Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
273/14.1TAPRD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: PENA DE MULTA
EXECUÇÃO
PRAZO
PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Nº do Documento: RP20180627273/14.1TAPRD-A.P1
Data do Acordão: 06/27/2018
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ªSECÇÃO, (LIVRO DE RESGISTOS N.º29/2018, FLS.238-242)
Área Temática: .
Sumário: O prazo a que se reportam os artigos 489.º.n.º 2, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal não tem natureza perentória e o seu decurso não preclude a possibilidade de vir a ser requerida mais tarde a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pr 273/14.1TAPRD-A.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – B… veio interpor recurso do douto despacho do Juiz 2 do Juízo Local Criminal de Paredes do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este que indeferiu o requerimento por si apresentado de substituição da multa em que foi condenado por prestação de trabalho a favor da comunidade.

São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:
«1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido nos autos, na firme convicção que o mesmo enferma de nulidade, atento o incumprimento de várias formalidades legalmente prescritas e que, em boa verdade, influenciam o exame e a decisão da causa bem como, de uma errada e insuficiente qualificação jurídica que serviu de base à decisão, a qual vai em sentido bem diferente daquele que, Vossas Excelências elegerão, certamente, como mais acertado, depois da necessária reponderação dos pertinentes pontos da matéria de facto e de direito e à luz dos meios probatórios disponíveis.
2. O objecto do presente recurso consubstancia-se na impugnação da decisão proferida pelo Tribunal a quo nos seguintes termos:
- Não concorda o ora arguido com a posição assumida pelo Tribunal a quo quanto à condenação de cumprimento de pena subsidiária de prisão devido a apresentação de prova de extrema insuficiência económica, prova bastante, que demonstra que a razão de não pagamento não lhe é imputável.
- O ora recorrente afirmam não conformidade da decisão com o princípio da proporcionalidade, bem como com o do afastamento das penas detentivas. Baseia-se este pedido na não concordância com a decisão proferida pelo tribunal a quo de que o artigo 439° n° 2 do CPP se trata de um prazo peremptório, porquanto no entendimento da ora recorrente o prazo estabelecido trata-se de um prazo meramente ordenador Por fim, não encontra fundamento para a interpretação do art. 49º n° 3, do Código Penal, efectuada pelo tribunal a quo e, também, com a discriminação, não constitucionalmente admissível, entre aquele que dispõe de meios económicos e aquele que dos mesmos não dispõe para cumprir a prestação de forma imediata.
3. Desde logo, salvo o devido respeito, jamais o ora recorrente poderão concordar com o entendimento do Tribunal recorrido.
O arguido é pobre e não tem possibilidades económicas neste momento de pagar a totalidade ou parte da pena de multa a que foram condenado, apesar de todas as diligências efectuadas nesse sentido, mas pode-se dizer em prol da verdade que sobrevive devida às ajudas de familiares e amigos.
4. O arguido, não liquidou a pena de multa a que foi condenado porque não pode, não porque não quis.
5. Neste momento, o arguido não tem mesmo possibilidades económicas de liquidar a multa em todo ou em parte, nem tem a quem recorrer de angariar o valor para liquidar o montante em dívida.
6. Face ao exposto, vem o arguido por este meio requerer a V.Ex.as mui respeitosamente a execução da prisão subsidiária seja suspensa pelo período a determinar oficiosamente mediante o cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.
7. Portanto, o arguido não pagou a multa aplicada em substituição da pena de prisão, pelo que inexistindo bens susceptíveis de execução para pagamento coercivo, vai ser determinado o cumprimento da pena de prisão.
8. Tal pode, no entanto ser evitado, se for preenchida a hipótese prevista no n° 3 do art. 49º, a que o arguido fez apelo. Dispõe essa norma que:
“3 - Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os poderes ou regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem é declarada extinta.”
9. Ora, face aos factos expostos ao longo do processo conclui-se que o arguido não possui meios para pagar a multa, pelo que se justifica que a pena seja suspensa, mediante a sujeição do arguido a regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.
10. O mais adequado à sua situação até pela sua idade será a de prestação de tarefas ou trabalhos, a favor da comunidade, pelo período correspondente ao tempo de prisão que falta cumprir.
11. O douto Tribunal a quo indeferiu, por extemporâneo, o requerimento de pedido de substituição de pena de multa por trabalho a favor da comunidade, concluindo que o prazo a que alude o art 439 n°2, do Código de Processo Penal é um prazo peremptório.
12. O ora recorrente não concorda com essa interpretação, entendendo que o prazo previsto no art. 439° nº 2 do Código de Processo Penal é um prazo meramente ordenador. Realça que os prazos peremptórios estabelecem o período de tempo dentro do qual o acto pode ser praticado, enquanto que, por seu turno, os prazos meramente ordenadores estabelecem um limite de tempo para a prática dos actos, mas nem por isso se praticados após o decurso desse prazo perdem a validade.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando também pelo não provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, a de saber se deverá ser indeferido, por intempestividade, o requerimento, apresentado pelo arguido e ora recorrente, de substituição da pena de multa em que este foi condenado por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos dos artigos 48.º, n.º 1, do Código Penal, 489.º, n.º 2, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Na motivação do recurso, o arguido e recorrente alega que não tem possibilidades financeiras de proceder ao pagamento dessa multa e, por isso, esta deverá ser suspensa na sua execução, nos termos do artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal. No entanto, esta questão não foi apreciada no despacho recorrido (nem deveria ter sido, pois também não foi objeto do requerimento apresentado pelo arguido), pelo que também não poderá ser objeto deste recurso.

III – É o seguinte o teor do despacho recorrido:

«Requerimento de fls. 301: Como resulta do disposto no artigo 489º e 490º, nº 1, ambos do C.P.P. era de 15 dias, após a notificação para efectuar o pagamento da pena de multa, o prazo que o arguido dispunha para requerer a sua substituição por dias de trabalho a favor da comunidade, motivo pelo qual vai indeferido o requerido por extemporâneo.
Notifique.»

IV – Cumpre decidir.
A questão em apreço, que desde há muito vem dividindo a jurisprudência, diz respeito à natureza (perentória ou não) do prazo a que se reportam os artigos 489.º.n.º 2, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Considera o despacho recorrido, e considera o Ministério Público na resposta à motivação do recurso e no parecer apresentado nesta instância, que estamos perante um prazo perentório e que o seu decurso preclude a possibilidade de vir a ser requerida mais tarde a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade. Invoca essa tese a letra da lei, com a alegação de que se fosse outra a intenção do legislador, ele não teria fixado tal prazo e teria afirmado expressamente que o referido requerimento poderia ser apresentado a todo o tempo.
Afigura-se-nos que este entendimento não é consentâneo com o espírito da lei, sendo que também não é imposto pela sua letra.
É manifesta a preferência do Código Penal por penas não privativas da liberdade com recurso à pena de prisão apenas como ultima ratio, preferência que as sucessivas reformas nunca deixaram de reforçar (veja-se, desde logo, o seu artigo 70.º). Essa preferência será ainda mais justificada quando está em causa a reação perante a falta de pagamento de uma pena de multa, normalmente relativa à prática de um crime de menor gravidade e onde serão menores as exigências de prevenção geral, e sendo essa falta de pagamento normalmente motivada por carências económicas e financeiras. Reflexo dessa preferência nestes casos são as várias possibilidades de evitar o cumprimento da pena de prisão subsidiária correspondente à pena de multa: pagamento diferido ou em prestações (artigo 47.º, n.º 3), pagamento a todo o tempo (artigo 49.º, n.º 2), substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 48.º), suspensão da execução da prisão subsidiária (artigo 49.º, n.º 3).
Assim sendo, contrasta claramente com esse espírito a tese que atribui natureza perentória ao prazo a que se reportam os artigos 489.º.n.º 2, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Essa tese faz prevalecer razões de ordem formal sobre um princípio que pode considerar-se trave mestra de todo o edifício do Código Penal.
E não pode dizer-se que se trate de uma tese imposta pela letra da lei. Desta não deriva necessariamente que estejamos perante um prazo perentório. Há que salientar que o prazo de pagamento da multa referido no artigo 489.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e para que remete o artigo 490.º, n.º 1, do mesmo Código (este relativo ao prazo de apresentação do requerimento de substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade) também não é perentório. Na verdade, o condenado pode pagar a multa a todo o tempo para evitar o cumprimento da prisão subsidiária (artigo 49.º, n.º 2, do Código Penal). Não seria coerente com este regime considerar que é perentório o prazo para requerer a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade.
No sentido de que o prazo a que se reportam os artigos 489.º.n.º 2, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal não tem natureza perentória e que o seu decurso não preclude a possibilidade de vir a ser requerida mais tarde a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, pronunciam-se, entre outros, os acórdãos desta Relação de 5 de julho de 2006, proc. n.º 0612771, relatado por Borges Martins; de 30 de setembro de 2009, proc. n.º 344/06.8GAVLC.P1, relatado por Olga Maurício; de 15 de junho de 2011, proc. n.º 422/08.9PIVNG-A.P1, relatado por Olga Maurício; e de 7 de julho de 2016, proc. n.º 480/13.4GPRT-A.P1, relatado por Luísa Arantes; e os acórdãos da Relação de Évora de 25 de maio de 2011, proc. n.º 2239/09.4PAPTM.E1, relatado por João Gomes de Sousa; de 12 de julho de 2012, proc. n.º 751/09.4PPTR.E1, relatado por Clemente Lima; e de 8 de janeiro de 2013, proc. n.º 179/07.0GBPSR-A.P1, relatado por João Amaro; todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Deve, pois, ser concedido provimento ao recurso. O despacho recorrido deverá ser substituído por outro, que defira o requerimento de substituição da multa em que o arguido e recorrente foi condenado por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 48.º do Código Penal, e que notifique o requerente para prestar as informações a que se reporta o artigo 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Não há lugar a custas (artigo 513.º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal)

V – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso, determinando que o despacho recorrido seja substituído por outro, que defira o requerimento de substituição da multa em que o arguido e recorrente foi condenado por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 48.º do Código Penal, e que notifique o requerente para prestar as informações a que se reporta o artigo 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Notifique

Porto, 27/6/2018
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo (vencida, conforme declaração que junto)
_________
Declaração de Voto:
Votei vencida a presente decisão, porquanto perfilho o entendimento de que o prazo previsto no art. 489.º, do C.P.P. tem natureza perentória, o que significa que após o seu decurso, sem que tenha sido invocado e comprovado justo impedimento, fica o condenado impedido de requerer o pagamento da pena de multa em prestações ou o seu cumprimento em dias de trabalho a favor da comunidade (cfr. neste sentido Acórdãos do TRPorto de 09.11.2011, Proc. n.º 31/10.2PEMTS.AP1, de 23.06.2010, Proc. n.º 95/06.3GAMUR-B.PI, de 10.09.2008, Proc. n.º 0843469, de 11.07.2010, Proc. n.º 0712537, de 02.05.2012, Proc. nº 524/08.1TAPVZ-A.P1; de 05.03.2014, Proc. nº 1062/07.5TAGDM-A.P1, de 12.11.2014, Proc. nº 662/09.3GCVNF-A.P1, de 19.11.2014, Proc. nº 1068/11.0TAMTS-A.P1, de 11.03.2015, Proc. nº 208/12.6GAVPA-A.P1 e de 11.05.2016, Proc. nº 53/06.8PCPRT.P1; Acórdãos do TRCoimbra de 10.02.2010, Proc. nº 104/06.6PTCBR.C1, de 13.06.2012, Proc. nº 202/10.1.GBOBR.C1, 18/03/2013, Proc. n.º 368/11.3GBLSA-A.C1, 18/09/2013, Proc. n.º 145/11.1TALSA-A.C1, de 22.01.2014, Proc. nº 247/08.1GTLRA-A.C1, de 11/02/2015, Proc. n.º 12/12.1GECTB-A.C1, de 15.04.2015, proc. nº 531/09.7GBAND.C2, e de 29.06.2016, Proc. nº 158/14.1GATBU-A.C1; Acórdãos do TRGuimarães de 12.11.2007, Proc. n.º 1995/07, de 22.10.2012, Proc. nº 171/09.0TAAVV.G1, de 04.11.2013, Proc. nº 331/10.1GCGMR-B.G1; Acórdão do TRLisboa de 17.10.2013, Proc. nº 3/11.0PFSCR-A.L1-9, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Como se refere no Ac. R. Guimarães de 02.11.2011, “Há que dar prevalência a penas de multa quando as mesmas sejam suficientes para satisfação das finalidades da punição, mas também se configura muito importante que os prazos legais claramente expressos na Lei sejam observados e que no caso de não o serem, sejam extraídas consequências, sob pena de jamais se lograr um sistema jurídico suficientemente seguro e eficaz”.
Da conjugação dos preceitos legais contidos nos artigos 48.º e 49.º do Código Penal e artigos 489.º e 490.º do Código Processo Penal, entendemos ser medianamente claro que o legislador previu o cumprimento da pena de multa através de um sistema múltiplo e sucessivo de etapas:
- pagamento voluntário através de uma única entrega de quantia monetária;
- pagamento (voluntário) diferido ou em prestações da multa, após deferimento de requerimento formulado nesse sentido pelo condenado;
- substituição da pena de multa por dias de trabalho, após deferimento de requerimento formulado nesse sentido pelo condenado;
- pagamento coercivo; e
- conversão da multa em prisão subsidiária.
Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser-lhe suspensa.
Como se consignou no acórdão desta Relação de 09.11.2011 «(…) na interpretação das normas jurídicas, o argumento literal, não deve ser desprezado e deve-lhe mesmo ser concedido peso decisivo, na tarefa, por vezes árdua, de procurar o sentido da norma querido pelo legislador. (…)
Por outro lado, em termos de regras de interpretação, dispõe o artigo 9º C Civil, que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos jurídicos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, n.º1, “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, n.º2 e, “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, nº. 3. (…)
Cremos pois que, da conjugação das normas atrás transcritas, decorre a impossibilidade de ser atendido o requerimento apresentado pelo arguido a pretender a substituição da multa não paga, por prestação de trabalho, se formulado depois de decorrido o prazo legal que tinha para efetuar o seu pagamento.
Aliás, quando refere “a todo o tempo” - mesmo depois de esgotado o prazo previsto para o efeito - a lei só prevê, e expressamente, a possibilidade de pagamento da multa (artº 49º nº 2 do Cód. Penal). Com efeito, a multa pode ser paga, mesmo quando a prisão está iminente ou quando já se iniciou a respetiva execução.
Se o legislador também quisesse que o requerimento a que alude o artº 490º nº 1 pudesse ser feito a todo o tempo, seguramente que o teria dito expressamente, e não teria optado pela imposição tão clara de um prazo fixo (“o prazo é de 15 dias”).
Aliás, o Supremo Tribunal de Justiça, no AFJ n.º 7/2016, após concluir pela admissibilidade do cumprimento da multa de substituição mediante a prestação de trabalho, afirmou expressamente «Admitindo, pois, o pagamento da multa de substituição em dias de trabalho, esta modalidade de pagamento apenas pode ocorrer quando haja requerimento do condenado (cf. artigo 48.º, do CP). Deve, então, o condenado requerer, no prazo de 15 dias após a notificação para o pagamento, aquela específica modalidade de execução antes de entrar em incumprimento (cf. artigo 490.º, do CPP e artigo 489.º, n.ºs 2, do CPP 48; caso tenha sido autorizado anteriormente o pagamento em prestações poderá requerer o pagamento em dias de trabalho antes de expirar o prazo para o pagamento da prestação, ou enquanto não ocorrer uma situação de mora).»
Ou seja, o condenado só poderá requerer a substituição da multa por prestação de trabalho depois de decorrido o prazo de 15 dias para o pagamento voluntário, no caso de ter previamente requerido o diferimento do pagamento da multa ou autorizado o sistema de prestações. Nessa situação, antes de entrar em mora ou de expirar o prazo para pagamento de qualquer uma das prestações, se a situação económica do condenado se tiver alterado de forma a impossibilitar o cumprimento da pena pela modalidade requerida, poderá requerer então a substituição da pena de multa (ou da parte não paga) por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Só assim se compreende que o artº 490º nº 1 do C.P.P. faça expressa referência ao nº 3 do artº 489º e não apenas ao nº 2 do mesmo preceito.
Como se decidiu no Ac. R. Évora de 29.03.2016[3], “uma vez que o legislador achou por bem mencionar expressamente no n º3 do artigo 489º do CPP o diferimento do prazo de pagamento e o pagamento em prestações, parece-nos que o artigo 490º nº1 do CPP é razoavelmente claro, logo no plano literal, ao dispor que “O requerimento para substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos nºs 2 e 3 do artigo anterior…”, pois não se vislumbra outro sentido para esta referência ao prazo previsto no nº3 do artigo anterior que não seja deixar clara a possibilidade de apresentação do pedido de substituição da multa por dias de trabalho até ao novo termo do prazo para pagamento da multa, resultante do seu diferimento ou pagamento em prestações.”
Por outro lado, a multa como pena criminal só poderá satisfazer eficazmente as finalidades de reprovação e de prevenção do crime se puder ser executada num prazo temporalmente próximo da respetiva decisão condenatória (antes que se perca a memória do ilícito).
A natureza perentória dos prazos estabelecidos nos arts. 489.º, n.ºs 2 e 3, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal necessariamente conduz à resposta de que o seu decurso implica a preclusão dos respetivos direitos. Se assim não fosse, a execução da pena multa ficaria na direta dependência da vontade e disponibilidade do condenado em cumprir, como cumprir e quando cumprir. Em evidente prejuízo da sua eficácia penal.
E como sustenta o Prof. Figueiredo Dias[4], “as facilidades de pagamento devem obstar, por um lado, a que a pena de multa não seja cumprida e, por outro lado, que levem a perder o seu carácter de verdadeira pena e a sua esperada eficácia penal”.
Como se refere no Ac. R. Guimarães de 12.11.2007, acima citado, “o arguido pode requerer a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade enquanto estiver em tempo para pagar a multa. Por outras palavras, enquanto o pagamento da multa ainda não estiver em mora. Percebe-se que assim seja: está em causa uma pena criminal. A lei não pretendeu proteger relapsos. Só visou contemplar o caso daqueles que, conformando-se com a inevitabilidade do cumprimento da pena, se dispõem a cumpri-la, mas, no momento do cumprimento, estão em situação económica incompatível com o esforço exigido. A substituição da multa por trabalho prevista no art. 48 do Cod. Penal não é uma tábua de salvação para quando estiver iminente a conversão em prisão subsidiária, ou até, depois da conversão ter sido decidida. O normal e o que a lei exige, é que o cidadão condenado mostre ativo interesse e preocupação em efetivamente cumprir a pena nos prazos fixados. Talvez seja uma noção que se está a perder, mas nada permite outro entendimento”.
Permitir-se que o condenado possa a todo o tempo, sem sujeição a qualquer prazo preclusivo, requerer a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade (como pode, a todo o tempo, pagar a multa para evitar a prisão subsidiária), poderia levar, no limite, a situações não queridas, naturalmente, pelo legislador, de a pena de prisão subsidiária estar já a ser executada e, a requerimento do condenado, vir o remanescente a ser substituído por PTFC e que, em caso de incumprimento desta pena, se voltasse a determinar a execução da parte não cumprida. Ou seja, perdoe-se-nos a expressão, “um entra e sai” de acordo com a mera vontade do condenado em cumprir, como cumprir e quando cumprir a pena.
Enquanto que o pagamento da multa em qualquer momento determina a imediata extinção da pena, a substituição desta por PTFC só se extinguirá se e quando efetivamente prestado.
Julgaria, por isso, improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida que considerou extemporâneo o requerimento apresentado pelo arguido.

Eduarda Lobo