Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1420/15.1T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
NULIDADE
EFEITOS DA NULIDADE
Nº do Documento: RP202104261420/15.1T8PVZ.P1
Data do Acordão: 04/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Por efeito da nulidade do contrato de empreitada, com fundamento em vício de forma, cada uma das partes é obrigada a restituir aquilo que recebeu, o que significa que não sendo possível restituir a obra executada deve restituir o valor correspondente que será em princípio o valor convencionado no contrato, por corresponder ao preço acordado e devido como contrapartida pela sua realização.
II - Recai sobre o dono da obra, que suscitou a exceção de nulidade do contrato, o ónus da prova que o valor da obra executada era inferior ao valor já pago e nada se provando nesse sentido opera-se uma compensação de onde resulta que nada tem a receber do empreiteiro (art. 342º/1/2 CC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Empreitada-RMF-1420/15.1T8PVZ.P1
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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum em que figuram como:
- AUTORA: B…, Unipessoal Ldª, com sede na Rua …, nº…, ….-… …, Póvoa de Varzim; e
- RÉ: C…, Ldª, com sede na Rua …, N° …, ., Póvoa de Varzim,
pede a autora a condenação da Ré no pagamento da quantia de 34.695,15 euros, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.
Para tanto alega que celebrou com a R. um contrato de empreitada para conclusão de uma obra, obrigando-se esta a pagar-lhe a quantia de 162.790,50 euros, com IVA incluído.
Alega ainda ter realizado trabalhos extra na obra pelo valor de 4.741,65 euros, com IVA incluído.
Foram efetuados vários pagamentos ao longo da execução da obra, sendo que o último cheque entregue pela R. veio a ser devolvido com indicação de “fora de prazo”, estando o valor desse cheque, de 5.658,80 euros, a ser reclamado em processo executivo.
Mais alega ter interpelado a R. para receber a obra, o que foi aceite, agendando-se data para o efeito, o que aconteceu em 05/06/2015, tendo-se a A. disponibilizado a reparar tudo o que resultasse da má execução do seu trabalho.
Decorridos mais de 3 meses, nada tendo sido dito pela R., a A. considerou a obra aceite e interpelou a R. para o pagamento do preço remanescente.
A R. recusou-se a pagar invocando diversas desconformidades.
Tendo a R. entregue o valor de 132.883,00 euros (aqui incluindo o valor do cheque, cujo pagamento está a ser reclamado no processo executivo), está em falta o valor de 34.659,15 euros.
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Citada a Ré contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Alegou, em síntese, que:
1 - o contrato invocado é nulo, pois que não revestiu a forma escrita;
2 - a assinatura constante do orçamento junto aos autos é falsa, não sendo do legal representante da R. nem da pessoa a quem é imputada;
3 - o preço acordado foi de 140.000,00 euros, com IVA incluído, sendo o dono da obra um consumidor;
4 - a exceção de não cumprimento do contrato porque:
a) a A. ainda não emitiu fatura pelos trabalhos que realizou e valores recebidos;
b) a obra tinha de ser terminada pela A. nos termos previstos no projeto existente na Câmara Municipal e caderno de encargos tal como estabelecido com a primeira empresa que iniciou a obra;
c) a obra foi recusada pela legal representante da R, pois que continha vários defeitos que não foram eliminados;
d) o preço da obra fica pago na totalidade com o pagamento do cheque dado à execução.
Alegou, ainda, que o material de iluminação foi fornecido pela ré e levantado por funcionários da autora na casa dos pais da legal representante da ré, mas não foi aplicado na obra.
Refere, por fim, que a reparação e eliminação dos defeitos pressupõe a realização de obras, cujo valor total ascende ao montante de 82 000,00.
A R. deduziu ainda pedido reconvencional, formulando o seguinte pedido:
a) declaração da nulidade do contrato de empreitada invocado pela Autora na sua petição inicial, sendo em consequência esta condenada a restituir à Ré o preço já recebido, nesta data no valor de €134.303,20 (cento e trinta e quatro mil trezentos e três euros e vinte cêntimos) e o que porventura venha a receber, acrescido dos juros legais desde a notificação desta reconvenção até efetivo e integral pagamento, tudo com as demais consequências legais;
b) condenação da Autora a pagar à Ré a quantia de €28.821,60 (vinte e oito mil oitocentos e vinte e um euros e sessenta cêntimos), correspondente ao valor das luminárias que lhe foram entregues pela Ré e que aquela não colocou em obra, acrescido dos juros legais desde a notificação desta reconvenção até efetivo e integral pagamento, tudo com as demais consequências legais;
c) caso não proceda o pedido da anterior alínea a), a condenação da Autora a reparar no prédio da Ré as anomalias melhor discriminadas no artigo 115º desta reconvenção e documento n.º 64, junto com a petição inicial;
d) a condenação da Autora a pagar à Ré a quantia de € 500,00 diários, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso até à completa reparação da obra.
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Na Réplica a A. impugnou a matéria da reconvenção e excecionou o abuso de direito da R. ao arguir a nulidade do contrato de empreitada por vício de forma, sendo certo que não pode haver aqui restituição de tudo o quanto foi prestado, pois que a obra foi realizada e, assim, a R. não pode restituir à A. aquilo que esta lhe prestou.
Quanto ao mais, impugna os factos alegados quanto ao material de iluminação desaparecido e, bem assim, os factos relativos aos defeitos, pugnando pela sua irresponsabilidade ainda que os mesmos existam.
Procedeu à ampliação do pedido formulado, para a hipótese de se vir a considerar nulo o contrato de empreitada celebrado.
Requereu ainda a condenação da R. como litigante de má-fé por invocar a nulidade do contrato de empreitada que bem sabe ter sido celebrado, invocando defeitos e desconformidades em relação a obras que não foram realizadas por si ou que não lhe foram solicitados, invocando a falsidade da assinatura em documento que sabe não ser falsa.
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Em articulado superveniente veio a ré ampliar o pedido, no sentido da condenação da A. a eliminar ainda os defeitos por si alegados nesse requerimento, relacionados com a inundação da garagem, bem como em quantia despendida para a sua reparação urgente.
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A A. respondeu contestando a tempestividade do articulado.
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Foi produzida prova sobre a tempestividade do articulado e, produzida esta, foi proferido despacho que:
- admitiu a ampliação do pedido da Autora, no sentido por esta peticionado na réplica.
- admitiu o articulado superveniente e o novo pedido formulado, com exceção da matéria alegada no art. 23º, alínea g), do requerimento de ampliação.
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Realizou-se audiência prévia.
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Proferiu-se despacho saneador que fixou o objeto do litígio e os temas da prova.
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A audiência foi realizada com observância das formalidades legais.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Pelo exposto, o Tribunal julga a ação e a reconvenção parcialmente procedentes e, em conformidade, declara a nulidade do contrato de empreitada que vinculava a A. B…, Unipessoal Ldª e C…, SA, considerando já concretizada a obrigação de restituição que era da responsabilidade de cada uma das partes.
Custas da ação e da reconvenção por cada uma das partes, fixando-se o decaimento da A. em 34.659,15 euros e o da R. no valor restante - art. 527º do C. P. Civil”.
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A ré veio interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:
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Termina por pedir o provimento do recurso e consequente revogação da decisão recorrida, considerando-se a reconvenção da Autora provada por procedente, condenando-se a Autora nos termos referidos nas conclusões acima expendidas.
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Não foi apresentada resposta ao recurso.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- reapreciação da decisão de facto;
- liquidação da obrigação de restituição; e
- se alterada a decisão de facto, assiste à ré o direito a ser reembolsada do valor corresponde ao material elétrico que não foi aplicado na obra e pertencia em propriedade à ré.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância[2]:
1. A A. dedica-se à construção e reabilitação de edifícios.
2. No âmbito da sua atividade, por acordo verbal entre a A. e D…, a primeira obrigou-se a efetuar uma obra com vista à conclusão da construção de uma moradia unifamiliar, pertencente ao referido D…, e para sua habitação, sita na Rua …, nº…, …, Póvoa de Varzim, mediante o pagamento de quantia não concretamente apurada mas não inferior a 140.000,00 euros, incluindo IVA.
3. O imóvel foi vendido pelo referido D… à R. em 29/08/2013, assumindo a R. a posição que, naquele acordo com a A., detinha o referido D….
4. Aquando da entrada da A. em obra, a referida moradia encontrava-se já fechada, estando terminados os trabalhos de pedreiro, tinha gesso cartonado colocado nas paredes interiores e tetos, algumas paredes e tetos interiores estavam pintados, as portas interiores e janelas estavam colocadas, revestimento cerâmico colocado nas casas de banho, roupeiros e diversos armários construídos e colocados em várias divisões, instalação elétrica pronta, apresentando alguns sinais de infiltrações, humidades e corrosão.
5. A A. realizou trabalhos na referida moradia, tendo a sua execução sido acompanhada pelo referido D… e, posteriormente, também pela legal representante da R..
6. Todos os trabalhos realizados tiveram a anuência do referido D… e, posteriormente da legal representante da R..
7. Enquanto os trabalhos foram sendo prestados, a R., como acordado entre as partes, foi fazendo vários pagamentos por conta do preço final, através de tranches em numerário e em cheque.
8. O último cheque entregue à A. pela R., no valor de 5.658,80 euros, datado de 20/12/2014, foi apresentado a pagamento pela A. em 03/07/2015 e veio devolvido com indicação de “cheque rev - fora de prazo”.
9. Encontra-se pendente a ação executiva com o nº17952/15.9T8PRT intentada pela A. contra a R. para cobrança coerciva desse montante.
10. Por carta datada de 11 de maio de 2015, a A. interpelou o referido D… para que designasse uma data para a entrega formal da obra, considerando-a como concluída e para proceder ao pagamento do preço em falta, indicando que o mesmo seria de 34.649,15 euros, nos termos que constam de fls. 104 e cujo teor aqui se considera reproduzido.
11. A R. respondeu a esta carta por carta datada de 25 de maio de 2015, negando que os valores acordados fossem aqueles que foram indicados pela A., sugerindo como data para a entrega da obra o dia 04/06, mostrando disponibilidade para a receber, mencionando todas as existências e faltas na obra, como resulta de fls. 107, cujo teor aqui se considera reproduzido.
12. No dia 05/06, acompanhou esta deslocação à obra, realizada pela A. e pela R., o Engenheiro E….
13. Nessa deslocação, o Engenheiro E… identificou alguns trabalhos que necessitavam de ser reparados, assumindo então a A. a responsabilidade pela sua reparação.
14. A A. chegou a efetuar algumas reparações na obra.
15. Ficou acordado que o Engenheiro referido faria um relatório a identificar todos os problemas da obra.
16. Tal Engenheiro elaborou o relatório que consta de fls. 111, cujo teor aqui se considera reproduzido e que está datado de 31/08/2015.
17. Por carta datada de 22/09/2015, a A. comunicou à R. que considerava a obra aceite pela R..
18. Por carta de 30/09/2015, remetida em 01/10/2015, e em resposta a anterior carta da A. a considerar a obra como aceite, a R. comunicou à A. que a obra tinha os defeitos que elenca nessa carta, nos termos que constam de fls. 109 cujo teor se considera reproduzido, remetendo o relatório referido e datado de 31/08/2015.
19. A R. entregou já à A., pelo menos, a quantia de 127.224,20 euros a título de preço da obra, não considerando naquele valor o aposto no cheque de 5.658,80 euros.
20. À data da propositura da ação, a A. não tinha ainda emitido qualquer fatura.
21. A R. admitiu nos autos de execução que existia entre as partes um contrato de empreitada.
22. No projeto inicial para aquela obra, entregue à empresa que iniciou a construção, estava previsto que fossem realizadas os seguintes acabamentos, que não foram realizados pela A.:
- acabamento no piso da cave com pintura autonivelante e antiderrapante epóxi;
- os tetos da cave fossem estucados;
- as paredes da cave fossem estanhadas;
- fosse colocado um rodapé em alumínio na cave;
- fossem colocados estores elétricos interiores e exteriores, bem como o equipamento para manobra daqueles;
- fossem colocados rolos elétricos com tela de proteção solar, com comando via rádio, nas suites norte e sul do 1º andar;
- fosse colocado rolo elétrico com tela de proteção solar, com comando via rádio na porta central do R/C das traseiras da moradia;
- fosse colocado rolos de tela na claraboia e nos vãos fixos;
- fosse colocada uma portada em madeira na porta da sala;
- fosse colocado rolo elétrico com tela de proteção solar com comando via rádio na porta central do R/C das traseiras da moradia;
- fosse colocado um estore de alumínio no vão da copa da cozinha;
- fossem colocadas portadas em pinho nórdico em todos os vãos do R/C, nomeadamente na sala, na cozinha e lavandaria;
- aplicação de uma estrutura de proteção visual à piscina em ripado de madeira;
- aplicação de estrados em mais locais do que aqueles em que foram aplicados;
- a fachada poente do anexo não tem forra de madeira;
- no jardim falta o enchimento com terra preta para a cota final e aplicação de luminárias exteriores;
- não foram aplicadas as portas previstas para o armário da cave;
- falta a tampa de pvc na parede e a tampa do regulador de temperatura na parede do fogão de sala;
- falta uma câmara de filmar na parede poente da moradia.
23. A A. executou de forma deficiente os seguintes trabalhos:
- os estrados aplicados no exterior da moradia estão mal aplicados, tendo sido pregados (e não fixados de modo oculto), as tábuas estão desalinhadas e o material está empenado e apresenta nós;
- existem discrepâncias nas dimensões das madeiras das paredes exteriores e alguns desalinhamentos;
- as guardas estavam previstas pelo interior da caixilharia e foram colocadas pelo exterior, não tendo o desenho que estava previsto no projeto apresentado da Câmara Municipal …;
- as luminárias embutidas estão aplicadas sem um alinhamento lógico;
- o pavimento de madeira nas zonas comuns e quartos do piso 1 apresenta pequenas deficiências no topo das escadas, com abertura de juntas entre réguas;
- as portas e aros necessitam de afinação;
- os rodapés apresentam pequenas anomalias provocadas pela aplicação de revestimento nas paredes;
- verificam-se pequenas fissuras entre diferentes elementos como ombreiras e pisos;
- existem pontualmente guarnições nas quais não se acautelou a planimetria entre elementos adjacentes;
- a porta do WC da suite do 1º andar necessita de ser afinada;
- verificam-se infiltrações no teto da cave e nos vitrais fixos.
24. Para realizar estas reparações será necessária a quantia de cerca de 10.000,00 euros.
25. Foram realizados pela A. trabalhos em desconformidade com o que estava previsto no referido projeto entregue à empresa que iniciou a construção, nomeadamente:
- os estrados aplicados não cumprem com o material previsto no projeto nem com as suas dimensões;
- a forra das paredes exteriores, em madeira, não cumpre com o caderno de encargos e com o projeto;
- o acabamento geral de paredes encontra-se alterado em diversos locais, tendo trocado a aplicação de papel por lacagens e pinturas;
- os roupeiros não cumprem as características do projeto;
- a porta do WC da suite do 1º andar não cumpre com o caderno de encargos;
- as carpintarias deviam estar lacadas e foram esmaltadas;
- aplicação de cantoneiras de pvc branco em diversos locais da suite;
- as luminárias aplicadas na obra não são da marca FONTANA ou DAVIDE GROPPI.
26. A R. possuía material de iluminação que destinava a esta obra numa garagem sita na Rua …, nº…, da Póvoa de Varzim.
27. Tal material foi adquirido pelo valor de 28.821,60 euros.
28. Já depois de proposta a ação, verificou-se no imóvel uma inundação, tendo a água alcançado 0,50 m de altura no interior da cave.
29. As bombas colocadas no local pela A. para drenagem da água encontravam-se avariadas.
30. Não existia no local qualquer sistema de proteção à drenagem das águas.
31. A água em causa causou estragos nas paredes e portas da cave, bem como nos móveis existentes no hall e na casa de banho dessa divisão.
32. Toda a instalação elétrica está executada de modo a ser alimentada por corrente trifásica ou monofásica, dependendo apenas do contrato que foi efetuado com a entidade fornecedora da energia elétrica.
33. A R. substituiu as bombas bem como a sua ligação elétrica, despendendo a quantia de 1.366,00 euros.
34. São visíveis emendas de fios elétricos, com acessórios normalizados na área elétrica, situação que não está desconforme às boas práticas da especialidade em causa.
35. No exterior da habitação existem cabos elétricos instalados em caixas subterrâneas de outro tipo de canalizações, como aquecimento, águas sanitárias e telecomunicações, situação que não está desconforme às boas práticas da especialidade em causa.
36. No que respeita ao aquecimento do piso radiante, o coletor de quatro circuitos existente no rés do chão é suficiente para o aquecimento da área desse piso.
37. Existe apenas um controlador, na cozinha, para gerir o aquecimento da habitação.
38. Não é possível a gestão das temperaturas do piso radiante em cada divisão da moradia.
39. Os radiadores da cave estão associados a um dos circuitos hidráulicos do piso radiante.
40. Deveriam ter circuitos independentes.
41. Não existe ligação da caldeira a gás ao depósito das águas quentes sanitárias.
42. Nos dias em que o sol for insuficiente para aquecer a água através dos painéis térmicos solares a existência de água quente nas torneiras da casa depende de apoio elétrico.
43. Quando a A. entrou em obra, as instalações elétrica e de canalização já tinham sido colocadas na obra pela empresa que inicialmente foi contratada para a realizar.
44. A instalação elétrica visada então pelo dono de obra era relativa a um sistema de Domótica e que este abandonou, por ser demasiado dispendioso, quando solicitou a conclusão da obra à A..
45. Foram efetuadas emendas aos fios existentes pois que estes haviam sido cortados.
46. No âmbito do processo executivo referido, a R. apresentou a contestação por embargos que consta de fls. 264 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
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Não se provaram os demais factos alegados, nomeadamente que:
a) qual seria o concreto objeto da obra a realizar pela A.;
b) qual o concreto preço acordado para a realização da obra;
c) a existência de um acordo para a realização de trabalhos extra;
d) qual o preço / custo dos trabalhos extra realizados;
e) que a assinatura do orçamento constante dos autos a fls. 7 e sgs. tivesse sido realizada por D…;
f) estivesse acordado entre as partes que a A. faria os trabalhos elencados em 22;
g)estivesse acordado entre as partes que a obra seria realizada de acordo com o projeto de arquitetura entregue à empresa que iniciou a obra;
h) as partes tivessem acordado que seria feito um levantamento dos defeitos numa semana
i) quaisquer dos restante defeitos alegados pela R..
j) tivesse sido entregue à A. outros materiais de iluminação que não fossem os que esta disponibilizou para colocação em obra.
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3. O direito
- Reapreciação da decisão de facto -
Nas conclusões de recurso, sob as alíneas A) a J), suscita a apelante a reapreciação da decisão da matéria de facto.
O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O presente regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova[3].
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso - , motivar o seu recurso - fundamentação – com indicação dos meios de prova a reapreciar e quando envolve a reapreciação de prova gravada, indicar por transcrição as passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e a apelante veio impugnar a decisão da matéria de facto, indicando os concretos factos e prova a reapreciar, bem como, a decisão que sugere.
Nos termos do art. 640º/1/2 do CPC consideram-se reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.
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Nos termos do art. 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, de acordo especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[4].
Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[5].
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º CC e art. 607º/5, 1ª parte CPC.
Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “ […] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[6].
Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art. 607º/4 CPC).
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria da base instrutória que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[7].
Contudo, nesta apreciação, não pode o Tribunal da Relação ignorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que, em princípio, no sistema da gravação sonora dos meios probatórios oralmente prestados, não podem ser importados para a gravação, como sejam aqueles elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o pro­cesso exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, atos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador[8].
Por outro lado, porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[9].
Atenta a posição expressa na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pelas partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido[10].
Justifica-se, assim, proceder a uma análise crítica das provas com audição dos registos gravados.
Ponderando estes aspetos cumpre reapreciar a prova - testemunhal, documental e pericial -, face aos argumentos apresentados pela apelante, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto.
Procedeu-se à audição da prova através do sistemas Citius e analisados os depoimentos prestados, bem como, os documentos, exames periciais juntos aos autos justifica-se, em parte, alterar a decisão de facto, pelos motivos que se passam a expor.
A impugnação da decisão da matéria de facto versa sobre os seguintes factos.
- Provados-
5. A A. realizou trabalhos na referida moradia, tendo a sua execução sido acompanhada pelo referido D… e, posteriormente, também pela legal representante da R..
6. Todos os trabalhos realizados tiveram a anuência do referido D… e, posteriormente da legal representante da R..
17. Por carta datada de 22/09/2015, a A. comunicou à R. que considerava a obra aceite pela R..
- Não provados -
a) qual seria o concreto objeto da obra a realizar pela A.;
f) estivesse acordado entre as partes que a A. faria os trabalhos elencados em 22;
g)estivesse acordado entre as partes que a obra seria realizada de acordo com o projeto de arquitetura entregue à empresa que iniciou a obra;
j) tivesse sido entregue à A. outros materiais de iluminação que não fossem os que esta disponibilizou para colocação em obra.
Na fundamentação da decisão de facto ponderou-se:
O Tribunal considerou o conjunto da prova produzida para afirmação dos factos provados e não provados, salientando-se que a prova produzida foi muito pobre no que se reporta ao que foi acordado para execução desta obra, no seu momento inicial, sabendo-se que estava em causa a continuação de uma obra que tinha ficado parada, por alguns anos, após a falência do construtor inicial.
O Tribunal ouviu como testemunhas:
- F…, engenheiro civil que trabalhava, à data para a A.;
- G…, trabalhador da A. que acompanhava a obra;
- H…, eletricista que fez parte da obra nessa especialidade;
- I…, que trabalhava para a A., no escritório, mas que tinha quase nulo conhecimento sobre os factos em discussão,
- E…, engenheiro civil que se deslocou à obra para fazer um levantamento dos seus defeitos, por solicitação da R.;
- J… e K…, pais do referido D… e da legal representante da R., e que no essencial depuseram sobre o material de eletricidade que alegadamente teria desaparecido.
- L…, eletricista que foi contratado pela R. para reparar a situação das bombas a que alude o articulado superveniente e que havia já sido ouvido para que se apreciasse da sua admissibilidade;
- D…, que contratou a conclusão da obra com a A., e que, no essencial, descreveu os factos tal como estes constam da contestação / reconvenção, com nítido interesse no desfecho dos autos, pois que o imóvel era destinado à sua habitação.
Ouviu ainda o legal representante da A. em declarações de parte que, no essencial, apresentou a versão que consta dos respetivos articulados.
Foi ainda realizada prova pericial e ouvidos os peritos em declarações.
O facto de existirem relações de amizade entre a que é legal representante da R., irmã do primitivo dono de obra, e o legal representante da A. determinou que esse acordo fosse todo ele muito vago e impreciso, confiando-se que, por serem amigos, tudo correria bem.
E, de facto, tudo correu de forma mais ou menos pacífica até ao momento em que a A. considerou a obra como concluída e pretendeu que esta fosse rececionada. O teor das cartas então trocadas é ilustrativo que não entendia a R. estar a obra com os problemas que veio mais tarde a elencar e que de se seguida se referirão (fls. 104 a 110).
Note-se que embora a A. se reporte a uma carta de 22/09, em que teria declarado que para si a obra estava aceite, certo é que a carta não foi junta, retirando-se da resposta da R. - de fls. 109 - que terá existido.
Voltando ao início desta relação contratual, estão as partes de acordo que não houve acordo escrito, apresentando a A. o orçamento de fls. 6 para justificar o preço que indicou.
Ora, para além das declarações do legal representante da A., nenhuma das testemunhas confirmou o valor que consta do orçamento, sendo que nenhuma prova credível permitiu sequer confirmar que a assinatura que dele consta é de D….
O mesmo se diga em relação a trabalhos extra. Nenhuma alegação suporta o que seriam estes trabalhos extra (e para tal era necessário saber o que estava incluído no acordo), sendo que nenhuma prova credível se fez sobre a sua efetiva realização ou o seu valor.
Quanto ao estado da construção quando se iniciou esta relação, apenas as fotografias juntas permitiram que o Tribunal percebesse o estado da obra (quer o que estava já feito, quer o que estava já danificado), sendo que esse estado parece ser ignorado pela R. quando imputa à A. todas as irregularidades da obra, sendo que, como é visível pelas fotografias, algumas seriam já imputáveis ao construtor inicial e que faliu.
O depoimento do Engenheiro E… que se deslocou à obra aquando da realização da vistoria para a sua entrega foi essencial para o que o Tribunal não tenha qualquer dúvida que entre o momento em que fizeram a vistoria ao imóvel - e em que foram assinalados concretos e pequenos defeitos que deveriam ser eliminados, assumindo a A. a eliminação de parte deles e tendo feito algumas reparações - e o momento em que apresentou o relatório, lhe foi apresentado o projeto inicial da obra e que determinou grande parte das suas conclusões.
Ou seja, no local, com as partes, o que esteve em causa foi apenas a reparação dos defeitos que eram então visíveis e que descreveu, por si então assinalados.
Depois, tendo-lhe sido apresentado o projeto em causa, verificou que estavam previstos trabalhos que não foram realizados pela A. e outros que foram por esta realizados de forma diferente da que estava prevista.
Ora, nenhuma prova se fez no sentido de ter sido solicitada à A. que a obra fosse concluída nos termos exatos daquele projeto ou sequer que o mesmo lhe tivesse sido entregue.
Salienta-se, e tal é para o Tribunal inequívoco, que, existindo um evidente acompanhamento da obra pelo dono de obra, muitos dos aspetos que se alega estar em desconformidade com aquele projeto ou mesmo em falta, são evidentes e que, como tal, nunca se cogitaria a entrega da obra como concluída se as partes tivessem acordado na sua realização pela A..
Ora, a carta que a R. envia à A. tendo em vista a receção da obra permite perceber que a obra que se admitia então estar concluída e apenas com defeitos que iriam ser elencados não era de todo a obra a que aquele projeto se referia (fls. 648).
Por esta razão - e porque o tratamento da questão releva em termos de subsunção jurídica dos factos - o Tribunal distinguiu os defeitos da obra das situações em que há apenas desconformidade com o referido projeto, quer porque não foi prestado o serviço que nele estava previsto, quer porque foi efetuado de maneira diferente daquela que estava prevista.
E, aqui, o Tribunal considerou quer o depoimento da testemunha Engenheiro E… e trabalho por este realizado (fls. 110 e sgs.) quer o relatório pericial elaborado e o depoimento dos Srs. Peritos que prestaram esclarecimentos. Note-se que o relatório apresentado foi unânime nas suas conclusões, não se afastando, no essencial, do que foi afirmado pelo primeiro.
Faz-se notar que a obra a que se refere o projecto que foi junto aos autos é, como o referiram os Peritos, uma obra completamente diferente da que está executada, com pormenores absolutamente exaustivos de materiais e formas da sua colocação, não existindo qualquer elemento que permita concluir que, tendo a mesma sido sempre objeto de acompanhamento e não apresentando visivelmente aquelas características, tivesse sido acordada a sua realização naqueles exatos termos.
Quanto ao tempo que demorou do envio das conclusões do relatório à A., é esta que confessa que ficou acordado que este seria elaborado pelo Engenheiro E… - art. 17 da sua petição inicial - nenhuma prova se fazendo de ter sido fixado prazo para a sua entrega ou qualquer insistência nesse sentido.
No que concerne à questão do material de eletricidade que desapareceu nenhuma prova credível se fez que permita concluir que o material que foi adquirido (e que está identificado a fls. 250 e segs) era mais do que foi colocado em obra pela A..
O que a R. afirma é que esse material é insuficiente para o sistema de luz que pretendia montar. Mas em momento algum fez prova que o que adquiriu - e a fls. 250 e sgs. consta apenas um orçamento - era suficiente.
O legal representante da A. e a testemunha eletricista referiram ter ido ao fornecedor perguntar se aqueles orçamentos se reportavam a todo o material necessário para a instalação e que a resposta foi negativa, ou seja, que apenas teria sido adquirido uma parte do material necessário.
Apenas o referido D… afirmou que aquele material era o necessário para toda a instalação, sendo que os pais daquele apenas sabiam que tinha sido carregado pela A. tudo o quanto estava guardado numa garagem anexa à sua habitação.
As demais testemunhas da A. tinham um conhecimento muito vago sobre o que se passou quando se agendou a entrega da obra, afirmando que a obra estava concluída e que foi reclamada a existência de defeitos, sem indicação de pormenores relevantes para a decisão da matéria de facto.
Relevante foi ainda o depoimento da testemunha eletricista (ouvidas já quando foi admitido o articulado superveniente) que depôs sobre a reparação efetuada por causa das bombas de água, de forma que o Tribunal considerou credível, afirmando os factos tal como estes resultaram do seu depoimento.
Faz-se notar que grande parte da instalação elétrica tinha sido realizada pela empresa que iniciou a obra, como o evidenciam as fotografias juntas, e que, como tal, grande parte dos vícios alegados como sendo da responsabilidade da A. se reportam a situações em que trabalhou por cima do trabalho de outrem, e visando o aproveitamento do que estava já realizado (o que se verifica com os fios emendados ou o aproveitamento da instalação existente para um sistema informático que a R. deixou cair por ser demasiado caro).
O Tribunal considerou ainda os documentos juntos e que se reportam ao processo executivo ainda pendente entre as partes”.
A apelante insurge-se contra a decisão dos pontos 5 e 6 dos factos provados, invocando, por um lado, a omissão de fundamentação da decisão e por outro, a inexistência de prova, por considerar que os depoimentos das testemunhas G…, I… e F… não permitem fundamentar a decisão. Sugere que se julgue a matéria em causa não provada.
Na petição a autora alegou:
8. A Autora realizou todos os trabalhos contratados com zelo, diligência e de acordo com as regras da arte, consultando aqueles que representavam a Ré - D. M… e Sr. D… – sempre que tinha dúvidas sobre aquilo quer era pretendido elaborar ou quando era necessária a aplicação de materiais similares aos do caderno de encargos.
9. Todos os trabalhos efetuados, trabalhos a mais incluídos, e os materiais aplicados tiveram a anuência dos representantes da Ré.
Julgaram-se provados:
5. A A. realizou trabalhos na referida moradia, tendo a sua execução sido acompanhada pelo referido D… e, posteriormente, também pela legal representante da R..
6. Todos os trabalhos realizados tiveram a anuência do referido D… e, posteriormente da legal representante da R..
A omissão de fundamentação da decisão de facto, a respeito de factos essenciais, determina a remessa do processo ao tribunal de 1ª instância, para completar a fundamentação, tal como se prevê no art. 662º/2 d) CPC.
A falta de fundamentação não justifica sem mais a alteração da decisão de facto.
Decorre da fundamentação na sua globalidade que a obra executada foi acompanhada por quem figurava como dono da obra. Numa fase inicial por D… e posteriormente, pela legal representante da ré-apelante, irmã de D…. Tal circunstância resulta implícita na alegação da ré nos art. 64º a 68º da contestação[11], sendo certo que toda a sua defesa assenta na falta de execução de obras ou nos defeitos na sua execução e nunca na realização de obras sem autorização ou conhecimento do dono da obra.
A decisão de facto mostra-se fundamentada, fundamentação com a qual a apelante não concorda, por entender que a prova produzida não justifica tal decisão.
Contudo, resulta dos depoimentos das testemunhas indicadas pela apelante a prova de tal matéria, revelando-se os depoimentos credíveis e sinceros a respeito de tais factos, porque prestados por testemunhas que executaram ou estiveram a acompanhar a execução da obra e por isso, contactaram com D… e a irmã M…, legal representante da ré-apelante.
A testemunha F…, engenheiro civil, que trabalhava na autora e acompanhou a obra desde a data em que a autora celebrou o acordo com D… até à fase das pinturas finais e que a testemunha designou por fase inicial, identifica como dono da obra nessa fase “o senhor D…”. Referiu ter realizado reuniões em obra com D… e uma reunião, apenas com os “irmãos, para ver os trabalhos”. As reuniões realizavam-se ao fim de semana, na obra. Referiu, ainda, desconhecer como a obra evoluiu na parte final, por deixar de acompanhar a sua execução e disse, ainda, que nunca falou com a irmã de D…, M….
A testemunha G… que exercia as funções de encarregado e de comercial na autora, referiu que concluída a obra, o senhor D… disse que faltavam coisas e a testemunha foi à obra com um funcionário para reparar o que não estava bem executado. Disse, também, que a senhora M…, irmã do dono da obra, é que dava as indicações a respeito do que faltava e a testemunha andou cerca de duas semanas e meia a acompanhar os trabalhos de conclusão e reparação e nesta fase, por vezes, o D… não estava disponível e então aparecia a irmã. Referiu que a “dona M…” apontou falhas de pormenor, retoques na pintura e limpeza, mas também chamou a atenção para pormenores no “deck” da piscina e limpeza da piscina. Disse, também, ter conhecimento de uma reunião em obra entre o legal representante da autora, D… e um engenheiro, na qual discutiram pormenores da obra, mas não esteve presente nessa reunião.
I…, funcionário de escritório da autora, referiu que só foi à obra uma vez, a pedido do “senhor N…”, para realização de uma reunião com D… e M….
Disse conhecer a irmã de D… “M…”, porque era a pessoa que tratava dos assuntos e a testemunha transmitia ao encarregado quando era necessário falar com a irmã do D….
Resulta, ainda, do depoimento da testemunha H… que executou os trabalhos de eletricidade na obra, que na fase de instalação da iluminação na habitação manteve um contacto estreito com D…, pois foi o próprio que pagou ao fornecedor o material de iluminação. Na fase final da obra conheceu a irmã de D…, M…, pessoa diferente da decoradora que também compareceu na obra nessa fase.
Mas não bastando, resulta do depoimento da testemunha D…, que inicialmente era o proprietário do terreno e da construção e depois, em 2013 vendeu à ré, a comprovação dos factos impugnados. Descreveu os termos do acordo celebrado com a autora a respeito da obra a executar, preço e forma de pagamento. Depois disse que “a meio [da execução da obra] entrou a irmã”. Descreveu os incidentes suscitados com a colocação da iluminação e depois quando confrontado com trabalhos previstos no caderno de encargos, como seja, colocação de estores elétricos, rolos elétricos, estores na cozinha, estruturas visuais a tapar a piscina, disse nada saber sobre tal matéria.
Neste contexto e ponderando tais depoimentos é de concluir que a decisão que julgou provada a matéria dos pontos 5 e 6 está conforme com a prova produzida e por isso, não merece censura, refletindo a mudança que se operou com a venda do prédio à ré, em plena fase de acabamento da construção.
Passando ao ponto 17 dos factos provados.
Antes de proceder à reapreciação da decisão, cumpre ter presente o contexto de tal alegação, conforme consta da petição inicial:
17. As partes encontraram-se na obra a 05 de Junho de 2015, verificaram o seu estado geral e o técnico habilitado da Ré ficou de fazer as diligências que entendesse necessárias com vista a apurar eventuais falhas e defeitos na execução dos trabalhos.
18. A Autora, de imediato se disponibilizou para reparar aquilo que lhe fosse legitimamente pedido e que resultasse da má execução do seu trabalho.
19. Passados mais de 3 meses desde tal deslocação à obra e atendendo a que o técnico habilitado da Ré se tinha comprometido a enviar o relatório de eventuais defeitos no prazo de uma semana contados desde a data da deslocação à obra,
20. considerou a Autora aceite a obra e interpelou a Ré para o pagamento do remanescente do preço por carta enviada a 22 de Setembro.
21. A Ré respondeu, por carta recebida a 02 de Outubro, invocando diversas desconformidades, recusando-se a aceitar a obra e a pagar o remanescente do preço. (Doc.64)
Na petição alegou a autora:
- Art. 20º Considerou a Autora aceite a obra e interpelou a Ré para o pagamento do remanescente do preço por carta enviada a 22 de Setembro.
Julgou-se provado:
17. Por carta datada de 22/09/2015, a A. comunicou à R. que considerava a obra aceite pela R..
Considera a apelante que a carta com data de 22 de setembro de 2015 não consta dos autos e por isso, deve tal matéria ser julgada não provada.
Na fundamentação da decisão não deixou de se ter presente tal circunstância, mas mesmo assim, julgou-se provada a matéria, com a seguinte fundamentação:
“O facto de existirem relações de amizade entre a que é legal representante da R., irmã do primitivo dono de obra, e o legal representante da A. determinou que esse acordo fosse todo ele muito vago e impreciso, confiando-se que, por serem amigos, tudo correria bem.
E, de facto, tudo correu de forma mais ou menos pacífica até ao momento em que a A. considerou a obra como concluída e pretendeu que esta fosse rececionada. O teor das cartas então trocadas é ilustrativo que não entendia a R. estar a obra com os problemas que veio mais tarde a elencar e que de se seguida se referirão (fls. 104 a 110).
Note-se que embora a A. se reporte a uma carta de 22/09, em que teria declarado que para si a obra estava aceite, certo é que a carta não foi junta, retirando-se da resposta da R. - de fls. 109 - que terá existido”.
Estava em causa apurar se perante a falta de envio do relatório pericial a autora considerou aceite, por parte da ré, a obra em causa e remeteu uma carta a solicitar o pagamento do remanescente do preço.
A matéria alegada sob o art. 20º da petição está relacionada com o art. 19º da mesma peça, a qual se julgou em parte não provada, conforme resulta da alínea h) dos factos não provados (“tinha comprometido a enviar o relatório de eventuais defeitos no prazo de uma semana”).
Efetivamente, não consta dos autos a carta subscrita pela autora com data de 22 de setembro de 2015, sendo certo que a ré admite, por acordo nos articulados, que a recebeu (art. 89º a 98º da contestação).
O documento nº 65, junto com a petição (requerimento de 03 de novembro de 2015-ref. Citius 7270074) que constitui a carta resposta, subscrita pela ré-apelante, com data de 30 de setembro de 2015, não refere expressamente o teor de tal carta (de 22 de setembro de 2015), mas percebe-se, pelo seu teor, que pelo menos na referida carta a autora solicitava o pagamento do preço, apresentando contas por referência aos valores recebidos pela autora.
Na carta com data de 30 de setembro de 2015 não se faz qualquer alusão ao facto da autora considerar que a ré aceitou a obra, limitando-se a ré a enunciar os defeitos, em conformidade com o relatório pericial que envia e a solicitar à autora a sua reparação num prazo que fixa.
A prova testemunhal sobre este aspeto revela-se inexistente, pois as testemunhas pouco ou nada revelaram saber sobre os termos do contrato e posterior desentendimento entre as partes ou procedimentos adotados entre as partes para ultrapassar tais desentendimentos.
Acresce que a alegação “[c]onsiderou a Autora aceite a obra[..]” para além de revelar um estado subjetivo, revela-se conclusivo e o tribunal apenas julga factos, o que impede que tal alegação possa ser atendida ( art. 5º/1 CPC).
Daqui resulta que apenas se pode dar como provado que a autora enviou uma carta datada de 22 de setembro de 2015, que chegou ao conhecimento da ré, por ser esse o único facto admitido por acordo nos articulados.
Em consequência de tal alteração não pode subsistir a resposta ao ponto 18 dos factos provados, que se reporta à matéria alegada sob o art. 21º da petição inicial, alteração que se justifica para obstar a contradições na matéria de facto (art. 662º/2 c) CPC) e se justifica, a título oficioso, por estarmos na presença de factos tidos como assentes (art. 662º/1 CPC).
Com efeito, no art. 21º da petição, alegou a autora:
21. A Ré respondeu, por carta recebida a 02 de Outubro, invocando diversas desconformidades, recusando-se a aceitar a obra e a pagar o remanescente do preço. (Doc.64)
No ponto 18 julgou-se provado:
18. Por carta de 30/09/2015, remetida em 01/10/2015, e em resposta a anterior carta da A. a considerar a obra como aceite, a R. comunicou à A. que a obra tinha os defeitos que elenca nessa carta, nos termos que constam de fls. 109 cujo teor se considera reproduzido, remetendo o relatório referido e datado de 31/08/2015.
A ré aceitou a matéria alegada sob o art. 21º da petição, na medida em que tal matéria não foi impugnada (art. 50º da contestação), nem está em oposição com a defesa na sua globalidade, motivo pelo qual se deve julgar assente por acordo das partes expresso nos articulados (art. 574º/2 CPC).
A consideração de tal carta se fazer acompanhar do relatório pericial, em nada contende com a concreta alegação sob o art. 21º da petição, pois tal circunstância é admitida pela ré-apelante.
O que não pode subsistir por não resultar do teor de tal carta é a referência a anterior carta na qual a autora considera a obra aceite, por não estar comprovado que era esse o conteúdo da carta.
Perante o exposto justifica-se alterar a decisão sob os pontos 17 e 18 dos factos provados, passando a julgar-se provado:
- ponto 17: A autora enviou uma carta datada de 22 de setembro de 2015, que chegou ao conhecimento da ré.
- ponto 18: Por carta de 30/09/2015, remetida em 01/10/2015, e em resposta a anterior carta da A., a R. comunicou à A. que a obra tinha os defeitos que elenca nessa carta, nos termos que constam de fls. 109 cujo teor se considera reproduzido, remetendo o relatório referido e datado de 31/08/2015 e recusando-se a aceitar a obra e a pagar o remanescente do preço.
Nos factos não provados, a apelante começa por se insurgir contra a decisão das alíneas a), f) e g).
Na petição a autora alegou:
“3. Acordaram, Autora e Ré, que a primeira procederia à realização dos seguintes trabalhos:
PICHELARIA
- Serviços de pichelaria e fornecimento de loiças sanitários
LOUÇAS SANITANA E TORNEIRAS BUGATTI
ELECTRICISTA E SEGURANÇA
- Serviços de eletricista - Produtos EFAPEL
- Instalação elétrica, aproveitar a pré-instalação da Domótica
- Quadros elétricos, ITED, aparelhos elétricos, cabelagem, Vídeo porteiro Elvox
- CCTV – Mini dome para exterior (4 camaras) – Gravada 4 canais – Alimentador 4 ampere
- Uma Central Alarme 32 zonas
CARPINTEIRO
- Serviços de carpinteiro e fornecimento de madeiras
- 12 portas com ferragens
- Capiar 2 lanços de escada em afizélia ou similar
- Rodapés em MDF
- Piso com flutuante em Afizélia ou similar
- Revestir fachadas exteriores com pinho nórdico
PINTOR E PLADUR
- Serviços de pintura, fornecimento de tintas e pladur – TINTAS BARBOT
ASPIRAÇÃO CENTRAL E RECUPERADOR
- Serviços de aspiração central da marca Serenity e fornecimento de recuperador da
marca Cristal
PEDRAS
- Fornecimento e aplicação de pedras nas paredes indicadas
SERRALHARIAS
- Serviços de serralharia com fornecimento
- Efetuar nova afinação a obra
- 1 aro para porta abrir lateral da casa
- 1 Z largo para porta de abrir lateral da casa
- 5 canhões com chave especial
- 4 portas de abrir de 1 folha laminado com respiro
- 1 porta janela de correr com quatro folhas para ginásio
PORTÕES
- Fornecimento e colocação de portão de garagem (baixo)
TROLHA
- Serviços de trolha
GÁS
- Ligação ao contador do gás
GRADEAMENTO
- Fornecimento e aplicação de grades nas varandas
MEIOS DE ELEVAÇÃO
- Fornecimento com montagem e desmontagem de meios de elevação (andaimes).
Na contestação a ré-apelante alegou:
“12. Pelo que a Autora apenas teria de continuar e terminar a obra de acordo com o projeto existente na Câmara Municipal, com a memória descritiva e com o caderno de encargos da obra.
13º Seguindo o que a anterior empresa, a O…, LDA., tinha construindo e seguindo o projeto e o caderno de encargos dessa obra, realizados pelo arquiteto responsável; e mesmo pelo orçamento daquela O….
14º A única coisa que o Sr. D… na altura prescindiu foi da parte de domótica da moradia.
15º O demais do projeto de arquitetura e caderno de encargos deveria ser seguido na íntegra”.
A matéria de facto em causa foi julgada não provada, sob as alíneas a), f) e g), com a seguinte redação:
“Não se provaram os demais factos alegados, nomeadamente que:
a) qual seria o concreto objeto da obra a realizar pela A.;
f) estivesse acordado entre as partes que a A. faria os trabalhos elencados em 22;
g) estivesse acordado entre as partes que a obra seria realizada de acordo com o projeto de arquitetura entregue à empresa que iniciou a obra;
Sugere a apelante que tal matéria se julgue provada com a seguinte redação:
- Foi acordado entre a Autora e o Sr. D… que a obra seria realizada de acordo com o projeto de arquitetura entregue à empresa que iniciou as obras, onde se incluíam os trabalhos elencados em 22.
Para sustentar tal alteração faz apelo a excertos do depoimento de D… e a declarações de parte do legal representante da autora B….
Está em causa apurar se no acordo celebrado entre autora e ré ficou estabelecido que as obras a executar estavam concretamente determinadas e compreendiam os trabalhos descritos sob o ponto 22 dos factos provados.
A fundamentação da sentença revela-se bem elucidativa sobre a prova produzida neste domínio, quando se refere:
O Tribunal considerou o conjunto da prova produzida para afirmação dos factos provados e não provados, salientando-se que a prova produzida foi muito pobre no que se reporta ao que foi acordado para execução desta obra, no seu momento inicial, sabendo-se que estava em causa a continuação de uma obra que tinha ficado parada, por alguns anos, após a falência do construtor inicial.
[…]
O depoimento do Engenheiro E… que se deslocou à obra aquando da realização da vistoria para a sua entrega foi essencial para o que o Tribunal não tenha qualquer dúvida que entre o momento em que fizeram a vistoria ao imóvel - e em que foram assinalados concretos e pequenos defeitos que deveriam ser eliminados, assumindo a A. a eliminação de parte deles e tendo feito algumas reparações - e o momento em que apresentou o relatório, lhe foi apresentado o projecto inicial da obra e que determinou grande parte das suas conclusões.
Ou seja, no local, com as partes, o que esteve em causa foi apenas a reparação dos defeitos que eram então visíveis e que descreveu, por si então assinalados.
Depois, tendo-lhe sido apresentado o projeto em causa, verificou que estavam previstos trabalhos que não foram realizados pela A. e outros que foram por esta realizados de forma diferente da que estava prevista.
Ora, nenhuma prova se fez no sentido de ter sido solicitada à A. que a obra fosse concluída nos termos exatos daquele projeto ou sequer que o mesmo lhe tivesse sido entregue.
Salienta-se, e tal é para o Tribunal inequívoco, que, existindo um evidente acompanhamento da obra pelo dono de obra, muitos dos aspetos que se alega estar em desconformidade com aquele projeto ou mesmo em falta, são evidentes e que, como tal, nunca se cogitaria a entrega da obra como concluída se as partes tivessem acordado na sua realização pela A..
Ora, a carta que a R. envia à A. tendo em vista a receção da obra permite perceber que a obra que se admitia então estar concluída e apenas com defeitos que iriam ser elencados não era de todo a obra a que aquele projeto se referia (fls. 648).
Por esta razão - e porque o tratamento da questão releva em termos de subsunção jurídica dos factos - o Tribunal distinguiu os defeitos da obra das situações em que há apenas desconformidade com o referido projeto, quer porque não foi prestado o serviço que nele estava previsto, quer porque foi efetuado de maneira diferente daquela que estava prevista.
E, aqui, o Tribunal considerou quer o depoimento da testemunha Engenheiro E… e trabalho por este realizado (fls. 110 e segs.) quer o relatório pericial elaborado e o depoimento dos Srs. Peritos que prestaram esclarecimentos. Note-se que o relatório apresentado foi unânime nas suas conclusões, não se afastando, no essencial, do que foi afirmado pelo primeiro.
Faz-se notar que a obra a que se refere o projeto que foi junto aos autos é, como o referiram os Peritos, uma obra completamente diferente da que está executada, com pormenores absolutamente exaustivos de materiais e formas da sua colocação, não existindo qualquer elemento que permita concluir que, tendo a mesma sido sempre objeto de acompanhamento e não apresentando visivelmente aquelas características, tivesse sido acordada a sua realização naqueles exatos termos”.
Provou-se sob o ponto 22:
22. No projeto inicial para aquela obra, entregue à empresa que iniciou a construção, estava previsto que fossem realizadas os seguintes acabamentos, que não foram realizados pela A.:
- acabamento no piso da cave com pintura autonivelante e antiderrapante epóxi;
- os tetos da cave fossem estucados;
- as paredes da cave fossem estanhadas;
- fosse colocado um rodapé em alumínio na cave;
- fossem colocados estores elétricos interiores e exteriores, bem como o equipamento para manobra daqueles;
- fossem colocados rolos elétricos com tela de proteção solar, com comando via rádio, nas suites norte e sul do 1º andar;
- fosse colocado rolo elétrico com tela de proteção solar, com comando via rádio na porta central do R/C das traseiras da moradia;
- fosse colocado rolos de tela na claraboia e nos vãos fixos;
- fosse colocada uma portada em madeira na porta da sala;
- fosse colocado rolo elétrico com tela de proteção solar com comando via rádio na porta central do R/C das traseiras da moradia;
- fosse colocado um estore de alumínio no vão da copa da cozinha;
- fossem colocadas portadas em pinho nórdico em todos os vãos do R/C, nomeadamente na sala, na cozinha e lavandaria;
- aplicação de uma estrutura de proteção visual à piscina em ripado de madeira;
- aplicação de estrados em mais locais do que aqueles em que foram aplicados;
- a fachada poente do anexo não tem forra de madeira;
- no jardim falta o enchimento com terra preta para a cota final e aplicação de luminárias exteriores;
- não foram aplicadas as portas previstas para o armário da cave;
- falta a tampa de pvc na parede e a tampa do regulador de temperatura na parede do fogão de sala;
- falta uma câmara de filmar na parede poente da moradia.
Sobre as concretas obras executadas e não executadas pronunciaram-se as testemunhas F… e H…. Contudo, nenhuma das testemunhas revelou ter conhecimento dos contornos do contrato e se no mesmo estavam compreendidos os trabalhos descritos no ponto 22 dos factos provados. Dos depoimentos prestados, sobretudo pela testemunha F… verifica-se que alguns dos trabalhos contemplados no documento, que a autora designou por orçamento, foram realizados sob sua direção – carpintaria, serralharia e pintura.
A testemunha H… revelou ter conhecimento dos trabalhos de eletricista realizados na obra, porque foi o próprio a realizá-los e que consistiram em: “fiamento” dos interruptores, alteração dos quadros elétricos por se abandonar o sistema de domótica, colocação de videoporteiro, colocação de bombas de extração de água na cave.
As testemunhas revelaram ter conhecimento da existência de uma desconformidade entre os equipamentos que estavam a ser colocados e os que constavam do projeto de execução, por vontade do dono da obra que pretendia reduzir os custos da construção. A testemunha F… referiu que lhe foram exibidas plantas, mas não conseguiu precisar como foram obtidas.
A testemunha E… que elaborou o relatório de peritagem, junto com a petição, para além de observar e verificar a construção fez uma análise da mesma comparando com o projeto de execução, que segundo referiu lhe foi facultado depois da reunião em obra realizada em junho de 2015. Detetou divergências entre o projeto de execução e a obra executada. Porém, esse projeto de execução não foi elaborado pela autora e a testemunha referiu que quando reuniu em obra com a autora e a ré, a ré não apontou a omissão dos trabalhos descritos no ponto 22, limitando-se a salientar as deficiências que encontrava na obra. Referiu a testemunha que a falta de proteção solar e o facto de uma parede do anexo apenas estar revestida a capoto, quando se previa o revestimento em madeira, não foi abordada na referida reunião como um dos defeitos da obra, nem se colocou qualquer questão a tal respeito.
A testemunha D… veio contudo referir que no acordo celebrado com a autora ficou convencionado o acabamento da obra, pelo preço de € 140 000,00, “com chave na mão”. A autora teria que executar tudo que estava previsto no caderno de encargos, com exceção da domótica e entregou ao legal representante da autora o caderno de encargos que entregou à primitiva empresa que começou a construir a casa.
Confrontado com aspetos particulares da obra que constavam do caderno de encargos, a testemunha disse não saber se tais trabalhos faziam parte do caderno de encargos, como seja: estores elétricos, rolos elétricos, estores da cozinha, estruturas visuais a tapar a piscina.
Em declarações de parte N… confirmou que teve acesso ao caderno de encargos, mas os materiais ali previstos eram muito caros e por isso, o dono da obra fez outras opções. O dono da obra ainda seria D… e por vontade do próprio retirou a instalação de domótica e optou por uma madeira no revestimento exterior mais barata. As portadas e estores laminados com inclinação custavam mais 6000,00 a 7000,00 € e foi referido ao declarante que não seria preciso, por se colocar cortinados. Contrataram uma decoradora de interiores, P… e nessa altura já não fazia falta a colocação no interior de rolos em tela. Manteve-se a cozinha, porque os móveis já estavam adquiridos a uma outra empresa. Retiraram os armários da biblioteca e colocaram na cave, a solicitação de D….
Disse, ainda, que o arranjo do jardim, deck, limpeza e acabamento da piscina constituíam trabalhos extra, que não foram executados, porque entretanto se desentenderam.
Apenas a testemunha D… referiu que os trabalhos a executar pela autora deviam respeitar o caderno de encargos. Porém, é o próprio a admitir que estava excluída a instalação de domótica, obra que constava do caderno de encargos e nenhuma outra testemunha veio confirmar a versão que o mesmo apresentou, sendo certo que na reunião em obra, na presença da testemunha Engenheiro E… apesar das reclamações apresentadas, não se fez qualquer alusão aos trabalhos a que se reporta o ponto 22 dos factos provados, os quais pela sua envergadura e necessidade para contribuir para a habitabilidade da casa, não poderiam ser ignorados pelo dono da obra, caso estivessem em falta. O mesmo se diga em relação à qualidade da madeira exterior, aplicada no revestimento da casa. Acresce que a própria testemunha D… não revelou ter conhecimento em toda a extensão da natureza dos trabalhos descritos no caderno de encargos, o que se revela contraditório quanto à posição que assumiu a respeito do âmbito dos trabalhos convencionados.
Neste contexto tal depoimento não assume o relevo probatório que a apelante lhe atribui e não justifica, só por si, a alteração da decisão de facto.
Mantém-se a decisão que julgou não provado a matéria das alíneas a), f) e g).
Resta a alínea j) dos factos não provados.
Para melhor compreender os factos em causa, cumpre ter presente a matéria alegada a respeito do fornecimento de material de iluminação.
Na contestação a ré-apelante alegou:
123º Em data que não consegue precisar, o legal representante da Autora, pediu para levantar esse material para a obra, uma vez que iria na mesma ser aplicado.
124º Assim, deslocaram-se o Sr. H…, eletricista, residente na Rua … nº …, ….-… … e o Sr. Q…, residente na Av. … nº …, …, Póvoa de Varzim à indicada garagem.
125º Ambos funcionários ou colaboradores da Autora.
126º Os quais levaram todo esse material de iluminação e que ocupava cerca de metade da indicada garagem, na presença do Sr. J… e da Sr.ª K…, pais da legal representante da Ré.
127º Agindo sempre em nome da Autora.
128º Sucede, contudo que, para grande espanto da ora Ré, afinal nenhum do material acima indicado, e descrito no documento que se junta, estava aplicado em obra.
129º Existindo apenas algumas caixas com algumas poucas peças daquele material elétrico na casa em construção (e aqui em crise), nomeadamente na garagem da mesma.
130º Desconhece a Ré onde se encontra o material de iluminação que entregou aos representantes da Autora.
131º O que sabe é que não tem já na sua posse esse material, que foi entregue à Autora, na pessoa dos seus dois indicados funcionários, para aplicar na sua obra.
132º É também a ora Autora responsável pelo valor desse material elétrico que se encontrava na sua posse.
Na Réplica alegou, a autora:
48.Ao contrário também do que afirma, sabe bem a ré que não entregou à autora qualquer material de iluminação de marca FONTANA e DAVIDE GROPPI e que o material de iluminação que se encontra aplicado na obra foi por si escolhido.
49.Se tais materiais de marca FONTANA e DAVIDE GROPPI se encontravam numa garagem pertença de familiares da ré não era seguramente por conta da autora que corria o risco de tais materiais (alegadamente) desaparecerem.
50.Tal material de iluminação não foi retirado de tal garagem por instruções da ré, nem os Srs. H… ou Q… são funcionários desta,
51.referindo-se, contudo, que o Sr. Q… foi funcionário da ré, tendo, entretanto, sido despedido.
52.Repita-se, o material aplicado na obra – seja de iluminação seja todo o demais – foi escolhido pela ré.
Sobre tal matéria julgou-se provado:
25.[…]- as luminárias aplicadas na obra não são da marca FONTANA ou DAVIDE GROPPI.
26. A R. possuía material de iluminação que destinava a esta obra numa garagem sita na Rua …, nº…, da Póvoa de Varzim.
27. Tal material foi adquirido pelo valor de 28.821,60 euros.
Julgaram-se não provados os restantes factos, nomeadamente a matéria sob a alínea j):
-j) tivesse sido entregue à A. outros materiais de iluminação que não fossem os que esta disponibilizou para colocação em obra.
A apelante insurge-se contra tal decisão considerando os depoimentos da testemunha N…, J… e D….
Sugere que se julgue provado:
- O material de iluminação, a que se referem as alíneas 26 e 27 dos factos provados foi entregue à Autora, não tendo esta aplicado esse material na obra nem devolvido o mesmo à Ré.
Em sede de fundamentação da decisão de facto, considerou-se:
“No que concerne à questão do material de eletricidade que desapareceu nenhuma prova credível se fez que permita concluir que o material que foi adquirido (e que está identificado a fls. 250 e segs) era mais do que foi colocado em obra pela A..
O que a R. afirma é que esse material é insuficiente para o sistema de luz que pretendia montar. Mas em momento algum fez prova que o que adquiriu - e a fls. 250 e sgs. consta apenas um orçamento - era suficiente.
O legal representante da A. e a testemunha eletricista referiram ter ido ao fornecedor perguntar se aqueles orçamentos se reportavam a todo o material necessário para a instalação e que a resposta foi negativa, ou seja, que apenas teria sido adquirido uma parte do material necessário.
Apenas o referido D… afirmou que aquele material era o necessário para toda a instalação, sendo que os pais daquele apenas sabiam que tinha sido carregado pela A. tudo o quanto estava guardado numa garagem anexa à sua habitação”.
Pouco mais se pode acrescentar sobre a prova produzida, salientando, ainda, que resulta das declarações de parte do legal representante da autora e dos depoimentos da testemunha H… (eletricista) e testemunha D… que os trabalhos relacionados com aplicação de iluminação na casa não estavam compreendidos nos trabalhos a executar pela autora e foram pagos por D… diretamente ao eletricista e o material aplicado ao fornecedor.
Esclareceu a testemunha H… que o material previamente adquirido por D… e que foi colocado em obra - as caixas -, não tinha os componentes, nem as lâmpadas, não tinha fitas ledes, nem focos; só tinha as caixas com o negativo. Referiu, ainda, que arranjaram uma solução e o D… ficou consciente que o que estava a ser aplicado não correspondia ao inicialmente previsto. A testemunha concluiu o seu trabalho que consistia na instalação da iluminação, que não constitui trabalho extra, mas previamente acordado com D… e o D… pagou o material adquirido ao fornecedor.
O pai de D…, J…, nada de relevante acrescentou por desconhecer os materiais, limitando-se a descrever as circunstâncias em que os referidos componentes elétricos foram recolhidos na garagem da sua casa.
Em declarações de parte O… referiu que as referidas caixas não podiam ser aplicadas na obra, porque para esse efeito teriam que esburacar o chão, correndo o risco de cortar os tubos de água do aquecimento do piso radiante e por isso, deixaram as caixas de negativo na obra.
As declarações prestadas não foram confirmadas por qualquer outra prova. Por outro lado, esta parte da obra não foi adjudicada à autora, como referiu o legal representante da autora, versão que foi confirmada por D… e H…. Assim sendo, não se pode atribuir qualquer relevo probatório a tais afirmações, sobretudo, porque quem executou a obra de instalação elétrica não se confrontou com tal obstáculo e obteve o pagamento pelo serviço prestado.
Por outro lado, decorre da conjugação dos depoimentos prestados pelas testemunhas D… e H… que a autora não disponibilizou material de iluminação para instalação em obra e também não recebeu qualquer material.
Não se justifica a alteração sugerida, por não resultar dos factos alegados no art. 48º Réplica, nem ter sustentação na prova produzida, pelo que se mantém a alínea j) dos factos não provados, com uma alteração na redação, para se tornar mais fiel à matéria de facto alegada e prova produzida, passando a constar:
j) tivesse sido entregue à A. outros materiais de iluminação que não fossem os que a ré, através de D… disponibilizou para colocação em obra.
Em conclusão, procede em parte, a reapreciação da decisão de facto e nessa conformidade altera-se a decisão dos pontos 17 e 18 dos factos provados e a redação da alínea j) dos factos não provados, que passam a ter a seguinte redação:
- ponto 17: A autora enviou uma carta datada de 22 de setembro de 2015, que chegou ao conhecimento da ré;
- ponto 18: Por carta de 30/09/2015, remetida em 01/10/2015, e em resposta a anterior carta da A., a R. comunicou à A. que a obra tinha os defeitos que elenca nessa carta, nos termos que constam de fls. 109 cujo teor se considera reproduzido, remetendo o relatório referido e datado de 31/08/2015 e recusando-se a aceitar a obra e a pagar o remanescente do preço;
j) tivesse sido entregue à A. outros materiais de iluminação que não fossem os que a ré, através de D… disponibilizou para colocação em obra.
Procedem, em parte, as conclusões de recurso sob as alíneas A) a J).
-
Na apreciação das restantes questões e por efeito da alteração parcial da matéria de facto, cumpre ter presente os seguintes factos provados e não provados, constando em itálico os que foram objeto de alteração:
1. A A. dedica-se à construção e reabilitação de edifícios.
2. No âmbito da sua atividade, por acordo verbal entre a A. e D…, a primeira obrigou-se a efetuar uma obra com vista à conclusão da construção de uma moradia unifamiliar, pertencente ao referido D…, e para sua habitação, sita na Rua …, nº…, …, Póvoa de Varzim, mediante o pagamento de quantia não concretamente apurada mas não inferior a 140.000,00 euros, incluindo IVA.
3. O imóvel foi vendido pelo referido D... à R. em 29/08/2013, assumindo a R. a posição que, naquele acordo com a A., detinha o referido D….
4. Aquando da entrada da A. em obra, a referida moradia encontrava-se já fechada, estando terminados os trabalhos de pedreiro, tinha gesso cartonado colocado nas paredes interiores e tetos, algumas paredes e tetos interiores estavam pintados, as portas interiores e janelas estavam colocadas, revestimento cerâmico colocado nas casas de banho, roupeiros e diversos armários construídos e colocados em várias divisões, instalação elétrica pronta, apresentando alguns sinais de infiltrações, humidades e corrosão.
5. A A. realizou trabalhos na referida moradia, tendo a sua execução sido acompanhada pelo referido D… e, posteriormente, também pela legal representante da R..
6. Todos os trabalhos realizados tiveram a anuência do referido D… e, posteriormente da legal representante da R..
7. Enquanto os trabalhos foram sendo prestados, a R., como acordado entre as partes, foi fazendo vários pagamentos por conta do preço final, através de tranches em numerário e em cheque.
8. O último cheque entregue à A. pela R., no valor de 5.658,80 euros, datado de 20/12/2014, foi apresentado a pagamento pela A. em 03/07/2015 e veio devolvido com indicação de “cheque rev - fora de prazo”.
9. Encontra-se pendente a ação executiva com o nº17952/15.9T8PRT intentada pela A. contra a R. para cobrança coerciva desse montante.
10. Por carta datada de 11 de maio de 2015, a A. interpelou o referido D… para que designasse uma data para a entrega formal da obra, considerando-a como concluída e para proceder ao pagamento do preço em falta, indicando que o mesmo seria de 34.649,15 euros, nos termos que constam de fls. 104 e cujo teor aqui se considera reproduzido.
11. A R. respondeu a esta carta por carta datada de 25 de maio de 2015, negando que os valores acordados fossem aqueles que foram indicados pela A., sugerindo como data para a entrega da obra o dia 04/06, mostrando disponibilidade para a receber, mencionando todas as existências e faltas na obra, como resulta de fls. 107, cujo teor aqui se considera reproduzido.
12. No dia 05/06, acompanhou esta deslocação à obra, realizada pela A. e pela R., o Engenheiro E….
13. Nessa deslocação, o Engenheiro E… identificou alguns trabalhos que necessitavam de ser reparados, assumindo então a A. a responsabilidade pela sua reparação.
14. A A. chegou a efetuar algumas reparações na obra.
15. Ficou acordado que o Engenheiro referido faria um relatório a identificar todos os problemas da obra.
16. Tal Engenheiro elaborou o relatório que consta de fls. 111, cujo teor aqui se considera reproduzido e que está datado de 31/08/2015.
17. A autora enviou uma carta datada de 22 de setembro de 2015, que chegou ao conhecimento da ré.
18. Por carta de 30/09/2015, remetida em 01/10/2015, e em resposta a anterior carta da A., a R. comunicou à A. que a obra tinha os defeitos que elenca nessa carta, nos termos que constam de fls. 109 cujo teor se considera reproduzido, remetendo o relatório referido e datado de 31/08/2015 e recusando-se a aceitar a obra e a pagar o remanescente do preço.
19. A R. entregou já à A., pelo menos, a quantia de 127.224,20 euros a título de preço da obra, não considerando naquele valor o aposto no cheque de 5.658,80 euros.
20. À data da propositura da ação, a A. não tinha ainda emitido qualquer fatura.
21. A R. admitiu nos autos de execução que existia entre as partes um contrato de empreitada.
22. No projeto inicial para aquela obra, entregue à empresa que iniciou a construção, estava previsto que fossem realizadas os seguintes acabamentos, que não foram realizados pela A.:
- acabamento no piso da cave com pintura autonivelante e antiderrapante epóxi;
- os tetos da cave fossem estucados;
- as paredes da cave fossem estanhadas;
- fosse colocado um rodapé em alumínio na cave;
- fossem colocados estores elétricos interiores e exteriores, bem como o equipamento para manobra daqueles;
- fossem colocados rolos elétricos com tela de proteção solar, com comando via rádio, nas suites norte e sul do 1º andar;
- fosse colocado rolo elétrico com tela de proteção solar, com comando via rádio na porta central do R/C das traseiras da moradia;
- fosse colocado rolos de tela na claraboia e nos vãos fixos;
- fosse colocada uma portada em madeira na porta da sala;
- fosse colocado rolo elétrico com tela de proteção solar com comando via rádio na porta central do R/C das traseiras da moradia;
- fosse colocado um estore de alumínio no vão da copa da cozinha;
- fossem colocadas portadas em pinho nórdico em todos os vãos do R/C, nomeadamente na sala, na cozinha e lavandaria;
- aplicação de uma estrutura de proteção visual à piscina em ripado de madeira;
- aplicação de estrados em mais locais do que aqueles em que foram aplicados;
- a fachada poente do anexo não tem forra de madeira;
- no jardim falta o enchimento com terra preta para a cota final e aplicação de luminárias exteriores;
- não foram aplicadas as portas previstas para o armário da cave;
- falta a tampa de pvc na parede e a tampa do regulador de temperatura na parede do fogão de sala;
- falta uma câmara de filmar na parede poente da moradia.
23. A A. executou de forma deficiente os seguintes trabalhos:
- os estrados aplicados no exterior da moradia estão mal aplicados, tendo sido pregados (e não fixados de modo oculto), as tábuas estão desalinhadas e o material está empenado e apresenta nós;
- existem discrepâncias nas dimensões das madeiras das paredes exteriores e alguns desalinhamentos;
- as guardas estavam previstas pelo interior da caixilharia e foram colocadas pelo exterior, não tendo o desenho que estava previsto no projeto apresentado da Câmara Municipal …;
- as luminárias embutidas estão aplicadas sem um alinhamento lógico;
- o pavimento de madeira nas zonas comuns e quartos do piso 1 apresenta pequenas deficiências no topo das escadas, com abertura de juntas entre réguas;
- as portas e aros necessitam de afinação;
- os rodapés apresentam pequenas anomalias provocadas pela aplicação de revestimento nas paredes;
- verificam-se pequenas fissuras entre diferentes elementos como ombreiras e pisos;
- existem pontualmente guarnições nas quais não se acautelou a planimetria entre elementos adjacentes;
- a porta do WC da suite do 1º andar necessita de ser afinada;
- verificam-se infiltrações no teto da cave e nos vitrais fixos.
24. Para realizar estas reparações será necessária a quantia de cerca de 10.000,00 euros.
25. Foram realizados pela A. trabalhos em desconformidade com o que estava previsto no referido projeto entregue à empresa que iniciou a construção, nomeadamente:
- os estrados aplicados não cumprem com o material previsto no projeto nem com as suas dimensões;
- a forra das paredes exteriores, em madeira, não cumpre com o caderno de encargos e com o projeto;
- o acabamento geral de paredes encontra-se alterado em diversos locais, tendo trocado a aplicação de papel por lacagens e pinturas;
- os roupeiros não cumprem as características do projeto;
- a porta do WC da suite do 1º andar não cumpre com o caderno de encargos;
- as carpintarias deviam estar lacadas e foram esmaltadas;
- aplicação de cantoneiras de pvc branco em diversos locais da suite;
- as luminárias aplicadas na obra não são da marca FONTANA ou DAVIDE GROPPI.
26. A R. possuía material de iluminação que destinava a esta obra numa garagem sita na Rua …, nº…, da Póvoa de Varzim.
27. Tal material foi adquirido pelo valor de 28.821,60 euros.
28. Já depois de proposta a ação, verificou-se no imóvel uma inundação, tendo a água alcançado 0,50 m de altura no interior da cave.
29. As bombas colocadas no local pela A. para drenagem da água encontravam-se avariadas.
30. Não existia no local qualquer sistema de proteção à drenagem das águas.
31. A água em causa causou estragos nas paredes e portas da cave, bem como nos móveis existentes no hall e na casa de banho dessa divisão.
32. Toda a instalação elétrica está executada de modo a ser alimentada por corrente trifásica ou monofásica, dependendo apenas do contrato que foi efetuado com a entidade fornecedora da energia eléctrica.
33. A R. substituiu as bombas bem como a sua ligação elétrica, despendendo a quantia de 1.366,00 euros.
34. São visíveis emendas de fios elétricos, com acessórios normalizados na área elétrica, situação que não está desconforme às boas práticas da especialidade em causa.
35. No exterior da habitação existem cabos elétricos instalados em caixas subterrâneas de outro tipo de canalizações, como aquecimento, águas sanitárias e telecomunicações, situação que não está desconforme às boas práticas da especialidade em causa.
36. No que respeita ao aquecimento do piso radiante, o coletor de quatro circuitos existente no rés-do-chão é suficiente para o aquecimento da área desse piso.
37. Existe apenas um controlador, na cozinha, para gerir o aquecimento da habitação.
38. Não é possível a gestão das temperaturas do piso radiante em cada divisão da moradia.
39. Os radiadores da cave estão associados a um dos circuitos hidráulicos do piso radiante.
40. Deveriam ter circuitos independentes.
41. Não existe ligação da caldeira a gás ao depósito das águas quentes sanitárias.
42. Nos dias em que o sol for insuficiente para aquecer a água através dos painéis térmicos solares a existência de água quente nas torneira da casa depende de apoio elétrico.
43. Quando a A. entrou em obra, as instalações elétrica e de canalização já tinham sido colocadas na obra pela empresa que inicialmente foi contratada para a realizar.
44. A instalação elétrica visada então pelo dono de obra era relativa a um sistema de Domótica e que este abandonou, por ser demasiado dispendioso, quando solicitou a conclusão da obra à A..
45. Foram efetuadas emendas aos fios existentes pois que estes haviam sido cortados.
46. No âmbito do processo executivo referido, a R. apresentou a contestação por embargos que consta de fls. 264 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
-
Não se provaram os demais factos alegados, nomeadamente que:
a) qual seria o concreto objeto da obra a realizar pela A.;
b) qual o concreto preço acordado para a realização da obra;
c) a existência de um acordo para a realização de trabalhos extra;
d) qual o preço / custo dos trabalhos extra realizados;
e) que a assinatura do orçamento constante dos autos a fls. 7 e sgs. tivesse sido realizada por D…;
f) estivesse acordado entre as partes que a A. faria os trabalhos elencados em 22;
g)estivesse acordado entre as partes que a obra seria realizada de acordo com o projeto de arquitetura entregue à empresa que iniciou a obra;
h) as partes tivessem acordado que seria feito um levantamento dos defeitos numa semana
i) quaisquer dos restante defeitos alegados pela R..
j) tivesse sido entregue à A. outros materiais de iluminação que não fossem os que a ré, através de D… disponibilizou para colocação em obra.
-
- Da liquidação da obrigação de restituição -
Nas conclusões de recurso, sob as alíneas K) a V), a apelante insurge-se contra o segmento da sentença que julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional, formulado a título principal e sob a alínea a).
Efetivamente a sentença apesar de declarar a nulidade do contrato de empreitada celebrado entre as partes, com fundamento em vício de forma, julgou improcedente a restituição do preço já pago pela ré à autora.
A apelante não se insurge contra a decisão que reconheceu a nulidade do contrato, com fundamento em vício de forma, mas impugna a mesma quanto ao critério utilizado para efeito de liquidação da obrigação de restituição.
Relembrando o pedido formulado.
Na contestação a apelante suscitou a nulidade do contrato, com fundamento em vício de forma e deduziu o seguinte pedido:
“a) Ser declarada a nulidade do contrato de empreitada invocado pela Autora na sua petição inicial, sendo em consequência esta condenada a restituir à Ré o preço já recebido, nesta data no valor de €134.303,20 (cento e trinta e quatro mil trezentos e três euros e vinte cêntimos) e o que porventura venha a receber, acrescido dos juros legais desde a notificação desta reconvenção até efetivo e integral pagamento, tudo com as demais consequências legais”.
Na sentença considerou-se, como se passa a transcrever:
“A consequência da arguida nulidade - e foi a R. quem optou por invocar tal vício do contrato - implica a restituição de tudo o que foi prestado, nos termos do art. 289º do C. Civil.
Tal implicaria a restituição à R. do preço que esta pagou à A. - estando nestes autos em causa apenas a quantia de 127.224,20 euros - e a restituição da obra que a A. fez para a R..
A restituição pela R. à A. da obra realizada é, um contrato de empreitada, impossível.
Não podem restituir-se os materiais incorporados na obra nem a mão de obra despendida na sua realização.
Tal significa, como estabelece a própria lei, que não sendo possível a restituição em espécie, deve ser restituído o valor correspondente a esta obra - art. 289º, nº1, parte final.
Note-se que este efeito da retroatividade da declaração de nulidade visa colocar as partes na situação em que estariam se não tivesse sido celebrado o contrato.
O que se indemniza é o dano negativo e não o dano positivo,
Ora, se assim é, não cabe nesta restituição o valor do lucro que a A. teria tido com a celebração do contrato e o seu cumprimento, mas apenas o valor dos serviços que prestou e dos materiais que colocou em obra.
Não existe assim fundamento para que a A. exija, por via deste efeito retroativo da declaração de nulidade, a quantia que não foi paga a título de preço, pois que não alegou e por isso não demonstrou que o valor da obra realizada seja superior à quantia já paga de 127.224,20 euros.
Considerando o que resultou provado quanto à obra realizada - e ao valor necessário para a sua reparação -, bem como a margem de lucro que a A. sempre teria na obra realizada, tendo resultado provado que o preço acordado era pelo menos de 140.000,00 euros, não há como concluir que o valor já recebido pela A. seja insuficiente para que se opere a restituição do valor que a R. teria de restituir à A., por efeito da declaração de nulidade.
Mas também não há como concluir que tenha sido entregue em excesso, incumbindo à R. fazer essa prova para que a A. fosse condenada a restituir, ainda que apenas parte, do preço que lhe pagou.
Ou seja, invocada a nulidade do contrato de empreitada e sendo o mesmo nulo por vício de forma, a obrigação de restituição que impende sobre ambas as partes a ambas vincula, não resultando provados factos que permitam concluir que essa restituição implica que a A. devolva à R. parte da quantia desta recebida (pedido reconvencional) ou que esta pague ainda qualquer valor de restituição à A. pela obra realizada (pagamento do preço da obra em falta).
Improcede assim, nesta parte, quer a ação quer o pedido reconvencional deduzido sob a alínea a), na parte em que, como consequência da declaração da nulidade, peticiona a restituição da quantia entregue a título de preço”.
Entendemos que a decisão não merece censura.
Como se prevê no art. 289º/1 CC “tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.
Os efeitos da declaração de nulidade decorrem da lei, mas a vontade das partes condiciona os deveres de restituição cujo conteúdo resulta, no essencial, da estipulação das partes no negócio inválido[12].
Um dos efeitos típicos consiste no “efeito retroativo”, o que significa que uma vez declarada a nulidade do negócio tudo se passa como se o negócio jurídico não tivesse sido celebrado e executado.
Declarada ou reconhecida a nulidade, “[…]estabelece-se entre as partes uma relação de liquidação: deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”, nos termos do art. 289º/1 CC.
Contudo, existem situações de facto em que os efeitos do contrato inválido não podem ser apagados, quando as partes cumpriram as prestações a que estavam vinculadas e uma das prestações não pode ser restituída.
Nessas circunstâncias como refere CLARA SOTTO MAYOR a relação de liquidação deve ser determinada a partir”[…]da avaliação da situação de interesses, tendo em conta as realidades materiais e económicas ocorridas no período intermédio entre o momento da celebração ou da execução do contrato e o da declaração de nulidade ou anulação”[13].
Estando em causa um contrato de empreitada em que uma das partes beneficia de um serviço, a restituição em espécie não é possível, por não ser possível restituir os materiais e mão-de-obra utilizada na execução da obra, os quais perdem individualidade quando se materializam na obra executada.
Nessas circunstâncias refere o Professor MENEZES CORDEIRO: “[…]haverá que restituir o valor correspondente o qual, por expressa convenção das partes, não poderá deixar de ser o da contraprestação acordada.[…]Ambas as prestações restituitórias se extinguem, então, por compensação tudo funcionando, afinal, como se não houvesse eficácia retroativa, nestes casos”[14].
CLARA SOTTO MAYOR considera que nesta circunstância: “[…]o critério para calcular o valor do serviço prestado será aquele que foi adotado no próprio contrato inválido que fixou o valor da contraprestação, o que tem como consequência que cada uma das partes retém a prestação recebida, equivalendo, na prática, a liquidação do contrato inválido à execução do mesmo. Só não será assim, por exemplo, se o valor do serviço for superior ao valor da remuneração estipulada no contrato, a qual não teve em conta os critérios do mercado. Nesta hipótese, o prestador do serviço terá direito ao pagamento da diferença entre o valor recebido e o valor de mercado”[15].
Porém, fora dos casos expressamente previstos no art. 289º/2 /3 CC, poderá ser necessário lançar mão da obrigação de restituir por enriquecimento, quando a obrigação de restituir não assegure que todas as deslocações patrimoniais ou intervenções patrimoniais injustamente processadas, ao abrigo do negócio nulo, foram devolvidas.
Também é de considerar, como refere MENEZES CORDEIRO que: “[a] invalidade dum negócio pode não prejudicar a manutenção dos deveres de segurança, de informação e de lealdade que acompanham qualquer obrigação, por força da boa fé. Esta, na linguagem de CANARIS, manter-se-á, então, mau grado a falta do dever de prestar principal. Tais deveres irão acompanhar toda a relação de liquidação, podendo ainda manter-se post factum finitum”[16].
Em conclusão, em contratos com prestações efetivamente executadas e cumpridas, mas em que não é possível a restituição de uma das prestações, na relação de liquidação, gerada com a nulidade do contrato, não se pode ignorar a natureza das obrigações assumidas no contrato e todo o processo que se desencadeou entre a fase da celebração do contrato e a declaração de nulidade, sem ignorar o princípio da boa-fé que preside à celebração e cumprimento do contrato, mesmo depois de se considerar inválido.
Retomando o caso concreto, tendo presente o exposto e ponderando os argumentos da apelante.
Nas alíneas K) a N) das conclusões de recurso defende a apelante que por efeito da declaração de nulidade do contrato, devia a autora ser condenada a devolver tudo o que recebeu da ré, dando-se provimento ao pedido formulado sob a alínea a) na reconvenção.
Resulta dos factos provados que entre autora e ré foi celebrado um contrato de empreitada, através do qual a autora na qualidade de empreiteiro se obrigou a executar uma obra com vista à conclusão da construção de uma moradia unifamiliar e a ré a pagar o preço, como contrapartida pelo trabalho executado (itens 2, 3, 5, 6, 7, 21 dos factos provados).
Provou-se que o preço convencionado ascendia a um valor não inferior a € 140.000,00, com IVA incluído (item 2 os factos provados).
A obra foi executada e a ré-apelante pagou à autora, a título de preço a quantia de € 127.224,20, estando em falta o pagamento do remanescente (itens 10, 11, 12, 13, 14, 17, 18, 19).
Na sentença, perante o pedido formulado pela ré-apelante, apreciou-se e julgou-se procedente a exceção de nulidade do contrato, por vício de forma.
Perante tais circunstâncias verifica-se que entre a data da celebração do negócio e a declaração de nulidade, as partes cumpriram as obrigações a que se vincularam: execução da obra e pagamento do preço, ainda que quanto a esta obrigação se verifica apenas um cumprimento parcial. A obra executada é insuscetível de ser restituída ao empreiteiro.
Por aplicação do regime previsto no art. 289º/1, parte final do CC, cumpria à autora restituir à ré o valor recebido a título de preço e à ré-apelante restituir o valor correspondente à obra o qual não poderá deixar de ser o da contraprestação acordada. Ambas as prestações restituitórias se extinguem, então, por compensação tudo funcionando, afinal, como se não houvesse eficácia retroativa. Cada uma das partes retém a prestação recebida.
Não assiste, assim, à ré-apelante o direito à restituição do preço pago à autora, porque a obra foi executada e a ré, que invocou a exceção de nulidade do contrato, não alegou nem provou que o valor da obra executada, mesmo com as deficiências apontadas nos item 23 e 24, é inferior ao preço pago, recaindo sobre a ré o ónus da prova de tais factos, na medida em que são constitutivos do direito que invoca à restituição do preço (art. 342º/1 CC).
Acresce que a jurisprudência citada pela apelante na alínea N) reporta-se a situação de facto distinta daquela que nos cumpre analisar, por estar em causa pretensão formulada pelo empreiteiro contra o dono da obra, pretendendo o empreiteiro obter o pagamento do preço correspondente à obra executada, discutindo-se o valor da obra executada, questão que não foi suscitada nos presentes autos.
Nas alíneas O) a V) a apelante insurge-se contra o critério seguido na sentença para liquidação da obrigação de restituição, porque não se ponderou o valor da obra realizada, mas apenas o preço acordado.
Não será de todos exata tal afirmação, porque na sentença seguiu-se o critério previsto na lei e a solução encontrada decorre da aplicação da regra do ónus da prova.
Por tudo que se deixou dito é de considerar que na liquidação se deve partir dos valores fixados no contrato, a título de contraprestação pelo trabalho a executar, porque o preço pago corresponde ao valor da obra realizada.
Defende a apelante que mesmo que se utilizasse o preço acordado, para se estimar a obra realizada, ao valor indicado seria de retirar o IVA, o lucro da autora (25% do valor total), o custo das reparações do item 23 e o custo das obras em falta e elencadas em 22.
Perante a posição que assumimos e defendemos tais argumentos não podem ser acolhidos. O preço pago corresponde ao valor da obra executada e por isso, nada cumpre restituir e como se referiu constituía um ónus da ré-apelante alegar e provar que a obra executada tinha um valor inferior ao preço pago, pois só assim se poderia apurar uma diferença a favor da ré-apelante.
O valor indicado, sob a alínea U) das conclusões de recurso, como valor da obra (€ 60.000,00) não foi oportunamente alegado pela apelante na contestação, nem resulta dos factos provados e o tribunal de recurso apenas pode atender aos factos alegados e provados nos autos.
O recurso consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer[17]. O recurso ordinário (que nos importa analisar para a situação presente) não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventualmente) daquela em que a decisão foi proferida.
Os recursos destinam-se em regra a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, apenas se excetuando: o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC); a existência de questão de conhecimento oficioso; a alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes; e a mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada. Contudo, nenhuma destas situações de exceção se verifica no caso concreto, motivo pelo qual o tribunal de recurso não pode atender aos novos factos alegados pela apelante.
Entendemos, também, que não se justifica deduzir o valor a título de lucro da autora, que a apelante quantifica em 25%, perante a compensação que se opera entre as duas obrigações de restituição, sendo certo que a apelante não alegou nem provou a margem de lucro que agora indica.
Considera, ainda, a apelante que na liquidação da obrigação de restituição deve ser deduzido o IVA.
O IVA é devido pelo dono da obra, pois como decorre do art. 7º, nº 1, alínea b) CIVA o imposto é devido e torna-se exigível no momento da realização das prestações de serviços, atuando o empreiteiro como mero cobrador do imposto (art. 2.º, n.º 1, al. a), 26.º, n.º 1, al. b), e 35.º, n.º 5, do CIVA 29º/1 b) do CIVA).
Com efeito, o IVA (imposto sobre o valor acrescentado) é, de acordo aliás com a sua nomenclatura, um imposto indireto plurifásico, proporcional e não cumulativo que incide sobre as sucessivas fases do processo de produção e consumo através do método designado por subtrativo indireto, tributando, regra geral e fora dos casos excecionais previsto no CIVA, todos os atos de consumo e recaindo, conforme a sua estruturação lógica, no fim do processo de produção e consumo, sobre o consumidor final.
A incidência deste imposto sobre os preços pode ser convencionada contratualmente na modalidade de IVA incluído ou de IVA a acrescer.
O IVA recai sobre o dono da obra, sujeito passivo e contribuinte de facto, ao passo que o empreiteiro se apresenta como contribuinte de direito, aquele que, como sujeito passivo do tributo (a par do dono da obra), se encontra obrigado à sua liquidação e entrega ao Estado (arts. 2.º, n.º 1, al. a), 26.º, n.º 1, al. b), e 35.º, n.º 5, do CIVA).
Na estrutura da relação jurídico fiscal o devedor de facto ou devedor principal é o contribuinte de facto, o adquirente dos bens ou serviços, aparecendo nessa mesma relação o contribuinte de direito (prestador dos serviços ou fornecedores dos bens) como responsável pela cobrança e liquidação.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[18] tem-se formado o entendimento que nada impossibilita que no quadro das relações (internas) contratuais se estabeleça um acordo – no caso entre empreiteiro e dono da obra – no sentido que o preço englobe o imposto uma vez que um tal acordo não contrariará nenhuma norma legal imperativa, seja quanto à forma, à perfeição ou ao objeto da declaração negocial (artigos 219º e seguintes, 224º e seguintes e 280º e seguintes CC).
Na falta de estipulação em contrário o adquirente de serviços não isento de IVA, deve entregar ao prestador de serviços o imposto sobre o consumo em causa, recaindo sobre este último, na condição de contribuinte passivo, a sua liquidação ao fisco.
Revertendo ao caso dos autos e provado que ficou convencionado entre as partes que o preço incluía IVA (item 2 dos factos provados) e executado o serviço, recai sobre o dono da obra a obrigação fiscal de pagamento de tal valor, que apesar da invalidade do negócio, por vício de forma, não deixa de ser devido, uma vez que o serviço foi executado.
Neste sentido também se pronunciou o Ac. Rel. Guimarães 18 de junho de 2020, Proc. 1901/17.2T8VRL.G1, acessível em www.dgsi.pt.[19].
Por outro lado, não cumpre deduzir ao preço o valor das obras em falta a que se alude no ponto 22. Não se provou que as obras estavam compreendidas no acordo celebrado entre autora e ré (alíneas f) e g) dos factos não provados). Assim sendo, o custo de tais obras não está contemplado no preço convencionado - € 140.000,00, incluindo IVA. Aliás, não estando realizadas tais obras, “o valor correspondente” a restituir nunca incluiria tais obras, quando além do mais não foi pago pela ré-apelante o preço integral e convencionado.
Quanto ao custo das reparações, a que se alude no item 23, é de referir que tal circunstância foi ponderada na sentença, para efeito de liquidação na relação de restituição. A obra foi concluída pela autora, mas o preço não se mostra integralmente pago. No contexto dos factos provados apenas se pode considerar que o preço pago - € 127 224,20 -, corresponde ao valor da obra executada, ainda que com os defeitos apontados.
Em conclusão, por efeito da nulidade do contrato, cada uma das partes é obrigada a restituir aquilo que recebeu, o que significa que não sendo possível restituir a obra executada deve restituir o valor correspondente que será em princípio o valor convencionado no contrato, por corresponder ao preço acordado e devido como contrapartida pela sua realização.
Defendendo-se a ré por exceção, invocando a nulidade do contrato e perante os efeitos de tal declaração, recaía sobre a ré-apelante o ónus da prova que o valor da obra executada era inferior ao valor pago (art. 342º/1 CC). Nada se provando nesse sentido opera-se uma compensação de onde resulta que nada tem a receber da autora.
Atento o exposto, não merece censura a decisão que julgou parcialmente improcedente o pedido formulado sob a alínea a) na reconvenção.
Improcedem as conclusões de recurso sob as alíneas K) a V).
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- Da responsabilidade da autora pelo extravio de material de iluminação -
Nas alíneas W) a Y) das conclusões de recurso insurge-se a apelante contra o segmento da sentença que julgou improcedente o pedido formulado sob a alínea b) na reconvenção, no pressuposto de ser alterada a decisão de facto.
A decisão de facto, que versa sobre a concreta matéria mantem-se no essencial a mesma, pois a alteração introduzida na alínea j) em nada altera a fundamentação da decisão recorrida.
Desta forma, julgam-se improcedentes as conclusões de recurso, sob as alíneas W) a Y).
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pela apelante e apelada na proporção do decaimento, que se fixa em 4/5 e 1/5, respetivamente.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e nessa conformidade:
a) julgar, em parte, procedente a impugnação da decisão de facto e introduzir as seguintes alterações na decisão de facto:
- Factos provados:
- ponto 17: A autora enviou uma carta datada de 22 de setembro de 2015, que chegou ao conhecimento da ré.
- ponto 18: Por carta de 30/09/2015, remetida em 01/10/2015, e em resposta a anterior carta da A., a R. comunicou à A. que a obra tinha os defeitos que elenca nessa carta, nos termos que constam de fls. 109 cujo teor se considera reproduzido, remetendo o relatório referido e datado de 31/08/2015 e recusando-se a aceitar a obra e a pagar o remanescente do preço.
-Factos não provados:
- alínea j) tivesse sido entregue à A. outros materiais de iluminação que não fossem os que a ré, através de D… disponibilizou para colocação em obra.
b) confirmar a sentença.
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Custas a cargo da apelante e apelada, na proporção do decaimento que e fixa em 4/5 e 1/5, respetivamente.
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Porto, 26 de abril de 2021
(processei e revi – art. 131º/6 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] A enunciação dos factos provados na sentença contém lapsos de escrita nos itens 4, 8, 10, 11, os quais se retificaram no presente texto, nomeadamente, quanto à data das cartas, face ao teor de tais documentos juntos com a petição.
[3] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, Julho 2013, pag. 126.
[4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pag. 225.
[5] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, Janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada pag.272.
[6] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol IV, pag. 569.
[7] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt.
[8] Ac. STJ 28.05.2009 - Proc. 115/1997.5.1 – www.dgsi.pt.
[9] Ac. Rel. Porto de 19 de setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt
[10] ANTÓNIO DOS SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil – Novo Regime, Coimbra, Almedina, Setembro 2008, 2ª ed. revista e atualizada pag. 299 e Ac. STJ 20.09.2007 CJSTJ, XV, III, 58, Ac STJ 28.02.2008 CJSTJXVI, I, 126, Ac. STJ 03.11.2009 – Proc. 3931/03.2TVPRT.S1; Ac. STJ 01.07.2010 – Proc. 4740/04.7 TBVFX-A.L1.S1 (ambos em www.dgsi.pt).
[11] “64ºEm Agosto de 2013 a ora Ré acabou por adquirir o imóvel do Sr. D… – cfr. doc n.º 1.
65º Tendo-se operado uma cessão de posição contratual no contrato de empreitada aqui em questão.
66º O que foi falado entre o Sr. D…, a legal representante da ora Ré e o legal representante da Autora.
67º Sendo certo que a legal representante da Ré conhece o legal representante da Autora há vários anos.
68º Existindo relações de amizade entre a legal representante da Ré e da Autora, sempre esta foi-lhe adiantando os valores que foram acordados”.
[12] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português-Parte Geral, Tomo I, Livraria Almedina, Coimbra, Março de 1999, pag. 581 e LUÍZ CARVALHO FERNANDES JOSÉ BRANDÃO PROENÇA, COORD Comentário ao Código Civil-Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa 2014, pag. 717
[13] LUÍZ CARVALHO FERNANDES JOSÉ BRANDÃO PROENÇA, COORD Comentário ao Código Civil-Parte Geral, ob. cit., pag. 718
[14] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português-Parte Geral, Tomo I, ob. cit., pag. 582
[15] LUÍZ CARVALHO FERNANDES JOSÉ BRANDÃO PROENÇA, COORD Comentário ao Código Civil-Parte Geral , ob. cit., pag. 718
[16] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português-Parte Geral, Tomo I, ob. cit., pag. 583
[17] CASTRO MENDES Direito Processual Civil – Recursos, ed. AAFDL, 1980, pag. 5.
[18] Ac. STJ 23 de novembro de 2011, Proc. 127/06.5TBMDA.C1.S1; Ac. STJ 04 de junho de 2013, Proc. 137/09.0TBPNH.C1.S1, ambos em www.dgsi.pt
[19] Contudo, em sentido diferente decidiu-se no Ac. STJ 16 de maio de 2019, Proc. 2966/16.0T8PTM.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt