Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
14204/16.0T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONCLUSÕES
CORPO DAS ALEGAÇÕES
REJEIÇÃO DO RECURSO
ADMISSIBILIDADE DE PEDIDO RECONVENCIONAL
Nº do Documento: RP2017110914204/16.0T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 11/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 112, FLS.52-63)
Área Temática: .
Sumário: I - A reprodução integral e ipsis verbis do alegado no corpo das alegações, mesmo que seguida da menção de “conclusões” não traduz a formulação de conclusões nos termos exigidos pelo n.º 1 do artigo 637.º do Código de Processo Civil.
II - Havendo esse procedimento de ser equiparado a ausência de conclusões, deverá ser logo rejeitado o recurso, sem lugar a prévio despacho de aperfeiçoamento, nos termos do artigo 641.º, n.º1, al. b) do CPC.
III - A admissibilidade da reconvenção depende necessariamente, além dos requisitos formais, da verificação de um dos pressupostos materiais taxativamente enunciados no n.º 2 do artigo 266.º do Código de Processo Civil.
IV - Não é de admitir a reconvenção quando o pedido formulado na acção se funda no cumprimento defeituoso de um determinado contrato e o pedido reconvencional se sustenta em factos totalmente distintos, fundamentando-se tal pedido na invocação de danos de natureza não patrimonial resultantes de imputação ao autor de conduta intencional lesiva do bom nome e honra da reconvinte.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 14204/16.0T8PRT-A.P1
Comarca do Porto
Porto – Instância Local – Secção Cível – J8

Relatora: Judite Pires
1º Adjunto: Des. Aristides de Almeida
2ª Adjunta: Des. Inês Moura
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO.
1. B…, solteiro, residente na Rua …, …, …, Matosinhos propôs acção, com processo comum, contra “C…, Lda., com sede na Rua …, n.º …, Porto, D… e E…, ambos com domicílio profissional na primeira Ré, pedindo a condenação dos Réus no pagamento da quantia de €5.637,22, acrescida de juros de mora desde a citação.
Alega, para tanto, haver contactado a 1.ª Ré, em Fevereiro de 2015, efectuando consulta inicial com vista a aferir da viabilidade de realização de intervenção para eliminação de gorduras corporais, tendo, na sequência desse primeiro contacto, nas instalações daquela Ré, ocorrido subsequentes contactos, e, em 06.05.2015, se submetido a consulta de avaliação médica realizada pelo 3.º Réu, após o que, no dia 26 seguinte, a 1.ª Ré lhe apresentou orçamento para a realização de intervenções que entendia necessárias e adequadas à obtenção dos efeitos pretendidos pelo Autor, que, em 03.06.2015, efectuou o pagamento da quantia de €2.500,00, conforme factura/recibo junta aos autos, na qual consta que o profissional responsável é o segundo Réu, especialista em cirurgia geral.
A intervenção a que o Autor se submeteu a 09.06.2015 consistiu numa vibrolipoaspiração e foi realizada pelo 3.º Réu.
Perante a insatisfação do Autor com os resultados, ocorreram diversos contactos e reuniões entre ele e representantes da 1.ª Ré, nomeadamente em 23.09.2015, altura em que lhe foi proposta, e por ele aceite, a realização gratuita de várias sessões de tratamentos não invasivos, os quais vieram a ter lugar, por diversas vezes, nas instalações daquela Ré.
Após a realização de tais tratamentos, em 02.10.2015, o Autor foi examinado por nutricionista da 1.ª Ré, resultando do exame efectuado valores próximos da obesidade.
A intervenção e tratamentos a que o Autor se submeteu não foram adequados ao resultado pretendido.
Além da quantia de €2.500,00 que o Autor pagou à 1.ª Ré, o mesmo, em virtude da intervenção e dos tratamentos que foram realizados pela 1.ª Ré, teve despesas no montante mínimo de €3.137,22.
Face às expectativas criadas pelos Réus, e à não obtenção de qualquer resultado, o Autor sofreu frustração e angústia, tendo vivido período de instabilidade pessoal e profissional.
O Réu D… contestou, defendendo-se por excepção, invocando a sua ilegitimidade para a acção, e por impugnação.
Também a Ré “C…, Lda.” apresentou contestação na qual alega factologia a partir da qual sustenta a inexistência de qualquer responsabilidade, contratual ou extracontratual.
Deduziu reconvenção, pedindo a condenação do Autor no pagamento da quantia de €1.680,20, correspondente ao valor dos tratamentos não invasivos que lhe prestou e aos quais este se refere na sua petição inicial, além da quantia de €20.000,00 por danos não patrimoniais.
Foi proferido despacho saneador que, além do mais, conheceu da excepção de ilegitimidade passiva invocada pelo Réu D…, absolvendo-o do pedido com fundamento na circunstância de não ter o Autor alegado na sua petição inicial qualquer facto que, a provar-se, permitisse concluir pela existência de responsabilidade civil contratual ou extracontratual imputável ao referido Réu.
No mesmo despacho, tomando posição quanto à reconvenção deduzida pela Ré “C…, Lda.”, não se admitiu a mesma na parte relativa ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais no valor de €20.000,00.
2. 1. Inconformada com essa decisão, dela interpôs a Ré “C…, Lda.” recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
I) Na acção interposta peticiona o Recorrido o pagamento de uma indemnização por todos os danos sofridos, ao abrigo da responsabilidade contratual.
II) Concretizando requer que a Recorrente seja condenada a pagar-lhe a quantia de €3.137,22 de despesas suportadas e €2.500,00 de danos não patrimoniais.
III) Ora, a Recorrente na sua Contestação negou a existência de qualquer responsabilidade, quer contratual, quer extracontratual e requereu, em sede de reconvenção o pagamento da quantia de €1.680,00 referentes a tratamentos não invasivos realizados mas não pagos pelo Recorrido e, ainda, o montante de €20.000,00 referente a danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente em face da difamação que o Recorrido incorreu ao ir para as redes sociais (publicações no mural do facebook) denegrir a imagem da Recorrente e dos seus profissionais.
IV) E ainda na página do Google tendo vexado e humilhado na sua honra e profissionalismo, ficando a sua imagem deveras denegrida, descredibilizada e perdeu a confiança que lhe estava associada junto dos seus clientes e potenciais Clientes.
V) Tendo o (a) Meritíssimo (a) Juiz (a) a quo indeferido o pedido reconvencional nesta última parte.
Posto isto,
VI) Para que a reconvenção seja admissível é necessária a verificação de três requisitos de ordem processual:
a) que o valor da causa exceda a alçada do tribunal,
b) que ao pedido do réu corresponda a mesma 'espécie' de processo que corresponde ao pedido do autor;
c) que o tribunal seja competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia, conforme refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.03.1997, in www.dgsi.pt
VII) Referindo que se exigem ainda requisitos de natureza objectiva:
a) o pedido do réu emergir de facto jurídico que serve de fundamento à acção;
b) o pedido reconvencional estar relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, complementaridade ou dependência;
c) o réu invocar a compensação, situação em que aquela conexão é dispensada
VIII) Ora, refere e bem o (a) Merítissimo (a) Juiz a quo que o artigo 266.º, no seu n.º 2 do CPC admite a reconvenção nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
IX) Analisadas as situações em causa não se pode concluir, como o (a) Juiz (a) a quo que o pedido reconvencional não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção.
X) Isto porque, o Recorrido decidiu ir para as redes sociais e para a página do Google contar a sua versão dos factos, os quais são aqui alegados e que na 
verdade não correspondem à realidade, como se irá apurar nos presentes autos em vez de recorrer à via judicial se realmente se entendia lesado.
XI) Deste modo, o facto do aqui Recorrido publicar mensagens no mural público da página do facebook da Recorrente, onde qualquer pessoa pode ler, nomeadamente, os Clientes e potenciais Clientes da Recorrente, as quais são deveras acusações muito graves, senão vejamos:
» B1… – aqui deixo o meu testemunho. Fiz uma vibrolipoaspiração em junho de 2015 e a clinica não fez o que foi escrito ou seja a clinica não cumpriu com o orçamento (burla) da vibro não houve resultados nenhuns. Passados meses. O médico que me operou já não estava na clínica. A clínica propôs métodos não invasivos criolipolise ao contrario do que o medico que me operou disse, a clinica fez me alguns tratamentos desnecessários pois não se pode fazer criolipólise após uma lipo. Técnicos não qualificos e burlistas. O caso vai seguir para tribunal”;
» “B1… - ciolipólise aonde se pode fazer?pelos vistos em outras clínicas faz se criolipólise ba zona mamária, pubis, entre as pernas (zona interior). Vocês não fazem porque?tem medo?por favor qualifiquem as pessoas!!!!e se um médico não recomenda tratamentos não invasivos porque é que vocês recomendam então (direcção da clínica)!!!”;
» “B1… - deus me livre se eu dava a minha cabeça nesta clínica. depois da vibrolipoaspiração que me fizeram sem resultados... ainda saia todo queimado da cabeça!”;
» “B1… - gostaria de saber que tipo de check up é que fazem!!!na realidade a vossa nutricionista disse que eu estava no limite obeso em setembro de 2015. De facto obeso? Nossa ... 173cmx80kg de obeso? Pois se estou obeso é porque a clinica não tipu a gordura que deveria ter tirado aquando da lipoaspiração feita em junho de 2015. Alem do mais que a clinica não cumpriu com o orçamento proposto. Burla. Caso para tribunal.”;
» “B1… – vibrolipoaspiração? Kredo com quem? Ai nessa clinica? Meus deus... depois da última em junho de 2015 com o vosso doutor... ele era mesma médico? Ainda não a espera que me devolvam o dinheiro 2500 euros. Caso segue para tribunal.”;
» “B1… – é precios fazer um seguro de saúde? Depois dos resultados da vibroli superrrrr magníficos. No comement!!!!!”;
» “B1… - “ Era bom que a Clínica tivesse pessoas qualificadas e com médicos qualificados. era bom que a clínica não fosse burlista e apresentasse verdadeiros resultados de lipoaspiração recomendarem tratamentos que nada fazem”;
» “B1… - Vale a pena fazer tratamentos na clinica C…? pelos vistos não. burlistas e mentirosos sem pessoas qualificadas. o assunto não foi esquecido e o caso segue para tribunal.”, e
»“B1… – minha opinião: o pessoal não é assim tão especializado em termos de criolipolise. A clinica recomenda métodos não invasivos ao contrario do que os médicos dizem na clinica. Os técnicos não estão qualificados assim tao bem pois noutras clinicas recomendam fazer criolipolise em zonas que a clinica não recomenda. Pois a clinica não sabe o que esta a fazer. Não se pode fazer uma criolipolise e após uma lipo. Aprendam por favor no estrangeiro.... E deixem de burlar as pessoas”, cfr. Documento junto aos autos.
XII) E ainda no site Google, cujo comentário do Recorrido foi publicado em 16.10.2015 “B2… fiz uma lipoaspiração em Junho de 2015 e não tive resultados nenhuns. A clinica não cumpriu o orçamento estipulado. A clinica não tem neste momento nenhum médico para fazer lipos. Resultado: não recomendo esta clínica a ninguém. Condições da sala de cirurgia duvidosas. Temperatura da sala de cirugia igual À do corredor! 2500 euros ao ar. A clinica se não devolver dinheiro vai ser processada.” – conforme documento junto aos autos.
XIII) Resulta clarividente que o Recorrido decidiu não recorrer em primeiro lugar à via judicial mas sim vir para a praça pública difamar, denegrir a imagem e tentar coagir de certa forma a que a Recorrente lhe devolvesse o dinheiro da intervenção que foi sujeito.
XIV) Pois é sabedor que o tipo de comentários que publicou tem efeitos nefastos na actividade da Recorrente.
XV) Sendo que a Recorrente na sua Contestação impugnou os alegados factos de que era acusada e consequentemente, reclamou os prejuízos causados advenientes da intenção do aqui Recorrido prejudicar a Recorrente, não pagar os tratamentos que realizou e não ser punido pelos comentários que incorreu e que sabia que estavam a prejudicar em muito a imagem comercial e a credibilidade e honra da Recorrente.
XVI) Deste modo, facilmente se constata que a reconvenção aqui peticionada relativamente a estes factos que provocaram danos não patrimoniais a serem ressarcidos emergem do facto jurídico em causa.
XVII)Ou seja, dizem respeito aos mesmos alegados factos e o objectivo do Recorrido era só um enriquecer indevidamente à custa da aqui Recorrente.
XVIII) Conforme é entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa no seu Acórdão de 02.04.2009, in www. dgsi.pt “O facto jurídico a que a lei alude (a de o pedido do réu emergir do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa, artigo 274º, nº 2, alínea a), do C.P.C.) é, no caso da acção, a causa de pedir e, no caso da defesa, qualquer 
excepção peremptória ou impugnação motivada – factos com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial.”.
XIX) Facilmente se admite que a reconvenção relativamente aos danos não patrimoniais no montante de €20.000,00 deverá ser, igualmente, admissível pois está abrangida pelos factos que servem de fundamento quer à acção quer à defesa, ao abrigo do disposto no artigo 266.º, n.º 2 alínea a) do CPC.
XX) Não obstante o supra exposto e só por mera cautela de raciocínio se admite o pedido reconvencional deveria ter sido sempre ser julgado admissível na sua totalidade em face do disposto no artigo 266.º, n.º 2 alínea c) do CPC.
XXI) Ora, mesmo que se entendesse, que salvo melhor entendimento não se concebe que o pedido reconvencional relativo aos danos não patrimoniais reclamados com o facto de o Recorrido ter denegrido a imagem, credibilidade e honra profissionais não tem enquadramento na alínea a) terá sempre que ser acolhido ao abrigo da alínea c) do mesmo artigo 266.º, n.º 2 do CPC.
XXII) Isto porque, o pedido reconvencional deduzido trata-se de uma pretensão da Recorrente obter o reconhecimento de um crédito de forma a obter o pagamento do valor em que o crédito excede o invocado pelo Recorrido.
XXIII) Nos termos do disposto no artigo 847.º, n.º1 do Código Civil, “ Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos: a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.”
XXIV) Mais estabelece o n.º 2 do citado artigo que “Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.”
XXV) Nos termos do artigo 848.º, n.º 1 do Código Civil, “A compensação torna- se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra”, exercendo-se, assim, a compensação por meio de um negócio jurídico unilateral, através de declaração receptícia e que produz efeitos logo que chega ao poder do destinatário (artigo 224., n.º 1 do Código Civil).
XXVI) E, a lei só proíbe a compensação nos casos previstos no artigo 853.º, do citado código, excluindo da compensação os créditos provenientes de factos ilícitos dolosos; os créditos impenhoráveis de distinta natureza e os créditos do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas em que a lei expressamente não a autorize, e também não é admitida a compensação se houver prejuízo de direitos de terceiro, constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis, ou se o devedor tiver renunciado à compensação (n.º 2 do artigo 853.º do Código Civil).
XXVII) “A compensação é uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como sub-rogado dele, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua divida, o compensante realiza o seu crédito por uma espécie de acção directa.” (P.Lima e A. Varela, in C.Civil anotado, volume II, pg. 117).
XXVIII) Pode legitimamente e legalmente a Recorrente deduzir um pedido reconvencional solicitando o reconhecimento desse crédito interligado e intrinsecamente relacionado com o peticionado pelo Recorrido, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2, alínea c) do CPC.
XXIX) Ora, conforme consta do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11 de Setembro de 2008, in www.dgsi.pt “....é admissível a Reconvenção por parte da Ré para dedução de compensação de créditos sobre a Autora, desde que se mostrem verificados os legais requisitos previstos no artigo 847.º do Código Civil.”
XXX) Tratando-se de obrigações que têm por objecto coisa fungível da mesma espécie e qualidade, e não impedindo a compensação a iliquidez da dívida, resta apreciar se se verifica o requisito previsto na alínea a) do artigo 847.º do C.Civil,
XXXI) Ou seja, e no que ao caso concreto importa apreciar, se é o contra crédito que se pretende compensar exigível judicialmente.
XXXII) O crédito será exigível judicialmente quando o titular do direito de crédito o invoca em acção judicial, por via de acção, excepção ou de reconvenção, com vista ao seu reconhecimento judicial.
XXXIII) “Diz-se judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento e à execução do património do devedor (artigo 817.º) ” (A. Varela, in “ Das Obrigações em Geral, vol. II, pg. 168).
XXXIV) Distinta da exigibilidade judicial do crédito, imposta pelo art. 847.º, n.º 1 é o reconhecimento judicial do mesmo, não obstante só possa operar-se a compensação caso ambos os créditos venham a ser reconhecidos na acção judicial em que se discutem. “(...) um dos requisitos da compensação é o crédito do compensante ser judicialmente exigível, mas esse requisito nada tem a ver com um prévio reconhecimento judicial ou extrajudicial do crédito. A exigibilidade em questão significa outra coisa: diz respeito à possibilidade de o compensante poder impor à outra parte a realização coactiva do seu crédito” – Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 6/7/06, in www.dgsi.pt.
XXXV) O referido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães concluiu que, ainda, nos termos dos preceitos legais aplicáveis, devendo a compensação de crédito de valor superior ao crédito reclamado na acção e decorrente de distinta causa de pedir e de distinta relação jurídica entre as mesmas partes estabelecida, ser exercida por via de Reconvenção, e não por defesa por excepção peremptória, não ser exigível para a invocação e realização da compensação, por via judicial, a prévia aceitação do crédito por parte do devedor, não sendo aplicável nestes casos a previsibilidade do n.º 2 do artigo 487.º do Código de Processo Civil.
XXXVI) E ainda, não poder subsistir o despacho recorrido na parte em que não admitiu o pedido reconvencional deduzido pela Recorrente, devendo tal decisão ser substituída por uma outra que admita a reconvenção e dê regular seguimento à acção, seleccionando-se, consequentemente, os factos alegados na acção reconvencional que sejam relevantes e que deverão integrar a base instrutória da acção.
Ora,
XXXVII) No caso em questão, a discussão sobre a matéria factual, diz respeito à existência ou não de responsabilidade contratual e extracontratual e consequentemente, uma indemnização pelos alegados danos causados.
XXXVIII) O pedido reconvencional relaciona-se com os factos em questão, na medida em que o Recorrido incorreu em comportamentos que configuram a prática de um facto ilícito que provocou danos que terão de ser ressarcidos, ao abrigo da responsabilidade extracontratual.
XXXIX) Sendo que os factos que o Recorrido relata são os mesmos que alega na presente acção, pelo que se denota que o pedido reconvencional está intrinsecamente correlacionado com o objecto da lide em discussão.
XL) Sendo que os factos aqui em discussão são exactamente os mesmos que foram mencionados nas redes sociais e Google, pelo que a causa de pedir reveste a questão se existe responsabilidade para a Recorrida, assim como o pedido reconvencional se existe responsabilidade para a Recorrente, ambas pelos comportamentos levados a cabo.
XLI) Existe erro na apreciação factual por parte do Tribunal e correlativa interpretação e aplicação do Direito aos mesmos, por via do primitivo erro.
XLII) A Admissibilidade da Reconvenção visa estabilidade e economia processual, não havendo justificação para que relativamente a uma mesma relação surjam duas acções cruzadas para aferir do seu alcance entre as partes.
XLIII) Face ao exposto, deverá a reconvenção ser admitida na sua totalidade e globalidade e ser levado a discussão o crédito reclamado pela Recorrente sobre o Recorrido referente à responsabilidade extracontratual pelas condutas incorridas de forma intencional a prejudicar a Recorrente, as quais acarretaram danos morais, no montante já reclamado de €20.000,00.
XLIV) Deste modo, recorrendo até ao princípio da boa gestão processual, da celeridade e economia processual o pedido reconvencional deveria ter sido admitido no seu todo.
XLV) Não descurando o princípio da verdade material e da economia processual ao ficar na presente pendência resolvida a situação.
XLVI) Evitando-se outros procedimentos judiciais completamente inúteis e desajustados ao pretendido pelo processo judicial que é uma decisão justa, célere e equitativa.
XLVII) Nestes termos e nos melhores de direito, deverá o despacho recorrido (despacho saneador) ser revogado, na parte em que não admite a reconvenção na sua totalidade da Recorrente, devendo o mesmo ser conformado no sentido de admitir a reconvenção deduzida.
Termos em que deverá o presente Recurso ser julgado totalmente procedente. Assim se fazendo, como sempre, inteira e sã Justiça”.
2.2. Também o Autor não se conformou com a decisão que absolveu do pedido contra ele formulado o Réu D…, pelo que interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes “conclusões”:
1- Vem o presente recurso interposto da douta decisão que julgou o Réu parte ilegítima e, em consequência, “absolver o réu D… do pedido contra o mesmo formulado” e condenou o A. nas custas nesta parte.
2 – Fundamenta o douto despacho saneador tal decisão na ilegitimidade do Réu Dr. D… entendendo que “inexiste qualquer facto alegado pelo A. do qual se possa aferir – que a provar-se – poderia ser imputada responsabilidade civil contratual ou extra - contratual ao Réu D…”.
3 – Ora, salvo o devido respeito, o A. alegou no artigo 10.º da petição inicial que “O profissional responsável é o segundo Réu (D…) especialista em cirurgia geral.”
4 – A primeira Ré na sua douta contestação, salvo o devido respeito, confirmou tal qualidade.
5 – Dos artigos 12.º a 24.º da petição inicial constam factos, também da responsabilidade do Réu, na qualidade de responsável e especialista em cirurgia geral da primeira Ré.
6 – Tais factos, a serem provados, constituem todos os Réus em responsabilidade civil, conforme alegado no artigo 26º da petição inicial.
7 – Na qualidade de responsável e especialista em cirurgia geral, incumbia ao Réu D… a realização da cirurgia acordada entre o A. e a primeira Ré.
8 – Do exposto resulta, claramente, que o A. alegou factos que o Réu D… tem interesse em contradizer.
9 – Fez, assim, a douta sentença errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 30.º do C.P.C.
O apelado D… apresentou contra - alegações, pugnando pelo não conhecimento do objecto do recurso interposto pelo Autor por ausência de conclusões, pelo não provimento do recurso por falta de pedido nas alegações e conclusões, e, em todo o caso, pela manutenção do decidido.
Não foram apresentadas outras contra - alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II. OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- se é admissível a reconvenção deduzida pela Ré “C…, Lda.” quanto ao pedido de condenação do Autor em indemnização por danos não patrimoniais por aquela alegadamente sofridos;
- fundamento para absolvição do Réu D… relativamente ao pedido contra ele formulado.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Os factos relevantes à apreciação do objecto do recurso são, além dos narrados no relatório introdutório, os seguintes, documentados nos autos:
- Por sentença de 24.03.2017, transitada em julgado, foi a acção julgada improcedente e absolvidos os Réus “C…, Lda.” e E… do pedido contra eles formulado pelo Autor, e julgada igualmente improcedente a reconvenção deduzida pela Ré/Reconvinte “C…, Lda.”, absolvendo o Autor/Reconvindo do pedido reconvencional contra ele formulado.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Questão prévia: admissibilidade do recurso interposto pelo Autor B….
Nas suas contra - alegações pugna o apelado D… pelo não conhecimento do recurso interposto pelo Autor quer por falta de conclusões – na medida em que o mesmo “se limitou, nas suas conclusões, a reproduzir ipsis verbis o anteriormente alegado” -, quer por ausência de pedido.
Dispõe o n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil: “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
De acordo com o preceito citado, as alegações de recurso distinguem-se em corpo das alegações e conclusões.
No primeiro, o recorrente expõe os fundamentos ou argumentos através dos quais procura convencer o tribunal de recurso da sua razão; nas segundas, sintetiza as concretas questões que pretende que o tribunal de recurso aprecie e o sentido com que as deverá decidir.
Impõe a lei que o recorrente finde as alegações de recurso com as respectivas conclusões, onde, de forma sintética, identifique as questões que devam ser apreciadas pela instância de recurso e que sirvam de fundamento ao pedido de alteração ou de anulação da decisão.
Como explica o acórdão da Relação de Guimarães de 29.06.2017[1], “Concluir significa, ao cabo de um percurso analítico - argumentativo criteriosamente orientado e validado por um raciocínio lógico, extrair deste, em proposições sintéticas e resumidas, a essência dos fundamentos de uma tese.
A tese de um recorrente que se não conforma com certa decisão judicial há-de ser a da anulação, modificação ou revogação.
Os fundamentos hão-de assentar nas razões, factualmente sustentadas e juridicamente consequentes, substanciadoras da sua invalidade ou erro.
Para discorrer sobre estas, servem as alegações. Para expor aquelas, as conclusões”.
As conclusões destinam-se a sintetizar os argumentos do recurso, a identificar as questões a apreciar e as razões que servem de suporte à decisão pretendida. Delimitando as conclusões o objecto do recurso, é através delas que a parte contrária é alertada para as questões suscitadas pelo recorrente – assegurando-lhe, desta forma, a possibilidade de um efectivo exercício do contraditório – e o tribunal de recurso fica plenamente elucidado quanto às mesmas questões e os argumentos utilizados para fundamentar a decisão recursivamente reclamada, procurando-se assim evitar que alguns escapem na exposição das alegações, necessariamente mais extensa, mais pormenorizada, mais dialéctica, mais rica em aspectos instrumentais, secundários, puramente acessórios ou complementares.
Como destaca o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.07.2015[2], “A lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos da revogação, modificação ou anulação da decisão.
Rigorosamente, as conclusões devem corresponder aos fundamentos que justificam a alteração ou a anulação da decisão recorrida, traduzidos na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto), sem que jamais se possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinário apresentados no sector da motivação. As conclusões exercem a importante função de delimitação do objecto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635º, nº 3, devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, aquilo que o recorrente efectivamente pretende obter (revogação, anulação ou modificação da decisão recorrida), as conclusões das alegações devem respeitar na sua essência cada uma das als. do nº 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida”.
O papel relevante das conclusões foi indiscutivelmente reconhecido pelo legislador que no artigo 637.º, n.º 2 do Código de Processo Civil determina que o “requerimento do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade [...]”, equiparando, em termos de efeitos jurídicos, a falta de alegação do recorrente e a ausência de conclusões nessa alegação, sancionando com o indeferimento do recurso qualquer uma dessas situações – artigo 641.º, n.º 2, b) do referido diploma legal. E ainda que as conclusões se mostrem formuladas, quando estas se revelem deficientes, obscuras ou complexas, ou não contenham as especificações exigidas pelo n.º 2 do artigo 639.º, impõe o n.º 3 deste último normativo a adopção de alguma das soluções paliativas aí contempladas, mediante convite do relator ao recorrente para que supra as patologias que afectam as conclusões, no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecer do recurso na parte afectada.
Com a reforma introduzida em 2007 ao Código de Processo Civil, findou a possibilidade da falta de conclusões poder ser suprida mediante convite dirigido ao recorrente para proceder à sua formulação. O convite ao aperfeiçoamento só é consentido para as hipóteses hoje expressamente previstas no artigo 639.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, exigindo-se que, pelo menos, exista arremedo de conclusões, por muito incipiente que haja sido a sua formulação.
Em situação em que era aplicável a pretérita lei processual civil, mas cujos fundamentos não se mostram invalidados pela entrada em vigo da lei actual, defendia o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 21-01-2014[3]: “..., no regime processual aplicável, são passíveis de aperfeiçoamento as conclusões deficientes, obscuras, complexas ou incompletas; mas não é suprível a sua omissão pura e simples (cfr. art. 685.º-A, n.º 3, CPC)”.
As alegações apresentadas pelo recorrente B… findam com proposições que, sob a designação de “conclusões”, se apresentam enumeradas de 1) a 9).
Contudo, elas não são mais do que a reprodução, fiel e integral, do texto que constitui o corpo das alegações.
Não se desconhece a orientação jurisprudencial dominante do Supremo Tribunal de Justiça que, condescendente com esta violação das regras processuais, vem permitindo que prática processual como a adoptada pelo recorrente B… se haja tornado frequente e comum (a ponto do cumprimento do estatuído pelo n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil se revelar cada vez mais invulgar...).
Pese embora esse entendimento dominante, preconizando a lei expressamente como solução para a não formulação de conclusões a rejeição do recurso, sem possibilidade de medidas paliativas, a violação deliberada de regras processuais que se traduzem na mera repetição do exposto no corpo das alegações, ainda que o recorrente pretenda conferir-lhes aparente roupagem de conclusões, através da numeração das proposições anteriormente enunciadas, não deve ser tratada com maior benevolência do que a falta tout court de conclusões, sob pena de violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade ao recusar a falhas desculpáveis a mesma solução permissiva que se aceita afinal para falhas deliberadas e conscientes.
Do acórdão da Relação de Coimbra de 14.03.2017[4], pode, com efeito, retirar-se: “a apresentação de “conclusões”, mediante a reprodução, pura e simples, do que é exposto na motivação – ainda que, em termos práticos o resultado seja o mesmo, por em ambos os casos faltar a tal síntese exigida por lei –, afigura-se uma atitude ainda mais censurável do que a apresentação de alegações de recurso, em que a parte, por esquecimento ou ignorância da lei, as omite. Neste caso haveria maior justificação para um convite ao aperfeiçoamento[...] – convite que, de qualquer modo, a lei rejeita – do que aqueles casos em que a parte, conhecendo o ónus que sobre si impende, numa atitude deliberada e consciente, negligentemente e em desrespeito de norma expressa, se abstém de efetuar a resenha dos fundamentos do seu recurso, limitando-se a reproduzir o teor do corpo das suas alegações sob o título de “conclusões” (confiando em que a parte contrária e o tribunal de recurso não se apercebam de que se trata de uma pura repetição do anteriormente alegado), entendendo-se que, em tal caso, não se justifica uma atitude complacente do tribunal no sentido de lhe dar uma oportunidade de apresentar verdadeiras conclusões”.
Como dá conta o citado acórdão do STJ de 21.01.2014, “...é evidente que os [...] princípios da cooperação e do acesso ao Direito não podem ser invocados para - sem mais - neutralizar normas processuais de natureza especial e imperativa, nem outros princípios também estruturantes do (sub)sistema jurídico-processual, nomeadamente, os princípios da preclusão e da autorresponsabilidade das partes.
Como (no tocante ao primeiro deste princípios e ainda ao da boa fé processual) já decidiu este Supremo Tribunal, “[o]s princípios da cooperação e da boa fé processual não se podem sobrepor […] ao princípio da auto responsabilização das partes, o qual impõe que os interessados conduzam o processo assumindo eles próprios os riscos daí advenientes, devendo deduzir os competentes meios para fazer valer os seus direitos na altura própria, sob pena de serem eles a sofrer as consequências da sua inactividade, e ao princípio da preclusão, do qual resulta que os actos a praticar pelas partes o tenham de ser na altura própria, isto é nas fases processuais legalmente definidas”.
Com efeito:
Todo o direito consubstancia um sistema de normas de conduta suscetíveis de serem feitas respeitar. Consistindo o processo jurisdicional num conjunto não arbitrário de atos jurídicos que é ordenado em função de determinados fins, inere ao direito processual a definição das consequências resultantes da prática de atos não admitidos pela lei, ou da omissão de atos e formalidades que a lei prescreva, numa lógica precisamente assente, em larga medida, na autorresponsabilidade das partes e, conexamente, num sistema de ónus, cominações e preclusões.
O acesso ao direito e à tutela judicial efetiva processa-se num quadro de regras processuais, regras sem as quais, aliás, não seria possível corresponder aos imperativos de celeridade, igualdade das partes e equidade que – entre outros valores - enformam a disciplina jus-constitucional desta matéria (art. 20.º, CRP)”.
Retornando à situação concreta que se vem analisando, ter-se-á de concluir que o recorrente B…, limitando-se a repetir o texto do corpo das alegações, depois de lhe introduzir uma numeração, que não existia naquele, e aditando a expressão “conclusões”, na verdade não formulou conclusões, pelo menos do ponto de vista substancial.
Secundando o que se deixou escrito no acórdão da Relação de Guimarães de 29.06.2017[5], “não pode ficcionar-se que o copy past do corpo das alegações para um capítulo sugestivamente intitulado conclusões representa uma tentativa frustrada de cumprir o ónus de síntese, merecedora de convite a correcção e aperfeiçoamento, mediante um exercício de aparente interpretação generosa da lei preconizado como hábil e tolerante, inspirado em razões de oportunidade não contempladas na respectiva letra e contrárias ao pensamento legislativo, com apelo a um poder de criar normas que, por princípio, não cabe aos tribunais (cfr. ponto IV do sumário do Ac. STJ, de 13-11-2014, processo 415/12.1TBVV-A.E1.S1).
Tal método conduz ao nada. E o nada não é perfeito nem imperfeito. É nada. Por isso, não corrigível.
Contornar esta evidência, é atentar contra o claro desígnio do legislador, normativamente plasmado no regime de recursos e, entre outros, nos artigos 637º a 639º e 641º, do CPC, de regular, com disciplina e rigor, o exercício do inerente direito, impondo consequências preclusivas fatais compreensivelmente justificadas pelo acesso ao tribunal superior e com patrocínio obrigatório presumivelmente apto e responsável pelo seu cumprimento”.
Também o já mencionado acórdão da Relação de Coimbra de 14.03.2017 sufraga o incontornável entendimento de que “a repetição, nas conclusões, do que é dito na motivação, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada, repetir o que se disse antes na motivação.
E, em nosso entender, não cabe ao tribunal dar a mão a quem, sabendo da obrigação legal de apresentar conclusões, não se deu, sequer, ao trabalho de tentar sintetizar os fundamentos do seu recurso, optando pelo tal “copy/paste”: o convite ao aperfeiçoamento existe atualmente, tão só, e só aí encontra a sua razão de ser, naquelas situações em que parte, de facto, tentou efetuar uma síntese do que por si foi dito na motivação, mas em que a falta de clareza ou de outro vício que afete a sua compreensibilidade, justifica o tal convite à sua correção, num ponto ou noutro, ou até na sua totalidade. Se não há lugar a qualquer operação de síntese, ainda que mínima ou com deficiências, não será o facto de o apelante a apelidar de “conclusões” que atribui tal natureza à reprodução do por si alegado na motivação.
A ausência de conclusões – enquanto indicação sintética das questões colocadas pelo recorrente – leva a que o recurso não possa ser conhecido por falta de objeto, de um circunstancialismo prejudicial a qualquer julgamento de mérito[...]”[6].
Considerando, no caso aqui em debate, que as alegações apresentadas pelo recorrente B… não contêm conclusões, na concepção exigida pelo n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, rejeita-se o recurso por si interposto, ao abrigo do disposto no artigo 641.º, n.º 2, b) do mesmo diploma legal.
2. Recurso interposto pela Ré “C… Lda.”
Em acção proposta pelo Autor B…, em que o mesmo reclama dos demandados indemnização por danos alegadamente por ele sofridos em decorrência de viprolipoaspiração realizada nas instalações da Ré “C…, Lda.”, em contestação por esta apresentada - na qual refuta qualquer responsabilidade, contratual e extracontratual, pelos danos que o Autor alega ter sofrido -, deduziu esta Ré contra aquele reconvenção, pedindo que fosse o reconvindo condenado a pagar- lhe os tratamentos não invasivos que lhe proporcionou, no valor de €1680.20, bem como uma indemnização por danos não patrimoniais, no valor de €20.000,00, por ofensa à sua honra e imagem.
Tendo sido admitida a reconvenção apenas quanto ao primeiro pedido formulado (valor correspondente a tratamentos efectuados e não pagos pelo Autor), insurge-se a referida Ré/Reconvinte, através do recurso interposto, contra a decisão que não admitiu a reconvenção quanto ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais.
O n.º 1 do artigo 266.º do Código de Processo Civil autoriza o réu a deduzir pedidos contra o autor, através da reconvenção. Esta é configurada como um cruzamento de acções, como uma espécie de contra - acção[7]; com ela modifica-se o objecto da acção.
Como esclarecem Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto[8], “a reconvenção, consistindo num pedido deduzido em sentido inverso ao formulado pelo autor, constitui uma contra - acção que se cruza com a proposta pelo autor (que, no seu âmbito, é réu, enquanto o réu nela toma a posição de autor – respectivamente, reconvindo e reconvinte). Não sendo razoável admiti-la independentemente de qualquer conexão com a acção inicial, o n.º 2 estabelece os factores de conexão entre o objecto da acção e o da reconvenção que tornam esta admissível”.
De modo o obviar ao retardamento da concessão da tutela judiciária reclamada pelo autor, o legislador não permitiu ao réu a formulação incondicional de pedidos contra aquele, sujeitando, ao invés a admissibilidade da reconvenção a específicos condicionalismos formais e substanciais.
Destes últimos cuida o n.º 2 do artigo 266.º do Código de Processo Civil, enumerando, de modo taxativo, os casos em que a reconvenção é admissível:
- Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa – alínea a);

- Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida – alínea b);
- Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor – alínea c);
- Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter – alínea d).
Sendo incontroverso que não se configura no caso concreto nenhuma das previsões elencadas nas alíneas b) e d) do n.º do artigo 266.º, detenhamo-nos na análise da conexão prevista na alínea a) do mencionado normativo.
Partindo do pressuposto irrefutável que toda a acção tem como causa de pedir um certo acto ou facto jurídico, para que a reconvenção seja admissível ao abrigo da referida alínea a) exige-se que o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir que serve de suporte ao pedido da acção ou emirja do acto ou facto jurídico que serve de fundamento à defesa, embora desse acto ou facto jurídico se pretenda, nesse caso, obter um efeito distinto, naturalmente favorável ao réu, reduzindo, modificando ou extinguindo o pedido do autor[9].
Na previsão da alínea a) cabem duas hipóteses: o pedido reconvencional pode fundar-se na mesma causa de pedir – ou em parte dessa mesma causa de pedir – que o pedido do autor, ou pode fundar-se nos mesmos factos – ou parcialmente nos mesmos factos – em que o próprio réu funda uma excepção peremptória ou com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial[10].
Quanto aos danos não patrimoniais cuja reparação a Ré “C…, Lda.” reclama por via reconvencional, os quais derivam da produção pelo Autor de afirmações que aquela reputa de lesivas do seu bom nome e imagem comercial, não se configura nenhuma das hipóteses salvaguardas pela referida alínea a), não existindo conexão com o facto jurídico que serve de fundamento à acção proposta pelo Autor, nem com o acto ou facto jurídico que serve de fundamento à defesa da mesma Ré.
Quanto ao referido pedido reconvencional tem, pois, razão a decisão recorrida ao afirmar que “os pedidos de indemnização formulados na ação e na reconvenção não têm como fundamento factos conexos, isto é, os factos alegados pelo reconvinte não se enquadram, estritamente, na causa de pedir da ação.
E nem se pode dizer que o pedido do réu, de indemnização por danos não patrimoniais, emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa, no sentido de que resulta de factos com os quais indiretamente impugna os alegados na petição inicial”.
A alínea c) do n.º 2 do artigo 266.º do Código de Processo Civil admite a reconvenção quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.
Em sede de direito substantivo, de acordo com o disposto no artigo 847.º do Código Civil, quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, desde que preenchidos os seguintes requisitos: ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
A compensação impõe que se admita o crédito do autor, ao qual o réu opõe o seu próprio crédito; não opera por simples efeito do direito, impondo-se que haja manifestação de vontade de um dos credores - devedores nesse sentido.
A declaração de compensação reporta a extinção dos créditos ao momento em que se tornaram compensáveis - artigo 854.º do Código Civil.
Na acção que propõe contra os Réus, peticiona o Autor a condenação daqueles no pagamento da quantia de quantia de €5.637,22 [além de juros], correspondente ao valor por ele despendido com a realização de intervenção clínica e tratamentos a que se submeteu na Ré “C…, Lda.”, fundando essa pretensão no facto de não ter obtido os resultados esperados e que lhe foram prometidos.
A referida Ré negando qualquer responsabilidade, contratual ou extracontratual, em relação ao Autor, rejeita os factos por ele articulados e nos quais se sustenta para formular o pedido contra aquela deduzido, contrapondo a prática de factos pelo Autor que considera lesivos do seu bom nome e imagem comercial, fundando o pedido contra ele formulado, no valor de €20.000,00, no direito à reparação dos danos não patrimoniais resultantes daquela actuação ilícita.
Tal circunstancialismo claramente não preenche a previsão da alínea c) do n.º 2 do artigo 266.º do Código de Processo Civil.
Nenhuma censura merece, por conseguinte, a decisão recorrida ao não admitir a reconvenção quanto ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais formulado pela Ré “C…, Lda.”, pelo que se mantém o decidido.
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Síntese conclusiva:
- A reprodução integral e ipsis verbis do alegado no corpo das alegações, mesmo que seguida da menção de “conclusões” não traduz a formulação de conclusões nos termos exigidos pelo n.º 1 do artigo 637.º do Código de Processo Civil.
- Havendo esse procedimento de ser equiparado a ausência de conclusões, deverá ser logo rejeitado o recurso, sem lugar a prévio despacho de aperfeiçoamento, nos termos do artigo 641.º, n.º1, al. b) do CPC.
- A admissibilidade da reconvenção depende necessariamente, além dos requisitos formais, da verificação de um dos pressupostos materiais taxativamente enunciados no n.º 2 do artigo 266.º do Código de Processo Civil.
- Não é de admitir a reconvenção quando o pedido formulado na acção se funda no cumprimento defeituoso de um determinado contrato e o pedido reconvencional se sustenta em factos totalmente distintos, fundamentando-se tal pedido na invocação de danos de natureza não patrimonial resultantes de imputação ao autor de conduta intencional lesiva do bom nome e honra da reconvinte.
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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, em:
- Rejeitar o recurso interposto pelo recorrente B…;
- Julgar improcedente o recurso interposto pela recorrente “C…, Lda.”, confirmando a decisão recorrida.
Custas: pelos apelantes, em relação aos recursos por cada um deles interpostos.
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Porto, 9 de Novembro de 2017
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida (com a declaração de voto que se segue)
Inês Moura
_________
[1] Processo n.º 413/15.3T8VRL.G1, www.dgsi.pt.
[2] Processo 818/07.3TBAMD.L1.S1, www.dgsi.pt.
[3] Processo 689/08.2TTFAR.E1.S1, www.dgsi.pt.
[4] Processo n.º 6322/11.8TBLRA-A.C2, www.dgsi.pt.
[5] Processo n.º 413/15.3T8VRL.G1, www.dgsi.pt.
[6] No mesmo sentido, cfr. ainda acórdãos da mesma Relação de 10.11.2015, processo n.º 158/11.3TBSJP.C1, da Relação de Lisboa de 15.02.2013, processo n.º 827/09.3PDAMD.L1-5, de 21.02.2013 (ambas decisões singulares), 07.12.2016, processo n.º 141/14.7T8SXL.L1-2, todos em www.dgsi.pt.
[7] cf. Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. III, pág. 194 e jurisprudência citada na nota de rodapé 120 e Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 669.
[8] “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1.º, 2.ª ed., Coimbra Editora, págs. 529, 530.
[9] Jacinto Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, 3ª ed., pág. 32.
[10] Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, ob. citada, pág. 530.
__________
Declaração de voto:
Com a declaração de que pese embora até ao momento tenha acatado a posição do Supremo Tribunal de Justiça sobre a consequência de as conclusões das alegações serem uma mera repetição integral do corpo das alegações, nas minhas decisões tenho deixado sublinhada a possibilidade de passar a decidir conforme aqui se decide pelas razões expendidas pela Colega Relatora, razão pela qual concordo com o decidido.

Aristides Rodrigues de Almeida