, só após o pagamento desse consumo mínimo é que as pessoas tinham acesso a uma sala mais reservada onde se encontravam as ditas mulheres que entabulavam conversa com os clientes e os convidavam a ter relações sexuais o que acontecia no 1º andar do prédio, onde havia vários quartos. Esclarece que no dia da fiscalização efectuada pelo SEF, havia subido com uma menina para ter relações sexuais, tendo pago para tal a quantia de 35€. Porém quando se estavam a despir surgiram os inspectores do SEF. Salienta que a senhora tirou a chave do quarto da carteira, desconhecendo se a foi buscar ao balcão ou não, mas chegou a ver outras mulheres a irem ao balcão buscar a chave dos quartos. Refere ainda que quem estava à frente do bar era o arguido e havia também uma menina, mas quem dirigia o dito bar, era o B…. Sublinha que já em outras ocasiões tinha efectuado outras subidas, pois, já havia estado naquele mais quatro ou cinco vezes. Esclarece ainda que as mulheres após o acto sexual se dirigiam ao balcão onde deixavam alguma coisa, talvez entregar a chave. Acrescenta que o preservativo lhe foi fornecido pela mulher com quem ia ter a relação sexual e que os quartos, onde havia uma cama e um armário, eram só para praticar sexo, “não era pessoal”. Refere também que nas noites mais fracas o bar teria cinco ou seis homens, mas nas noites boas tinha mais de dez ou quinze homens e salienta que havia mulheres que subiam mais que uma vez em cada noite e que não estavam sempre as mesmas mulheres no bar. Depoimento espontâneo, coerente, isento, genuíno e credível, com conhecimento directo dos factos, pois, além de ter sido apanhado a preparar-se para o acto sexual com uma das mulheres que trabalhavam no bar, era frequentador do mesmo, o qual descreve com algum pormenor, sabendo bem que género de actividade que era praticada naquele e, por isso é que foi lá algumas vezes satisfazer o seu instinto sexual, pagando 35€, por cada relação sexual que tinha a duração de cerca de meia hora, quantia que entregava à senhora que com ele efectuava a subida, descrevendo ainda algum do mobiliário existente nos quartos. Também não há dúvida que o depoente sabia que o bar era propriedade do aqui arguido e que no mesmo se praticava prostituição, desconhecendo, contudo, a percentagem que aquele recebia por cada relação sexual tida pelas mulheres com os clientes; a testemunha L… que refere ter participado numa fiscalização efectuada pela GNR de Mirandela, ao estabelecimento comercial do arguido, onde, na altura, foram detectadas três cidadãs brasileiras em situação irregular. Salienta que essas três cidadãs estrangeiras disseram que não tinham os passaportes com elas, tendo sido acompanhadas por elementos da GNR a Mirandela, desconhecendo, todavia, o local onde aquelas residiam. Sublinha que as mulheres que se encontravam no bar lhes referiram que se encontravam naquele como meros clientes. Acrescenta que as ditas mulheres estavam vestidas com trajes “mínimos”, mini-saia, ou seja, pouco roupa a tapar-lhe o corpo. Sublinha ainda que o responsável pelo bar não foi interpelado sobre se as ditas mulheres se encontravam irregularmente no país. Depoimento espontâneo, isento, coerente e credível, que não deixa dúvidas sobre a actividade que era exercida (de alterne e prostituição), no dito bar “C…”, explorado pelo arguido, sendo certo que nas fiscalizações em que o depoente participou ao dito bar, nunca foi o mesmo confrontado pelos agentes da autoridade sobre a situação legal ou ilegal das estrangeiras que ali se encontravam; a testemunha M… que refere ter participado na busca efectuada em 2/7/2010, pela autoridade policia judiciária ao bar C…. Acrescenta que pelas características do bar, tudo levava a crer que as senhoras estavam à espera de clientes para com eles terem relações sexuais. Esclarece que o bar se encontrava dividido em duas partes, uma onde se situava o bar onde estavam cinco ou seis clientes e a outra que era constituída por uma sala com sofás e mesas, onde se encontravam quatro ou cinco mulheres. Refere que os cartões de consumo se encontravam no balcão antes da entrada na dita sala. Salienta que o edifício onde funcionava o bar era constituído por rés-do-chão e 1º andar, todavia, apenas realizaram a busca no rés-do-chão. Acrescenta ainda que a maior parte das mulheres que se encontravam no bar tinham os documentos com elas, mas pensa que uma dessas teve de ir a casa a Mirandela buscá-los. Depoimento isento, espontâneo, sereno, coerente e credível, com conhecimento directo dos factos, já que participou na busca ao estabelecimento em causa e aí pode constatar qual o género de actividade de alterne e prostituição que era desenvolvida no dito estabelecimento comercial, bem como a clientela que o frequentava, sendo certo que nada adianta sobre quais as percentagens ou valores que o arguido retirava de cada relação sexual tida por cada uma das mulheres com os clientes que frequentavam o dito bar, mas tal situação é depois esclarecida pelo depoimento de diversas testemunhas designadamente pela AE… que nesse bar exerceu a actividade de alterne, tendo mesmo sido apanhada, aquando da busca efectuada, num dos quartos do dito estabelecimento comercial a preparar-se para o acto sexual com um dos clientes; a testemunha N… que também participou na busca realizada ao bar “B…” em …. Salienta ter efectuado a busca mais na zona do balcão, onde apreendeu alguns preservativos, a planta do rés-do-chão do edifício. Detectou ainda uma porta que dava acesso ao primeiro andar, mas que se encontrava trancada. Acrescenta que nesta altura o acesso ao 1º andar era feito pelo exterior. Sublinha que aquando da busca havia uma senhora estrangeira que estaria no país em situação irregular, a qual foi notificada para se apresentar no SEF. Acrescenta que as restantes senhoras que se encontravam no local apresentaram os passaportes que tinham nas carteiras. Refere ainda ter-se deslocado ao dito bar, em outras três ocasiões, 4-11-2009, 20-1-2010 e 12-5-2010, confirmando os respectivos relatos das diligências e onde verificou que as senhoras que aí estavam usavam roupas curtas e grandes decotes, sendo que da experiência que tem tudo, indicava tratar-se de uma casa de alterne. Salienta que das vezes que esteve no dito bar, algumas das senhoras que nele se encontravam o convidaram a ter relações sexuais, bem como ao colega que o acompanhou nas diligências. Acrescenta que as senhoras lhes referiram que o preço era de 40€ por cada acto sexual e que o mesmo seria praticado no 1º andar do prédio. As senhoras disseram-lhes ainda que o pagamento lhes era feito a elas. Esclarece que no dia da busca havia menos clientes do que nas outras ocasiões que ali se havia deslocado, pois, nas outras ocasiões que se deslocou àquele bar havia sempre cerca de oito a dez mulheres e doze a quinze homens. Refere que na altura da busca foram apreendidas várias embalagens de preservativos, umas meias, toalhitas de bebé que são usadas pelas senhoras das casas de alterne. O B… era o dono do estabelecimento e pensa que o mesmo tinha o mesmo de arrendamento. Esclarece que as senhoras teriam de pagar ao arguido pela utilização dos quartos, cinco a dez euros por cada acto sexual. Acrescenta ainda que em uma das ocasiões viu a uma das senhoras a entrar pela porta das traseiras com uma chave na mão, que depois foi entregar ao balão. Depoimento idóneo, isento, espontâneo, coerente e credível, com conhecimento directo dos factos, pois, para além de haver participado na busca, efectuou outras diligências naquele estabelecimento comercial, onde foi abordado por algumas senhoras que aí se encontravam para terem relações sexuais, a troco de 40€, sendo que desta quantia, havia uma importância de cinco ou dez euros que se destinava ao dono do bar como lhe foi referido pelas ditas senhoras, não havendo dúvidas sobre o tipo de actividade - alterne e prostituição – que era desenvolvida no estabelecimento comercial do arguido; a testemunha O… que refere não conhecer o arguido, pois, apenas foi um dia àquele bar beber um copo com um amigo e logo apareceu a polícia. Foi o primeiro dia que ali se deslocou. Depoimento parcial, não isento, sem qualquer credibilidade, que procurou escamotear a verdade, incapaz de assumir os seus actos, tentando proteger-se e proteger o arguido, negando conhecê-lo; a testemunha P... que refere ter ido como seu amigo Q…, há cerca de dois ou três anos, beber um copo ao bar C…, onde havia mulheres. Acrescenta que uma das meninas lhe fez a proposta se queria ter relações sexuais pelo preço de vinte e cinco ou trinta euros. Esclarece que a senhora só lhe disse a quantia que levava pelo acto sexual. Salienta que no bar tinha de ser efectuado um consumo mínimo que seriam talvez dois euros e meio. Depois de haver efectuado o consumo mínimo, já se podia entrar para uma outra sala onde havia uns sofás e umas mesas, sendo que nesta sala existia uma porta que dava para a rua. Pela dita porta viu sair alguns homens sozinhos e outros acompanhados de mulheres. Acrescenta ter visto algumas das mulheres a dirigirem-se ao balcão. Das mulheres que ali se encontravam, algumas apresentavam o corpo mais coberto e outras apresentavam-se com o corpo mais descoberto. E havia lá um homem com cerca de cinquenta anos, que mandava que estava dentro do balcão, sendo que dentro deste também estava uma mulher que servia as bebidas. Depoimento isento, idóneo, coerente e espontâneo, algo tímido, mas credível, com conhecimento directo dos factos, já que esteve no dito estabelecimento e aí foi assediado por uma mulher para ter relações sexuais, pelo preço de vinte e cinco ou trinta euros, bem como o seu amigo Q…. Embora, como refere o depoente ter sido a primeira vez que ali se deslocou. Todavia, fê-lo não inocentemente, mas certamente que sabia aquilo que se passava no dito bar e, por isso, é que ali se deslocou com o amigo Q…, já que para beber um copo, podê-lo-ia ter feito mais próximo da sua residência, que se situa próximo de … e, certamente, por um preço mais baixo, já que ali havia um consumo mínimo que no dizer da testemunha eram dois euros e meio, embora a maioria das testemunhas, frequentadoras do bar, refiram que tal consumo mínimo se cifrava e em cinco euros, o que, certamente, lhe permitiriam pagar mais umas cervejas num outro café qualquer, do que no referido bar, ou em outros similares. Saliente-se ainda que tal depoimento também não deixa dúvidas sobre qual a actividade que era levada a cabo no dito estabelecimento comercial, sendo certo que o depoente também foi convidado por uma das mulheres que trabalhavam no bar para ter relações sexuais com a mesma; a testemunha S… que refere não conhecer o arguido, mas que há cerca de dois anos e meio ou três entrou com um amigo no bar “C…” para irem beber um copo. Todavia, quando se preparavam para ir embora surgiu uma brigada da PJ. Salienta que o estabelecimento em causa tem à entrada um bar e depois, dentro havia uma sala com sofás e mesas onde havia umas “senhoritas”. Esclarece que o dito bar tinha umas escadas interiores de acesso ao 1º andar, que se situavam entre o bar e o salão. Acrescenta que na altura duas das senhoras que se encontravam no bar foram ter com o depoente e com o seu amigo e disseram-lhes o que estavam ali a fazer. Que se dedicavam à prostituição. Disseram-lhes ainda para subir e “fazerem sexo com elas”, pelo preço de trinta ou trinta e cinco euros. Pensa que subiu ao 1º andar com uma das mulheres que o abordou, pelas escadas interiores e quando se encontravam dentro do quarto, chegou a polícia. Acrescenta que no dia bar estariam seis ou sete mulheres e estariam ainda dez ou doze homens. Depoimento idóneo, isento, espontâneo, coerente e credível, com conhecimento directo dos factos já que se encontrava num dos quartos do referido estabelecimento comercial, na altura da busca, com a mulher que antes o abordou no bar, para concretizar o acto sexual. Saliente-se ainda que a ida do depoente àquele estabelecimento comercial não aconteceu por ingenuidade, mas certamente que o depoente já conhecia a actividade que naquele se desenvolvia e, por isso é que o procurou para aí encontrar uma parceira com vista da satisfação do seu instinto sexual, o que aconteceu. E tanto assim foi que, aquando da busca efectuada pela autoridade policial ao aludido estabelecimento comercial, o depoente foi encontrado num dos quartos do dito estabelecimento comercial com uma das mulheres do bar, quando se preparava para a concretização do acto sexual. Também não deixa dúvidas sobre qual a actividade que era desenvolvida no dito estabelecimento comercial do arguido; a testemunha T… que refere ser de …, onde o arguido “tinha o café aberto”, denominado “C…” que também foi designado por “D…”, onde o arguido “tinha lá umas meninas” de várias nacionalidades, que se dedicavam à prostituição. Desconhece se as mesmas estão ou não legais no país. Salienta que frequentou esse bar algumas vezes, cerca de uma vez por mês, ou às vezes uma vez por semana. Descreve a parte do café, como sendo um café normal, onde existia o balcão e as mesas e depois havia dentro uma sala onde estavam as mulheres à conversa com os clientes os quais convidavam a subir, mas se o cliente se recusasse a subir as senhoras levantavam-se e iam para junto de outro cliente. Salienta que subiu algumas vezes com algumas senhoras para o 1º andar por umas escadas interiores. Posteriormente havia uma porta nas traseiras e subisse ao primeiro andar por umas escadas exteriores. Acrescente que no andar superior existiam cinco quartos, alguns dos quais tinham duas camas e outros apenas uma e pelo menos dois tinham casa de banho privativa, sendo que naquele andar havia também uma casa de banho de serviço. Os quartos para além da cama tinham um guarda-vestidos onde guardavam roupa de cama. Todavia as senhoras não dormiam naqueles quartos. Nas camas colocavam lençóis descartáveis e eram as mulheres que os levavam. Os quartos tinham chave e eram as mulheres que a iam ao balcão buscá-la, a qual lhe era dada pela U…, que o fazia “com toda a naturalidade, com o patrão ao lado”. O preservativo era levado pelas mulheres e os clientes pagavam trinta e cinco ou quarenta euros directamente àquelas. O bar fechava às duas horas da manhã e o B… e a U… diziam às meninas para ficarem ali. Salienta que as meninas viviam em Mirandela e o B… levava-as e trazia-as. Refere que o arguido lhe disse que as meninas estavam lá no bar, mas tinham de lhe pagar “o aluguer” do quarto. Sublinha que o arguido ocupava a casa toda e pagava a renda à V…, tendo constatado que esta às vezes ia lá ao bar pedir-lha. Esclarece ainda que quando a noite era fraca, o bar tinha apenas quatro ou cinco mulheres, mas quando era boa, tinha sete, oito, doze mulheres. Refere ainda que numa noite boa, não se cabia lá dentro quer do bar, quer do salão, pois eram quarenta, cinquenta, sessenta homens, aos fins de semana. Salienta que os cartões de consumo eram dados pela U… e pelo B…, mas era este quem mandava no referido café - bar. Esclarece que a cada quinze dias ou vinte aparecia sempre uma cara ou duas novas no bar (novas mulheres). Refere também constar-se que havia no bar mulheres ilegais, pois, quando chegava a GNR elas fugiam e escondiam-se e por isso, é que “futurava” que não estivessem legais. Acrescenta ainda que o bar funcionava das 22 horas às 2 horas da manhã. Depoimento idóneo, espontâneo, isento, coerente e credível, com conhecimento directo dos factos, já que era frequentador daquele estabelecimento comercial, pelo menos uma vez por mês, conhecia bem aquele espaço e além disso, segundo o depoente, o próprio arguido lhe referiu que as mulheres tinham de lhe pagar “o aluguer” do quarto. Não há dúvida que o depoente conhecia bem o bar, o seu proprietário, o modo de funcionamento do mesmo, bem como a actividade que aí se desenvolvia, com bastante pormenor, já que era frequentador daquele e conversava com o aqui arguido, pelo que se pode inteirar dos vários pormenores do estabelecimento, acessos aos quartos, mobiliário dos mesmos, roupa da cama, bem com do funcionamento daquele, designadamente, horários, o bar, os cartões de consumo, a sala onde se encontravam as mulheres e os clientes e quando estes não estavam interessados em ter relações sexuais com as mulheres que os abordavam, aquelas levantavam-se e procuravam outros clientes que estivessem interessados. Todavia, no que se refere às ditas mulheres estarem numa situação regular ou irregular no país, começou o depoente por dizer que não sabia se as ditas mulheres estavam legais ou ilegais. Posteriormente já refere o depoente que se constava que havia lá no bar mulheres ilegais e como quando era efectuada alguma fiscalização pelas autoridades policiais, as mulheres fugiam e se escondiam, daí “futurar” que elas estivessem ilegais. Porém, nada de concreto sabe sobre esta situação e como tal não credível nesta parte o seu depoimento; a testemunha W… que refere que o arguido tinha um café em …, denominado “C…”. Salienta que no dito café havia uma parte destinada ao bar e tinha depois um salão onde estavam as mulheres. Ouviu dizer que as ditas mulheres serviam uns copos no café e efectuavam subidas aos quartos, todavia o depoente nunca subiu com nenhuma das mulheres, pois, ficava sempre na parte do balcão. Desconhece quem trazia e levava as mulheres para o bar e acrescenta que a entrada no bar tinha um consumo obrigatório de cinco euros. Acrescenta que no balcão estava o C… e a U… e ouviu comentar que as mulheres iam lá buscar a chave. Depoimento idóneo, espontâneo, isento e credível, com conhecimento directo dos factos, já que frequentava o dito bar de quinze em quinze dias e embora, nunca tenha subido com nenhuma das mulheres que estavam no bar, no dizer do depoente, todavia sempre se apercebeu do ambiente que ali existia e sabia que as mulheres faziam “subidas” aos quartos onde tinham as relações sexuais. Embora o depoimento da testemunha seja pouco pormenorizado, todavia, não deixa o mesmo dúvida sobre qual a actividade desenvolvida no dito estabelecimento comercial; a testemunha X… que refere ter-lhe o arguido solicitado para fazer a requisição da luz do estabelecimento em seu nome, já que a EDP lhe havia cortado anteriormente a mesma por falta de pagamento. E então o depoente para lhe fazer o favor requisitou a luz na EDP para o edifício, R/C e 1º andar. Salienta que o arguido tinha naquele café um negócio com mulheres que “faziam sexo”, tendo o depoente subido uma vez com a Y… que havia conhecido lá no bar. Acrescenta que o consumo mínimo no dito bar era de cinco euros e as subidas para os quartos que se situavam no 1º andar, custavam cerca de 30 euros. Esclarece que o acesso ao 1º andar, primeiramente fazia por escadas interiores que se situavam entre o salão e o balcão, mas posteriormente o arguido fechou as escadas interiores e abriu uma porta no salão que dava acesso às traseiras do edifício e subia-se por escadas exteriores. Refere ainda que no primeiro andar existiam 5 quartos, dos quais só quatro é que estavam a funcionar e neles existia um guarda-roupa e uma cama. Frequentou o dito bar durante cerca de dois anos e teve oportunidade de ver os quartos todos porque tinha confiança com o B…. Esclarece que no primeiro andar havia um quarto onde o B… ficava às vezes, mas as raparigas moravam em Mirandela em casa arrendada por elas, segundo ouviu dizer. Salienta que as mulheres, às vezes, eram levadas e trazidas pelo B… e o depoente aos fins-de-semana, às vezes também as trazia. Esclarece que do dinheiro que as mulheres recebiam pelo acto sexual entregavam dez euros ao arguido e o dinheiro dos copos era a meias. Foi o que lhe disse o B…. Refere que a F… e a Y… lhe disseram que estavam ilegais no país e o arguido também devia saber. Acrescenta que num dia mau havia cinco ou seis mulheres no bar e passavam cerca de 50 pessoas pelo bar, mas num dia bom passavam pelo bar cerca de cento e cinquenta a duzentas pessoas. Depoimento idóneo, espontâneo, coerente e credível, quanto aos vários pormenores do edifício, onde funcionava o estabelecimento comercial do arguido e ao modo de funcionamento do mesmo, já que o depoente era uma pessoa das relações do arguido e no dito bar tinha um tratamento “VIP”, como o próprio refere. Além disso, não se poderá ignorar que até o próprio recibo da electricidade do edifício vinha em nome pessoal do depoente, já que havia sido este quem requisitou a electricidade para aquele, depois da EDP haver cortado a electricidade ao arguido, por falta de pagamento, pelo que deveria haver uma certa amizade entre o depoente e o arguido para este ter feito a requisição da luz na EDP para o arguido, e daí, o ser considerado cliente “VIP”, como refere o depoente e, certamente que terá um conhecimento mais pormenorizado do funcionamento do estabelecimento comercial do arguido, facto que não deixou de trazer ao tribunal. Todavia, o seu depoimento afigura-se-nos um pouco exagerado no que concerne ao número de pessoas que passavam pelo bar, num dia bom. Pois, enquanto a maioria das testemunhas se situa entre cinquenta e sessenta pessoas o depoente inflaciona logo esses números para mais do triplo. Além disso, não poderemos ignorar que o dito estabelecimento comercial se localizava numa vila rural do interior distante da fronteira, com aldeias despovoadas e, portanto, nesta parte, não poderemos ter o seu depoimento por crível, nem na parte em que o depoente refere que o arguido devia saber que algumas mulheres estavam ilegais, pois, nenhuma razão de ciência foi dada para que levasse o tribunal a acreditar que o arguido sabia ou devia saber da ilegalidade dessas mulheres. Pois, embora a Y… e a F… tivessem dito ao depoente que se encontravam ilegais no país, contudo, pelo facto daquelas mulheres terem referido ao depoente que estavam ilegais no país, tal não significa que o arguido tivesse conhecimento de tal facto. Embora o depoente refira que um dia comentou este facto com o B…, o que é certo, é que não refere em que lugar aconteceu tal comentário, a propósito de que surgiu o comentário, quais os termos utilizados no comentário, em que circunstâncias ocorreu o mesmo. Ora, tal afirmação, não passa de uma mera afirmação ou suposição gratuita, mas sem qualquer suporte factual que confirme o mesmo e como tal não poderá o tribunal ter o depoimento da testemunha credível nesta parte; a testemunha Z… que refere que no dia da busca efectuada pela PJ ao bar do arguido, o depoente encontrava-se naquele, o qual frequentava uma vez por mês, o que aconteceu durante cerca de uma ano. Descreve o dito café como tendo duas partes, uma mais à frente era o café e mais atrás havia um reservado onde havia uns sofás. Primeiramente havia umas escadas interiores de acesso ao 1º andar, todavia, posteriormente eliminaram-nas e acediam ao 1º andar através de umas escadas exteriores, contudo o depoente nunca viu aceder ao 1º andar pelas mesmas. Acrescenta que geralmente quando chegava ao bar as mulheres já ali se encontravam, mas ainda chegou a ver o arguido com elas no carro. Salienta que nas noites mais fracas havia quatro ou cinco mulheres no bar e dez ou quinze homens. Mas nas noites boas cabiam lá dentro tinta ou quarenta pessoas. Sabia que quem explorava o bar era o B… e quem estava atrás do balcão era uma brasileira. Depoimento idóneo, espontâneo coerente e credível, com conhecimento directo dos factos, já que era frequentador do bar, pelo menos uma vez por mês, o que aconteceu durante cerca de um ano e, como tal, sempre se apercebeu do ambiente existente na casa do modo de funcionamento da mesma e daquilo que lá se passava, bem como dos pormenores do dito estabelecimento, designadamente do acesso aos quartos por umas escadas interiores que posteriormente foram eliminadas e foi feito um acesso pelo exterior, não havendo dúvida que o depoente conhecia bem o dito estabelecimento comercial e o seu modo de funcionamento; a testemunha AB… que refere que a cidadã brasileira F… se encontrava em situação irregular em Portugal, pois, havia ocorrido uma situação de abandono voluntário do país que a mesma não cumpriu e, por isso, encontrava-se em situação irregular. Também a cidadã brasileira G… tinha um processo de expulsão na Direcção Geral de Bragança não tinha um visto de trabalho e como tal não poderia trabalhar. Depoimento isento, espontâneo e credível, não havendo dúvida que o depoente conhecia o estabelecimento comercial do arguido e tomou contacto com a situação irregular de algumas das mulheres que trabalhavam no bar C…. Porém, nenhum facto concreto trouxe ao tribunal, que garanta que o arguido tinha conhecimento da situação irregular no país das mulheres que o depoente identificou, sendo da experiência comum que o que interessava ao arguido era o lucro e, portanto tanto lhe daria ter no bar mulheres em situação regular ou irregular no país, sendo certo que também havia, no dito bar, mulheres de nacionalidade portuguesa e as condições de trabalho oferecidas a umas e outras eram as mesmas e, portanto, também é da experiência comum, que nunca seria preocupação do arguido saber da situação regular ou irregular das cidadãs estrangeiras, mas tão só se elas estavam dispostas a trabalhar no bar e nas condições que lhe foram propostas; a testemunha AC… que refere ter efectuado duas fiscalizações ao bar C…, designado também por D…, uma efectuada apenas pelo SEF e outra com a PJ, onde foram encontradas algumas senhoras em situação irregular. Salienta que o patrão do bar sabia que as mulheres estavam em situação irregular no país, “pois é a percepção que tem”. Acrescenta que aquelas mulheres para poderem trabalhar no país precisavam de autorização de residência ou visto de trabalho. Esclarece que na altura que fiscalizou o dito estabelecimento estava lá o patrão, o aqui arguido, que as pessoas identificaram como sendo o patrão. Salienta que não foi encontrado qualquer contrato de trabalho celebrado por aquelas pessoas com o arguido. Sublinha que o arguido não se mostrou surpreendido nem recriminou a situação das senhoras que estavam ilegais. Depoimento idóneo espontâneo e credível no que concerne às fiscalizações efectuadas ao estabelecimento comercial do arguido e a haver encontrado no mesmo algumas mulheres estrangeiras em situação irregular no país. Porém, já não temos tal depoimento como válido quando refere que o patrão do bar sabia da situação irregular de tais mulheres, no país, porquanto não é dada uma razão de ciência que leve o tribunal a ter por credível a sua afirmação, sendo certo que a mesma é o que resulta da sua intuição, mas não liga tal intuição a factos concretos e que não deixem qualquer dúvida ao tribunal de que o arguido tinha esse conhecimento da situação irregular no país de algumas daquelas mulheres estrangeiras, sendo certo que o tribunal jamais poderá condenar alguém com base em intuições ou suposições; a testemunha AE… que refere conhecer o arguido, mas esteve apenas um dia a “trabalhar” naquele bar, a prostituir-se para ganhar dinheiro, tendo sido apanhada pela polícia no dia das buscas. Salienta que o preço por cada relação sexual era de trinta e cinco ou quarenta euros e auferia ainda metade do preço das bebidas. Salienta que na noite em que foi efectuada a busca ao bar C…, chegou a subir ao primeiro andar pelas escadas interiores, tendo ido buscar a chave ao balcão, a qual na altura, foi-lhe entregue pela U…. Esclarece que na altura em que foi para o dito bar negociou as condições com o B… e este explicou-lhe que fosse junto da U… pedir a chave aquando das subidas. Refere ainda que no acto sexual que teve usou preservativo, mas foi a depoente que o comprou. Descreveu o bar, bem como o salão onde havia sofás, mesas e banquinhos e acrescenta que no dito bar se encontrava a depoente, a irmã AD… e umas brasileiras a prostituírem-se e as condições que foram propostas à depoente foram as mesmas que haviam sido propostas às demais. Por cada subida dava dez euros ao arguido e sublinha que nessa noite tinha subido uma vez, tendo recebido trinta e cinco euros. Esclarece que se deslocava de táxi de Bragança para a …, acompanhada da irmã e pagavam o táxi a meias. Depoimento genuíno, espontâneo, coerente e credível, com conhecimento directo dos factos que assumiu sem qualquer pejo, pois, viveu por dentro o ambiente do dito bar, tendo mesmo sido encontrada no quarto com um cliente quando se preparava para o acto sexual, não havendo dúvida sobre qual a actividade daquele estabelecimento comercial e de quem era o seu dono e do modo de funcionamento do mesmo; a testemunha AD… que refere que o dono do bar C… era o aqui arguido B…. Esteve no dito bar duas vezes e fez sexo com o namorado. Desconhece o nome do namorado e de que localidade é. Esclarece que é verdade que por cada acto sexual eram trinta e cinco euros, sendo cinco euros para a casa. Acrescenta que foi para o quarto com o namorado e este pagou-lhe trinta e cinco euros. Esclarece ainda que no balcão do estabelecimento estava o B… e a U…. Depoimento procurou contornar a verdade dos factos, que lhe custou a assumir os mesmos, chegando mesmo a dizer que tinha alugado lá um quarto para ir fazer sexo com o namorado, mas que depois se foi descaindo, referindo que esteve duas vezes no dito bar e fez sexo com o namorado, tendo-lhe pago este a quantia de trinta e cinco euros. Assumiu ainda o pagamento ao arguido a quantia de cinco euros por cada acto sexual. Embora com alguma relutância em assumir os factos todavia sempre se pode retirar do dito depoimento que no bar do arguido se praticava prostituição e que este recebia a respectiva contrapartida por cada acto sexual tido pelas mulheres com os respectivos clientes, o que é corroborado pelas demais testemunhas.
Não há dúvida, pois, sobre qual a actividade desenvolvida no estabelecimento comercial do arguido, quem era o seu dono e do modo de funcionamento do mesmo e as contrapartidas recebidas quer pelas mulheres que aí “trabalhavam” quer pelo dono do estabelecimento. Todavia, tais dúvidas não foram dissipadas no que concerne a o arguido saber que algumas das mulheres que “trabalhavam” no seu estabelecimento estavam em situação irregular no país. Ora, é da experiência comum que a intenção do arguido ao explorar aquele género de estabelecimento sempre seria o lucro e para alcançar tal objectivo não necessitava de saber se as mulheres estavam ou não em situação irregular, já que o importante era ter lá mulheres que atraíssem clientes, a fim de receber a respectiva comissão, quer pelo acto sexual quer pelas bebidas consumidas, não sendo preocupação do mesmo que aquelas estivessem em situação regular ou irregular e, por isso é que não importava a nacionalidade daquelas, pois, poderiam ser portuguesas, brasileiras ou paraguaias. Sublinhe-se que as condições dadas àquelas mulheres, do que foi apurado, eram iguais para todas, não levando tal facto da regularidade ou irregularidade de tais mulheres no país a que o arguido ou aquelas cobrassem mais ou menos dinheiro aos clientes, pelo acto sexual, ou tivessem menos contrapartidas do que aquelas mulheres que estavam em situação regular no país. Também foram encontradas no dito estabelecimento outras mulheres em situação regular e algumas de nacionalidade portuguesa e, certamente que não foi preocupação do arguido saber da situação regular ou irregular das senhoras, mas antes saber se as mesmas estavam ou não dispostas a “trabalhar” na sua casa, mediante determinadas condições, como seja, de lhe pagarem 10€ por cada acto sexual e levarem os clientes a consumir mais bebidas. Da prova produzida em sede de audiência também, nada de concreto foi trazido aos autos de onde se possa concluir, sem dúvida, que o arguido tinha esse conhecimento da situação irregular no país daquelas mulheres. Daí que não se possa retirar qualquer ilação que o arguido sabia da situação irregular de algumas das cidadãs estrangeiras que foram encontradas no seu bar, pelo que relativamente a esta parte não poderá o tribunal deixar de concluir a favor do arguido, já que ninguém poderá ser condenado por meras suposições ou intuições, mas apenas por factos concretos e que não deixem dúvidas ao julgador.
Quanto à situação sócio-económica e familiar do arguido, baseou-se o tribunal no relatório social.

III. 3. Apreciando.

III. 3. 1. A violação do princípio in dubio pro reo.

III. 3. 1. 1. Como se sabe, a errada aplicação deste princípio geral de prova em processo penal – invocada pelo recorrente - pode e deve ser apreciada em sede do vicio da decisão, previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 410º C P Penal, do erro notório na apreciação da prova.

O n.º 2 do artigo 410º C P Penal prevê vários vícios – não de julgamento – mas da decisão.
Vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei.
O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas. Embora em ambos se esteja no domínio da sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, verifica-se em momento anterior à elaboração do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do vício se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto.
Qualquer das situações referidas no artigo 410º/2 C P Penal, traduz-se, sobretudo em deficiências na construção e estruturação da decisão e ou dos seus fundamentos, maxime na sua perspectiva interna, não sendo por isso o domínio adequado para discutir os diversos sentidos a conferir à prova.
Vícios inerentes ao silogismo da decisão e apenas dela pode ser apurado, nos termos do artigo 410º/2 C P Penal - não sendo possível o recurso a outros elementos que não o texto da decisão, para sua afirmação - ainda que conjugado com as regras da experiência, sendo a consequência lógica e imediata, da sua existência, salvo o caso de ser possível conhecer da causa, o reenvio do processo, artigo 426º C P Penal.
Na sequência lógica destes pressupostos, a sua emergência, como resulta expressamente referido no artigo 410º/2 C P Penal terá que ser detectada do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum.
Em sede de apreciação dos vícios do artigo 410º C P Penal, não está em causa a possibilidade de se discutir a bondade do que se considerou provado ou não provado, a maior ou menor abundância de prova para sustentar um facto.
Qualquer dos vícios do artigo 410º/2 C P Penal, pressupõe uma outra evidência e a argumentação dos recorrentes gira, então, em volta de uma melhor avaliação, ponderação e, quiçá, interpretação de determinados segmentos da prova pessoal, donde, estruturam a existência dos vícios, quer da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quer do erro notório na apreciação da prova, não numa análise da decisão na sua componente interna, de racionalidade, de lógica e de coerência das diversas asserções dadas como provadas, mas antes, numa perspectiva de expressar o seu inconformismo com o resultado do julgamento da matéria de facto, que lhes foi desfavorável.
Os vícios do artigo 410º/2 C P Penal não podem ser confundidos com uma suposta insuficiência dos meios de prova para a decisão tomada em sede de matéria de facto, nem pode emergir da mera divergência entre a convicção pessoal da recorrente sobre a prova produzida em julgamento e a convicção que o tribunal firmou sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inserto no artigo 127º C P Penal - aqui poderá haver erro de julgamento, sindicável, nos termos definidos no artigo 412º C P Penal.
A valoração da prova em sentido diverso - fora o caso de erro notório - ao pugnado pelo recorrente, merece tratamento em sede erro de julgamento, nos termos do artigo 412º C P Penal, através do controlo do erro na apreciação das provas (sobre a sua admissibilidade e valoração dos meios de prova) e a consequência imediata da sua procedência, é a modificação da matéria de facto, artigo 431º C P Penal e não o reenvio, como consequência da verificação dos vícios do artigo 410º, salvo se for possível decidir da causa, cfr. n.º 1 do artigo 426º C P Penal.

Não podem assim – desde logo, socorrendo-se de elementos estranhos ao texto da decisão, como o faz o recorrente – ainda que a propósito de outro segmento do recurso, agora e aqui atinente com a impugnação da matéria de facto - com a transcrição e invocação de diversos trechos da prova pessoal produzida - pretender verificados os apontados vícios, estruturados na argumentação de que tais excertos devem conduzir a um julgamento de sentido diverso àquele que foi efectuado.

Assim.
Com base no texto da decisão, conjugadio com as regras da experiência comum, importa apreciar da existência desde logo, de qualquer um dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410º C P Penal, que como se sabe e segundo o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ 7/95 de 19OUT são do conhecimento oficioso.

Se, manifestamente que os vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – salvo o caso de se não haver apurado, subsequentemente à não prova do dolo directo, das restantes formas de aparecimento do dolo, o que no entanto fica prejudicado, como adiante veremos, pelo sentido da decisão a propósito do erro notório ana apreciação da prova – bem como o da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão se não verificam, de todo, importa apurar se se verifica ou não, a invocada violação deste princípio geral da prova em processo penal.

III. 3. 1. 2. Já quanto ao vício do erro notório na apreciação da prova.
Como é sabido, a errada aplicação do princípio geral de prova em processo penal, do in dubio pro reo, pode e deve ser apreciada em sede do vicio da decisão, previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 410º C P Penal - erro notório na apreciação da prova.
Por erro notório na apreciação da prova deve-se entender “aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente”.
“Verifica-se erro notório quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que normalmente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum ou ainda, quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto, positivo ou negativo, contido no texto da decisão recorrida”, cfr. Simas Santos e Leal Henriques, in C P Penal anotado, vol. II, 740.
No expressivo dizer do Ac STJ de 24.10.96, in processo 680/96, “o erro notório previsto na alínea c) do nº. 2 do artigo 410º C P Penal, é aquele que, usando de um processo racional e lógico de análise sobre um facto provado na decisão em crise, dele se colhe uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória ou violadora das regras da experiência comum, tudo por forma notória ou susceptível de ser alcançada pelo cidadão comum minimamente prevenido”.
Dito de outro modo, existe um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência, com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis.
Erro notório, será, então, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência, pois que se decidiu contra o que se provou ou não provou ou se deu como provado o que não pode ter acontecido ou como não provado o que não pode ter deixado de ter acontecido.

Por seu lado, enquanto expressão ao nível da apreciação da prova do princípio político-jurídico de presunção de inocência, constitucionalmente consagrado, traduz-se o princípio in dubio pro reo na imposição de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido - a dúvida resolve-se a favor do arguido.
“Em processo penal, vigora o princípio da presunção de inocência do arguido, com consagração constitucional, artigo 32°/2 da Constituição da República Portuguesa e ainda na Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, “cuja primeira grande incidência, assenta fundamentalmente, na inexistência de ónus probatório do arguido em processo penal, no sentido de que o arguido não tem de provar a sua inocência para ser absolvido; um princípio in dubio pro reo; e ainda que o arguido não é mero objecto ou meio de prova, mas sim um livre contraditor do acusador, com armas iguais às dele.
Na verdade, e em primeiro lugar, o princípio da presunção de inocência do arguido isenta-o do ónus de provar a sua inocência, a qual parece imposta (ou ficcionada) pela lei, o que carece de prova é o contrário, ou seja, a culpa do arguido, concentrando a lei o esforço probatório na acusação.
Em segundo lugar, do referido princípio da presunção de inocência do arguido - embora não exclusivamente dele - decorre um princípio in dubio pro reo, princípio que procurando responder ao problema da dúvida na apreciação do caso criminal (não a dúvida sobre o sentido da norma, mas a dúvida sobre o facto) e, partindo da premissa de que o juiz não pode terminar o julgamento com um non liquet, determina que na dúvida quanto ao sentido em que aponta a prova feita, o arguido seja absolvido”, cfr. Rui Patrício, in “O princípio da presunção de inocência do arguido na fase do julgamento no actual processo penal português”, Ass. Académica da FDL, 2000, 93/94.
O princípio do in dubio pro reo é, assim, uma imposição dirigida ao juiz, segundo o qual, a dúvida sobre os factos favorece o arguido.
Quer isto dizer, que a sua verificação pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador. No entanto, a simples existência de versões díspares e até contraditórias sobre os factos relevantes não implica que se aplique, sem mais, o princípio in dubio pro reo.
Este princípio como regra de decisão da prova, é a solução que resulta de um conjunto de factores em verificação cumulativa:
necessidade de pôr fim ao processo, com decisão definitiva que não represente, do ponto de vista da paz jurídica do arguido, uma demora intolerável;
a inadmissibilidade da pena de suspeição;
a opção pelo modus probandi de livre apreciação da prova ou livre convicção do tribunal, necessariamente objectivável e motivável;
a possibilidade do surgimento de dúvidas, resistentes à prova e impeditivas da tal convicção, na verificação dos enunciados factuais abrangidos pelo objecto do processo;
a consciência da diferença entre o processo criminal e a lide civilística, que impede a transferência para o primeiro da solução do ónus de prova, típica de um processo de partes;
a convicção de que o Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente.
Daí que, este princípio deve ser perspectivado e entendido, como remate da prova irredutivelmente dúbia, destinado a salvaguardar a legitimidade da intervenção criminal do poder público. O Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente. Consequentemente, só releva e restringe o seu âmbito de aplicação à questão de facto, é mais do que o equivalente processual do princípio da culpa, desligando-se, quanto ao fundamento, da presunção de inocência e abarcando, quer as dúvidas sobre o facto crime, quer a incerteza quanto à perseguibilidade do agente. E finalmente o controle da sua efectiva boa ou má aplicação está dependente de os tribunais cumprirem a obrigação de fundamentarem a sua convicção. [1]

III. 3. 1. 3. O processo lógico do julgamento de facto levado a cabo pelo tribunal com base no princípio da livre apreciação da prova e tendo em conta a fundamentação invocada para o mesmo, evidencia – como salienta o recorrente, de resto - vários manifestos e ostensivos, mesmo, erros notórios na apreciação da prova.

Com efeito.
Afirmar-se como não provado que,

era do inteiro conhecimento do arguido, que algumas dessas mulheres, de nacionalidade brasileira e paraguaia, entraram e encontravam-se ilegalmente em território nacional, que as auxiliava e explorava em proveito próprio com intenção lucrativa;
sabia o arguido que, pelo menos, E…, F…, G…, H…, I… e J… se encontravam em permanência ilegal em território nacional;
as mulheres eram transportadas do local onde residiam para o referido estabelecimento em veículos conduzidos pelo arguido;
sabia o arguido, B…, que algumas dessa mulheres eram de nacionalidade estrangeira, não se encontravam habilitadas com autorização de residência no nosso país ou visto de trabalho e que assim favorecia e facilitava o trânsito ilegal de pessoas estrangeiras no território nacional, fazendo-o com intenção ilícita e lucrativa e que,
a sua conduta era proibida e punida por lei.

Em concreto, ponderando-se que, se, por um lado, não há dúvida sobre qual a actividade desenvolvida no estabelecimento comercial do arguido, quem era o seu dono e do modo de funcionamento do mesmo e as contrapartidas recebidas quer pelas mulheres que aí “trabalhavam” quer pelo dono do estabelecimento, todavia, tais dúvidas não foram dissipadas no que concerne ao facto de o arguido saber que algumas das mulheres que “trabalhavam” no seu estabelecimento estavam em situação irregular no país. Ora, é da experiência comum que a intenção do arguido ao explorar aquele género de estabelecimento sempre seria o lucro e para alcançar tal objectivo não necessitava de saber se as mulheres estavam ou não em situação irregular, já que o importante era ter lá mulheres que atraíssem clientes, a fim de receber a respectiva comissão, quer pelo acto sexual quer pelas bebidas consumidas, não sendo preocupação do mesmo que aquelas estivessem em situação regular ou irregular e, por isso é que não importava a nacionalidade daquelas, pois, poderiam ser portuguesas, brasileiras ou paraguaias. Sublinhe-se que as condições dadas àquelas mulheres, do que foi apurado, eram iguais para todas, não levando tal facto da regularidade ou irregularidade de tais mulheres no país a que o arguido ou aquelas cobrassem mais ou menos dinheiro aos clientes, pelo acto sexual, ou tivessem menos contrapartidas do que aquelas mulheres que estavam em situação regular no país. Também foram encontradas no dito estabelecimento outras mulheres em situação regular e algumas de nacionalidade portuguesa e, certamente que não foi preocupação do arguido saber da situação regular ou irregular das senhoras, mas antes saber se as mesmas estavam ou não dispostas a “trabalhar” na sua casa, mediante determinadas condições, como seja, de lhe pagarem 10€ por cada acto sexual e levarem os clientes a consumir mais bebidas. Da prova produzida em sede de audiência também, nada de concreto foi trazido aos autos de onde se possa concluir, sem dúvida, que o arguido tinha esse conhecimento da situação irregular no país daquelas mulheres. Daí que não se possa retirar qualquer ilação que o arguido sabia da situação irregular de algumas das cidadãs estrangeiras que foram encontradas no seu bar, pelo que relativamente a esta parte não poderá o tribunal deixar de concluir a favor do arguido, já que ninguém poderá ser condenado por meras suposições ou intuições, mas apenas por factos concretos e que não deixem dúvidas ao julgador.
com base na seguinte prova de natureza pessoal:
depoimento da testemunha T… que refere ser de …, onde o arguido “tinha o café aberto”, denominado “C…” que também foi designado por “D…”, onde o arguido “tinha lá umas meninas” de várias nacionalidades, que se dedicavam à prostituição. Desconhece se as mesmas estão ou não legais no país. Salienta que frequentou esse bar algumas vezes, cerca de uma vez por mês, ou às vezes uma vez por semana.

Esclarece que a cada quinze dias ou vinte aparecia sempre uma cara ou duas novas no bar (novas mulheres). Refere também constar-se que havia no bar mulheres ilegais, pois, quando chegava a GNR elas fugiam e escondiam-se e por isso, é que “futurava” que não estivessem legais.

Depoimento idóneo, espontâneo, isento, coerente e credível, com conhecimento directo dos factos, já que era frequentador daquele estabelecimento comercial, pelo menos uma vez por mês, conhecia bem aquele espaço e além disso, segundo o depoente, o próprio arguido lhe referiu que as mulheres tinham de lhe pagar “o aluguer” do quarto. Não há dúvida que o depoente conhecia bem o bar, o seu proprietário, o modo de funcionamento do mesmo, bem como a actividade que aí se desenvolvia, com bastante pormenor, já que era frequentador daquele e conversava com o aqui arguido, pelo que se pode inteirar dos vários pormenores do estabelecimento, acessos aos quartos, mobiliário dos mesmos, roupa da cama, bem com do funcionamento daquele, designadamente, horários, o bar, os cartões de consumo, a sala onde se encontravam as mulheres e os clientes e quando estes não estavam interessados em ter relações sexuais com as mulheres que os abordavam, aquelas levantavam-se e procuravam outros clientes que estivessem interessados.
Todavia, no que se refere às ditas mulheres estarem numa situação regular ou irregular no país, começou o depoente por dizer que não sabia se as ditas mulheres estavam legais ou ilegais. Posteriormente já refere o depoente que se constava que havia lá no bar mulheres ilegais e como quando era efectuada alguma fiscalização pelas autoridades policiais, as mulheres fugiam e se escondiam, daí “futurar” que elas estivessem ilegais. Porém, nada de concreto sabe sobre esta situação e como tal não credível nesta parte o seu depoimento;
depoimento da testemunha X… que refere ter-lhe o arguido solicitado para fazer a requisição da luz do estabelecimento em seu nome, já que a EDP lhe havia cortado anteriormente a mesma por falta de pagamento. E então o depoente para lhe fazer o favor requisitou a luz na EDP para o edifício, R/C e 1º andar. Salienta que o arguido tinha naquele café um negócio com mulheres que “faziam sexo”, tendo o depoente subido uma vez com a Y… que havia conhecido lá no bar. …
Frequentou o dito bar durante cerca de dois anos e teve oportunidade de ver os quartos todos porque tinha confiança com o B…. Esclarece que no primeiro andar havia um quarto onde o B… ficava às vezes, mas as raparigas moravam em Mirandela em casa arrendada por elas, segundo ouviu dizer. Salienta que as mulheres, às vezes, eram levadas e trazidas pelo B… e o depoente aos fins-de-semana, às vezes também as trazia. Esclarece que do dinheiro que as mulheres recebiam pelo acto sexual entregavam dez euros ao arguido e o dinheiro dos copos era a meias. Foi o que lhe disse o B…. Refere que a F… e a Y… lhe disseram que estavam ilegais no país e o arguido também devia saber.

Depoimento idóneo, espontâneo, coerente e credível, quanto aos vários pormenores do edifício, onde funcionava o estabelecimento comercial do arguido e ao modo de funcionamento do mesmo, já que o depoente era uma pessoa das relações do arguido e no dito bar tinha um tratamento “VIP”, como o próprio refere. Além disso, não se poderá ignorar que até o próprio recibo da electricidade do edifício vinha em nome pessoal do depoente, já que havia sido este quem requisitou a electricidade para aquele, depois da EDP haver cortado a electricidade ao arguido, por falta de pagamento, pelo que deveria haver uma certa amizade entre o depoente e o arguido para este ter feito a requisição da luz na EDP para o arguido, e daí, o ser considerado cliente “VIP”, como refere o depoente e, certamente que terá um conhecimento mais pormenorizado do funcionamento do estabelecimento comercial do arguido, facto que não deixou de trazer ao tribunal. Todavia, o seu depoimento afigura-se-nos um pouco exagerado no que concerne ao número de pessoas que passavam pelo bar, num dia bom. Pois, enquanto a maioria das testemunhas se situa entre cinquenta e sessenta pessoas o depoente inflaciona logo esses números para mais do triplo. Além disso, não poderemos ignorar que o dito estabelecimento comercial se localizava numa vila rural do interior distante da fronteira, com aldeias despovoadas e, portanto, nesta parte, não poderemos ter o seu depoimento por crível, nem na parte em que o depoente refere que o arguido devia saber que algumas mulheres estavam ilegais, pois, nenhuma razão de ciência foi dada para que levasse o tribunal a acreditar que o arguido sabia ou devia saber da ilegalidade dessas mulheres. Pois, embora a Y… e a F… tivessem dito ao depoente que se encontravam ilegais no país, contudo, pelo facto daquelas mulheres terem referido ao depoente que estavam ilegais no país, tal não significa que o arguido tivesse conhecimento de tal facto. Embora o depoente refira que um dia comentou este facto com o B…, o que é certo, é que não refere em que lugar aconteceu tal comentário, a propósito de que surgiu o comentário, quais os termos utilizados no comentário, em que circunstâncias ocorreu o mesmo. Ora, tal afirmação, não passa de uma mera afirmação ou suposição gratuita, mas sem qualquer suporte factual que confirme o mesmo e como tal não poderá o tribunal ter o depoimento da testemunha credível nesta parte;
depoimento da testemunha AB… que refere que a cidadã brasileira F… se encontrava em situação irregular em Portugal, pois, havia ocorrido uma situação de abandono voluntário do país que a mesma não cumpriu e, por isso, encontrava-se em situação irregular. Também a cidadã brasileira G… tinha um processo de expulsão na Direcção Geral de Bragança não tinha um visto de trabalho e como tal não poderia trabalhar. Depoimento isento, espontâneo e credível, não havendo dúvida que o depoente conhecia o estabelecimento comercial do arguido e tomou contacto com a situação irregular de algumas das mulheres que trabalhavam no bar C…. Porém, nenhum facto concreto trouxe ao tribunal, que garanta que o arguido tinha conhecimento da situação irregular no país das mulheres que o depoente identificou, sendo da experiência comum que o que interessava ao arguido era o lucro e, portanto tanto lhe daria ter no bar mulheres em situação regular ou irregular no país, sendo certo que também havia, no dito bar, mulheres de nacionalidade portuguesa e as condições de trabalho oferecidas a umas e outras eram as mesmas e, portanto, também é da experiência comum, que nunca seria preocupação do arguido saber da situação regular ou irregular das cidadãs estrangeiras, mas tão só se elas estavam dispostas a trabalhar no bar e nas condições que lhe foram propostas;
depoimento da testemunha AC… que refere ter efectuado duas fiscalizações ao bar C…, designado também por D…, uma efectuada apenas pelo SEF e outra com a PJ, onde foram encontradas algumas senhoras em situação irregular. Salienta que o patrão do bar sabia que as mulheres estavam em situação irregular no país, “pois é a percepção que tem”. Acrescenta que aquelas mulheres para poderem trabalhar no país precisavam de autorização de residência ou visto de trabalho. Esclarece que na altura que fiscalizou o dito estabelecimento estava lá o patrão, o aqui arguido, que as pessoas identificaram como sendo o patrão. Salienta que não foi encontrado qualquer contrato de trabalho celebrado por aquelas pessoas com o arguido. Sublinha que o arguido não se mostrou surpreendido nem recriminou a situação das senhoras que estavam ilegais. Depoimento idóneo espontâneo e credível no que concerne às fiscalizações efectuadas ao estabelecimento comercial do arguido e a haver encontrado no mesmo algumas mulheres estrangeiras em situação irregular no país. Porém, já não temos tal depoimento como válido quando refere que o patrão do bar sabia da situação irregular de tais mulheres, no país, porquanto não é dada uma razão de ciência que leve o tribunal a ter por credível a sua afirmação, sendo certo que a mesma é o que resulta da sua intuição, mas não liga tal intuição a factos concretos e que não deixem qualquer dúvida ao tribunal de que o arguido tinha esse conhecimento da situação irregular no país de algumas daquelas mulheres estrangeiras, sendo certo que o tribunal jamais poderá condenar alguém com base em intuições ou suposições.
E depois de se ter ponderado que já anteriormente o estabelecimento em causa tinha sido objecto de 2 acções de fiscalização, uma por acção do SEF, na presença do arguido e, uma outra levada a cabo pela GNR, tendo em ambas as situações sido encontradas 3 mulheres estrangeiras em situação de permanência ilegal no território nacional - o que conduziu, de resto, ao levantamento dos respectivos autos de participação - e, ainda, no próprio dia dos factos, agora por acção da PJ foram lá encontradas 4 mulheres. Na mesma situação,

não pode passar sem reparo.

Obviamente que não há prova directa – que no caso apenas poderia resultar das declarações, confessórias, do próprio arguido – de que soubesse da situação ilegal no território nacional das ditas mulheres, por si, de resto, como se viu já, contratadas pera trabalhar na dita actividade de fachada, como alternadeiras, mas, que em concreto e na prática se dedicavam à prostituição, por conta do mesmo arguido.

A questão começa, reside e termina, na análise crítica da prova, que não resiste a uma abordagem, que nem sequer tem que ser demasiado exigente e pormenorizada.
Isto porque, cremos resultar evidente, patente, a denunciar uma falha grosseira e ostensiva, que não resiste a uma mera leitura, mesmo apressada, por parte do homem comum, ou de que um observador médio se apercebe com facilidade, que a mesma evidencia que se julgaram como não provados factos em manifesto desacordo, não só, com a prova parcelar e atomisticamente produzida, mas ainda, em violação das mais elementares regras da experiência comum.

A argumentação e a análise crítica da prova é absolutamente errática, inconsistente e contraditória.
Cremos estar bem evidenciada, da simples leitura da decisão recorrida, a existência do invocado vício do erro notório na apreciação da prova, em que afinal, se traduz a aplicação indevida, infundamentada e sem justificação, do princípio in dubio pro reo.
Com efeito, erradamente de forma ostensiva se decidiu o apontado segmento da matéria de facto, ao se ter concluído pela aplicação do princípio in dubio pro reo.
Ao contrário do que que se refere, não existe qualquer dúvida positiva, muito menos, objectiva, racional, insanável e irremovível por qualquer outra forma, sobre a questão em apreço.

Assim, perante a concreta prova pessoal produzida em audiência, não poderia, sequer, ter perpassado pelo espírito do julgador, o invocado estado de incerteza, de dúvida séria, quanto ao julgamento da matéria atinente ao crime de auxílio à imigração ilegal, por parte do arguido agente do crime de lenocínio.

Donde, e, em suma, cremos, efectivamente, merecer acolhimento a crítica formulada pelo recorrente contra a lógica interna da decisão.
Assim, ao contrário do decidido na 1ª instância, não se encontra justificação para a aplicação do princípio in dubio pro reo.
Assim, na verificação de elementos de prova, seguros e concludentes, quer, por si mesmo, quer conexionados entre si, quer, ainda, se conjugados de harmonia com as regras da experiência comum, que permitem afirmar a verificação positiva daqueles – impugnados - pontos da matéria de facto, a implicar, então, que, na procedência do recurso, nos termos do artigo 426º/1, in fine e do proémio do artigo 431º C P Penal, se modifique e altere a decisão recorrida, de forma a que se tenham como provados, os factos seguintes – que se tinham julgado como não provados:
era do inteiro conhecimento do arguido, que algumas dessas mulheres, de nacionalidade brasileira e paraguaia, entraram e encontravam-se ilegalmente em território nacional, que as auxiliava e explorava em proveito próprio com intenção lucrativa;
sabia o arguido que, pelo menos, E…, F…, G…, H…, I… e J… se encontravam em permanência ilegal em território nacional;
as mulheres eram transportadas do local onde residiam para o referido estabelecimento em veículos conduzidos pelo arguido;
sabia o arguido, B…, que algumas dessa mulheres eram de nacionalidade estrangeira, não se encontravam habilitadas com autorização de residência no nosso país ou visto de trabalho e que assim favorecia e facilitava o trânsito ilegal de pessoas estrangeiras no território nacional, fazendo-o com intenção ilícita e lucrativa e que,
a sua conduta era proibida e punida por lei.

III. 3. 2. Erros de julgamento.

Com base no que vem de ser decidido acerca da modificação do julgamento sobre a matéria de facato, fica, naturalmente prejudicado o conhecimento deste segmento do recurso, que visava o mesmo desiderato, ainda que com base em pressupostos mais alargados e menos exigentes do que afinal, o fundamento, em que se veio a estribar a apontada alteração.

III. 3. 3. Há então que fazer subsumir os factos provados ao Direito, no que no caso concreto, resulta - como pretende o recorrente - ao tipo legal de crime de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 183º/2 da Lei 23/2007 de 4JUL, a que corresponde em abstracto a moldura penal de prisão de 1 a 4 anos.
Refira-se ainda que vem o arguido acusado da prática de seis crimes de auxílio à imigração ilegal. Todavia pode se questionar se de facto com a sua conduta teria praticado os referidos seis crimes de auxílio à imigração ilegal, ou se os ditos seis crimes se traduzem apenas num crime?
Com efeito, dispõe o artigo 30º/1 C Penal, que “o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”. E o nº 2, estabelece que “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da mesma solicitação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
Haverá concurso real de infracções sempre que à pluralidade de acções corresponde uma pluralidade de crimes; o concurso ideal pressupõe que uma só acção viole diversos tipos legais, equiparando-se os dois concursos.
Para o efeito tem-se entendido que este normativo optou por um critério teleológico para se distinguir entre unidade e pluralidade de infracções, mandando o mesmo atender ao número de crimes efectivamente preenchidos pelo agente ou ao número de vezes que a sua conduta preencheu o mesmo tipo legal de crime.
Os desvios à regra da determinação legal da pluralidade de infracções estão representados pelo concurso aparente de normas e crime continuado, este estando previsto no artigo 30º/2 e, pela sua descrição, se vê que o legislador como que, por ficção, ditada por razões de economia, de política criminal e de justiça material, reconduz a pluralidade de infracções à unidade criminosa, a um único delit.
Como refere o Prof. Eduardo Correia, in Unidade e Pluralidade de Infracções, 97, deve considerar-se “existente uma pluralidade de resoluções sempre que não se verifique, entre as actividades do agente, uma conexão no tempo tal que, de harmonia com a experiência normal e as leis psicológicas conhecidas, se possa e deva aceitar que ele as executou a todas sem ter de renovar o respectivo processo de motivação”.
A este propósito refere ainda o insigne professor Eduardo Correia que de acordo com uma concepção normativista do conceito geral de crime, - a unidade ou pluralidade de crimes é revelada pelo " número de valorações que, no mundo jurídico-criminal, correspondem a uma certa actividade. (...) Pluralidade de crimes significa, assim, pluralidade de valores jurídicos negados. (...) Pelo que, deste modo, chegamos à primeira determinação essencial de solução do nosso problema: se a actividade do agente preenche diversos tipos legais de crime, necessariamente se negam diversos valores jurídico-criminais e estamos, por conseguinte, perante uma pluralidade de infracções; pelo contrário, se só um tipo legal é realizado, a actividade do agente só nega um valor jurídico-criminal e estamos, portanto, perante uma única infracção".
O que será a situação dos autos.
O que define a unidade ou pluralidade de crimes é o substrato de vida dotado de sentido negativo de valor jurídico que constitui o ilícito típico – cfr. Acórdão deste Tribunal de 9.3.2011,disponível na internet, no site do ITIJ.
Ora, de tudo quanto exposto fica, e perante a factualidade dos autos, não há dúvida que no caso vertente, poderão estar verificados os pressupostos objectivos do crime de auxílio à imigração ilegal imputado ao arguido, porquanto ao permitir que as várias cidadãs estrangeiras que estavam em situação irregular no país “trabalhassem” no seu estabelecimento comercial na actividade de alterne e prostituição, auferindo desse modo rendimentos para o seu sustento e, facilitando-lhe assim a permanência no país.

Cremos bem, assim, dada a materialidade apurada e os valores protegidos pela norma – não tanto enfocados no interesse pessoal e particular de cada “auxiliado” à imigração, mas sim, no interesse geral da comunidade, traduzido em que a imigração se processe de forma regular e de harmonia com as normas de interesse público que a regula – que no caso concreto, estaremos perante um caso de unidade criminosa, independentemente do número de auxiliados e de um crime de execução continuada – que se não confunde, naturalmente, com a figura do crime continuado - independentemente do período de tempo por que se prolongue a estada no país.

III. 3. 4. Bem como, agora, consequentemente, se impõe a aplicação da respectiva sanção, não obstante, virem surgindo vozes a defender que o Tribunal de recurso, não pode, aplicar a pena, no caso de provimento de recurso interposto de decisão absolutória, pois que ficaria preterido o direito, do assim condenado, ao recurso.

III. 3. 4. 1. No entanto, vimos entendendo e ainda não encontramos razões válidas para mudar de posição, que a aplicação da pena por este Tribunal em nada contende com o direito de defesa e de recurso do arguido.
Com efeito,
o artigo 32º/1 da Constituição da República estatui que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
Direito que constitui, de resto, uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal.
Os fundamentos do direito ao recurso são,
a redução do risco de erro judiciário,
a apreciação da decisão recorrida por um tribunal superior e,
a possibilidade de perante este, a defesa apresentar de novo a sua visão sobre os factos ou sobre o direito.
Estes fundamentos entroncam na garantia do duplo grau de jurisdição.
No caso, importa ter presente que:
o arguido pôde, naturalmente, intervir como recorrido no recurso interposto da decisão que o absolveu na 1ª instância, contraditando a argumentação do recorrente, na contra-motivação (o que o arguido aproveitou) e aquando da notificação em cumprimento do artigo 417º/2 C P Penal, deste modo influenciando, de forma activa e porventura decisiva, a decisão final, que viesse aqui a ser proferida.
A presente decisão, resulta justamente da reapreciação por um tribunal superior, perante o qual o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa, ié, este acórdão, proferido em 2ª instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição, indo ao encontro, precisamente, dos fundamentos e da preocupação, demonstrados na tese que defende a remessa dos autos à 1ª instância, para aplicação da pena.

Só se se entender que, como o arguido foi absolvido em 1ª instância, o direito ao recurso implica a possibilidade de que em caso de condenação, apenas na 2ª instância, (em via de recurso, recorde-se), o arguido pudesse, agora, recorrer desta decisão condenatória (por ser a primeira).
Este entendimento encara o direito ao recurso desligado dos seus apontados fundamentos substanciais e levaria, mesmo em rigor, ao inaceitável resultado de ter que ser admitido recurso do acórdão condenatório do STJ, na sequência de recurso interposto de decisão da Relação que confirmasse a absolvição da 1ª instância – o que cremos, ninguém defenderá.

O direito ao recurso em processo penal tem que ser entendido em conjugação com o duplo grau de jurisdição e, não, perspectivado, como uma faculdade de recorrer - sempre e em qualquer caso - da 1ª decisão condenatória, ainda que proferida em via de recurso.
Estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias.
Este entendimento não colide com o estatuído no artigo 32º/1 da Constituição da República, pois que a apreciação do caso por 2 tribunais de grau distinto, é de molde a tutelar de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas.
De resto, referira-se que o artigo 2º do protocolo nº. 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República 22/90 de 27.9 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República 51/90 da mesma data, dispõe que:
qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados por lei;
este direito pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos das lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição.
Esta tese foi defendida no Ac. Tribunal Constitucional 49/03, relatora Maria Beleza, que com a devida vénia vimos seguindo de perto, com transcrição.

Assim, cremos que fora a situação (que no caso não ocorre) de falta de factos provados que permitam - com justeza e adequação - a determinação da espécie e medida da pena, nos termos dos artigos 40º e 71º C Penal, sempre o tribunal de recurso pode e deve, na consideração da verificação dos elementos constitutivos do tipo legal, condenar o agente, que vinha absolvido.

III. 3. 5. A determinação da medida da pena.

Assente que a conduta do arguido preenche os elementos materiais e intelectual do crime de auxílio à imigração ilegal, p. p. pelo já citado artigo 183º/2 da Lei 23/2007 de 4JUL, a aferição da pena concreta deverá fazer-se à luz do disposto nos referidos artigos 40º e 71º C Penal.
Como é sabido, a fixação da medida concreta da pena não implica o estabelecimento de uma relação matemática entre uma determinada actuação tipificada pela lei penal como crime e o quantum de pena. Do que há que cuidar é da aplicação de uma pena justa, que será toda aquela que se situe numa estreita faixa delimitada pela culpa e pelas necessidades de prevenção, valorando-se ainda todas as circunstâncias que, sem fazer parte do tipo de crime, todavia deponham a favor do agente ou contra ele - exemplificativamente enumeradas no nº 2 do artigo 71º - sem perder nunca de vista as finalidades assinaladas à punição - protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade, nos termos do artigo 40º C Penal.
Importa, então, agora determinar a medida concreta da pena não detentiva, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, artigo 71°/1 C Penal, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as circunstâncias enumeradas exemplificativamente, nas alíneas a) a f), do nº. 2 do citado artigo 71° C Penal.
A este processo deve presidir uma preocupação de tratamento justo do caso concreto, adequado à vontade e intenções da lei, que haverá que passar pela escolha de reacção sancionatória com aptidão e eficácia bastantes à ideal/tendencial protecção do bem jurídico violado e à dissuasão da prática de novos crimes, constituindo a retribuição justa do mal praticado, dando satisfação ao sentimento de justiça e segurança da comunidade e contribuindo, na medida do possível, para a reinserção social do delinquente.
Esta medida concreta da pena a aplicar ao arguido, tendo em atenção que a mesma assenta na “moldura de prevenção”, cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do quantum da pena imprescindível, no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, deve ser encontrada dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, artigo 71°/1 C Penal, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, artigos 40º/2 e 71°/1 C Penal.
Conforme salienta o Ac. do STJ de 11.5.2000, in CJ, S, II, 188, “a função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos, sem prejuízo da prevenção especial positiva, sempre com o limite imposto pelo princípio da culpa – nulla poena sine culpa”. Citando o Ac. do STJ de 1.3.2000, in proc. nº. 53/200 – 3ª Secção, afirma-se no citado aresto, “a culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define em concreto, o seu limite mínimo absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém, subordinada que está à finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem virtualidade para determinar o limite mínimo; este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda realiza, eficazmente, aquela protecção”.
Devendo proporcionar ao condenado a possibilidade de optar por comportamentos alternativos ao criminal, a pena tem de responder, sempre positivamente, às exigências de prevenção geral de integração.
Continuando a citar, o mesmo Ac. do STJ de 1.3.2000, “se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que – dentro, claro está, da moldura legal – a moldura da pena aplicável ao caso concreto - moldura de prevenção - há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social”.

No caso vertente, há, então, que ponderar - como de resto, se fez já na decisão recorrida a propósito do crime de lenocínio – as prementes exigências de prevenção geral, mais que especial, o facto de o arguido ter actuado com dolo, directo, de normal intensidade e não mitigado por qualquer circunstancialismo, o facto de de o grau de ilicitude ser mediano, no caso do auxílio à imigração ilegal, ponderando o número de “auxiliadas”, depondo a seu favor o facto de não ter antecedentes criminais – o que de qualquer forma será o naturalmente exigido a qualquer pessoa e não confundindo com bom comportamento, não merecerá grande nem particular relevo ou atenção - e de estar integrado socialmente.

A moldura penal, abstracta, legalmente fixada para o crime de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169º, nº. 1, do Código Penal, é a de pena de prisão de 6 meses a 5 anos.

Assim, tendo em conta todo o exposto, pela prática de um crime de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 183º/2 da Lei 23/2007 de 4JUL, julgamos como justa e adequada a cumprir a sua função de transmitir a noção de censura social do comportamento do arguido e proporcional à medida da sua culpa, igualmente, a pena de 18 meses de prisão.

III. 3. 6. A pena única.

Atento todo o exposto a propósito da determinação da spena sparcelares e tendo presente, nos termos do artigo 77º/1 C Penal, em conjunto, os factos apurados e constatada personalidade do arguido, julgamos adequada a pena única de 2 anos e 3 meses de prisão – que da mesma forma e pelas mesmas razões e fundamentos – que não vêe, sequer colocados em causa – será substituída pela suspensão da sua execução, por igual período de tempo, nos termos do artigo 50º/1 e 5 C Penal.

Donde e, em resumo, merece o presente recurso, provimento pelo bem fundado da crítica dirigida à decisão recorrida, que por isso, será de revogar, na parte que vem impugnada.

IV. Dispositivo

Nestes termos e com os fundamentos mencionados, acordam os Juízes que compõem este Tribunal, em conceder provimento ao recurso apresentado pelo Magistrado do MP., em função do que:

1. por via da verificação do vício do erro notório na pareciação da prova, se modifica o julgado, de forma a que os factos tidos como não provados,
“era do inteiro conhecimento do arguido, que algumas dessas mulheres, de nacionalidade brasileira e paraguaia, entraram e encontravam-se ilegalmente em território nacional, que as auxiliava e explorava em proveito próprio com intenção lucrativa;
sabia o arguido que, pelo menos, E…, F…, G…, H…, I… e J… se encontravam em permanência ilegal em território nacional;
as mulheres eram transportadas do local onde residiam para o referido estabelecimento em veículos conduzidos pelo arguido;
sabia o arguido, B…, que algumas dessa mulheres eram de nacionalidade estrangeira, não se encontravam habilitadas com autorização de residência no nosso país ou visto de trabalho e que assim favorecia e facilitava o trânsito ilegal de pessoas estrangeiras no território nacional, fazendo-o com intenção ilícita e lucrativa e que, a sua conduta era proibida e punida por lei”,
passam para o elenco dos provados;

2. assim, em consequência, se condena o arguido B…, também, pelo crime e auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 183º/2 da Lei 23/2007 de 4JUL, na pena de 18 meses de prisão;

2. operando o cúmulo jurídico entre as 2 penas aplicadas ao arguido, vai o mesmo condenado na pena única de 2 anos e 3 meses de prisão, cuja execução se suspende, no entanto, por igual período de tempo;

3. depois da baixa do processo serão remetidos boletins ao registo criminal.

Taxa de justiça pelo arguido, que se fixa no equivalente a 4 UC,s.

Consigna-se, nos termos do artigo 94º/2 C P Penal, que o antecedente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 2013.setembro.11
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
Artur Manuel da Silva Oliveira
___________
[1] Cfr. Cristina Líbano Monteiro, in Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, 165 e ss., citada no Ac. deste Tribunal de 4.7.2007, relator António Gama, que aqui seguimos de perto.