Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
110/18.8T8VLG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
PRINCÍPIO DA AUTO-RESPONSABILIZAÇÃO DAS PARTES
Nº do Documento: RP20200622110/18.8T8VLG-B.P1
Data do Acordão: 06/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Na vertente da cooperação do tribunal com as partes, que o princípio da cooperação enunciado no art. 7º, do CPC comporta, incumbe ao juiz o poder-dever de auxiliar qualquer das partes na remoção ou ultrapassagem de obstáculos que razoavelmente as impeçam de actuar eficazmente no processo, comprometendo o êxito da acção ou da defesa, e que não se possam imputar à parte por eles afectada.
II – No entanto, nos termos do nº 4, do mesmo art. 7º, cumprirá à parte que pretende obter a cooperação do tribunal, justificar, de forma convincente, que não está ao seu alcance, mesmo actuando com a diligência devida, obter as informações ou documentos de que depende a eficácia da sua actuação processual.
III - Porque, aquele poder-dever que incumbe ao juiz, no âmbito do princípio da cooperação consagrado naquele art. 7º, não é um poder ilimitado que se sobreponha ao princípio da auto-responsabilidade das partes e aos ónus de alegação e de prova que incumbem a cada uma das partes.
IV - Nem tal é de modo diverso, em situações em que se discutam as concretas circunstâncias em que ocorreu um acidente, apesar de no processo do trabalho o poder do juiz ser mais amplo que no processo civil.
V - Não se pode confundir, apesar da estreita afinidade que os une, a confissão e o depoimento de parte. O depoimento de parte é apenas uma das vias processuais através das quais se pode obter a confissão e porque esse mesmo depoimento está sempre sujeito ao disposto no art. 361º do CC, ou seja, à livre apreciação do tribunal.
VI - O depoimento de parte, requerido pelas partes, só pode ser rejeitado liminarmente pelos fundamentos expostos nos art.s 453º e 454º do CPC, na medida em que quando o Tribunal aprecia a admissibilidade do referido depoimento não sabe (nem pode saber) se o depoente vai confessar os factos.
VII – Daí que, só na audiência de discussão e julgamento, o Tribunal poderá tomar posição: não reconhecer a força vinculativa do reconhecimento feito pela parte, nomeadamente, por a confissão ter recaído sobre factos favoráveis à parte que depõe ou porque recaiu sobre factos relativos a direitos indisponíveis (cfr. art.s 352º e 354º al.b) do CC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de Valongo - Juiz 2
Recorrente: B…
Recorrida: C…, Lda

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
Por não se terem conciliado na fase conciliatória, veio o sinistrado, B…, intentar acção especial emergente de acidente de trabalho contra a “C…, Lda”, pedindo a procedência desta e, em consequência, a condenação da Ré a pagar-lhe:
1 - o capital de remição da pensão anual de 300,75 €, devida desde 7 de Fevereiro de 2018, dia seguinte ao da alta.
2 – a quantia de 1.025,39 € a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária não pago.
3 – A quantia de 15€ gasta com deslocações obrigatórias a este Tribunal e ao Instituto de Medicina Legal.
4 – Juros de mora, vencidos e vincendos sobre aquelas quantias até integral pagamento.
Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que no dia 12 de Dezembro de 2017, foi vítima de um acidente de trabalho, o qual lhe provocou traumatismo do 1º dedo da mão esquerda e lesões que lhe determinaram uma IPP de 4,5%, quando exercia as funções de pintor e trabalhava por conta da ré, sua entidade empregadora, mediante a remuneração anual de € 557,00 x 14 meses + € 159,06 x 11.,
Mais, alega que a ré não tinha a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para entidade seguradora e apesar de aceitar a existência do acidente e a retribuição reclamada, não aceitou a sua caracterização como acidente de trabalho, não aceitou o nexo causal entre as lesões e o acidente e não aceitou o grau de desvalorização atribuído pelo INML
Citada, a R. apresentou contestação alegando, desde logo, que tinha transferido a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho para seguradora, contra a qual interpôs acção no sentido de ver considerado válido o contrato de seguro de acidentes de trabalho, tendo o A. sido ouvido nesse processo na qualidade de testemunha, tendo prestado as suas declarações, que se encontram gravadas naquele, onde confessou que para nivelar a plataforma que usava para pintar, resolveu cortar um pedaço de madeira com um serrote, quando na p.i. vem afirmar que estava a ajudar na colocação de “parquet”, questionando qual a versão que deve ser considerada como correspondendo à verdade material?
Nega o alegado pelo A. quanto às circunstâncias do acidente, atribuindo a sua ocorrência à exclusiva responsabilidade do mesmo.
Conclui pedindo que deve a presente acção ser julgada improcedente, por não provada e a mesma absolvida dos pedidos.
Como prova: Documental - Requereu que seja oficiado ao Tribunal local Cível do Porto relativamente ao processo nº 3885/18.0T8PRT do juízo local Cível – juiz 5 do Tribunal do Porto para que sejam facultadas as declarações prestadas do A, B….
Pericial – Requereu a submissão do A. a junta médica.
E, indicou – Testemunhas.
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Oportunamente, foi proferido despacho saneador tabelar, fixado o objecto do litígio e os temas de prova e determinada a organização do apenso para fixação da incapacidade para o trabalho, no âmbito do qual foi proferida sentença que fixou em 1,5% a incapacidade permanente parcial do autor, reportando a data da alta a 6 de Fevereiro de 2018.
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Após, em sede de instrução, em 05.02.2020, foi proferida a seguinte decisão:
Req.º de prova do autor (fls 144 v. e 145):
Admito o requerido depoimento de parte, a prestar pelo legal representante da ré, mas apenas à matéria de facto indicada que persiste controvertida (a matéria dos artigos indicados 1.º a 6.º e 8.º já se mostra admitida por acordo, e quanto à matéria do art. 7.º sobre a mesma já incide «caso julgado»)
Admito o rol de testemunhas, sendo a testemunha D… a apresentar.
Req.º de prova da ré (fls 152 v., req.º ref.ª 23590914 e req.º ref.ª 33833614):
Admito o rol de testemunhas.
Quanto ao req.º para que se oficie a pedir a gravação do depoimento prestado pelo autor no âmbito de outro processo judicial na qualidade de testemunha:
Em primeiro lugar, não se vê porque não pudesse a ré diligenciar directamente por obter a gravação/documento que pretende.
Em segundo lugar, e determinantemente, atenta a natureza da presente acção, que versa direitos indisponíveis, não é admissível o depoimento de parte do autor – cf. art. 354.º b) do CC e, neste sentido, Ac. TRL de 10-01-2019, Proc. 41/18.1T8CSC-B.L1-6, Gabriela Marques, www.dgsi.pt.
Ora, a deferir-se o requerido estar-se-ia a, por linhas travessas, lançar mão do mesmo meio de prova.
Pelo exposto, indefere-se a requerida diligência.
Audiência de julgamento no dia 04/3, às 09:30 horas, sem prejuízo do disposto no art. 151.º/2 do CPC.
Notifique e D.N.”.
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Inconformada a R. com aquele despacho, “na parte que INDEFERIU oficiar ao juízo local cível do Porto- juiz 5 e processo nº 3885/18.0T8PRT para juntar a gravação do depoimento do A. nesse processo enquanto testemunha e ainda o depoimento de parte do A.”, dele interpôs recurso, cujas alegações terminou com as seguintes CONCLUSÕES:
“1. Ao indeferir a diligência em oficiar o Tribunal Cível do Porto para juntar aos autos a gravação do depoimento do Apelado prestado enquanto testemunha e bem assim ao indeferir o depoimento de parte do mesmo requerido pela R. ora Apelante, o tribunal a quo está a omitir meios de prova essenciais à descoberta da verdade da causa.
2. O depoimento de parte é uma das vias processuais através das quais se pode obter a confissão, que como elemento probatório o tribunal terá de apreciar livremente nos termos do artigo 361º do Código Civil juntamente com as demais provas e que não está sujeita à força probatória vinculada.
3. Ora, como melhor consta em diversa jurisprudência assente, nem ao tribunal, nem à parte contrária, está vedado requerer o “depoimento de parte” da contraparte, designadamente em matéria de acidentes de trabalho, relativa ao circunstancialismo da sua ocorrência.
4. Ora tal imposição decorre dos princípios da imediação e oralidade, enquanto instrumentais do principio da verdade material, cujo apuramento é essencial neste ramo do direito, nos termos do artigo 71º do CPT e 131º nº 2 do mesmo diploma que impõe a comparência pessoal do A. e da R. no julgamento.
5. O artigo 354º alínea b) do Código Civil consagra que a confissão não faz prova contra o confitente se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis e ainda o artigo 361º do mesmo diploma que o reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, mas vale como elemento probatório que o tribunal apreciara livremente.
6. Com o depoimento de parte do Apelado, a Apelante apenas pretende esclarecer os factos concretos que originaram o sinistro em apreço não estando aqui em causa a relação laboral entre empregador e funcionário, pelo que não são direitos indisponíveis.
7. E sendo assim deverá o despacho recorrido ser alterado, sendo oficiado o tribunal cível para juntar a gravação do depoimento do Apelado enquanto testemunha nesse processo e ainda admitindo-se o depoimento de parte do Apelado para a descoberta da verdade material.
8. Pelas sobreditas razões, o douto despacho saneador está ferido de erro na apreciação da factualidade e interpretação e aplicação das normas dos artigos 352º, 356º, 358º nº 1, 354º alínea b) e artigo 36lº todos do Código Civil e ainda das previstas no artigo 552º do C.P.C e artigo 71º do C.P.T.
9. O Tribunal a quo limitou-se apenas a fazer uma interpretação restritiva, tendo apenas por base o artigo 354º alínea b) do Código Civil e sem ter em conta a conjugação dos restantes normativos 352º, 356º, 358º nº l e artigo 36lº todos do Código Civil e ainda dos artigo 552º do C.P.C e artigo 71º do C.P.T.
10. O Tribunal a quo fez tábua rasa do principio da verdade material que é essencial alcançar no processo em causa.
Pelo exposto e com o douto suprimento de V.Exas, deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo o Tribunal a quo decidir pela procedência e deferimento dos pedidos formulados pela Apelante, com o que se fará inteira e sã JUSTIÇA!”.
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O A. respondeu nos termos das contra-alegações juntas que terminou com as seguintes:
“CONCLUSÕES
O tribunal não omitiu meios de prova essenciais à descoberta da verdade e tanto assim é que não lhe foi solicitada a junção desse meio de prova.

A versão apresentada pelo aqui autor no julgamento da acção cível ou a apresentada na petição configura o conceito de acidente de trabalho pelo que tem direito a ser ressarcido nos exactos termos definidos por lei.

Não foi, pois, em nome do princípio da veracidade ou da plenitude dos meios de prova admissíveis, que foi indeferida a pretensão da recorrente.

O despacho recorrido não violou qualquer preceito legal.

Nestes termos v. Excias. negando provimento ao recurso farão a devida justiça.”.
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Em 03.03.2020, foi admitida a apelação, com subida em separado, de imediato, ordenada a instrução do presente apenso e, oportunamente, a remessa dos autos a esta Relação.
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Neste Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer, nos termos do art. 87º, nº 3, do CPT, dado a acção a que estes se encontram apensos, ter sido instaurada com o patrocínio do Ministério Público.
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Cumpridos os vistos legais, nos termos do disposto no art. 657º, nº 2, do CPC, há que apreciar e decidir.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigo 87º do CPT e artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 639º, nºs 1 e 2 e 640º, do CPC (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho e diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos sem outra indicação de origem) e importando conhecer de questões e não de razões ou fundamentos, as questões a decidir e apreciar consistem em saber se o Tribunal “a quo” errou ao indeferir o pedido da ré para que se oficiasse a pedir a gravação do depoimento do A., prestado enquanto testemunha, no processo nº 3885/18.0T8PRT, com fundamento em não ver que a ré não pudesse diligenciar por aquela gravação e considerar que tal pedido equivale a requerer-se o depoimento de parte do sinistrado não admissível nesta acção.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Os factos a considerar são os que decorrem do relatório que antecede e se encontram documentados nos autos.
Apreciando.
Vem o presente recurso interposto do despacho, proferido na acção especial emergente de acidente de trabalho, que indeferiu o pedido da Ré/recorrente, em sede de contestação, no que respeita à prova que apelida de “Documental” a produzir naquela acção, requerendo que o Tribunal “a quo” oficiasse ao Juízo Local Cível do Porto, processo nº 3885/18.0T8PRT, Juiz 5, para facultar a gravação do depoimento prestado pelo A. naquele processo, enquanto testemunha, com base em dois argumentos, ou seja: “Em primeiro lugar, não se vê porque não pudesse a ré diligenciar directamente por obter a gravação/documento que pretende.
Em segundo lugar, e determinantemente, atenta a natureza da presente acção, que versa direitos indisponíveis, não é admissível o depoimento de parte do autor – cf. art. 354.º b) do CC e, neste sentido, Ac. TRL de 10-01-2019, Proc. 41/18.1T8CSC-B.L1-6, Gabriela Marques, www.dgsi.pt.
Ora, a deferir-se o requerido estar-se-ia a, por linhas travessas, lançar mão do mesmo meio de prova.”.
A recorrente, como refere, desde logo, no requerimento de interposição do recurso, insurge-se contra aquele, “na parte que indeferiu oficiar ao juízo local cível do Porto- juiz 5 e processo nº 3885/18.OT8PRT para juntar a gravação do depoimento do A. nesse processo enquanto testemunha e ainda o depoimento de parte do A.”, (sublinhado nosso)
E, assenta a sua argumentação quer a nível das alegações, quer das conclusões, defendendo que “o Tribunal “a quo” está a omitir meios de prova essenciais à descoberta da verdade da causa”, quer ao indeferir a diligência de oficiar ao juízo local cível do Porto- juiz 5, processo nº 3885/18.0T8PRT, para juntar a gravação do depoimento do A. nesse processo enquanto testemunha bem, assim, ao indeferir o depoimento de parte requerido pela R. ora Apelante”, (sublinhado nosso).
Ora, sempre com o devido respeito, por diferente entendimento, a propósito desta argumentação e conclusão da recorrente importa, desde logo, que se faça o seguinte reparo.
Ao contrário do que a recorrente considera, não só o Tribunal “a quo”, no despacho recorrido, não indeferiu o depoimento de parte do A., como da análise dos autos, em concreto, do requerimento de prova apresentado pela ré, (referido no relatório deste acórdão) não se vislumbra que esta o tivesse requerido, como agora vem dizer.
Assim, não só o Tribunal “a quo” não indeferiu qualquer depoimento de parte do A., como se o tivesse feito, estaria a pronunciar-se sobre pedido que não lhe foi colocado, já que como bem o notou o A., nas suas contra-alegações, a ré/recorrente não requereu nos autos, (até à prolação do despacho recorrido) o depoimento de parte do A., limitando-se a requerer, como dissemos, a junção daquela gravação que apelidou de prova “Documental”, alegando serem diferentes as versões que o A., na qualidade de testemunha “confessou”, naquele processo e a que afirma na p.i., quanto às circunstâncias do acidente, aqui, em discussão.
No entanto, a ré além da prova testemunhal que indicou e da prova pericial requerida, apenas requereu que fosse oficiado no sentido de serem facultadas as declarações prestadas pelo A., naquele processo, enquanto testemunha, diligência que o Tribunal “a quo” indeferiu, nos termos e com os argumentos constantes do despacho recorrido. Ou seja, o Tribunal “a quo” para justificar o indeferimento daquele requerimento, para que se oficiasse a pedir a gravação do depoimento prestado pelo A., na qualidade de testemunha, no âmbito do referido processo judicial, além de referir não ver porque não pudesse a ré diligenciar directamente por obter a gravação que pretende (razão, bastante, para o indeferimento daquele requerimento), argumentou, também, que a deferir-se o requerido “estar-se-ia, por linhas travessas, a lançar mão” do depoimento de parte do autor, que não é admissível “atenta a natureza da presente acção, que versa direitos indisponíveis...-cfr. art. 354º, b) do CC”, o que, reiterando o necessário respeito, como já dissemos, é coisa diversa de ter indeferido o depoimento de parte do A., meio de prova que a parte, no caso a ré, não requereu, na acção de que estes são apenso, assim como não indicou de forma discriminada, os factos sobre que havia de recair, como se lhe impunha nos termos do nº2, do art.452º, ex vi do art. 1º, nº 2, al.a) e art. 63º, ambos do CPT, se o tivesse feito.
Razão porque, cremos, o despacho recorrido não deve ser alterado e substituído por outro que admita o depoimento de parte do apelado, porque nele não se decidiu sobre o indeferimento daquele meio de prova.
No entanto, pese embora isso, o argumento invocado “em segundo lugar”, para justificar o indeferimento daquele requerimento que, no fundo, foi o que desencadeou a argumentação, deduzida pela recorrente, no recurso, a propósito do instituto da confissão, nos termos dos art.s 352º e ss., do C.C, merece da nossa parte a seguinte consideração.
Como dissemos, a ré nunca requereu o depoimento de parte, a não ser nesta sede.
No entanto, o Tribunal “a quo” indeferiu a diligência que lhe foi requerida, também, com base em que não sendo admissível o depoimento de parte na presente acção, não seria admissível a requerida diligência por estarmos no âmbito de acção que versa sobre direitos indisponíveis. Por isso, a ré veio no recurso abordar a questão do depoimento de parte do A. e dizer que o mesmo foi indeferido através daquele despacho, mas, em bom rigor, tal não ocorreu, porque como já dissemos, o que foi indeferido foi o requerido para que fosse oficiado, ao processo judicial referido, solicitando as declarações do A., ali prestadas, enquanto testemunha. Mas, com fundamento na não admissibilidade do depoimento de parte.
Assim, temos de abordar o segundo fundamento do despacho recorrido em termos da admissibilidade ou não admissibilidade do depoimento de parte na presente acção, já que foi essa a razão que determinou o indeferimento e que alicerçou o segundo fundamento do despacho recorrido.
Vejamos.
O depoimento de parte, serviu de fundamento ao indeferimento daquele requerimento, como do despacho recorrido se verifica, por considerar que no caso, o mesmo não é admissível, atenta a natureza da presente acção que “versa direitos indisponíveis” – cfr. art. 354º al.b) do CC”.
Que dizer?
Nos termos do disposto no art. 452º nº 1, “O Juiz pode, em qualquer estado do processo, determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa”, sendo que, nos termos do nº2, “Quando o depoimento seja requerido por alguma das partes, devem indicar-se logo, de forma discriminada, os factos sobre que há-de recair”.
Como ensinam sobre o depoimento de parte (A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora in “Manual de Processo Civil”, ano 1984, pág. 522), “também se não pode confundir, apesar da estreita afinidade que os une, a confissão e o depoimento de parte. O depoimento de parte é apenas uma das vias processuais através das quais se pode obter a confissão”.
De igual modo, (Rodrigues Bastos in “Notas ao C.P.Civil”, 3º, pág.117), defende que “Convirá marcar a distinção que existe entre o depoimento de parte e a confissão; aquele é só o meio de provocar esta, e assim, tal como pode haver depoimento sem haver confissão, também pode haver reconhecimento da realidade de factos desfavoráveis ao depoente e favoráveis à parte contrária, a que não possa atribuir-se eficácia confessória específica, designadamente se o depoente não tiver a necessária capacidade jurídica para dispor do correspondente direito; esse reconhecimento só valerá, então, como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente, como dispõe o art.361º do C. Civil”.
Do acabado de referir resulta que o depoimento de parte requerido pelas partes só pode ser rejeitado liminarmente pelos fundamentos expostos nos art.s 453º e 454º, na medida em que quando o Tribunal aprecia a admissibilidade do referido depoimento não sabe (nem pode saber) se o depoente vai confessar os factos. Logo, a declaração confessória constitui “um passo à frente” e por isso só quando ela se verificar - na audiência de discussão e julgamento -, é que o Tribunal poderá tomar posição: não reconhecer a força vinculativa do reconhecimento feito pela parte por, por exemplo, a confissão ter recaído sobre factos favoráveis à parte que depõe ou porque recaiu sobre factos relativos a direitos indisponíveis (cfr. art.s 352º e 354º al.b) do CC).
Mas tal não significa que o Tribunal logo à partida rejeite o depoimento com fundamento em “condição” que ainda não se verificou – a confissão -, até porque esse mesmo depoimento está sempre sujeito ao disposto no art. 361º do referido CC, ou seja, “O reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente”.
E se assim é, não poderia, o segundo argumento invocado para indeferir, nos termos em que constam do despacho recorrido, o requerido pela ré/recorrente.
Razão, porque, se outro argumento não tivesse fundamentado aquele, o mesmo não poderia manter-se.
*
Há, então, que analisar se deve ele ser alterado por, ter indeferido, não oficiando ao tribunal cível para juntar a gravação do depoimento do apelado, enquanto testemunha, no referido processo, como lhe foi requerido, por não se ver, que “não pudesse a ré diligenciar directamente por obter a gravação/documento que pretende”.
E, ainda que sem qualquer fundamento legal, que o justifique, pelas razões que a seguir se exporão, podemos, desde já, dizer que a recorrente não tem razão, quando pugna pela sua alteração.
Justificando.
A apreciação desta questão importa que tenhamos em atenção um dos princípios estruturantes do processo civil, aqui aplicável, (como já referimos, ex vi do art. 1º nº 2, do CPT), ou seja, o princípio da cooperação consagrado no art. 7º, correspondente ao (art.º 266.º CPC 1961), que dispõe: “1 - Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
2 - O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência.
3 - As pessoas referidas no número anterior são obrigadas a comparecer sempre que para isso forem notificadas e a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 417.º.
4 - Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo.”.
Princípio da cooperação que, como decorre deste dispositivo, (cfr. nº 4), em situações como a presente impõe às partes, desde logo, para que o juiz providencie pela diligência, como a que lhe foi solicitada pela ré, que decidiu indeferir, que ela “alegue justificadamente dificuldade séria em obter o documento” que veio requerer fosse solicitado pelo Tribunal “a quo”, o que manifestamente, a recorrente não fez.
Aliás, o que a mesma reconhece, alegando a este propósito, apenas, que, “Efetivamente a R. podia e pode pedir a gravação do depoimento prestado pelo A., enquanto testemunha no processo nº 3885/18.0T8PRT-juizo Local Cível-juiz 5 do Tribunal Judicial do Porto mas entendeu e, julga-se bem, em requerer que o Tribunal a quo oficiasse ao Tribunal Cível do Porto nesse sentido, no sentido de ser mais célere e por ser importante para a descoberta da verdade.”.
Ora, como decorre daquele nº 4, do art. 7º, do CPC, para que o juiz possa e deva intervir, como é o caso, oficiando e solicitando documento ou outra informação a terceiro, não basta, que a parte (a quem cabe o ónus de o fazer, ou seja, “podia e pode” fazê-lo) entenda e julgue por bem que o Tribunal o faça por, a mesma, considerar que desse modo é mais célere e por ser importante para a descoberta da verdade material.
Nem tal é de modo diverso, em situações como é o caso, em que está em causa apurar as concretas circunstâncias em que ocorreu o acidente em discussão, nos autos principais, apesar, de como é sabido, no processo do trabalho o poder do juiz ser mais amplo que no processo civil, tendo em conta os interesses em presença, com prevalência da justiça material sobre a justiça formal.
Como se pode ler no (Acórdão desta Relação, de 09.02.2015 in www.dgsi.pt), “Tal prevalência das questões de fundo sobre as questões de forma, ou seja a obtenção de uma solução justa e, por essa via, a preservação da paz social, cujo âmbito de aplicação terá, contudo, como limite a causa de pedir (Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho, Coimbra Editora, 1989, pág. 278), mostra-se presente, designadamente, através da possibilidade do tribunal ampliar a matéria de facto ou da condenação em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação do direito à matéria de facto provada (cfr. artigos 72.º e 74.º).
Porém, no caso a questão não se coloca em termos de ampliação da matéria de facto ou de condenação além do pedido, mas sim do recurso a outros meios de prova, para além dos indicados pelas partes, com vista ao apuramento da verdade material.
Não se localizando no CPT que se encontre regulada especificamente esta matéria haverá então que atentar no que dispõe o CPC, por remissão subsidiária do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), daquele compêndio legal.”.
Assim, sendo com total aplicação, no caso, o que prescreve aquele dispositivo do regime processual civil, que a recorrente não cumpriu, o bastante para que o Juiz “a quo” não pudesse deferir o que lhe foi requerido.
No fundo, como refere (Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, 1999, pág 213), “na realidade das coisas, o princípio da cooperação – bem como outros que lhe são conexos, como o da direcção do processo e o incremento da inquisitoriedade judicial – vem, de algum modo, restringir é a passividade do juiz, afastando-se claramente da velha ideia liberal do processo como uma “luta” entre as partes, meramente arbitrada pelo julgador...”.
Ou seja, aquele poder-dever que incumbe ao juiz, no âmbito do princípio da cooperação consagrado no art. 7º, não é um poder ilimitado que se sobreponha ao princípio da auto-responsabilidade das partes e aos ónus de alegação e de prova que incumbem a cada uma das partes.
Porque, como refere o (Autor antes citado, no mesmo local), “o princípio da cooperação envolve duas vertentes:
- a cooperação das partes com o tribunal;
- a cooperação do tribunal com as partes”.
E, se é certo, no que toca à cooperação do tribunal com as partes, que aquele comporta diversas concretizações, como seja, em situações como a presente a consagração “do poder-dever de auxiliar qualquer das partes na remoção ou ultrapassagem de obstáculos que razoavelmente as impeçam de actuar eficazmente no processo, comprometendo o êxito da acção ou da defesa, e que não se possam imputar à parte por eles afectada”, como se pode ler no (Autor e obra, antes citados, pág 215).
O certo é, também, nos termos do nº 4, referido que cumprirá à parte que pretende obter a cooperação do tribunal, continuando a citar o mesmo autor, “justificar, de forma convincente, que não está ao seu alcance, mesmo actuando com a diligência devida, obter as informações ou documentos de que depende a eficácia da sua actuação processual...”, o que a ré não fez como resulta dos autos e se verifica da sua alegação neste recurso devendo, por isso o despacho recorrido manter-se.
Em suma, o meio de prova requerido não podia ser admitido, porque a ré não justificou de modo algum, menos ainda como era seu ónus, alegando dificuldade séria, para, a própria, o juntar aos autos. E, mesmo a admitir-se que o Tribunal “a quo” deveria ter convidado a apelante a justificar a impossibilidade de junção dessa «prova», certo é que a recorrente reconhece, no presente recurso, que as solicitadas gravações da prova testemunhal produzida naquele outro processo judicial, podiam ser requeridas e juntas por si aos autos, a determinar o indeferimento da sua pretensão. E, ainda, que aquele segundo argumento que fundamentou o despacho recorrido, como bem se deixou claro neste recurso, não fosse argumento válido para indeferir a diligência solicitada, o certo é que por verificação do primeiro argumento, fundamento bastante, para que o solicitado pela ré/recorrente não possa obter provimento, já que a mesma não cumpriu com o disposto no nº 4 do art. 7º, o despacho recorrido tem de manter-se.
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III - DECISÃO
Em conformidade com o exposto e ainda que por fundamentos não totalmente coincidentes, acorda-se nesta Secção em julgar, improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.

Custas pela apelante.
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Porto, 22 de junho de 2020
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão