Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
344/19.8GBOBR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA GUERREIRO
Descritores: CRIME DE AMEAÇA
BEM JURÍDICO TUTELADO
REQUISITOS
Nº do Documento: RP20200212344/19.8GBOBR.P1
Data do Acordão: 02/12/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – No crime de ameaça, o bem jurídico tutelado é a liberdade de acção e decisão, ali se abarcando a paz jurídica individual e o sentimento de tranquilidade e segurança pessoal.
II – Atenta a natureza da estrutura típica do crime, pode considerar-se preenchida a sua descrição quando a correspondente ameaça produza um perigo concreto para a vítima, sendo necessário para tanto que essa ameaça seja exteriorizada e dependa da vontade ou acção do agente.
III – Basta que o agente adopte um comportamento ameaçador idóneo, seja mediante palavras ou gestos, susceptível de produzir o resultado típico que se pretende acautelar, mesmo que este não venha a verificar-se.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal
no processo nº 344/19.8GBOBR.P1

1. Relatório
Nos autos de processo sumário com o nº 344/19.8GBOBR do Tribunal da Comarca de Aveiro, Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Bairro, J.2, foi, em 25/09/2019 lida sentença com o seguinte dispositivo:
«1. Condeno o arguido B… pela prática de:
a. Um crime de desobediência simples, previsto e punido pelos artigos 152.º, n.º1, alínea a) e n.º 3 do Código da Estrada e 348.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 03 (três) meses de prisão;
b. Um crime ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, na pena de 08 (oito) meses de prisão;
c. Em cúmulo jurídico, condeno o arguido na pena única de 09 (nove) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância;
2. Aplico ao arguido a regra de conduta de o mesmo efectuar uma consulta de alcoologia e, se for considerado necessário pelo respectivo clínico, tratamento médico e/ou medicamentoso de alcoologia, sendo acompanhado nesse mesmo período pela D.G.R.S.P. que fará a articulação necessária para o efeito e comunicará ao Tribunal mediante relatórios trimestrais;
3. Sem prejuízo:
a. Desconto no cumprimento da pena de prisão 01 (um) dia, nos termos do artigo 80.º do Código Penal;
b. Autorizo o arguido a ausentar-se da residência:
i. Pelo tempo estritamente necessário, para frequência das consultas/tratamentos médicos – artigo 43.º, n.º 3 – mediante comunicação prévia ao processo dos respectivos horários;
ii. Das 12H30 às 13H45, ao sábado e ao domingo para almoço nos locais indicados nos factos provados;
4. Condeno o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, pelo período de 03 (três) anos;
5. Condeno o arguido no pagamento das custas processuais (artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), fixando-se a taxa de justiça devida em 02 UC (artigo 513.º, n.º 1 e 3 do Código de Processo Penal, bem como artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais).
Notificar e advertir do arguido:
Para, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da presente decisão, proceder à entrega das cartas e licenças de condução de que seja titular, na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, que a remeterá àquela, sob pena de cometer um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, sem prejuízo de ser ordenada a apreensão da mesma (artigo 500.º, números 1, 2 e 3 do C.P.P.);
De que se conduzir os ditos veículos durante o período da proibição poderá incorrer na prática de um crime de violação de imposições, proibições e interdições, previsto e punido pelo artigo 353.º do Código Penal.»
Não se conformando com a condenação pelo crime de ameaça agravada veio o arguido interpor recurso.
Extraem-se, em síntese, das conclusões elaboradas, os seguintes argumentos:
O recorrente limita o recurso à condenação pelo crime de ameaça agravada p.p. pelos artigos 153 nº1 e 155 nº1 al. c) do C.P.
Considera que houve erro na apreciação da prova e, por via disso, não estarem preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime de ameaça pelo qual foi condenado pelo Tribunal a quo, devendo antes ser absolvido deste crime ou pelo menos a ver reduzida a medida da pena aplicada.
Do depoimento dos militares, conclui-se que o tribunal a quo mal andou na apreciação da matéria de facto, uma vez que deveria ter dado como provado que o arguido estava embriagado, e do mesmo modo, o Tribunal a quo, não poderia dar como provados os factos constantes nos pontos 6. e 7.
O arguido aquando dos factos pelos quais vem acusado estava notoriamente alcoolizado, razão, que motivou sua fiscalização;
O militar alegadamente ameaçado já conhecia arguido de uma situação anterior em que o mesmo estaria também bastante alcoolizado e sabia que o arguido tem problemas de alcoolismo.
As expressões de ameaça proferidas pelo arguido: “Eu arranco-te o pescoço”, “mato-te” e vais-me foder a vida”; “Vais-me levar à Juiza e eu vou-me foder, (…), até te faço a barba.” são proferidas no presente e não visam um mal futuro, nem tão pouco o arguido afirma como irá executar essa conduta.
A expressão do arguido “Vou falar com os ciganos, para acabarem com a tua vida, conheci alguns na prisão que vão ter gosto em matar-te” é genérica e vaga não revela que o arguido tenha conhecimentos de criminalidade organizada ou possibilidades de mandar alguém matar o militar em questão.
O militar em questão não revela nos seus depoimento motivos e fundamentos idóneos para sentir medo das ameaças ou que até tenha alterado a sua conduta decorrente das expressões proferidas pelo arguido.
Do registo criminal do arguido constam condenações de condução de veículo em estado de embriaguez, sem habilitação legal, violação de proibições, não existindo condenações decorrentes de qualquer conduta violenta por parte do mesmo contra alguém.
As expressões dirigidas pelo arguido não foram idóneas e suficientes para constranger os militares da GNR de concretizar o seu trabalho, nem suscetíveis de abalar a tranquilidade e a liberdade de autodeterminação do militar C….
Quase todas as expressões proferidas pelo arguido referem-se no presente, sem estarem acompanhadas de um comportamento violento e de resistência aos militares, não consubstanciando um anúncio de mal no futuro.
E mesmo a expressão “vou falar com os ciganos, para acabarem com a tua vida, conheci alguns na prisão que vão ter gosto em matar-te.” é vaga e genérica proferida por alguém visivelmente embriagado e com problemas de alcoolismo.
O alcoolismo do recorrente é reconhecido pelo militar C….
As expressões foram dirigidas, no caso dos autos, a um militar da GNR, e conforme nos ensina Cristina Líbano Monteiro:
“… membros da Forças Armadas, militarizadas ou de segurança não são, para efeitos de atemorização, homens médios. O grau de violência ou de ameaça necessários para que se possa considerar preenchido o tipo não há-de medir-se, por conseguinte, pela capacidade de afetar a liberdade física ou moral de ação de um homem comum.”
A questão de adequação e /ou idoneidade que se coloca é exatamente de saber se as expressões proclamadas pelo arguido constituem, à luz do apontado critério objetivo-individual, ato de força ou hostilidade idóneo a coagir um membro de forças militarizada e de segurança.
Atenta a situação concreta do arguido, visivelmente alcoolizado cremos que, à luz de um homem médio, as expressões do arguido não se mostram dotadas de idoneidade quer para inviabilizar os atos funcionais dos militares, quer para provocar medo sério a um militar da GNR com capacidades e qualidades especiais para suportar pressões que não assistem e não se impõem a um cidadão comum.
Existe insuficiência de matéria provada e erro na análise da prova para preenchimento do tipo de ilícito (crime de ameaça agravada) pelo qual o recorrente veio a ser condenado, devendo outra decisão ter sido tomada, não estando preenchido o elemento objetivo e subjetivo do artigo 153.° do Código Penal.
Não consta do registo criminal do arguido qualquer condenação pela prática de crimes contra a liberdade pessoal, circunstância que revela ausência de conduta violenta por parte deste.
Sendo o arguido agente primário deste tipo de crime, consequentemente a medida da pena na qual foi condenado, afigura-se excessiva e desadequada, mesmo que não se dê provimento aos argumentos do presente recurso.
A decisão recorrida violou os artigos 153 n.º1 e 155 n.º 1 alínea c) do Código Penal e o artigo 127 e 410 n.º 2 alínea a) e c) do Código de Processo Penal.
Conclui pedindo que na procedência do recurso seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que acolhendo os argumentos recursivos absolva o arguido do crime de ameaça agravada ou pelo menos reduza a pena cominada pelo mesmo.
Admitido o recurso por despacho que consta a fls. 73 dos autos, ao mesmo veio responder o MP em primeira instância alegando que tendo o arguido recusar submeter-se às provas para deteção de álcool no sangue pretende basear-se na circunstância de estar embriagado para justificar o seu comportamento, mas em concreto, não ficou demonstrado que o arguido estivesse completamente embriagado como pretende a defesa.
O Tribunal recorrido apreciou a prova nos termos legais nenhuma censura lhe devendo ser feita porquanto a decisão se mostra fundamentada e justa, pelo que, o MP pugna pela sua manutenção integral.
Nesta Relação o Sr. Procurador-geral-adjunto, acompanhando a resposta do MP em primeira instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.
Cumprido o disposto no art. 417 nº2 do CPP não foi apresentada resposta ao parecer.

2 - Fundamentação
A - Circunstâncias com interesse para a decisão a proferir.
Pelo seu interesse passamos a transcrever a decisão recorrida no que respeita à decisão sobre a matéria de facto e respetiva motivação da convicção do tribunal:
«Com relevo para a boa decisão da causa, resultaram os seguintes factos como provados:
1) No dia 02/09/2019, cerca das 18H00, o arguido conduzia um velocípede pela Rua …, …, Concelho de Oliveira do Bairro, quando no âmbito de uma acção de fiscalização levada a cabo pelos militares da G.N.R. de Oliveira do Bairro recusou-se à submissão das provas estabelecidas para a detecção do estado de influência do álcool;
2) Ademais, no seguimento da referida abordagem o arguido, em tom sério e ameaçador, dirigindo-se ao militar da G.N.R. C… proferiu as seguintes expressões “Eu arranco-te o pescoço”, “mato-te” e vais-me foder a vida”;
3) Apesar de advertido das consequências da recusa à submissão das provas estabelecidas para a detecção do estado de influência do álcool e das suas palavras, o arguido voltou a recusar, motivo pelo qual foi detido;
4) Já no interior do Posto territorial da G.N.R. de Oliveira do Bairro o arguido, novamente dirigido ao militar da G.N.R. C…, em tom sério e ameaçador disse-lhe “Vais-me levar à Juíza e eu vou-me foder, (…), até te faço a barba. Vou falar com os ciganos, para acabarem com a tua vida, conheci alguns na prisão que vão ter gosto em matar-te.”;
5) O arguido actuou livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que ao não submeter-se a exame de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado, depois de advertido que, caso recusasse, incorreria na prática de um crime de desobediência, desobedecia a uma ordem legítima, legalmente prevista, regularmente comunicada e emanada de autoridade competente, e, não obstante, não se absteve de actuar da forma descrita;
6) Ademais, as acima mencionadas palavras proferidas pelo arguido conjugadas, nomeadamente com o tom sério e ameaçador com que as mesmas foram proferidas, assim anunciando a sua intenção de atentar contra a vida do militar da G.N.R., constituíram meio adequado a provocar neste intranquilidade e medo de que o arguido viesse efectivamente a concretizar tal intenção;
7) Ao actuar da forma supra descrita, o arguido agiu livremente e com perfeita consciência de que o seu comportamento era adequado a provocar no militar da G.N.R., conforme efectivamente provocou, medo e inquietação, sendo que tal era, aliás, sua intenção;
8) Sabia igualmente o arguido que C… é militar da G.N.R., que se encontrava no exercício dessas suas funções e que agiu da forma supra descrita por causa delas;
9) Agiu o arguido sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.
10) O arguido foi condenado no:
a. Processo Especial Sumaríssimo n.º 133/01.6GDAND, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Anadia, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de condução sem habilitação legal, na pena única de 100 dias de multa, à razão diária de Esc. 750$00, por decisão transitada em julgado em 28/02/2002;
b. Processo Especial Sumário n.º 23/02.5GDAND, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Anadia, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de condução sem habilitação legal, na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €, por factos datados de 11/02/2002, por decisão transitada em julgado em 08/03/2002, extinto pelo pagamento em 25/06/2003;
c. Processo Especial Sumário n.º 18/03.1GBOBR, deste Tribunal, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por factos de 11/01/2003, e condenado na pena de 07 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 02 anos, por sentença transitada em julgado em 13/02/2003, extinto pelo cumprimento da pena de prisão em 15/09/2006;
d. Processo Especial Abreviado n.º 5/04.2GBOBR, deste Tribunal, pela prática de um crime de violação de proibições, em 01/01/2004, na pena de 07 meses de prisão efectiva, por sentença transitada em julgado em 10/01/2005, extinto pelo cumprimento em 17/10/2005;
e. Processo Comum Singular n.º 401/04.5GBOBR, deste Tribunal, pela prática de um crime de violação de proibições, em 29/01/2003, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 04 anos, por sentença transitada em julgado em 10/01/2006;
f. Processo Especial Abreviado n.º 167/08.0GDAND, do Juízo de Instância Criminal de Anadia, comarca do Baixo Vouga, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por factos de 13/09/2008, na pena de 07 meses de prisão efectiva, a cumprir em 42 períodos de 48 horas cada um, e na cassação da carta de condução pelo período de 02 anos, por decisão proferida em 25/02/2009, e transitada em julgado em 02/04/2009, já extinto;
g. Processo Especial Sumário n.º 22/09.6GBOBR, do Juízo de Instância Criminal de Oliveira do Bairro, comarca do Baixo Vouga, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por factos de 16/01/2009, na pena de 09 meses de prisão efectiva, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 02 anos, por decisão proferida em 09/02/2009, e transitada em julgado em 27/04/2009, já extinto;
h. Processo Comum Singular n.º 419/12.4GBOBR, deste Tribunal, pela prática de de um crime de condução em estado de embriaguez, por factos de 11/08/2012, na pena de 10 meses de prisão suspensa na sua execução por ano, com sujeição a regime de prova e tratamento médico de desintoxicação alcoólica, assim como na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 02 anos e 06 meses. A pena acessória foi extinta por cumprimento a 01/01/2016;
i. O período da suspensão da execução da pena de prisão mencionado em h. foi prorrogado e posteriormente revogada a suspensão. A pena de prisão foi extinta por cumprimento a 10/12/2017;
j. Processo Comum Singular n.º 179/15.7GDAND, deste Tribunal, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez e de um crime de desobediência qualificada, por factos de 11/06/2015, na pena única de 01 ano e 08 meses de prisão efectiva, assim como na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 03 anos. A pena de prisão encontra-se extinta por cumprimento a 16/01/2019.
11) Nos presentes autos, o arguido esteve detido no período das 18H00 às 19H00 do dia 02/09/2019;
Quanto às condições económicas e sociais do arguido, provou-se ainda que:
12) O arguido vive sozinho, num espaço de roulotte, onde dispõe de energia eléctrica fornecida pela irmão e cunhada, a partir da moradia deste, situada a cerca de trinta metros do espaço habitacional do arguido;
13) O arguido trabalha como lenhador, junto do seu irmão, num estaleiro que é sua propriedade;
14) Esse estaleiro está inserido num largo terreno, herdado por ambos, onde cada agregado dispõe de espaço habitacional próprio;
15) O arguido revela hábitos de trabalho, como lenhador;
16) Como compensação pelo seu trabalho, o irmão do arguido fornece-lhe durante a semana as necessárias refeições, para além do valor variável da jorna;
17) O arguido aufere ainda a quantia de 312,00 € mensais de pensão social;
18) O horário de trabalho do arguido é das 08H00 às 18H00, sendo que o espaço laboral coincide com o espaço habitacional, não havendo lugar a deslocações;
19) Ao fim de semana, o arguido desloca-se a restaurantes da região para almoçar, nomeadamente, o “D…” e à “E…”;
20) O irmão e a cunhada manifestam disponibilidade para continuar a apoiar o arguido, se lhe for aplicada pena de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização electrónica;
21) A presença do arguido na comunidade residencial é tolerada, mantendo convívio com os vizinhos;
22) Não se evidenciam dificuldades de integração no meio, em caso de cumprimento de pena de prisão na habitação com vigilância electrónica;
23) O arguido consegue perceber o desajuste comportamental e a necessidade de intervenção das instâncias legais, a quem reconhece legitimidade;
24) O arguido tem a terceira classe de escolaridade.
Com relevo para a boa decisão da causa, resultaram os seguintes factos não provados:
I. No descrito em 2), tenha proferido a expressão “mas eu vou-te encontrar e dou-te um tiro”;
II. No descrito em 4), tenha proferido a expressão “mas eu vou-te apanhar e mato-te, vai ser a ti e aquele guarda de …. Limpo-te o sebo, vais-te foder, vou-te limpar o sebo”;
III. No descrito em 4), tenha proferido a expressão “Atrás dos ladrões não andas tu, tens medo, mas eu mato-te!”;
A Convicção do Tribunal assentou na análise crítica e conjugada da prova produzida em julgamento e da prova documental junta aos autos.
A factualidade provada e descrita de 1) a 9) decorre dos depoimentos de C… e de F…, militares da G.N.R. que intervieram na fiscalização, detiveram e identificaram o arguido. Os relatos são isentos.
Em declarações, o arguido declarou estar arrependido, nada mais referindo acerca dos factos imputados – momento em que afirmou não pretender prestar mais declarações. Desta feita, o mesmo não contraria a veracidade dos factos. Embora não os assuma expressamente, o certo é que o arguido, após comunicação da acusação pública, usa a palavra para declarar-se arrependido – arrependido, portanto, do que vem acusado.
Chegamos assim à autoria dos factos, com conhecimento e vontade de actuação contra proibição legal. A circunstância de poder estar alcoolizado não afasta a consciência e vontade de actuação contra a lei.
O auto de libertação atesta a detenção do arguido à ordem dos presentes autos.
O certificado do registo criminal de folhas 18 a 28 atesta as condenações anteriores.
O relatório social e as declarações do arguido são a prova da situação económica e social.
Os factos não provados não obtiveram prova certa, na medida em que, não obstante a credibilidade dos testemunhos prestados e valorados, quanto às expressões em apreço as mesmas não foram mencionadas de forma cabal.»

B – Fundamentação de direito

É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extraiu das respetivas motivações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
No caso concreto o recorrente limita o seu recurso à condenação pelo crime de ameaça agravada; as questões suscitadas, de que cumpre apreciar prendem-se com os seguintes temas:
1. Vícios previstos no art. 410 nº2 do CPP
2. Qualificação jurídica dos factos
3. Determinação da medida concreta da pena.
Cumpre apreciar e decidir!
1.
O recorrente refere-se a vícios do art. 410 nº2 do CPP mas em concreto não especifica em que consistem os referidos vícios.
Faz referências aos depoimentos dos militares da GNR, mas os aludidos vícios como resulta do corpo do preceito legal em causa têm de ressaltar do próprio texto da decisão, não sendo permitida, neste âmbito, a consulta de outros elementos constantes do processo de onde o vício se possa evidenciar.
Alude a uma contradição entre os factos 6 e 7 e a circunstância que pretende ver dada como assente de que se encontrava alcoolizado.
Porém, nos autos não foi apurado o estado de alcoolémia do recorrente, por razões imputáveis ao mesmo que obstou aos exames de deteção de álcool no sangue e por via disso incorreu em crime de desobediência simples. Porém, o Sr. Juiz que procedeu ao julgamento e beneficiou da imediação consignou na sentença que a circunstância de se encontrar sob alguma influência do álcool “não afasta a consciência e vontade de actuação contra a lei”, o que significa que se convenceu que o arguido não tinha a sua imputabilidade diminuída por via da ingestão de bebidas alcoólicas. Não se verifica, pois qualquer contradição, encontrando-se a decisão logicamente estruturada e fundamentada de forma a que se entendam as razões que estiveram na base da decisão sobre a matéria de facto, não se vislumbrando nenhum dos vícios previstos no art. 410 º2 do CPP, designadamente, não se verifica erro notório na apreciação da prova previsto na al.c) do indicado preceito legal, o qual só ocorre quando se considera assente algo que contraria as regras da experiência ou da lógica, o que manifestamente não aconteceu no caso em apreciação.
Mais cumpre salientar que o recorrente não alude a erro de julgamento dado que não indica qualquer facto que considere indevidamente julgado, não cumprindo minimamente os requisitos previstos no art.412 nº3 do CPP para a impugnação da matéria de facto.
Improcede, pelo exposto, este argumento do recurso.

2.
Entende o recorrente que os factos provados não preenchem os requisitos para se ter como preenchido o tipo de crime de ameaça, pelo qual, foi condenado.
Vejamos!
O crime de ameaça vem previsto no art. 153 nº1 do CP que dispõe:
«1 - Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.»
A propósito do enquadramento legal do crime de ameaça refere a decisão recorrida:
«... ameaçar é anunciar o propósito de fazer mal a alguém.
O artigo 155.º, n.º 1, alínea a) prevê e pune o crime de ameaça agravada, definindo, de forma taxativa, uma das circunstâncias agravantes, que revelam um maior desvalor da acção.
A referida circunstância funciona de forma automática – ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, 2008, “Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica, página 419.
O tipo subjectivo do ilícito ficará preenchido em qualquer uma das modalidades do dolo (artigo 14.º).
(...)
...mais se apurou que o arguido, de forma livre, deliberada e consciente, no contexto da prática do crime acima descrito e do circunstancialismo provado, proferiu expressões, cujo teor, quando dirigidas a alguém em tom grave e sério, transmitem a ideia destinatário de que, quando menos esperar, sujeitar-se-á à acção directa do interlocutor.
Neste contexto, somos de considerar que as expressões proferidas e todo o contexto envolvente demonstram que o arguido fez um anúncio ao Militar da G.N.R. de lhe fazer um mal no futuro e contra a sua vida. No futuro e como resposta à intervenção policial, o mataria.
Não se exige que o destinatário da ameaça fique com medo ou com inquietação. “O critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a liberdade de determinação é objectivo-individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do” homem comum”); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada (relevância das “sub-capacidades” do ameaçado) - CARVALHO, Américo Taipa de, 1999, “Comentário Conimbrincense do Código Penal”, Tomo 1, Coimbra Editora, página 348.
Este elemento distingue o crime de ameaça do contra-tipo constante do artigo 305.º do Código Penal (ameaça com prática de crime), que protege a paz pública.
O crime de ameaça assume-se, pelo exposto, como um crime de perigo abstracto-concreto, ou, crime de aptidão, pois só abrange as condutas que sejam, ‘a priori’, aptas a criar perigo para o bem jurídico protegido pela norma (Jorge de Figueiredo Dias, “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, 2.ª edição, 2007, Coimbra Editora, páginas 310 e 311).
Com efeito, fica demonstrado que as ameaças eram adequadas a provocar medo ou inquietação. As expressões usadas configuram o anúncio de um mal futuro, adequado a causar medo ou inquietação, assumindo gravidade suficiente reveladora do perigo concreto para o bem jurídico protegido com o tipo legal.»
No crime em apreciação o bem jurídico tutelado é a liberdade de ação e decisão, ou seja, a paz jurídica individual, o sentimento de tranquilidade e segurança pessoal.
Atenta a natureza da estrutura típica deste crime, podemos considerar preenchida a sua descrição quando a correspondente ameaça produza um perigo concreto para a formação da vontade da vítima. Para tanto é necessário que essa ameaça seja exteriorizada e que a mesma dependa da vontade ou da ação do agente.
Basta que o agente adote um comportamento ameaçador idóneo, seja mediante palavras, seja mediante gestos, suscetível de produzir o resultado típico que se pretende acautelar, sem que, no entanto, seja necessário que este se verifique.
No caso concreto o arguido expressa-se no presente, mas conjugando as expressões ameaçadoras que ficaram demonstradas nos autos, com a manifestada intenção de se conluiar com pessoas da etnia cigana, que conheceu na prisão, para concretizar o mal ameaçado, obtemos a segurança necessária para situar a temporalidade da ação ameaçadora no futuro, a qual é adequada a produzir sentimentos de insegurança e intranquilidade no ofendido.
Os factos dados como provados permitem considerar preenchido o crime de ameaça tanto quanto ao elemento objetivo, como subjetivo do tipo, nada havendo, pelo exposto, a censurar à decisão recorrida, quanto à qualificação jurídica dos mesmos, já que a agravação resulta do disposto no art. 155 nº1 al. c) por referência ao art. 132 nº2 al.l), ambos do C.Penal.

3.
Considera por ultimo o recorrente que a pena concreta que lhe foi cominada pelo crime de ameaça agravada é excessiva e desadequada, porquanto, esta é a primeira condenação que sofre por crime de ameaça.
Pese embora nunca ter sido condenado por crime de ameaça o arguido tem uma extensa lista de antecedentes criminais onde se incluem condenações em prisão efetiva que cumpriu, e que não o levaram a deixar de cometer ilícitos de natureza criminal, como se demonstra pelos factos em julgamento.
Deste passado criminal do arguido ressalta que as exigências de prevenção especial que o caso requer são elevadas.
Ora, sendo a moldura abstratamente aplicável ao caso, prisão até dois anos, ou multa, - que desde logo se afasta por não se mostrar suficiente para acautelar as finalidades da punição, face às exigências de prevenção a que já aludimos -, a pena concreta que foi cominada ao recorrente pelo crime de ameaça, de oito meses de prisão, situa-se abaixo do meio da moldura abstrata, e afigura-se-nos compatível com a culpa que emana da conduta levada a efeito com consciência da respetiva ilicitude já que não ficou demonstrada qualquer diminuição da respetiva imputabilidade.
Conclui-se, pois que, também quanto à medida da pena não merece censura a decisão recorrida.

3 – Decisão:

Tudo visto e ponderado, acordam os Juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B….
Mais vai o recorrente condenado em 3 ucs de taxa de justiça.

Porto, 12/02/2020
Paula Guerreiro
Pedro Vaz Pato