Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||||||||||||||||
Processo: |
| ||||||||||||||||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||||||||||||||||
Relator: | PAULO DUARTE TEIXEIRA | ||||||||||||||||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO DANOS NÃO PATRIMONIAIS DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS TAXA DE JURO PARECER TÉCNICO | ||||||||||||||||
![]() | ![]() | ||||||||||||||||
Nº do Documento: | RP2023061513390/18.0T8PRT.P1 | ||||||||||||||||
Data do Acordão: | 06/15/2023 | ||||||||||||||||
Votação: | UNANIMIDADE | ||||||||||||||||
Texto Integral: | S | ||||||||||||||||
Privacidade: | 1 | ||||||||||||||||
![]() | ![]() | ||||||||||||||||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||||||||||||||||
Decisão: | ALTERADA | ||||||||||||||||
Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||||||||||||||||
Área Temática: | . | ||||||||||||||||
![]() | ![]() | ||||||||||||||||
Sumário: | I - Um parecer técnico deve ser avaliado tendo em conta a forma e qualificações do seu emissor, mas fundamentalmente pela sua aptidão explicativa de toda a concreta dinâmica do acidente. II - É equitativo fixar em 150 mil euros os danos não patrimoniais de uma lesada com 27 anos, que sofreu 76% de incapacidade permanente, tetraplegia flácida, quantum doloris 7/7, dano estético de 5/7; dano sexual de 4/7, permaneceu internada mais de 1100 dias, perdeu a locomoção sem cadeira, a capacidade de escrita, precisa para sempre do auxilio de terceira pessoa, esteve em coma, foi submetida a várias operações, e abdicou do objectivo de ter filhos. III - Se a fisioterapia visa a manutenção do estado da lesada e os elementos dos autos apontam para a sua natureza permanente, terá de ser ressarcida até à esperança de vida desta. IV - O valor da indemnização por danos patrimoniais futuros deve, além do mais, atender ao valor da inflação e da taxa de juro expectável, ponderando a taxa actual, mas considerando o período temporal da indemnização. V - A finalidade dessa aplicação não é preservar o capital mas garantir que as prestações mensais do lesado são asseguradas até ao termo, mediante uma aplicação financeira razoável que não se limita aos depósitos bancários. VI - Ter-se-á de procurar uma taxa de juro aplicável ao mesmo período (longa duração), tendo como limite mínimo as taxas de curto prazo e a taxa de juro estrutural. VII - Tendo em conta o princípio da autonomia dos procedimentos cautelares o valor da entrega de uma cadeira, no mesmo, deve ser deduzida à indemnização global. | ||||||||||||||||
Reclamações: | |||||||||||||||||
![]() | ![]() | ||||||||||||||||
Decisão Texto Integral: | Proc. nº 13390/18.0T8PRT Sumário: …………………………….. …………………………….. …………………………….. * ** 1. Relatório AA, NIF ... intentou contra A... S.A., NIPC ..., a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, peticionando a condenação da R. na quantia de €670.511,64, bem como o que se vier a liquidar em execução de sentença. Mais tarde efetuou ampliação de pedido, como liquidação de sentença, reformulando o pedido inicial para o valor de 2.167.404,36, bem como juros sobre a quantia de €1.496.892,72 e a restante quantia como já peticionado na petição inicial. Alega em suma que no dia 13 de Junho de 2016, foi vítima de um acidente de viação, quando viajava na qualidade de passageiro, no veículo ..-..-ET, então conduzido por BB. Do acidente resultaram danos de vária índole para a A que descreve, os quais implicam a quantia indemnizatória peticionada. No apenso A) a Sra CC, contribuinte nº ... também deduziu pedido contra a R., peticionando: O pagamento da quantia de €26.040,00 e a quantia que se vier a liquidar em consequência do alegado nos artigos 69º, 70º 82º e 83º desta petição inicial, bem como juros de mora contados desde a citação. Para tal alegou que é mãe da 1ª A. e por causa do acidente não mais pôde trabalhar para cuidar da filha. 2. A ré seguradora contestou dizendo: Invoca que a A. seguia sem cinto de segurança, o que determinou o agravamento dos danos sofridos. Impugna ainda o montante peticionado bem a existência parcial dos danos. Termina pedindo que: “Não tendo a Autora, no que se refere a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais por si invocados e reclamados, feito prova dos factos constitutivos do direito de indemnização de que se arroga titular, deverá a Ré ser integralmente absolvida do pedido, com as demais consequências legais”. 3. Foi determinada a apensação da acção referida, foi saneada e instruída a causa, e realizado julgamento. 4. No decurso desse julgamento foi interposto recurso do despacho que indeferiu a reconstituição do acidente sub judice por via computacional, o qual foi admitido e decidido por Ac da RP de 24.10.22, constante do apenso D), no sentido negativo. 5. Entretanto foi proferida sentença que decidiu: a) Condena-se a Ré, A... S.A., a pagar à A., AA, a quantia de €1.515.136,00, no entanto, opera-se a compensação de €40.880,13 pagos a título de reparação provisória, pelo que fica a R. obrigada a pagar a quantia de €1.474.335,87 (um milhão quatrocentos e setenta e quatro mil trezentos e trinta e cinco euros e oitenta e sete cêntimos), bem como juros moratórios legais civis, contados sobre a quantia de €670.511,64 desde a citação e o remanescente desde a notificação do pedido de liquidação até efectivo e integral pagamento. b) Julga-se improcedente o remanescente do pedido deduzido pela A. e dele se absolve a R.. c) Condena-se a R. a pagar à A., CC, a quantia de €26.040,00 (vinte e seis mil e quarenta euros), acrescida de juros de mora civis contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como a quantia a liquidar em execução de sentença. Inconformados com essa decisão veio a ré seguradora e a autora AA interpor recursos, os quais foram admitidos como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos, com efeito devolutivo, artº 627º, nº1, 629º, nº 1, 644º, nº 1, a), 645º, nº 1, a), 647º, nº 1, do CPC, sendo que posteriormente veio a Apelante seguradora requerer que fosse fixado efeito suspensivo mediante a prestação de caução, o que foi deferido face à aceitação da parte contrária. Os autos foram distribuídos em 13.10.22, e retirados da tabela pelo então relator em 16.3.23, por cessação de funções neste tribunal em 8.4.23. O recurso relativo à realização de uma perícia, interposto pela apelante seguradora foi julgado improcedente com trânsito em julgado. * 2.1. A ré seguradora apresenta as seguintes conclusões:a) A 05.05.2022, ao abrigo do princípio do inquisitório (Artigos 411.º, 436.º e 467.º do CPC), a Recorrente apresentou alegações de recurso do despacho proferido a 20.04.2022, inserto na acta da Audiência de Discussão e Julgamento realizada nesse mesmo dia, por via do qual o Tribunal a quo indeferiu a realização da perícia requerida pela Recorrente, com vista reconstituição do acidente sub judice por via computacional, para elucidação do uso, ou não, de cinto de segurança pela Recorrida aquando da ocorrência do acidente, assim como da medida da sua contribuição para as lesões sofridas, sob o fundamento de considerar tal pedido manifestamente extemporâneo. b) Acontece que, a prolação da sentença recorrida antecedeu a apreciação do recurso pelo Tribunal da Relação, tendo o Tribunal a quo consignando como facto i. integrante da factualidade dada como não provada que a Recorrida circulava sem cinto de segurança. c) Nesta feita, cumpre alertar o Tribunal ad quem da pendência do recurso da Recorrente do despacho proferido a 20.04.2022, porquanto, na hipótese de vir a ser julgado procedente e, consequentemente, ordenada a realização da perícia requerida pela Recorrente, e concluindo-se que a Recorrida não usava cinto de segurança aquando da ocorrência do acidente sub judice, terá a sentença recorrida forçosamente que sofrer alterações. d) Na fixação da matéria de facto, particularmente do facto i. integrante da factualidade dada como não provada, enveredou o Tribunal a quo pela tese carreada para os autos pela Recorrida, em detrimento da tese apresentada pela Recorrente, em sentido oposto, dando azo aos factos 8. a 13. integrantes da factualidade dada como provada. e) Sucede que, existindo em juízo duas teses contraditórias acerca do uso, ou não, de cinto de segurança pela Recorrida aquando da ocorrência do acidente sub judice, não compreende a Recorrente porque razão o Tribunal a quo não atendeu ao depoimento prestado pela Testemunha DD, que é do parecer que a Recorrida circulava sem cinto de segurança, em razão do sistema pirotécnico não ter sido accionado, o que sucedeu com o do condutor, que não se encontrava recolhido. f) Acresce que, perante tal circunstancialismo, a saber duas posições contraditórias acerca do mesmo facto, sempre seria expectável que o Tribunal a quo ordenasse oficiosamente a realização da perícia requerida pela Recorrente, por forma a ilidir quaisquer dúvidas. g) Era imperativa a realização da perícia requerida pela Recorrente, dado que uma perícia configura a percepção/apreciação de factos à luz dos conhecimentos técnicos de um Perito, numa situação que exige conhecimentos especializados para a boa decisão da causa, de que o Julgador não dispõe, que sempre poderia ter sido ordenada, no caso em apreço, pelo Tribunal a quo, ao abrigo do princípio do inquisitório, por este dispor de poderes mais amplos no domínio da investigação dos factos, podendo determinar quaisquer diligências probatórias que não hajam sido requeridas pelas partes, necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. h) Com efeito, não considera a Recorrente que resultou não provado, mas antes estando incorrectamente julgado, o facto identificado na factualidade dada como não provada como ponto i. e, consequentemente, os factos identificados na factualidade dada como provada como pontos 8. a 13., em razão das declarações prestadas pela Testemunha DD, que sempre serão corroboradas pela perícia de reconstituição do acidente sub judice por via computacional. i) Na fixação do valor arbitrado à Recorrida a título de danos não patrimoniais (€175.000,00), pretendendo socorrer-se do critério da equidade, impunha-se ao Tribunal a quo enunciar casos análogos ao em apreço, justificando, assim, o valor arbitrado. j) Em contrapartida, vislumbramos uma sentença que peca por omissão de fundamentação, apreciação e interpretação detalhadas, sem observar uniformidade de critérios e o princípio da igualdade, culminando numa indemnização desproporcional. k) Além de descurar o princípio da proporcionalidade, não considerando os parâmetros jurisprudenciais geralmente adoptados para casos análogos (Artigo 8.º, n.º 3, do CC). l) Os arestos enunciados pela Recorrente retractam situações mais gravosas do que a da Recorrida, sendo que no primeiro foi arbitrada, a título de danos não patrimoniais, uma indemnização bastante próxima, apenas superior em €25.000,00 (vinte cinco mil euros), enquanto no segundo foi arbitrada uma indemnização inferior, em €50.000,00 (cinquenta mil euros). m) Ora, tal factualidade leva-nos a concluir que a indemnização arbitrada à Recorrida, a este título, é desproporcional, não tendo correspondência com o défice funcional e demais sequelas apuradas, sendo certo que lhe deveria ter sido arbitrada uma indemnização inferior a €125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros), sendo assim justa, equitativa, proporcional, razoável e adequada. n) Por fim, no que concerne aos danos patrimoniais emergentes, fixou-os o Tribunal a quo arbitrariamente, no que concerne ao valor de cada um dos itens e respectiva durabilidade, dado que tais parâmetros não resultaram da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento. o) No entanto, a este título, sempre existe contradição entre a factualidade dada como provada e a fundamentação da sentença recorrida, dado que os itens «barras de apoio à sanita», «cadeira de rodas manual» e «estrado articulado» (Factos 51., 53. e 54. Integrantes da factualidade dada como provada) perfazem o valor de €6.075,00 (seis mil e setenta e cinco euros), que reduz a indemnização arbitrada a este título para o montante de €202.517,80 (duzentos e dois mil quinhentos e dezassete euros e oitenta cêntimos). * 2.3. A autora/apelada contra-alegou nos seguintes termos:1ª Como a recorrente bem o sabe, no presente recurso apenas lhe assiste razão no que respeita aos cálculos que foram efectuados pelo Meritíssimo Juíz a quo no que respeita à indemnização arbitrada a título de dano futuro no que tange à cadeira de rodas manual e ao estrado articulado. 2ª Quanto ao demais, nenhuma razão lhe assiste, seja em relação ao facto de a recorrida seguir no momento da colisão sem fazer uso do cinto de segurança, seja em relação à questão da duração dos tratamentos de fisioterapia para o futuro. 3ª Comecemos, então, pela questão principal que se funda no facto – não provado – de que no momento da colisão a recorrida seguia sem fazer uso do cinto de segurança. A recorrente apoia essa sua discordância no depoimento de uma testemunha que a mesma arrolou e que nem tampouco esteve sequer perto fisicamente do veículo onde era transportada a recorrida – apenas viu fotografias!!! – e na não realização de uma perícia computacional que entendeu requerer – e mal – depois de ter findado toda a prova requerida atempadamente. 4. Quanto ao depoimento da testemunha DD, que afirmou no início do seu depoimento que da análise, neste caso, que analisei apenas fotograficamente, consegue-se verificar que o sistema pirotécnico não foi acionado. Isto é, o cinto quando está colocado… (02:19), pretendia a recorrente que o Meritíssimo Juíz a quo tivesse dado como provado que a recorrida, no momento do embate, seguia sem fazer uso do cinto de segurança. 5ª Tudo aquilo que essa “testemunha” ali afirmou não passou de um conjunto de fabulações, de suposições, que chegaram mesmo a colocar, confrangedoramente, em crise as mais elementares regras da Física. É que como decorre de todo o seu depoimento faz alusão a um “pirotécnico” que não terá deflagrado, quando nem sequer fez uma análise in loco ao veículo...! 6ª Como resulta da totalidade do seu depoimento – supra transcrito – o mesmo baseou-se na análise de fotografias recolhidas pela perita averiguadora que estava sob a sua coordenação. 7ª E a propósito das fotografias colhidas por essa mesma perita – à qual, regista-se, a recorrente não fez a mais ténue referência – não deixa de ser curioso o modo como foi por ela colhida uma fotografia, ou seja, a fls dos autos foi junta uma fotografia sob a designação de nº 13 do relatório final de averiguação protestada juntar na contestação. E, curiosamente, nessa mesma fotografia não se consegue visualizar a peça metálica do cinto de segurança, como sucede com uma outra em que se vê a posição normal de descanso dos cintos de segurança – com excepção daquele que seria colocado pela recorrida!!! –. 8ª E porque o perito que se deslocou ao local onde se encontrava o veículo para efectuar o exame que foi junto aos autos com a Providência Cautelar que se encontra apensa aos presentes autos e que foi ali junto como doc. nº 5, a fim de perceber as circunstâncias em que seguia a recorrida – com ou sem cinto de segurança colocado – no momento da colisão, claramente se percebe que foram colhidas fotografias onde nada se escondeu...! Percebe-se, claramente, estando o cinto de segurança na posição em que normalmente qualquer cinto de segurança se encontra em repouso, que essa peça metálica apresenta um dano, ou seja, está toda torcida, o que é compatível quer com o seu uso, quer com o “esticão” que a recorrida efectuou aquando da colisão, conforme o referiu o autor desse relatório. 9ª Assim, e porque o Meritíssimo Juiz a quo – bem e merecidamente – se convenceu da razão de ciência da testemunha EE, Engenheiro Mecânico, não hesitou em dar como provado o que consta do ponto 13º dos factos provados, ou seja: 13) Em face de todos os elementos recolhidos no veículo ..-..-ET, tenha aquele perito concluído que a demandante AA fazia uso do sistema de retenção “cinto de segurança” no momento em que ocorreu o acidente dos autos, tendo baseado essa sua conclusão no seguinte: A 1ª Lei de Newton – princípio da inércia, que diz que um corpo em repouso tende a permanecer em repouso, e um corpo em movimento tende a permanecer em movimento – traduz numa impossibilidade científica a falta ou não utilização dos sistemas de retenção “cinto de segurança” devido à inexistência de danos ocasionados “no painel e para-brisas” causados pelo primeiro impacto, ou seja, não se verificou a projecção da vítima no sentido do movimento (o que melhor se pode verificar pelas imagens constante de págs. 2 e 10 do referido relatório). 10ª Seguisse a recorrida sem levar colocado o cinto de segurança e, inelutavelmente, existiriam danos no interior do veículo seguro, isto é, verificar-se-ia a existência de danos ao nível do párabrisas e tablier, pois que o corpo da recorrida que estava em repouso, fruto da colisão, entraria em movimento para a frente. E da análise realizada ao interior desse veículo nem o mais ténue vestígio da existência desses danos, o que, quanto ao párabrisas é até perfeitamente perceptível das várias imagens que se encontram juntas aos autos. 11º Por isso, e quanto a esta questão, só na mente da recorrente subsiste a dúvida de se a recorrida fazia uso do cinto de segurança no momento da colisão ou não. E, em jeito de parêntesis, sabendo-se que o cinto de segurança do veículo seguro – como qualquer outro veículo ligeiro de passageiros de utilização normal, e não um veículo de competição – tem dois pontos de fixação: - cinta e tronco. 12ª Daí que, como demonstrou à saciedade a testemunha Eng, EE, esse sistema de retenção funciona num movimento para a frente; já assim não será numa projecção obliquada para a frente e para a esquerda, que faz perder a função de alça no ombro direito – para o caso do passageiro da frente – e posteriormente traseira, com quebra, dada a violência do embate, do encosto do banco desse passageiro – como sucedeu no veículo seguro, com a visível e perceptível quebra desse elemento – o que permitiu que a recorrida “saísse” do cinto de segurança por baixo do mesmo, pois que nessas circunstâncias aquele sistema de retenção deixa de produzir qualquer função, e acabasse por ser projectada para fora daquele veículo pelo óculo traseiro. 13ª Por outro lado, quanto à realização do exame computacional requerido – de forma absolutamente extemporânea – pela recorrente também não lhe assiste qualquer razão, como já tivemos oportunidade de referir nas contra alegações do recurso a esse propósito interposto pela aqui também recorrente. 14ª Com efeito, e como é sabido por todos quantos andam nestes foros, esse tipo de simulação computacional apenas se refere a situações de colisões entre veículos e destes com peões ou motociclistas/ciclistas. Parte-se, assim, da posição final em que se imobilizam os veículos ou os seus condutores (no caso dos veículos de duas rodas) ou os peões atropelados para aquela em que estariam no momento da colisão para se terem ido imobilizar onde se imobilizaram, isto é, reconstitui-se o acidente do fim para o início, colocando-se e alterando-se diversas variantes até que se atinja uma em que a posição final coincida com aquela que foi indicada como assim sendo. 15ª Ora, uma das dificuldades é precisamente esta, pois que de nenhum documento junto aos autos é possível perceber-se ou extrair-se a posição final (de imobilização) do corpo da recorrida. * 2.3. A autora deduziu também uma apelação, formulando as seguintes conclusões1ª A recorrente não se pode conformar com a decisão aqui em crise no que tange à quantificação do seu dano futuro relativo aos tratamentos de fisioterapia a que vai ter de se submeter. 2ª A este propósito, e logo que teve oportunidade para o fazer, tratou a recorrente de liquidar o seu pedido – como resulta dos autos – após a junção aos mesmos do relatório final de avaliação do seu dano corporal que foi efectuado pelo Gabinete Médico-Legal. 3ª E liquidou a recorrente esse seu pedido, no que ao dano futuro com tratamentos de fisioterapia diz respeito, nos seguintes moldes: 120. Em tratamentos de fisioterapia – seja para evitar o retrocesso, seja para evitar o agravamento das sequelas –, consulta de fisiatria, terapia da fala e respectivo transporte para receber aqueles tratamentos, a demandante tem gasto em média, por mês, a quantia de 400,00 € 121. motivo por que, para a indemnizar deste prejuízo para futuro, é adequada a quantia de 264.000,00 € (400,00 € x 12 x 55 anos). 4ª A este propósito foi dada como provada a seguinte matéria de facto, com base nas conclusões do relatório elaborado pelo Gabinete Médico-Legal: 42) e dependência das seguintes ajudas técnicas: (…) - tratamentos de Medicina Física e de Reabilitação (fisioterapia, terapia ocupacional e terapia da fala). 46) Em tratamentos de fisioterapia – seja para evitar o retrocesso, seja para evitar o agravamento das sequelas – consultas de fisiatria, terapia da fala e respectivo transporte para receber aqueles tratamentos, a A. tem gasto em média, por mês, a quantia de cerca de € 400,00. (o sublinhado e destacado é nosso). 5ª Ora, como já se deixou referido, foi com base nestas conclusões – seja a título da necessidade dessa ajuda técnica, seja no custo inerente à mesma – que a recorrente deduziu o seu pedido de liquidação, e que veio, como decorre do teor da conclusão anterior, a demonstrar e provar em sede própria, ou seja, em sede de audiência de discussão e julgamento. 6ª Porém, e não obstante esses meios de prova e os factos que foram tidos – e bem – por provados, foi com absoluta estranheza que a recorrente pôde perceber que apenas foi contabilizada, sem (qualquer) sustentação documental ou testemunhal, essa necessidade pelo período de 10 anos a contar da data do acidente(!). 7ª Ora, decorre do relatório do Centro de Reabilitação Profissional de Gaia, a este propósito, e depois de ter observado a recorrente em Outubro de 2019, o seguinte: (…) Uma vez que ainda apresenta evolução favorável, com ganhos recentes de funcionalidade, tem indicação para manter acompanhamento médico na área de Medicina Física e de Reabilitação e realizar tratamento (fisioterapia, terapia ocupacional e terapia da fala), tendo como objectivo a recuperação das funções neuro-musculo-esqueléticas, incluindo a melhoria da sintomatologia álgica, da mobilidade articular, da força muscular, da disfagia, do equilíbrio e do padrão de marcha e da autonomia nas actividades da vida diária. (o sublinhado e destacado é, de novo, nosso). 8ª Do relatório médico da especialidade de Neurocirurgia, datado de 27.12.2019, consta a final que a examinada necessita de apoio de 3ª pessoa e de cuidados médicos (incluindo fisiátricos regulares). 9ª E decorre do relatório final do exame médico-legal a que foi sujeita a recorrente, relatório datado de 13 de Maio de 2021, ou seja, quase 5 anos após o acidente, também a este respeito, o seguinte: (…) . Tratamentos médicos regulares (correspondem à necessidade de recurso regular a tratamentos médicos para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas – ex: fisioterapia). Neste caso, Medicina Física e de Reabilitação (fisioterapia, terapia ocupacional e terapia da fala), relatório médico-legal datado de 13 de Maio de 2021, ou seja, quase 5 anos após o acidente. 10ª Ora, é obviamente após a junção deste último relatório aos presentes autos que a recorrente se achou capaz de poder liquidar todo o seu dano, sobretudo o dano futuro e o que se prendia com as variadíssimas ajudas técnicas de que ficou a necessitar. 11ª E, como vai sendo entendimento dos nossos Tribunais Superiores, o que exige ao dano é que o mesmo seja previsível, sendo que essa verificação se prende com o facto de se poder conjecturar, prognosticar a sua ulterior verificação. E essa previsibilidade pode ser certa quando a sua produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível, ou eventual, quando a sua produção se apresenta, no referido momento, como meramente possível, hipotética ou incerta, tudo como melhor se observa do teor do douto acórdão do TRP supra referido no ponto II destas alegações. 12ª Ora, no caso dos autos e atendendo ao que se discute no presente recurso, o dano futuro de tratamentos de fisioterapia é um dano, para além de previsível, certo, ou seja, atenta toda a documentação junta aos autos – nomeadamente o relatório do Centro de Reabilitação Profissional de Gaia e, sobretudo, o Relatório Médico-legal) dúvidas não podem subsistir de que a recorrente, para evitar o retrocesso ou o agravamento das sequelas, vai ter de se submeter a tratamentos fisiátricos, como, aliás, ficou provado no ponto 46 dos factos provados. 13ª Daí que não se percebe com que fundamento pôde o Meritíssimo Juíz a quo afirmar o seguinte: Nesta questão de tratamento de fisioterapia considera-se que será natural e equitativo considerar que a A. realizará tratamentos desde a data do acidente durante 10 anos, para se poder minimamente restabelecer e ter alguma qualidade de vida, porquanto, tal como na alta médica, a partir de determinado número de sessões não haverá mais recuperação. Assim, entende-se ser de fixar a título equitativo a quantia de €48.000,00 (€400,00 x 12 meses x 10 anos). (mais uma vez o sublinhado e destacado é nosso). 14ª Não há nos autos um único documento do qual se possa extrair tamanha conclusão, assim como não foi prestado nenhum depoimento e/ou esclarecimento que pudesse conduzir o Meritíssimo Juíz a quo a tamanha conclusão. 15ª Como decorre cristalinamente do teor dos documentos já supra referidos, a finalidade desse tratamento fisiátrico é uma de duas: - ou evitar o retrocesso das sequelas ou impedir o agravamento das mesmas. Em nenhum deles, e serão os mais importantes nos autos por absolutamente imparciais e emanados de entidade idónea, é estabelecido o prazo durante o qual a recorrente vai ter de realizar esses tratamentos. 16ª Apenas ali se afirma de modo claro e peremptório aquilo que o Meritíssimo Juíz a quo verteu no ponto 46 dos factos provados, ou seja, que esses tratamentos de fisioterapia se destinam a evitar o retrocesso ou o agravamento das sequelas. 17ª Daí que nos pareça, com o devido respeito por opinião diversa, que dali se extrai facilmente que esses tratamentos irão acompanhar a recorrente até ao fim dos seus dias. Melhor seria que a recorrente apenas deles necessitasse pelo período indicado pelo Meritíssimo Juíz a quo… 18ª Porém, a afirmar o que afirmou – a este propósito – o Meritíssimo Juíz a quo desconsiderou aquilo que foi afirmado por esses profissionais, ou seja, precisamente aquilo que entendeu dar por provado no ponto 46 dos factos provados, isto é, que os tratamentos de fisioterapia e terapia da fala se impunham quer seja para evitar o retrocesso das sequelas, quer para impedir o agravamento das mesmas. 19ª É que não podemos perder de vista as gravíssimas sequelas de que ficou afectada a recorrente para futuro, em consequência do acidente dos autos, e que vão melhor descritas nos pontos 36º a 42º dos factos provados. 20ª Por isso ocorre perguntar o seguinte: - Como conseguiria a recorrente impedir o retrocesso das sequelas ou o agravamento das mesmas sem fazer esses tratamentos que foram entendidos pelos médicos que a observaram como necessários para essas mesmas duas circunstâncias? - Por que motivo teria a recorrente apenas direito a esse tipo de tratamento pelo período de 10 anos, a contar da data do acidente?!? - Com base em que prova constante dos autos pôde o Meritíssimo Juíz a quo afirmar o que afirmou? De novo com o devido respeito, não consegue a recorrente descortinar onde pôde o Meritíssimo Juíz a quo ancorar essa sua decisão. 21ª É que nem é sequer pela possibilidade de esse dano não ser previsível ou certo ou mesmo eventual; do que ali se lê é pelo simples facto de o Meritíssimo Juiz a quo ter entendido que será natural e equitativo considerar que a A. realizará tratamentos desde a data do acidente durante 10 anos, (…) porquanto, a partir de determinado número de sessões não haverá mais recuperação. 22ª Porém, se fosse natural que a recorrente necessitasse desse tipo de tratamento durante 10 anos, pela experiência de várias dezenas de processos cíveis de acidentes de viação, certamente que os Srs Médicos o teriam afirmado, mais não fosse o Médico do Gabinete Médico-Legal responsável pela elaboração do relatório médico-legal junto aos presentes autos. 23ª Ou será que esse retrocesso ou esse agravamento apenas poderá ocorrer nesse período de 10 anos assim contabilizado pelo Meritíssimo Juíz a quo? Óbvia e claramente que não. 24ª Recuperação até pode não haver. Mas aquilo a que a recorrente não pode nem deve ser sujeita, pois em nada contribuiu para o estado físico e mental em que se encontra é que, por falta desses tratamentos, essa recuperação retroceda e/ou se agrave! 25ª Por isso, a condenação da recorrida no pagamento da quantia de 48.000,00 € a título de dano futuro pelos tratamentos de fisioterapia e terapia da fala, como o foi, está até em frontal contradição com aquilo que foi dado como provado no ponto 46 dos factos provados. É que, observando-se aquilo que consta dos vários relatórios médicos juntos aos autos, nomeadamente os dois já supra referidos, o que dos mesmos resulta é, de forma clara, objectiva e inequívoca, a necessidade/finalidade desses tratamentos: - evitar o retrocesso ou o agravamento das sequelas. 26ª E se nesses dois relatórios – até sobretudo no relatório médico-legal – não foi estabelecido nenhum limite temporal à realização desse mesmo tipo de tratamento, tal só poderá significar, com o devido respeito por opinião diversa, que o mesmo vai acompanhar a recorrente até ao fim dos seus dias, pois que até esse dia ela irá ter de lutar pelo não retrocesso das sequelas ou contra o agravamento das gravíssimas sequelas de que ficou a padecer em consequência do acidente dos autos. 27ª É, por isso, com o devido respeito, absolutamente descabida a redução efectuada pelo Meritíssimo Juíz a quo a esse propósito, tanto mais que não tem a mais ténue base factual para essa redução, pois que para ter alguma qualidade de vida obviamente que irá ter de realizar esses tratamentos de fisioterapia e terapia da fala muito para além dos propalados 10 anos afirmados pelo Meritíssimo Juíz a quo. 28ª Não se trata, com o devido respeito, de uma questão que possa ser tratada ou decidida com recurso à naturalidade, normalidade ou equidade, pois que com recurso a estas figuras não poderia deixar de se considerar que a recorrente irá necessitar, infelizmente, deste tipo de tratamentos até ao último dia da sua vida. 29ª E não contabilizar esse dano, como o mesmo foi contabilizado no incidente de liquidação, seria uma absoluta injustiça, é prejudicar duplamente a recorrente, pois que, tendo necessidade de realizar esses tratamentos e não recebendo o adequado para suportar os seus custos, irá fazer com que de outros prejuízos, de outros danos, tenha de retirar uma quantia para prover ao pagamento das despesas com esse tipo de tratamentos. 30ª Por isso, a decisão que se impunha ao Meritíssimo Juíz a quo, mantendo-se inalterada a selecção da matéria de facto tida por provada, nomeadamente o constante do ponto 46 dos factos provados, a decisão final, de acordo com a prova documental constante dos autos, nomeadamente o relatório médico do Centro de Reabilitação Profissional de Gaia e o relatório do Gabinete Médico-Legal encarregue da avaliação do dano corporal sofrido pela recorrente no âmbito dos presentes autos, deveria ter sido a seguinte: A propósito da necessidade de tratamento de fisioterapia considera-se justo e adequado fixar-se a quantia de 264.000,00 € (400,00 € x 12 x 55 anos). 31ª Por outro lado, tendo sido dado como provado (facto 57) que a recorrente gastou: - a quantia de 4.165,73€ na unidade de Cuidados Continuados de Amarante - a quantia de 1.125,20€ da Unidade de Cuidados Continuados de Lousada e - 543,50€ em transportes para receber tratamentos, tudo num total de 5.834,43€, 32ª por manifesto lapso e/ou erro de cálculo, tal quantia não foi computada, a final na sentença de fls. pelo Meritíssimo Juiz a quo motivo por que, nos termos do disposto no artigo 614º, nº 1 do CPC deverá a mesma ser tida em conta, condenando-se a recorrida ao seu pagamento. 33ª Finalmente e constando do dispositivo final que: Face ao exposto e em conformidade com as considerações elaboradas reconhecer-se-á à A. uma indemnização global no montante de €1.515.136,80, correspondente aos danos não patrimoniais e patrimoniais emergentes e futuros sofridos. Considerando o fixado nas providências cautelares apensas aos presentes autos (Apensos A e B), ao valor acima fixado será deduzido o já pago pela Ré, no âmbito das aludidas providências cautelares, ou seja, €40.880,13, correspondente a €32.276,13, do apenso A mais €8.604,00 (717,00€ x 12 meses) do apenso B. Ora, efectuando a compensação entre o montante a receber e o já recebido €40.880,13, significa que a A. AA tem a receber a quantia de €1.474.335,87, 34ª não pode a recorrente aceitar que a quantia fixada no âmbito do Apenso A – referente à aquisição de uma cadeira de rodas eléctrica – lhe seja descontada na indemnização final não só porque na acção principal nada pediu a este título – a não ser, como é óbvio, a substituição que aquela cadeira de rodas vai necessitar ao longo dos anos – como porque aquele valor foi pago directamente à Sociedade B..., Lda, conforme transacção de fls., constante daquele mesmo apenso, 35ª ocorrendo perguntar, em qual das verbas fixadas parcelar e individualmente da indemnização final, é que a recorrente poderia ver descontada aquela quantia. Parece-nos óbvio que em nenhuma delas, motivo por que não poderá ocorrer a compensação constante da decisão final 36ª Assim e tendo em conta o disposto no artigo 615º nº 1 alínea b) e e) do CPC, deve nesta parte a sentença de fls. ser considerada nula. * 2.4. Nesta matéria a seguradora apelada e apelante respondeu da seguinte forma:a) Considera a Recorrida que o Tribunal a quo mal andou na fixação dos valores arbitrados à Recorrente, não os fundamentado convenientemente, mas antes fixando-os arbitrariamente, a par da respectiva durabilidade. b) No entanto, no que concerne ao montante arbitrado para fazer face aos tratamentos de fisioterapia, discorda a Recorrida do montante peticionado pela Recorrente (€ 264.000,00), por desconhecer durante quanto tempo realizará tais tratamentos, não resultando essa informação da documentação clínica por si citada, mas antes que apresenta uma evolução favorável. c) De facto, considera a Recorrida que a Recorrente descura a possibilidade de, a dada altura, cessar por completo a necessidade de ser submetida a tais tratamentos, sendo que da documentação clínica por si citada não resulta que necessitará de tais tratamentos ad aeternum, mas sim que deverá manter o acompanhamento médico. d) Motivo pelo qual deverá a sentença recorrida ser alterada nos exactos termos constantes da alegação da Recorrida, em sede própria, improcedendo, assim, o alegado pela Recorrente a este título. e) Entende a Recorrida que o Tribunal a quo não errou no desconto do valor referente à aquisição da cadeira de rodas eléctrica (€ 32.276,13) ao computo geral e total da indemnização arbitrada (€ 1.515.136,00), porquanto consubstancia uma ajuda técnica, advindo a sua necessidade de uma dano patrimonial emergente, e sendo irrelevante o facto do preço ter sido suportado pela Recorrida. f) Motivo pelo qual deverá manter-se a sentença recorrida apenas nesta parte, improcedendo, assim, o alegado pela Recorrente a este título. * 3. Questões a decidir** 1. Apreciar o recurso da matéria de facto 2. Fixar o montante dos danos não patrimoniais. 3. Determinar o montante dos danos patrimoniais futuros com aquisição de objectos e o quantum do dano futuro relativo às despesas de fisioterapia 4. Verificar se se verificam os erros de cálculo e o erro quanto aos valores constantes do facto provado 57 5 Averiguar se o valor da cadeira de rodas objecto de transação no apenso procedimento cautelar pode ou não ser atendido * ** 4. Do recurso da matéria de facto Pretende a ré que sejam alterados os factos não provados ponto i. e os factos provados 8 a 13, com base nas declarações prestadas pela Testemunha DD, que sempre serão corroboradas pela perícia de reconstituição do acidente sub judice por via computacional. 4.1. Do parecer técnico O meio de prova mais relevante fornecido pela apelante para a alterar a decisão de facto é um documento relativo à análise dinâmica do acidente Conforme analisou este colectivo no Ac da RP de 9.2.23, Processo: 1879/21.8T8VFR (Paulo Duarte Teixeira) “o sistema nacional ao contrário de outros, possui uma tramitação própria e autónoma para que a introdução de avaliações técnico-científicas, que assumem a natureza própria de prova pericial (art.467 e segsº, do CPC). (…). Não existe entre nós a imposição legal de optar por essa tramitação. Com efeito, podem as partes e o tribunal optar por outro modo de carrear para os autos a demonstração de conhecimentos técnicos e científicos. (…) Podem as partes simplesmente juntar a opinião técnica por escrito, sob a forma de parecer, ou através da prestação de depoimento testemunhal”. Ora, a ré ainda tentou através da apelação autónoma realizar uma perícia. Não o tendo conseguido o seu único meio de prova é o parecer técnico que apresentou e o depoimento testemunha do técnico que o elaborou. Compreenderá a ré que os pareceres técnicos possuem uma força probatória persuasiva inferior à prova pericial. Desde logo, não existe contraditório, nem qualquer controlo prévio sobre a idoneidade ou imparcialidade do perito, nomeação judicial deste, nem sequer compromisso de honra. Ou seja, a forma como a ré optou por processualizar as conclusões processuais afecta, em concreto, a sua aptidão probatória. * 4.2. Da avaliação do parecer técnicoO documento junto deve ser qualificado como um parecer técnico, pois, estes “constituem abordagens técnicas não vinculantes sobre questões colocadas por factos de que os seus autores não têm conhecimento directo, elaborados por indivíduos com conhecimentos específicos e destinadas a esclarecer o julgador”. A prova técnica e científica é analisada livremente pelo tribunal tendo em conta os seguintes elementos: a) A credibilidade maior ou menor dependente da imparcialidade do perito (eg nomeação pelo tribunal ou indicação pelas partes). b) o grau e consistência da sua competência técnica c) a congruência e consistência interna do laudo d) o controlo, face aos padrões científicos aplicáveis, da qualidade científica do mesmo. No caso, todos esses elementos impõem a reduzida relevância do parecer técnico. Desde logo, o especialista demonstra uma dependência económica face à ré, na medida em que era remunerado por esta. A sua competência técnica é desconhecida. Depois, a dinâmica do acidente põe em causa a sua explicação para a demonstração de que o cinto não tinha sido usado. Na versão do averiguador da ré (confirmada pelo condutor) o choque ocorreu com o carro em despiste a rodopiar sobre si próprio embatendo primeiro da frente lado esquerdo e depois mais uma vez com o embate. Nota este, aliás, que o banco do passageiro estava “partido”, o que terá ocorrido com a projecção da vítima para a traseira onde bateu e partiu o vidro[1] e foi projectada para a via. Nestes termos esta tese (não uso do cinto) não consegue explicar como é que, se o primeiro embate violento foi para a frente a vítima foi projectada para trás através do vidro traseiro que partiu. Se acrescentarmos que não existem danos no tablier e vidro da frente, só se pode concluir que a forte força cinética do embate frontal foi evitada porque estava em utilização esse cinto. Constituiu uma presunção fundada nas regras da física que os corpos se movem na direção da força cinética. Logo, se esse cinto não tivesse sido usado então a primeira projecção da vítima seria para a frente e não para trás. É certo que o mesmo uso do cinto deveria ter impedido a projecção da vítima pelo vidro traseiro aquando do segundo movimento. Mas, desde logo face à quase coincidência dos mesmos a possível retirada do cinto não é possível. Precisamos de outras possibilidades explicativa das quais, como referido por uma das testemunhas (e resultar da restante matéria de facto) , a avaria do cito pode ser a mais congruentes. Note-se aliás que essa avaria é comprovada quer pela testemunha da Ré Sr. DD (que diz que o sistema pirotécnico não foi accionado, mas o fixador funciona num primeiro momento não depois), quer pela testemunha Sra. FF (o pré-tensor não disparou), logo é inteiramente possível que o cinto estivesse colocado e por avaria não tivesse funcionado no segundo embate. Mas, repare-se que quer essas testemunhas quer o parecer técnico, curiosamente, nunca puseram a hipótese de a avaria do cinto ter ocorrido com o cinto posto e que o pré-tensor, num primeiro embate (para a frente) tenha retido o cinto, mas num segundo embate precisamente por causa da avaria, não tenha funcionado e por isso a apelante tenha sido projectada. Ou seja, a avaria do elemento do cinto fortalece a tese da apelante e explica de forma congruente a projeção e retenção desta, sendo conforme com os danos interiores e exteriores do veículo. A tese do parecer técnico não consegue explicar a reação do corpo da apelante no primeiro embate. Por isso, tal como o tribunal a quo, teremos de concluir que o relatório técnico é contrariado de forma decisiva pela concreta dinâmica do acidente e por isso essa hipótese explicativa não pode, apenas com este meio de prova, ser aceite. Depois, o depoimento do Sr. DD (que presta serviços através da sua empresa para a ré desde 2005), não elaborou essa auto e depôs, portanto com base na leitura do mesmo, dizendo que se baseia no sistema pirotécnico, que não foi acionado no local do passageiro dizendo até que isso visa que o cinto não possa ser recolhido. Ora, este depoimento fortalece até a tese de que ocorreu uma avaria no sistema pirotécnico e justifica que o cinto apenas com o pré-tensor não tenha impedido a projecção violenta da vítima para o exterior em direção à traseira. Note-se que essa projeção foi tão violenta que danificou o banco em causa. A tudo isso acresce que o condutor que esteve presente nesse acidente afirma que o cinto estava em uso. Logo, teremos de julgar improcedente o recurso da matéria de facto, já que a decisão do tribunal a quo é congruente com a dinâmica do acidente, racional com as máximas da experiência e por isso fundamentada, merecendo elogios e não qualquer censura. * 5. Motivação de facto** 1) Cerca das 05h30 do dia 13.06.2016 ocorreu um acidente de viação na AE 4, ao Km ..., nas Portagens de ... – Porto, em que intervieram os veículos ligeiros de passageiros: – ..-..-ET, conduzido pelo proprietário, BB e – ..-FG-.., propriedade de GG e conduzido por HH e que se deu do seguinte modo: 3) O veículo ..-..-ET circulava pela AE 4, no sentido Porto – Amarante, nas Portagens de ... com uma velocidade de cerca de 120 Km/h. 4) Depois de ter passado pelas portagens ali existentes pela zona destinada à Via Verde e quando pretendia retomar a pista de rodagem mais à direita, atento o seu sentido de marcha, perdeu o controlo do veículo que conduzia, 5) Despistou-se para a sua direita, invadiu a berma desse seu lado direito, onde acabou por embater violentamente com a parte da frente do lado esquerdo do veículo ..-..-ET no talude ali existente desse lado, após o que rodopiou no sentido dos ponteiros do relógio, acabando por embater com a parte de trás do lado esquerdo do referido veículo nesse mesmo talude. 6) Em consequência do primeiro embate o veículo ..-..-ET acabou por perder a roda da frente do lado esquerdo, a qual foi projectada para a via de rodagem mais à esquerda da metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido Porto – Amarante, onde ficou caída, tendo o veículo ..-FG-.., que circulava por essa via, passado por cima desse mesmo pneumático (doc. 3 junto com os autos de Providência Cautelar. 7) A violência do embate foi de tal forma que a demandante AA acabou por ser projectada para o exterior do veículo, seguindo transportada no banco da frente do lado direito, pelo óculo traseiro, acabando por cair violenta e desamparadamente no piso da AE 4, onde ficou inanimada. 8) Foi solicitada pela A. uma perícia, quer ao veículo ..-..-ET, quer à dinâmica do acidente, para se perceber se a demandante AA seguia, ou não, com o cinto de segurança colocado, ao sr. Eng. EE, como decorre do teor do documento que se junta sob a designação de doc. nº 5 junto com os autos de Providência Cautelar nº 8083/18.0T8PRT – Juízo Central Cível do Porto - Juiz 4, cujos dizeres se dão por integralmente reproduzidos. 9) Do mesmo decorre que o fixador do sistema de retenção do passageiro (onde seguia a demandante AA) apresentava danos sem causas externas à dinâmica do acidente (pág. 6 do relatório), provocados pela trajectória errante que a demandante AA assumiu em consequência do primeiro embate com a parte da frente do lado esquerdo do veículo ..-..-ET, uma vez que o seu corpo se moveu para baixo, para cima e para a frente. 10) E porque ocorreu esse dano no sistema de retenção e no encosto do banco da frente do lado direito, por causa da trajectória que o corpo da demandante assumiu em consequência do acidente, aquele sistema de retenção (cinto de segurança) deixa de cumprir a sua função. 11) E o dano no encosto do banco da frente do lado direito acaba por permitir que o corpo do passageiro que se encontrava no banco da frente do lado direito (no caso a demandante AA) acabe por sair projectado pelo óculo traseiro do veículo ..-..-ET, 12) Tanto mais que o mesmo se encontra partido, inclinado para trás e para a esquerda, para junto do apoio de braço existente entre os bancos da frente do referido veículo. 13) Em face de todos os elementos recolhidos no veículo ..-..-ET, tenha aquele perito concluído que a demandante AA fazia uso do sistema de retenção “cinto de segurança” no momento em que ocorreu o acidente dos autos, tendo baseado essa sua conclusão no seguinte: A 1ª Lei de Newton – princípio da inércia, que diz que um corpo em repouso tende a permanecer em repouso, e um corpo em movimento tende a permanecer em movimento – traduz numa impossibilidade científica a falta ou não utilização dos sistemas de retenção “cinto de segurança” devido à inexistência de danos ocasionados “no painel e para-brisas” causados pelo primeiro impacto, ou seja, não se verificou a projecção da vítima no sentido do movimento (o que melhor se pode verificar pelas imagens constante de págs. 2 e 10 do referido relatório). 14) Em consequência do violento embate a A. sofreu: – traumatismo crânio encefálico grave, com: a) – edema cerebral difuso; b) – contusão temporal e frontal esquerda; c) – múltiplas fracturas do crânio; – fractura não desalinhada do ramo isquiopúbico à direita e diástase articulação sacro-ilíaca direita; – discreta fractura não desalinhada da vertente anterior do acetábulo; – fractura cominutiva da asa esquerda do sacro, que intercepta suficiente articular sacro-ilíaca, com desalinhamento articular de cerca de 8 mm; – feridas corto-contusas a nível da região posterior do cotovelo esquerdo, face anterior da perna esquerda e pirâmide nasal (doc. 6 junto com os autos de Providência Cautelar. 15) No local do acidente foi assistida pela VMER no INEM, transportada para o S.U. do Hospital de S. João, no Porto, onde foi submetida a vários exames imagiológicos que revelaram as lesões acima identificadas. 16) Foi inicialmente suturada às feridas corto-contusas acima identificadas, 17) Tendo, no dia 14.06.2016, por apresentar hipertensão intracraniana foi submetida a craniectomia descompressiva bilateral, que complicou com instalação de hemorragia significativa e instabilidade HD. 18) Permaneceu internada na UCIPU (Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente) até ao dia 14.07.2016, altura em que foi transferida para UCINC – Intermédios (Unidade de Cuidados Intensivos Neurocríticos) para continuação de vigilância e tratamento. 19) No dia 12.10.2016 foi transferida para a enfermaria de Neurocríticos, apresentando os seguintes problemas activos: – status neurológico pós-TCE grave, complicado com hidrocefalia e infecção do SNC; – síndrome diencefálico; – epilepsia secundária e – colonização respiratória a PAMR, Apresentando traqueostomizada, em ventilação espontânea, não cumprindo ordens, sem comunicação verbal, dirigindo o olhar que fixa por curtos períodos, necessitando, por isso, de programa integral de Medicina Física e de Reabilitação com intervenção de enfermagem de reabilitação, fisioterapia, com o que se pretende a melhoria funcional nas actividades da vida diária. 20) Em finais do ano de 2016 a A. teve alta hospitalar do Hospital de S. João, no Porto, tendo sido transferida para o Hospital da Santa Casa da Misericórdia ..., a fim de ser internada na Unidade de Média Duração e Reabilitação, onde permaneceu até ao dia 2/2/2017, 21) Altura em que foi transferida para a Unidade de Longa Duração do Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Amarante, por ser mais próxima da sua residência. Onde, à entrada, apresentava: - défice motor global de 4+/5 com dificuldades na motricidade fina; - vigil; - dirige o olhar com nistagmo constante; - não verbaliza nem cumpre ordens simples; - tetraplegia flácida; - apresenta reflexo de mãos bilateralmente; - atrofia muscular sem melhoria, 22) Ali tendo permanecido em tratamento, conforme tinha já sido prescrito quer pelo Hospital de S. João, quer pelo Hospital da Santa Casa da Misericórdia ..., 23) Na sequência de programa de reabilitação, a A. readquiriu consciência e capacidade de comunicação, progredindo no treino de alimentação oral. 24) Passou a ter um discurso progressivamente mais fluente, com ganhos de capacidade motora e autonomia. 25) Desloca-se em cadeira de rodas eléctrica que própria conduz, tendo já iniciado treino de marcha, 26) No dia 18.04.2019 teve alta hospitalar daquela U.C.C. do Hospital de Santa Casa da Misericórdia de Amarante, podendo ler-se na nota de alta o seguinte: 27) Prescrito inicialmente tratamento com vista a prevenir sequelas de imobilidade. Após cerca de 9 meses de internamento nesta unidade e observação de uma evolução neurológica positiva foi ajustado o tratamento fisiátrico com vista a promover função (introduzindo também TO ‘+ TF e pedida cadeira de rodas eléctrica). 28) Manteve uma evolução neurológica progressiva, tendo inicialmente readquirido força muscular nas extremidades dos 4 membros e, posteriormente, nas cinturas, o que permitiu participar nas AVDs. 29) De igual forma, após cerca de 1 ano de internamento verificou-se uma evolução favorável, tanto em termos cognitivos/comportamentais como na fonação e deglutição. Actualmente: vigil, orientada e colaborante – humor distímico; perturbações da fluência e disartria, mas com discurso coerente; actualmente está a realizar as refeições por via oral na consistência pastosa + hidratação por PEG; amplitudes articulares funcionais; vence gravidade em todos os segmentos articulares; pinças finas e destreza manual razoáveis, dificuldade ainda em escrever o nome. Funcionalmente colabora em todas as AVDs, necessita de supervisão nas transferências e marcha. Doente deve manter FT (fisioterapia) + TO (terapia ocupacional) + TF (terapia da fala) cm frequência mínima de 3 vezes por semana. Contra todos os prognósticos iniciais, é possível que venha a readquirir autonomia total para as AVD2 básicas. 30) Por outro lado, e do relatório de Avaliação dos impactos dos acidentes na funcionalidade e necessidades de reabilitação que foi concluído no dia 18.10.2019 pelo C.R.P.G. (Centro de Reabilitação Profissional de Gaia) destaca-se, entre o mais, o seguinte: Técnica de Turismo – nível 4; aos 18 anos começou a trabalhar como empregada de mesa e balcão num restaurante ... ocupa os dias com fisioterapia e terapia da fala; a restante parte do dia é passada a ver televisão e a ler; abandonou a prática de actividades desportivas, como sendo o futebol, que praticava antes do acidente (...) caracterização neuropsicológica: a avaliação das funções mentais revelou alterações significativas das funções de atenção, memória de longo prazo, abstração e lentificação psicomotora; ao nível da comunicação identifica-se alterações na fluência do discurso, por vezes com dificuldade na nomeação e perda de pensamento; sinalizam-se alterações nas funções do temperamento e da personalidade, nomeadamente instabilidade psíquica; constatou-se dificuldade na regulação emocional e de controlo dos impulsos, especialmente face a situações de frustração; a examinada não reconhece as alterações ao nível das funções emocionais, desvalorizando as queixas da mãe e justificando-as como uma fase normativa do processo de recuperação; sinaliza-se provável quadro de anosognosia em relação à sua condição actual (incapacidade para reconhecer as dificuldades), com expectitivas irrealistas em relação ao futuro profissional. Identificação das limitações nas atividades da vida diária: (...) a examinada evidencia ser dependente para a realização de todas as actividades da vida diária, apenas assumindo tarefas simples, com esforço acrescido e demorando mais tempo, tais como lavar os dentes e o ato de comer (alimentação pastosa), desde que os alimentos sejam previamente preparados por terceiros; realiza marcha com andarilho, em superfícies planas e por pequenos percursos, predominantemente no interior do domicílio; em longas distâncias, superfícies inclinadas, irregulares e com obstáculos desloca-se em cadeiras de rodas elétrica; as deslocações de longo percurso são asseguradas pela mãe; a escrita manual encontra-se alterada, com traço irregular e escreve lentamente... Tipologia e duração da assistência de terceira pessoa necessária: tem necessidade de orientação e supervisão de terceiros para a organização e realização de todas as tarefas, bem como para a alimentação, cuidados de higiene e acompanhamento nas deslocações, pelas alterações de equilíbrio previsíveis; tem necessidade de assistência de terceira pessoa total e permanente para os cuidados básicos da vida diária (...) somos de parecer que a examinada se encontra com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (empregada de mesa e balcão) (...) Funções profissionais compatíveis com o estado funcional: A atual funcionalidade da examinada, de onde se salienta a mobilidade reduzida, a sintomatologia dolorosa constante, aliadas às outras alterações funcionais atrás descritas, e a que acresce o facto de considerarmos que o processo não se encontra estabilizado, limitam eventuais funções profissionais; pelo exposto, somos de parecer que a examinada se encontra atualmente com incapacidade para todo e qualquer trabalho, mas acrescentamos que deverá ser reavaliada após complementar processo de reabilitação. 31) Entretanto, da perícia complementar de Psiquiatria Forense, extrai-se o seguinte: ...Os elementos clínicos disponíveis permitem estabelecer nexo de causalidade entre o evento traumático e as manifestações clínicas observadas, que configura, as denominadas Perturbações Cognitivas que caracterizam o Síndrome Frontal, que afeta, de forma importante a sua autonomia pessoal, social e profissional. 32) Naquele dia 18.04.2019, após a alta hospitalar, recolheu a sua casa, onde, inicialmente, se manteve em repouso. 33) Manteve tratamentos nesta Unidade de Cuidados Continuados de Amarante para onde era transportada diariamente no veículo próprio da mãe, de 2ª a 6ª feira, não dispondo quer a demandante, quer os seus pais de meios financeiros para custear essas deslocações diárias em ambulância. 34) Foi adquirido um cadeirão pelos pais da demandante, para que alternasse entre uma cama, na altura normal – a que tinha no seu quarto antes do acidente dos autos – e esse mesmo cadeirão, e onde fazia as refeições. 35) Continuou a medicação diária que fazia aquando do internamento, o que ainda hoje mantém, assim como a sua deslocação que se faz sempre em cadeira de rodas. 36) Apesar dos tratamentos a que foi submetida e que continuará a ser submetida a demandante ficou a padecer definitivamente: – sequelas do TCE: – tetraparésia grau 4- nos membros inferiores e grau 4 nos membros superiores de componente flácido; – humor dismístico; – perturbações da fluência e disartria, mas com discurso coerente; – epilepsia secundária; – síndrome diencefálico; – hemiparesia esquerda frustre (predomínio braquial), vencendo a gravidade em todos os segmentos articulares; – pinças finas e destreza manual razoáveis, com dificuldade em escrever o nome; – necessidade de supervisão nas transferências e marcha; – cervicalgia e rigidez cervical; – sequelas de fractura dos ramos isquiopúbicos e sagrados; – dismorfias: – cicatriz da toracotomia; – cicatriz de craniotomia bifrontal (de orelha a orelha) e – pelada cicatricial na região occipital com 5 x 2,5 cms de maiores dimensões. 37) As lesões sofridas provocaram-lhe um défice funcional total de 1223 dias e um quantum doloris de grau 7 numa escala de 1 a 7. 38) E as sequelas de que ficou a padecer definitivamente determinam-lhe uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 76%, assim como são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, sendo, no entanto, compatíveis com outras profissões na área da sua preparação técnico profissional (ainda em processo de decisão quanto à continuidade do seu percurso formativo e profissional). 39) Provocam-lhe um dano estético de grau 5 numa escala de 1 a 7, 40) Uma repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 3 numa escala de 1 a 7, 41) Uma repercussão na actividade sexual de grau 4 numa escala de 1 a 7 42) e dependência das seguintes ajudas técnicas: – medicação: – analgésica em SOS; – antiepiléticos; – laxantes; - medicação psicofarmacológica e outra, que deverá ser definida pelos médicos assistentes que a seguem, consoante evolução clínica; – tratamentos de Medicina Física e de Reabilitação (fisioterapia, terapia ocupacional e terapia da fala); – necessidade de ajudas técnicas: – andarilho; – poltrona; – cadeira de rodas eléctrica com funções de posicionamento complementares, com as identificações e descrição técnica, periodicidade de substituição e custo estimado indicadas no relatório do CRPG; – adaptação do domicílio: – pavimentação do caminho exterior de acesso à habitação pela rua; – construção de rampa de acesso à habitação e adaptação da casa de banho com substituição da banheira por base de duche e retirar o armário por baixo do lavatório; – colocação de barras de apoio para sanita, cadeira de duche, cadeira de rodas de encartar; – estrado articulado para a cama actual da examinada com colchão, permitindo várias posições (deitada, sentada), com simples utilização de um comando; – ajuda de terceira pessoa: – necessidade de orientação e supervisão de terceiros para a organização e realização de todas as tarefas, bem como para a alimentação, cuidados de higiene, acompanhamento nas deslocações (pelas alterações de equilíbrio imprevisíveis) e – necessidade de assistência de terceira pessoa total e permanente para os cuidados básicos da vida diária. 43) A A. com o acidente deixou de praticar qualquer desporto e sabe que dificilmente o poderá voltar a fazer até ao fim dos seus dias, quando tinha o habito de dar umas caminhadas com o seu habitual grupo de amigas, assim como ir para a praia ou para o rio em lazer. 44) Bem como deixou de poder de frequentar um café ao fim do dia ou aos fins de semana, 45) A A. gasta em medicação a quantia mensal de cerca de €35,00, o que corresponde a €420,00 anuais. 46) Em tratamentos de fisioterapia – seja para evitar o retrocesso, seja para evitar o agravamento das sequelas – consulta de fisiatria, terapia da fala e respectivo transporte para receber aqueles tratamentos, a A. tem gasto em média, por mês, a quantia de cerca de €400,00. 47) Quanto às ajudas técnicas necessita, como acima se deixou referido de um andarilho, que tem uma duração média de 2 anos, e um custo unitário de €50,00. 48) Na poltrona a demandante gasta a quantia de cerca de €450,00,00 para a sua aquisição, tendo a mesma uma duração média de 10 anos, o que corresponde a 5 substituições e a um valor de €2.250,00. 49) No que respeita à cadeira de rodas eléctrica, que tem um custo unitário de €20.000,00 e uma duração média de 10 anos, tendo a demandante adquirido já a primeira dessas cadeiras por força da Providência Cautelar junta aos presentes autos, irá ter de proceder à sua substituição, pelo menos, por 5 vezes (até aos seus 80 anos de idade), 50) No que tange à adaptação do domicílio a demandante vai ter de proceder à pavimentação do caminho exterior de acesso à habitação pela rua, à construção de rampa de acesso à habitação e adaptação da casa de banho com substituição da banheira por base de duche e retirar o armário por baixo do lavatório, o que foi orçado, como decorre do teor do documento que se junta sob a designação de docs. nº 1 e 2, na quantia de 14.692,80€. 51) Vai, igualmente, ter de colocar umas barras de apoio à sanita, que tem um custo unitário de cerca de €75,00 e uma duração média de 10 anos, despenderá cerca €375,00 (€75,00 x 5 substituições). 52) Para a cadeira de duche, a qual tem um custo de cerca €250,00 e uma duração média de 5 anos, a demandante necessita da quantia €2.500,00 (250 € x 10 substituições). 53) E para a cadeira de rodas manual, que tem um custo unitário de €360,00 e uma duração média de 10 anos, a demandante carece da quantia de €1.800,00 para fazer face a essa despesa até aos seus 80 anos (360,00 € x 5 substituições). 54) Para o estrado articulado, que custa unitariamente a quantia de cerca de €700,00 e tem uma duração média de 10 anos, a demandante necessita da quantia de €3.500,00 (€700,00 x 5 substituições). 55) No colchão anti-escaras de que necessita para a cama articulada a demandante tem de despender a quantia de cerca de €500,00, sendo que esse Processo: artigo tem uma duração média de 5 anos, o que corresponde a 10 substituições um valor de €5.000,00. 56) Finalmente, e no que tange à necessidade de terceira pessoa, como decorre dos relatórios médicos já juntos aos autos, essa necessidade prende-se com o seguinte: – necessidade de orientação e supervisão de terceiros para a organização e realização de todas as tarefas, bem como para a alimentação, cuidados de higiene, acompanhamento nas deslocações (pelas alterações de equilíbrio imprevisíveis) e – necessidade de assistência de terceira pessoa total e permanente para os cuidados básicos da vida diária. 57) A A. gastou ainda: – a quantia de 4.165,73€ na unidade de Cuidados Continuados de Amarante(docs. 3-A a 3-X) – a quantia de 1.125,20€ na Unidade de Cuidados Continuados de Lousada (docs 4-A a 4-I); – 543,50€ em transportes para receber tratamentos (docs. 5-A a 5-I); 58) A A. nasceu em .../.../1993. 59) No âmbito de investigação levada a efeito pelos serviços de peritagem da R., os mesmos apuraram que o pré-tensor do cinto de segurança da Autora não tinha sido accionado, ao contrário do que sucedeu com o pré-tensor do cinto de segurança do condutor – Cfr. relatório de averiguações e fotografias que ora se juntam e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais sob o documento n.º 1. 60) Mais concluíram caso a Autora fizesse uso do cinto de segurança no momento do acidente, este teria que ter ficado desenrolado (tal como se evidencia da fotografia do banco e cinto de segurança do lugar do condutor do veículo que consta da página 13/43 do relatório de averiguação aqui junto sob o documento n.º 1), em consequência de o pré-tensor ficar afectado e já não exercer força no sentido da recolha do cinto, circunstância que não se verifica quando a ocupante não é portadora do cinto de segurança no momento do embate – Cfr. doc. 1 | pág. 14/43 | fotografia do banco e cinto de segurança do lugar em que circularia a Autora. Apenso C. 61) A A. CC é auxiliar de serviços gerais num lar em ..., com um rendimento mensal de 620,00 €, 14 vezes por ano. 62) Por causa do acidente da sua filha AA a demandante deixou de trabalhar para a poder acompanhar e estar com ela todos os dias, 63) Estando com baixa médica não remunerada desde o mês de Setembro de 2016, motivo por que, em salários e subsídios de férias e de Natal, já deixou de ganhar até ao fim do mês de Setembro de 2019 a quantia de €26.040,00. 64) E assim tem permanecido. 65) A filha da aqui A. tem de se deslocar 3 vezes por semana ao Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Amarante para efectuar tratamentos (fisioterapia e terapia da fala). 66) Sendo transportada e acompanhada pela aqui demandante em veículo próprio, tanto mais que com já supra se referiu desde o dia do acidente que a demandante não abandonou um único dia a sua filha AA, 67) Tendo mesmo deixado de ter vida própria para passar a viver em exclusivo para essa sua filha. 68) Com efeito, e por que estamos a falar de uma deslocação de 50 kms por dia (com ida e volta), a menos que a aqui demandante passasse a fazer quatro viagens diárias (5 vezes por semana), 69) A A. mesmo trabalhando entre as 15h00 e as 00h00 não tem quem possa acompanhar e ficar com a sua filha durante esse período, que carece de permanente apoio e assistência, que não se restringe ao acompanhamento às consultas e/ou tratamentos. 70) A A. CC é beneficiária nº ...94 do C.N.P. * 6. Motivação Jurídica** 1. Da apelação da ré Esta, põe em causa apenas, parte dos montantes fixados. Assim defende que: Na fixação do valor arbitrado à Recorrida a título de danos não patrimoniais (€ 175.000,00), pretendendo socorrer-se do critério da equidade, impunha-se ao Tribunal a quo enunciar casos análogos ao em apreço, justificando, assim, o valor arbitrado. n) Por fim, no que concerne aos danos patrimoniais emergentes, fixou-os o Tribunal a quo arbitrariamente, no que concerne ao valor de cada um dos itens e respectiva durabilidade, dado que tais parâmetros não resultaram da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento. o) No entanto, a este título, sempre existe contradição entre a factualidade dada como provada e a fundamentação da sentença recorrida, dado que os itens «barras de apoio à sanita», «cadeira de rodas manual» e «estrado articulado» (Factos 51., 53. e 54. Integrantes da factualidade dada como provada) perfazem o valor de € 6.075,00 (seis mil e setenta e cinco euros), que reduz a indemnização arbitrada a este título para o montante de € 202.517,80 (duzentos e dois mil quinhentos e dezassete euros e oitenta cêntimos). 1. Da fixação dos danos não patrimoniais Desde logo, teremos de notar que neste caso o pedido formulado engloba os danos não patrimoniais tendo a autora reservado o dano biológico apenas para os danos futuros. Isto porque a autora não efectuou pedidos distintos quanto a estas realidades alegando factos que consubstanciam ambos. Nos termos da Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, alterada pela Portaria 679/2009, de 25 de junho, o dano biológico surge logo no preâmbulo, onde se prevê que “ainda que não tenha direito à indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial, o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica”. O legislador reservou para o conceito de dano patrimonial futuro aquelas situações em que o lesado fique incapacitado para “prosseguir a sua profissão habitual ou qualquer outra”. Ora, é isso que acontece com a autora face aos factos provados. Quanto aos danos não patrimoniais, estes são aqueles que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (art. 496º nº 1 do CCivil). Destinam-se a permitir que, com essa quantia monetária, o lesado encontre compensação para a dor, a fim de restabelecer um desequilíbrio no âmbito imedível da felicidade humana, o que impõe que o seu montante deva ser proporcional à gravidade do dano, ponderando-se, para tal, nas regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e a realidade da vida, em conformidade com o preceituado no nº 3 daquele art. 496º do CCivil. Teremos ainda de considerar que a componente sancionatória da indemnização não é aplicável ao caso, pois a responsabilidade foi transferida para a ré contratualmente. Mas não podemos esquecer que a indemnização tem de ser saliente para ser efectiva e que para ser saliente tem de atingir uma quantia que proporcione à AA uma satisfação de valor subjectivo idêntico aos sofrimentos de que padeceu. Sendo que, como bem salienta a apelante, nessa tarefa o tribunal deve atender aos casos análogos para obter uma aplicação uniforme do direito (art. 8°, n° 3, do CC, “fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, sem se perder de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso concreto – não podendo, assim, o dano biológico ser indemnizado por obediência a tabelas rígidas, de forma que a uma mesma pontuação em pessoas de idade aproximada tenha de corresponder necessariamente a fixação do mesmo valor a ressarcir. (nosso sublinhado).[2] Recentemente este mesmo colectivo proferiu o Ac da RP de 10.2.22 nº Processo: 10999/18.5T8PRT (Paulo Duarte Teixeira): no qual foi decidido que: “Um lesado que sofreu internamentos de 52 dias, várias operações, dores numa escala de 6 em 7, dano estético grave (5 em 7), com cicatrizes na face, e perda de actividade sexual e um défice funcional de 22 pontos, deve ser indemnizado, pelo menos, no valor de 80 mil euros a título de danos não patrimoniais e 60 mil euros a título de dano biológico”. Ou seja, esse caso, menos grave do que o da autora mereceu uma indemnização global de 140 mil euros (sendo 80 mil de danos não patrimoniais). Em casos semelhantes a nossa jurisprudência fixou esses valores em: 1. 70 mil euros numa vitima com quantum doloris de 6 numa escala de 7, um dano estético relevante de 4 em 7 e repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de 6 em 7 pontos, tendo apenas 15 % de incapacidade de Ac do 8.12.22 STJ nº 2133/16.2T8CTB.C1.S1 (António Magalhães). 2. 350.00 euros (dano global) num caso em que um cidadão com 54 sofreu uma incapacidade de 72% ; Ac do STJ de 23.10.18, nº 904/14 (Henrique Araújo). 3. 100 mil euros, lesado submetido a 17 cirurgias com 67% incapacidade; Ac do STJ de 19.1.16 3265/08, (José Raínho) sumários STJ 4. Com uma incapacidade ligeiramente superior (80%), mas na mesma situação de dependência de terceiros, o Ac do STJ de 6.7.2017, nº344/12 (Isabel Pereira), fixou o valor de 160.000 a titulo de danos não patrimoniais e 150 mil pelo dano biológico. 5. Depois com incapacidade superior (80%), mas e numa situação de tetraparaplégico o AC do STJ de 15.11.09 nº 397/03 (Raúl Borges) fixou o montantes de 350 mil pelo dano biológico e 250 mil pelos DNP[3]. 6. E, por último o dano morte de uma criança de sete anos foi fixado em 100 mil euros (e ainda 40 mil a título de danos próprios a cada um dos pais) Ac do STJ de 11.2.21, nº 625/18.8T8AGH.L1.S1 (Abrantes Geraldes). Podemos, portanto concluir que a situação dos autos claramente se situa num valor superior a 100 mil euros, mas que deveria ser inferior a 160 mil euros. * 1.2. Dos danos concretosMas, os danos concretos é que são decisivos nessa operação, seja pela sua individualidade, seja pela sua imagem global. Desde logo, a eclosão do acidente com o susto, dor e emoção causados pelo embate (que teve lugar por projecção pela janela traseira que foi partida pelo seu corpo) é um dano indemnizável, cujo valor será de 5 mil euros. Depois, se considerarmos a quantia mínima de 25 euros[4] por cada dia de doença obtemos a quantia de aproximadamente 30 mil euros. O quantum doloris foi de 7 em 7. Logo a quantia de 30 mil euros não é desajustada e parece necessária. Diremos aliás que raramente esse valor é atingido. Em termos pessoais temos um dano estético de 5 numa escala de 1 a 7 e um dano sexual de 4 em 7. Logo, 40 mil euros são ajustados a estes dois danos. Nestes termos, a indemnização atinge já o valor global de 100.000 euros. * Mas, para além disso o seu estado de saúde é o seguinte:Possui uma incapacidade de 76%; desloca-se me cadeira de rodas “é possível que venha a adquirir autonomia total” (relatório IML); Apresenta “ Síndrome Frontal, que afectam de forma importante a sua autonomia pessoal, social e profissional”; Está parcialmente dependente de terceiro. Apresenta as seguintes lesões permanente: sequelas do TCE; – tetraparésia grau 4- nos membros inferiores e grau 4 nos membros superiores de componente flácido; – humor dismístico; – perturbações da fluência e disartria, mas com discurso coerente; – epilepsia secundária; – síndrome diencefálico; – hemiparesia esquerda frustre (predomínio braquial), vencendo a gravidade em todos os segmentos articulares; – pinças finas e destreza manual razoáveis, com dificuldade em escrever o nome; – necessidade de supervisão nas transferências e marcha; – cervicalgia e rigidez cervical; – sequelas de fractura dos ramos isquiopúbicos e sagrados; – dismorfias: – cicatriz da toracotomia; – cicatriz de craniotomia bifrontal (de orelha a orelha) e – pelada cicatricial na região occipital com 5 x 2,5 cms de maiores dimensões. Necessidade de orientação e supervisão de terceiros para a organização e realização de todas as tarefas, bem como para a alimentação, cuidados de higiene, acompanhamento nas deslocações (pelas alterações de equilíbrio imprevisíveis) e – necessidade de assistência de terceira pessoa total e permanente para os cuidados básicos da vida diária Ou seja, a lesada não se pode deslocar sem uma cadeira; não pode escrever (dificuldade em escrever o nome), não pode viver sem o auxílio de terceiro, não pode cozinhar, ir às compras, passear e trabalhar. É evidente que estes danos são graves e excepcionais, pelo que devem ser fixados numa quantia não inferior a 50 mil. Mas, por um lado o tribunal não pode deixar de atender a que a autora não está tetraplégica e, como consta dos relatórios médicos tem feito uma recuperação sensacional deslocando-se já, com auxílio, e em curtas distancias pelo seu pé, existindo ainda possibilidade de recuperar a sua mobilidade com fisioterapia. Assim o DNP deve ser fixado neste caso em 150 mil euros[5]. Parece-nos, portanto que esse valor é proporcional à grave situação que a lesada sofreu e adequada, dentro dos supra referidos critérios, pelo que improcede parcialmente o recurso interposto nesta parte[6]. 2. Da indemnização por danos patrimoniais Nesta sede a apelante põe em causa “existe contradição entre a factualidade dada como provada e a fundamentação da sentença recorrida, dado que os itens «barras de apoio à sanita», «cadeira de rodas manual» e «estrado articulado» (Factos 51., 53. e 54. Integrantes da factualidade dada como provada) perfazem o valor de €6.075,00 (seis mil e setenta e cinco euros), que reduz a indemnização arbitrada a este título para o montante de €202.517,80 (duzentos e dois mil quinhentos e dezassete euros e oitenta cêntimos)”. Vejamos Nesta matéria está demonstrado que 51) Vai, igualmente, ter de colocar umas barras de apoio à sanita, que tem um custo unitário de cerca de €75,00 e uma duração média de 10 anos, despenderá cerca €375,00 (€75,00 x 5 substituições). 52) Para a cadeira de duche, a qual tem um custo de cerca €250,00 e uma duração média de 5 anos, a demandante necessita da quantia €2.500,00 (250 € x 10 substituições). 53) E para a cadeira de rodas manual, que tem um custo unitário de €360,00 e uma duração média de 10 anos, a demandante carece da quantia de €1.800,00 para fazer face a essa despesa até aos seus 80 anos (360,00 € x 5 substituições). Ou seja, nos termos dos factos provados o primeiro dano atinge 1.875; o segundo 2500 e terceiro 1800, perfazendo 6175,00 euros Ora, a sentença fundamentou que · “ as Barras de apoio à sanita (…) será de fixar a este título a quantia €750,00 (€150,00 x 5 substituições). · Para a cadeira de duche, que tem um custo de €250,00 e uma duração média · de 5 anos, será de fixar a este título a quantia de €2.500,00 (€250,00 x 10 substituições). · E, Cadeira de rodas manual, que tem um custo unitário de €500,00 e uma duração média de 5 anos, será de fixar a este título a quantia de €5.000,00 (500,00 € x 10 substituições). Portanto os factos impõem a condenação em 6.175 euros, e a condenação global destes 3 itens foi de 8.250,00 euros. Logo, existe um excesso condenatório de 2.075,00 euros que configura um mero erro de calculo. * 3. Da indemnização dos danos patrimoniais futuros segundo a durabilidade dos bensPretende a apelante que “Por fim, no que concerne aos danos patrimoniais emergentes, fixou-os o Tribunal a quo arbitrariamente, no que concerne ao valor de cada um dos itens e respectiva durabilidade, dado que tais parâmetros não resultaram da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento”. Para que não haja dúvidas concatenando esta conclusão com as concretas alegações ficamos a saber que a mesma diz respeito ao ponto 2) das alegações “Quanto à indemnização atribuída à Recorrida a título de danos patrimoniais emergentes, no montante de €208.592,80 (duzentos e oito mil quinhentos e noventa e dois euros e oitenta cêntimos). Teremos assim de notar, que a mesma não põe em causa a decisão da primeira instância que decidiu “não ser de deduzir qualquer montante pelo facto da A. receber de uma só vez o montante, porquanto neste momento os rendimentos resultantes de aplicações financeiras são praticamente nulas”. E aplicar o mesmo critério à necessidade de terceira pessoa, pela qual se fixou, sem qualquer desconto a quantia de €604.044,00. Essas questões não foram objecto de recurso, pelo que transitaram em julgado. Quanto aos restantes danos patrimoniais futuros teremos de notar que se trata de factualidade provada que deveria ter sido objecto de recurso de facto, pois, esse juízo foi vertido para os factos provados. Acresce que nos autos não existem elementos de prova que permitam a aplicação oficiosa do art. 662º, do CPC. Na verdade, importa ter em conta que o valor actual dos bens está demonstrado por documento e em rigor a parte “arbitrária” diz respeito à equidade quanto à necessidade dos bens e a sua duração. Decorre do art. 564.º, n.º 1 CC, que «o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.» E, nos termos do art.ºs 562.º a 564.º CC, o dano, para ser ressarcível, tem de ser certo, e não apenas eventual. Mas, como esclareceu o Ac. do S.T.J. de 24.2.1999, (Miranda Gusmão), nº JSTJ00035971 [7], o dano futuro é o prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado, mas que assume a natureza de previsível. E, o dano é futuro é previsível quando se pode prognosticar, conjeturar com antecipação ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência. In casu poder-se-ia discutir se a lesada tem ou não possibilidades de recuperar (tal como tem efectuado) e se de facto num momento mais ou menos próximo vai recuperar a sua mobilidade, mas a realidade é que de acordo com o relatório médico legal e factos provados a sua incapacidade é permanente. Logo, nada de facto justifica que o seu cálculo não seja feito por apelo à esperança média de vida, já que não existe qualquer elemento factual que permita concluir com certeza em que data deixará a autora de necessitar de todos esses objectos, nomeadamente a cadeira de rodas já que recorde-se já transitou em julgado, por exemplo, a necessidade de auxílio de terceira pessoa até ao fim da vida. Basta dizer que, entre nós é pacífico que “A indemnização do dano patrimonial futuro (vg. na vertente de lucro cessante) deve, como regra, ser calculada em atenção ao tempo provável de vida da vítima, ou seja, à esperança média da sua vida, e não apenas em função da duração da sua vida profissional ativa (terminada com a entrada na reforma (Ac STJ de 14.3.23, nº 1575/18.8T8LSB.L1.S1 (ISAÍAS PÁDUA). Concluindo, estamos perante danos futuros que só devem ser indemnizados se forem previsíveis. In casu a necessidade desses objectos decorre da natureza e grau das lesões da lesada que, recorde-se sofre uma incapacidade permanente de 76%. Depois, se essa incapacidade é permanente, então a única forma de a calcular é através de outra realidade notória que é a esperança de vida. [8] 4. Da fixação do valor do dano futuro relativo às despesas de fisioterapia (recurso da autora/apelada)[9] A sentença recorrida, ao contrário dos demais prejuízos materiais futuros, concluiu neste caso que era expectável que estas só fossem necessárias durante os próximos dez anos. Fundamentado “Nesta questão de tratamento de fisioterapia considera-se que será natural e equitativo considerar que a A. realizará tratamentos desde a data do acidente durante 10 anos, para se poder minimamente restabelecer e ter alguma qualidade de vida, porquanto, tal como na alta médica, a partir de determinado número de sessões não haverá mais recuperação”. Insurge-se a autora contra esta fixação defendendo que esta deve ser aferida pela sua esperança de vida, que alega ser 55 anos. Contra-alega a ré que, pelo contrário a decisão se deve manter porque “a documentação clínica por si citada em momento algum refere que carecerá dos tratamentos ad eternum, mas antes que deverá manter o acompanhamento médico, com vista à progressiva melhoria”. Decidindo A questão prende-se com a determinação da previsibilidade do dano patrimonial futuro. Curiosamente o tribunal a quo limitou essa previsibilidade a 10 anos no caso da fisioterapia, mas ao mesmo tempo considerou uma longevidade de 80 anos para todos os danos patrimoniais futuros que também dependem da evolução do estado de saúde da autora e sua eventual melhoria. Portanto, se se entende que as despesas de fisioterapia irão cessar porque o estado de saúde da autora irá melhorar daqui a dez anos, então existe uma contradição evidente com a necessidade de, até aos 80 anos, de aquisição dos objectos que pressupõem a manutenção da incapacidade. Acresce que dos relatórios médicos nada consta sobre a natureza temporária dessa mesma fisioterapia, sendo certo que esta pode ter como objectivo a manutenção do estado de saúde e não apenas a sua melhoria. Dos factos resulta que deve ser submetida a “tratamentos de Medicina Física e de Reabilitação (fisioterapia, terapia ocupacional e terapia da fala)”; É certo que, em alguns relatórios médicos consta que existe a possibilidade de a autora recuperar a sua mobilidade, cujo estado actual já é surpreendente[10]. Mas, por um lado, é inequívoco que a autora padece de uma incapacidade permanente de 76%, e por outro que a sua esperança média de vida será 80 anos.[11] Mas, nada consta dos factos provados que permita concluir que a autora deixará de precisar desses cuidados e provou-se apenas que “Em tratamentos de fisioterapia – seja para evitar o retrocesso, seja para evitar o agravamento das sequelas – consulta de fisiatria, terapia da fala e respectivo transporte para receber aqueles tratamentos, a A. tem gasto em média, por mês, a quantia de cerca de €400,00”. Ou seja, não está provado qualquer elemento temporal futuro limitador. Note-se aliás que essa factualidade foi alegada no articulado liquidação no art. 121 precisamente por 55 anos. Acresce que no facto nº 53 consta que precisará da cadeira até aos seus 80 anos, e nos restantes consta o número de substituições. Ou seja, em rigor, quanto a este dano futuro não existe o mesmo elemento factual temporal limitador da equidade para além da esperança de vida. Logo, nessa medida o juízo de equidade depende da previsibilidade do dano que poderia ser fixado num período mais curto. Mas, não existem elementos médico legais que permitam impor, neste dano, um limite diverso dos restantes danos patrimoniais futuros, sendo que conforme decorre dos factos provados a finalidade da fisioterapia é “para evitar o retrocesso, seja para evitar o agravamento das sequelas”. Nestes termos, é procedente a conclusão da apelante no sentido de não existirem razões fundadas para se limitar a indemnização desse dano a dez anos. Diga-se, porém que também não existem razões fundadas para ampliar o seu ressarcimento a 55 anos, pois, por um lado, a autora efectuou uma liquidação do pedido, pelo que o dano só assume natureza futura desde essa data e não do acidente. Depois, a esperança de vida fixada para os restantes danos (80 anos) é adequada e suficiente por se tratar de uma expectativa próxima da esperança média de todos os portugueses sem especiais condições de morbilidade. Acresce que a mesma foi aceite pela autora no que respeita aos restantes danos patrimoniais. Consideramos, portanto, adequado fixar este dano futuro nos termos semelhantes fixados quanto aos restantes danos patrimoniais futuros. 4. Do erro de soma alegado pela apelante/autora Alega esta que existiu um erro material e/ou de cálculo, ao não incluir no computo geral e total da indemnização atribuída à recorrente, a quantia de 5.834.23€, constante do facto tido por provado sob o número 57. Com efeito, o tribunal a quo não atendeu a estes valores que se encontram provados no facto nº 57. Logo é procedente a alegação da autora pelo que essa quantia acrescerá à condenação. 5. Do cálculo do dano “Na determinação do montante da justa indemnização destinada a ressarcir danos futuros, perante a constatação da impossibilidade de averiguar o valor concreto dos danos, tem a jurisprudência recorrido ao juízo de equidade a que se reporta o art. 566.º, n.º 3, do CC, a partir dos elementos de facto apurados, conjugados com diversos critérios de cálculo de natureza instrumental (Ac do STJ de 14.3.23, Processo 4452/13.0TBVLG.P1.S1 (JORGE DIAS). Neste caso, temos que a quantia fixada em termos de danos patrimoniais futuros terá de ser fixada com respeito aos factos provados, pelos termos expostos. Mas, no mínimo o seu montante global teria de ser deduzido de um valor correspondente à rentabilização dessa quantia através da sua aplicação[12]. Porque “ponderando-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros”, importa “introduzir um desconto no valor achado, condizente ao rendimento de uma aplicação financeira sem risco, e que, necessariamente, deverá ser tida em consideração pelo tribunal que julgará equitativamente”[13] . É evidente que a sentença recorrida optou por não o fazer quanto às restantes verbas objecto de trânsito, facto que não faz parte do objecto deste recurso. Mas quanto aos restantes danos patrimoniais futuros isso não acontece. Quanto aos danos futuros relativos às ajudas e fisioterapia obtemos um valor mensal de 602, 33 euros/mensais, ou 7228 euros anuais.[14] Usando o calculo simples da decisão obteríamos um valor global de 361.400,00 euros. (7228x50 anos)[15]. 5.1. Da taxa de juro Parece pacífico que se deve subtrair o benefício respeitante ao recebimento antecipado de capital, de efetuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital e a taxa de juro que a Autora capitalizará sobre os montantes a receber, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. Nessa medida, a opção do tribunal a quo de aplicar uma taxa de 0% não pode ser acolhida. Curiosamente a sentença aplicou uma taxa de 20% relativa à inflacção futura quando esta é bem mais desconhecida do que a taxa de juro. Desde logo, porque a opção por essa forma de rentabilidade (depósitos) é redutora, já que existem outros instrumentos de fácil acesso, com maior garantia de capital e maior rentabilidade como as obrigações do tesouro ou os certificados de aforro. O que é essencial é que o valor da indemnização atinja um capital apto a gerar esse rendimento tendo em conta a taxa de juro previsível e a taxa de inflação. Mas, em tempos conjunturais de elevada volatilidade é sempre difícil optar por uma taxa de juro concreta, mais a mais quando se trata de um período de tempo excepcionalmente elevado (50 anos). O Ac. do STJ de 19/4/2018, processo n.º 196/11.6TCGMR.G2.S1, (ANTÓNIO PIÇARRA), optou pela “ elevação do capital necessário para garantir o mesmo nível de rendimento face à baixas taxas de juro”. Mas, a realidade mudou radicalmente (já tinha aliás mudado quando a sentença foi elaborada), pois, os juros de curto prazo atingem hoje o seu valor médio histórico de 4%. Por outro lado, se a indemnização de danos futuros visa indemnizar rendimentos de 20/40/50 anos se poderá atender a uma situação conjuntural de fixação dos juros, mas ter em conta ou as obrigações de tesouro de longo prazo ou a taxa de juros histórica que, curiosamente desde o império romano se situa em 4%[16]. Nessa medida o Ac da RP de 23.9.21, nº 654/19.4T8PVZ.P1 (Paulo Duarte Teixeira)[17] considerou que “A taxa de juros actual situa-se num valor negativo, o qual se deve à crise e intervenção bancária que se supõe ser conjuntural e não estrutural. Mas as taxas de juro das obrigações do Estado Português a 10 anos têm variado entre 10,5% ano (pico crise 2012) e 0,04% (2020) apresentando desde 1999 até à data um valor médio de 4,4% ano. Na mesma medida a taxa de inflação recente tem variado entre 0% ano (2020) a 3,7% ano (2011). Utilizaremos esses indicadores em 3% e 1% respectivamente, por corresponderem à mediana dos últimos dez anos.” Estes valores apesar de anteriores ao galopante aumento das taxas de juros mantém-se operativos. Utilizando uma calculadora financeira[18] vemos que para uma taxa de juro de 4%, uma inflacção média anual de 1%, o capital de 200 mil euros permitiria o levantamento da quantia mensal de 603 euros durante 705 meses. O mesmo capital com um juro médio de 3% e uma inflacção de 1% terminaria ao fim de 482 meses e por isso necessitaria de um capital de 230 mil euros. E o mesmo capital com uma taxa de 3,5% deduzida de 1% inflacção terminaria em 562 meses e por isso necessitaria de 210.000 euros[19]. Note-se aliás que a finalidade dessa quantia não é que produza um rendimento suficiente para suportar as despesas de aquisição desses produtos mas sim que, esse capital, assegurando isso se esgota daqui a 50 anos, pois, os sucessores da lesada não vão suportaras as mesmas. Deste modo e sempre com o devido respeito parece que a jurisprudência mais recente nesta matéria[20] terá de ser actualizada face à realidade actual que, aliás, é a estrutural. Deste modo podemos concluir que a quantia de 210 mil euros é suficiente para produzir uma renda mensal que assegura o levantamento das despesas e a permanência do capital durante mais de 600 meses. * ** II Das restantes questões do recurso da Autora 1. Da dedução ou não do valor da cadeira de rodas Esta foi entregue à autora no âmbito do procedimento cautelar após transação. No artigo primeiro, do seu requerimento corrigido, apresentado no apenso A) a autora alegou “Com efeito, e não obstante no douto despacho de que foi notificada a requerente se referir que poderá peticionar-se, ao abrigo da presente Providência Cautelar, o pagamento de uma prestação mensal correspondente ao aluguer de uma cadeira de rodas, o certo é que, ainda que essa situação pudesse em tese ocorrer, a cadeira de rodas que tem de ser adquirida pela requerente tem de ser construída ou costumizada para as suas necessidades, não existindo no mercado cadeiras de rodas apropriadas para alugar”. E terminou pedindo “Pede-se a condenação da requerida a pagar à requerente a título de liquidação provisória, a imputar na liquidação definitiva do seu dano, uma prestação mensal da seguinte forma (…)”. Foi apresentada a transacção (em 17.5.2018), relativa à aquisição da cadeira, cuja cláusula 3 tinha o seguinte teor “O presente acordo produz efeitos apenas no âmbito desta providência cautelar, deste não se podendo extrair a confissão de quaisquer factos, ou a aceitação, por parte da Ré, da responsabilidade pela verificação do sinistro subjacente aos presentes autos”. A qual foi homologada nos seus exactos termos pela sentença de 25.5.2018. Decidindo As acções cautelares, por destinadas a prevenir a violação de um direito, foram, inicialmente, consideradas “actos preventivos ou preparatórios para algumas causas” (artigos 363º ss CPC 1876). Só após o Código de 1939 estes meios passaram a designar-se de procedimentos cautelares [21]. No essencial são medidas destinadas “a garantir quem invoca a titularidade de um direito contra uma ameaça ou um risco que sobre ele paira, e que é tão iminente que o seu acautelamento não pode aguardar a decisão de um moroso processo declarativo ou a efectivação de um interesse juridicamente relevante através de um processo executivo, se for caso instaurá-lo.” [22] Ora, no caso concreto, pretende basicamente a apelante que os efeitos da transacção homologada na providência cautelar produzam efeitos definitivos Uma das características principais dos procedimentos é a sua instrumentalidade. Esta consiste na sua dependência de acção a intentar ou já pendente. Salienta Rita Lynce Faria[23] que a instrumentalidade que caracteriza as providências cautelares é dupla ou hipotética, pois para além da instrumentalidade geral que condiciona todo o processo civil face aos direitos substanciais, no caso dos procedimentos estes existem, são concedidos, delineados e decretados tendo em vista, em regra e fundamentalmente para acautelar os riscos de demora da acção pressupondo que esta venha a ser decidida e seja julgada favoravelmente ao requerente do procedimento. Ou seja, com base apenas neste principio, a transacção realizada no procedimento terá efeitos apenas no mesmo, impondo-se que a parte pedi-se e obtesse a indemnização da cadeira cujo, num pedido autónomo a acrescer ao que foi realizado. Em segundo lugar a mesma conclusão seria atingida pelo principio da autonomia. As providências cautelares fornecem uma composição provisória que resulta quer da circunstância de corresponderem a uma tutela que é qualitativamente distinta daquela que é obtida na acção principal de que são dependentes, quer da sua necessária substituição pela tutela que vier a ser definida nessa acção. Esta diferença qualitativa entre a composição provisória e a tutela atribuída pela acção principal decorre dos seus pressupostos específicos[24]. Isto decorre claramente do art. 364º, do CPC cujo nº 4 dispõe “Nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da ação principal”. Por fim, teremos de ter em conta que podem existir situações em que a o grau de instrumentalidade do procedimento é atenuado, de tal modo que os seus efeitos podem até substituir a acção principal (art. 369º, do CPC), ou produzir os efeitos desta.[25] Mas no caso presente face ao teor da cláusula 3 da transação é evidente, até por apelo à regras da intrepretaçaõ dos negócios jurídicos que esta só pode ter o âmbito limitado “ao procedimento”. Porque as partes claramente expressaram a sua vontade dizendo que “O presente acordo produz efeitos apenas no âmbito desta providência cautelar2. Logo, é bem de ver que o apelante não tem razão nesta parte da sua apelação sendo, pois, de manter integralmente a decisão recorrida. * III. Conclusão Face ao exposto o montante indemnizatório apreciado por este recurso atinge o seguinte valor
* ** 8. Deliberação Pelo exposto, este colectivo julga ambas as apelações parcialmente procedentes por provadas e por via disso, fixa o valor da indemnização no valor global devida à autora apelante em um milhão, quatrocentos e setenta e oito mil, quatrocentos e vinte e sete cêntimos (1.478.420, 27 euros), acrescidos de juros nos termos já decididos, sobre os respetivos montantes. * Custas das apelações a cargo de ambas as partes, na proporção do seu respectivo decaimento.** * ** Porto em 15.6.23 Paulo Duarte Teixeira Ana Vieira Isabel Ferreira _____________________ [1] Facto confirmado, além de mais pela testemunha da ré Sra.FF oficiosamente ouvida que confirma estes danos e que não existiam danos na parte frontal interior da viatura e vidro dianteiro. [2] Ac do STJ de 21.4.22, nº 96/18.9T8PVZ.P1.S1 (Fernando Baptista) [3] Para se demonstrar à apelante a rápida atualização dos valores indemnizatórios basta confrontar este aresto com o Ac do STJ de 16.3.2011, in CJ, ACSTJ, nº 1879/03 (Roque Gameiro) que numa situação mais grave (tetraplagia) com incapacidade de 90% tinha fixado esses valores em 350 mil (dano biológico) e 120 mil DNP. [4] Que perfaz 750 euros mensais, quantia próxima do actual smn, e da concreta remuneração auferida pela ré na data. [5] Valor esse que corresponde ao valor do pedido concreto formulado pela autora no art. 60 da p.i., o qual foi aumentado para 200 mil aquando da liquidação. [6] Teremos de notar que o tribunal não pode alterar os valores que transitaram em julgado relativos aos danos patrimoniais e necessidade de terceira pessoa no valor global de cerca de 1.100.000 euros. Mas não pode deixar de atender no âmbito da indemnização total, que pelo simples facto de não se efectuar um desconto financeiro pelo recebimento imediato de toda a quantia a autora ficou a beneficiar de uma relevante quantia monetária. [7] E Ac da RL de 21.11.2022, nº 10905/19.0T8SNT.L1-7 (José Capacete). [8] É certo que poderia a apelante ter alegado e provado que face às concretas lesões a esperança de vida é neste caso inferior à média estatística, mas não o fez. [9] Por coerência lógica este é o local próprio para análise desta questão apesar fazer parte do recurso da autora. [10] Consta dos factos ”Contra todos os prognósticos iniciais, é possível que venha a readquirir autonomia total para as AVD2 básicas”. [11] Facto notório, sem atender à morbilidade subjectiva da autora que é desconhecida. [12] Nestes termos a nossa jurisprudência tem oscilado na aplicação de uma redução entre os 10% e os 33% (cfr. acórdãos do STJ de 25/11/2009, proc. nº. 397/03.0GEBNV e da RC de 15/02/2011, proc. nº. 291/07.6TBLRA.. [13] Ac. do STJ de 19/9/2019, processo n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1, ( MARIA DO ROSÁRIO MORGADO) e STJ de 11.10.22, 1822/18.1T8PRT.P1.S1 (Ricardo Costa), [14] 400 euros mensais a título de fisioterapia e o montante total de 121400 a título de ajudas dividido por 50 anos/600 meses. [15] que através da dedução de 30% atingiria, por exemplo, cerca de 250 mil euros. [16] Podem hoje transacionar-se obrigações do estado português com vários vencimento incluindo 2052 (12.4.52) (ou seja cerca de 30 anos) a um yeld bruto de 3,65%. [17] Mesmo relator. [18] https://www.fidelitybank.com/resources/knowledge-center/calculator-how-long-will-my-retirement-savings-last/?STARTBALANCE=264000&WITHDRAWALAMOUNT=750&ROI=3.000+&WITHDRAWALPERIOD=6&SHOWAMORTIZATIONSCHEDULE=on&COMPUTE=COMPUTE&CALCULATORID=RC07&TEMPLATE_ID=www.fidelitybank.com_4&PostBack=true. De notar que face ao prazo (50 anos) estas são escassas e foi usada de forma flexível descontando a inflacção á taxa de juros e não atribuindo efeito, à divisa, nesta matéria indiferente. De notar apenas que essa entidade é um dos maiores gestores mundiais em termos de activos sob gestão. [19] Trata-se de meros exemplos para basilar o funcionamento da equidade entre esses valores. [20] Por exemplo Ac do STJ de 11.10.22, nº 1822/18.1T8PRT.P1.S1 (Ricardo Costa) é excessivo imputar um “desconto” de 25% ao valor obtido (na aplicação da fórmula matemática escolhida) para ressarcimento do dano biológico para compensar a percepção imediata do montante indemnizatório que se receberia ao longo do tempo, tendo em conta a baixíssima (ou quase nula) rentabilidade do investimento em depósitos bancários e outros produtos financeiros e a existência de inflação (aparentemente) crescente e preclusiva de um cálculo relativo ao ganho remuneratório de uma aplicação financeira equivalente. [21] Prof. Alberto dos Reis, “A figura do Processo Cautelar”, BMJ 3-27 e “Natureza Jurídica dos Processos Preventivos e Conservatórios e seu sistema no CPC”, ROA, 1945, nºs 3 e 4 – 14 segs [22] Prof. Adelino da Palma Carlos, in “Procedimentos Cautelares Antecipadores”, “O Direito”, 105, 236. [23] A Função Instrumental da Tutela Cautelar não especificada, pág. 35. [24] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 227. [25] Foi o caso analisado pelo Ac da RP de 7.12.2016, nº JTRP00039861 (Deolinda Varão): “A transacção efectuada nos autos de arresto, englobando o objecto da acção principal, pelo que, após ter sido homologada por sentença transitada em julgado, tudo se passa como se tivesse havido uma procedência parcial da acção principal, ficando os requeridos obrigados a pagar aos requerentes parte da quantia peticionada, em prestações”. [26] No qual se incluiu o facto 45) que não foi objecto de recurso. |