Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2086/07.8TBPVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: INCIDENTE DE HABILITAÇÃO
CITAÇÃO
NULIDADE
Nº do Documento: RP201409292086/07.8TBPVZ.P1
Data do Acordão: 09/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I- Estando em causa uma situação de transmissão por morte, a habilitação destina-se a chamar só e apenas as pessoas que, por lei, testamento ou contrato, devam suceder ao de cujus na titularidade dos seus direitos e obrigações que não devam extinguir-se por morte do respetivo titular, cabendo essa determinação às normas de direito substantivo (sucessório).
II- Visa o incidente de habilitação convocar os sucessores da parte ou partes falecidas na pendência da causa (acção ou execução) ou antes da instauração da acção, para que estes, em substituição das partes primitivas, prossigam os termos da demanda.
III- Sendo a recorrente filha e herdeira do ex-cônjuge mulher do executado/habilitando (comunhão geral de bens), neta dos primitivos executados, e a herança daquela engloba igualmente uma quota parte da herança (direito) que se encontra penhorada à ordem dos autos, deverá a apelante ser habilitada e citada para os termos da acção executiva.
IV- A não citação e habilitação da recorrente, e seus irmãos, origina a anulação da execução, concretamente do processado a partir da dedução do incidente de habilitação promovido pela exequente, face ao estatuído nos artºs 201º, nº 2, e 921º (actualmente artºs 195º, nº 2, e 851º), do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2086/07.8TBPVZ.P1 - APELAÇÃO

Relator: Desem. Caimoto Jácome (1485)
Adjuntos: Desem. Macedo Domingues
Desem. Oliveira Abreu

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1- RELATÓRIO

No decurso da acção executiva que a B…, CRL, intentou contra C…, D…, E… e F…, para deles obter o pagamento de € 141.392,34, acrescida de juros legais vincendos, veio G…, com os sinais dos autos, através do requerimento de fls. 697-706, arguir a nulidade de todo o processado posterior à habilitação de herdeiros, por falta de citação.
Alega, para tanto, em síntese, que tendo sido os presentes autos executivos intentados contra C… e D…, entre outros, e tendo sido decidida, por apenso, o incidente de habilitação de herdeiros, no qual, em 23/05/2011, H…, pai da requerente, assumiu a qualidade de executado, e tendo a mulher deste, I…, com a qual era casado em regime de comunhão geral de bens, e mãe da requerente, falecido em data anterior à decisão de tal habilitação, verifica-se uma nulidade da citação. Refere que não foi citada, tal como os seus irmãos, J…, K… e L…, para os presentes autos, pelo que se verifica uma nulidade do processado. Conclui pedindo que tal nulidade seja reconhecida e, por forma a evitar a transmissão de bens a terceiros, seja registado o incidente.
Arrolou testemunhas e juntou documentos.
A tal pretensão opuseram-se os executados E… e mulher (fls. 717 e ss.), bem como M… e outro, remidores (fls. 746).
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Conclusos os autos, a Srª juíza apreciou o requerido, no despacho de fls. 748-752, tendo concluído com a seguinte decisão (dispositivo):
“Pelo exposto, improcede a arguida nulidade do processado requerido pela interveniente acidental G…, bem como o pedido de registo do incidente.
Custas do incidente em 2 (duas) Uc´s dado o carácter infundado e manifestamente dilatório do incidente – art. 531º do CPC.”.
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Inconformada, a requerente apelou daquela decisão, tendo, na sua alegação, formulado as seguintes conclusões:
A - Vem o presente recurso interposto do Despacho de Fls. que considerou improcedente a nulidade invocada de todo o processado posterior ao incidente de habilitação, promovida pela Exequente, por omissão absoluta da citação da ora Recorrente para os vertentes autos.
B - Versando o presente recurso sobre matéria de facto e de Direito, uma vez que não só foram violadas normas jurídicas em vigor no nosso ordenamento jurídico como ocorreu erro na determinação da norma aplicável bem como e igualmente foram incorrectamente julgados concretos pontos de facto, existindo nos autos meios probatórios que impunham diversa decisão da ora posta em crise, tendo a ora Recorrente legitimidade para apresentar o presente recurso, quanto mais não seja nos termos do art. 631º, nº 2 do C.P.C., uma vez que é directa e efectivamente prejudicada pela Decisão.
C - Previamente, a Recorrente pretende requerer a V.Exa. a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso, nos termos e para os efeitos do nº 4 do art. 647º do C.P.C., uma vez que a possibilidade de venda do património que constitui a herança nestes autos penhorada ou até somente a sua efectiva adjudicação aos aparentes Remidores, que poderiam assim livremente onerar ou alienar o património que a constitui, tem a virtualidade de lhe causar prejuízo considerável, senão mesmo irreparável, como resulta notório de uma apreciação, ainda que superficial, destes autos, oferecendo-se para prestar caução nos termos do normativo legal aludido e do art. 650º do mesmo corpo de leis.
D - A questão que se coloca à subida consideração de V.Exas., bem ao contrário do entendido no Despacho sob censura, não constitui expediente dilatório e muito menos reveste carácter infundado, antes constituindo tema de acesa controvérsia e interessante destrinça jurídica pelas consequências relevantíssimas que tem no património familiar e pelo impacto social que a questão decidenda provoca.
E - De facto, os vertentes autos executivos foram intentados contra C… e D… e, com o decesso destes, foi promovida pela Exequente incidente de habilitação, que correu por apenso aos autos principais, de forma a que a execução passasse a correr contra os sucessores dos primitivos Executados, verificando-se pela análise dos autos que tal incidente de habilitação foi promovido em 23/05/2011.
F - Sucede que, uma das pessoas habilitadas foi H…, filho dos primitivos Executados, que assumiu assim a qualidade de executado nestes autos, sendo certo que esse H… era casado com I.., no regime de comunhão geral de bens, como melhor se afere da certidão de casamento que se encontra junta aos autos a Fls..
G – I… faleceu no pretérito dia 06/02/2011, como se afere da certidão do assento de óbito que se encontra junta aos autos a Fls. tendo a ora Recorrente nascido na pendência do matrimónio que H… contraiu com aquela, sendo estes portanto seus Pais, conforme se comprova da certidão do assento de nascimento que igualmente se encontra junta aos autos a Fls., como de resto os seus irmãos J…, K… e L…, que igual e incompreensivelmente não foram citados para estes autos.
H - Aquela I…, Mãe da ora Recorrente, faleceu em 06/02/2011, ou seja, em data anterior ao referido incidente de habilitação promovido pela Exequente para prosseguimento destes autos executivos contra os sucessores dos primitivos Executados pelo que, face à relação de parentesco e ao regime de bens do aludido casamento de seus Pais, a Recorrente deveria ter sido citada para os termos desta acção, por via da habilitação promovida pela Exequente, o que nunca chegou a suceder, designadamente para, nessa novel qualidade, se opor à execução ou pagar o crédito exequendo, nos termos dos arts. 2039º e seguintes do Código Civil.
I - Isto porque é entendimento da Recorrente que, visto que é herdeira da referida I… e a herança desta engloba igualmente uma quota parte da herança que se encontra penhorada à ordem destes autos, deveria impreterivelmente ter sido citada para os termos destes autos, tendo interesse, que é directo nos termos do art. 1732º do Código Civil, no desfecho dos mesmos, como sucessora e por representação da sua falecida Mãe, o que nunca chegou a suceder, ao arrepio de toda a legislação que vigora sobre a matéria.
J - Facto aliás reconhecido pelos restantes Intervenientes processuais, pese embora alguns deles atribuam a esta reconhecida falta de citação efeito e consequências diversas das que a Recorrente entende serem aplicáveis in casu e inclusivamente no Despacho sob censura, o que torna ainda mais incompreensível a parte da Decisão que considera que a argumentação da Recorrente tem carácter infundado e manifestamente dilatório uma vez que é notório que ocorreu omissão de citação legalmente prevista de um dos Interessados, colocando-se a divergência entre os Interessados a montante desta questão, por todos pacificamente reconhecida, no que tange às consequências dessa omissão evidente.
K - A Recorrente entende, conforme o preceituado na alínea a) do nº 1 do art. 188º do novo C.P.C., verificar-se, in casu, a falta de citação da Recorrente para estes autos executivos e, em virtude da falta de citação, a mesma desconhecia em absoluto os termos da vertente acção, não tendo deduzido oposição ou sequer constituído mandatário judicial, não tendo intervindo no processo, designadamente para se pronunciar quanto ao valor atribuído aos bens que integram a herança ou apresentar qualquer proposta para a sua aquisição, não tendo tão-pouco chegado ao seu conhecimento todo o circunstancialismo tendente à adjudicação da totalidade da herança, nem poderia tê-lo feito uma vez que desconhecia em absoluto a pendência destes autos por não ter sido, como a Lei prescreve, citada para os mesmos, o que não permitiu que exercesse cabalmente os direitos que a Lei lhe confere.
L - A falta de citação constitui nulidade principal, que pode ser invocada pelo interessado em qualquer estado do processo e oficiosamente conhecida pelo Tribunal, nos termos do disposto nos arts. 194º, alínea a), 195º, nº 1, alínea a), 202º a 204º, nº 2 todos do C.P.C. (187º, alínea a), 188º, nº 1 alínea a), 196º a 198º, nº 2, todos do C.P.C. na sua redacção actual) devendo, nos termos do art. 196º do C.P.C., actual art. 189º, ser invocada na primeira intervenção do arguente no processo, sob pena de se considerar sanada, tendo a Recorrente respeitado o aludido normativo legal.
M - A Recorrente está de resto plenamente convencida que a ocultação da existência destes autos foi intencional por parte dos restantes Sucessores habilitados e da Exequente, designadamente aqueles que pretendem a todo o custo ficar com os imóveis, no sentido de a afastarem da herança, configurando a sua conduta nestes autos exemplo paradigmático de má-fé, o que não pode merecer, nem merece, guarida da Lei, uma vez que da penhorada herança constam vários imóveis com significativo valor patrimonial, aqui se remetendo para as alegações recursivas.
N - Por vicissitudes processuais várias, designadamente pela simulação do exercício do direito de remição, há sucessores que pretendem subtrair à herança todos esses imóveis, num processo inqualificável que passou, nomeadamente, pela ocultação intencional da existência destes autos à Recorrente e da existência desta aos autos, pois bem sabiam que a mesma jamais aceitaria que o património familiar fosse desbaratado ao sabor dos ínvios interesses nestes autos camuflados, nem tão-pouco aceitaria que, por um punhado de tostões ou favorecimentos, uns Sucessores ficassem beneficiados em detrimento dos demais.
O - A Mãe da Requerente é interessada directa na partilha da herança nestes autos penhorada (vide, entre outros, o recente Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 03-07-2012, Relator EMÍDIO FRANCISCO SANTOS, disponível em www.dgsi.pt).
P - Isto porque o regime de bens do seu casamento com o sucessor H… é o da comunhão geral de bens, como se encontra comprovado nos autos e não mereceu impugnação de quem quer que seja, o que implica, necessariamente, que todos os bens do casal sejam comuns, nos termos do art. 1732º do C.C..
Q - Encontrando-se penhorada em processo executivo a totalidade da herança de que o seu marido é herdeiro, a Mãe da aqui Recorrente sempre teria que ser habilitada e citada para estes autos pois não é indiferente, bem pelo contrário, ao desfecho da acção, que terá inevitavelmente repercussões relevantes na sua esfera patrimonial, bastando ter presente que a Mãe da Recorrente tinha interesse directo em contradizer e em opor-se à Execução e tinha legitimidade para tal, o mesmo sucedendo no que tange à Recorrente e seus irmãos, com o decesso daquela em momento anterior ao incidente de habilitação promovido pela Exequente.
R - Isto porque a Mãe da Recorrente, e com o seu decesso esta e os seus irmãos, comungam no quinhão hereditário dos Habilitandos, não se revelando despiciendo aludir à redacção do art. 351º do C.P.C., quando é referida a “habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa,…”, não se confundindo sucessores com herdeiros, considerando-se unanimemente na Doutrina e Jurisprudência que o conceito de sucessor deve ser compreendido num sentido lato, abrangendo todos os que, no plano do direito substantivo, sucedem ao falecido na titularidade dos direitos e das obrigações, solução de resto já oferecida pela anterior redacção do art. 1341º do C.P.C. quando determinava a citação dos interessados directos na partilha, não os confundindo com os herdeiros e aí englobando os cônjuges casados em comunhão geral de bens com herdeiros.
S - Pelo que a Mãe da Recorrente sempre teria que ser citada para estes autos pois, ao contrário, estaria encontrada a fórmula mágica para os exequentes se furtarem à reacção por parte dos sucessores, omitindo parte deles propositada ou discricionariamente e assegurando que aqueles que indicassem fossem os que menos se preocupassem com o desfecho da lide.
T - In casu, verifica-se uma situação subsumível à legalmente definida como falta de citação do executado pois a execução tem consequências directas sobre o património da Mãe da Recorrente, e com o decesso daquela sobre o desta, tendo a mesma interesse directo em contradizer e opor-se à execução, impondo-se necessariamente a sua citação para estes autos o que, não tendo sucedido, como não sucedeu, implica a nulidade de todo o processado, como atempadamente foi invocado pela Recorrente.
U - Bem ao contrário do defendido no Despacho posto em crise, não se cuida aqui da falta de citação do cônjuge do executado, ou dos seus Sucessores face ao comprovado falecimento da mesma, mas sim da falta de citação do executado prevista no art. 921º do C.P.C., agora art. 851º do mesmo código.
V - Isto porque, ao contrário do defendido no Despacho em crise, a Mãe da Recorrente teria forçosamente de ser citada para estes autos uma vez que é sucessora dos primitivos Executados, tendo um direito, que é próprio, na herança nestes autos penhorada.
W - Ao celebrar o casamento com uma convenção antenupcial, expressamente pretendendo que o regime de bens do matrimónio fosse o de comunhão geral de bens, a Mãe da Recorrente, bem como o seu Pai, quiseram indubitavelmente conferir ao seu património as características distintivas de tal regime de bens o que, a aceitar-se a tese perfilhada no Despacho sob censura, redundaria totalmente frustrado e implicaria que fosse qual fosse o regime de bens matrimonial o resultado final fosse idêntico, o que não encontra suporte no espírito do sistema.
X - Uma quota-parte da herança nestes autos penhorada pertencia à Mãe da Recorrente e faz parte da herança aberta com o seu falecimento, pertencendo esta consequentemente aos seus herdeiros, designadamente à Recorrente e aos seus Irmãos pelo que a Mãe da Recorrente, e com o decesso desta a Recorrente e seus Irmãos, sempre teriam um direito próprio na herança que nestes autos foi penhorada na totalidade, o que implica necessariamente a obrigatoriedade da sua citação para exercerem os direitos que a Lei lhes confere, o que não sucedeu.
Y - É inquestionável para a aqui Recorrente que estamos perante uma clara e flagrante situação subsumível no art. 851º do C.P.C. vigente pois a Mãe da Recorrente, e com o seu decesso a Recorrente e Irmãos, deveria ter sido habilitada e citada para os termos desta acção pois tem interesse directo em contradizer e opor-se à execução, que tem reflexos muito relevantes na sua esfera patrimonial por via do regime de bens do seu casamento, situação a que a Lei dá um tratamento específico devido à gravidade e consequências de tal omissão, cominando com a anulação de todo o processado tal circunstância.
Z - Quando é referido no Despacho posto em crise que a Mãe da Recorrente não teria que ser citada para estes autos porque não é herdeira dos Executados primitivos tal conclusão carece totalmente de cabimento legal, ocorrendo clara confusão de conceitos no que tange à qualidade de sucessor e herdeiro, resultando inequívoco que a Mãe da Recorrente, ao ser sucessora dos primitivos Executados e pertencendo-lhe uma quota-parte da herança nestes autos penhorada, teria impreterivelmente que ser citada para os mesmos.
AA - Nos vertentes autos, ao contrário do plasmado no Despacho ora em crise, não teriam que ser citados apenas os herdeiros dos falecidos (primitivos Executados) mas antes todos os seus sucessores, nos termos do preceituado pelo art. 351º do C.P.C., não encontrando a conclusão vertida no Despacho sob censura suporte literal na redacção do normativo legal e muito menos no espírito que o enforma.
BB - Donde, no Despacho sob censura foram violados os arts. 194º, alínea a), 195º, nº 1, alínea a), 202º a 204º, nº 2, (respectivamente os arts. 187º, alínea a), 188º, nº 1 alínea a), 196º a 198º, nº 2, na sua redacção actual) 351º e 851º, todos do C.P.C. e arts. 1732º e 2039º do C.C..
CC - Devendo tais normativos legais ser interpretados no sentido de que, ocorrendo falecimento dos primitivos Executados na pendência dos autos executivos e encontrando-se penhorada à ordem desses autos a totalidade da herança que com tais óbitos se abriu, o cônjuge casado no regime de comunhão geral de bens com o herdeiro dessa herança tem obrigatoriamente que ser citado como parte principal nesses autos, devendo ser promovida a sua habilitação, ou a habilitação dos seus sucessores em caso de falecimento, devendo ser anulados todos os actos praticados após a omissão de tal citação, com as consequências de Lei.
DD - Aliás, existe igualmente erro na determinação da norma aplicável pois jamais o circunstancialismo supra descrito poderia ser subsumido, como ocorreu no Despacho posto em crise, no art. 786º do C.P.C. mas antes no art. 851º do mesmo corpo de Leis, não podendo, em consequência, manter-se a Decisão sob censura.
EE - SEM PRESCINDIR - Ainda que não seja esse o entendimento subidamente sufragado por V.Exas., no que não se concede e apenas por dever de patrocínio se convoca, sempre a consequência da comprovada omissão de citação da Recorrente para estes autos implicaria a anulação de todos os actos praticados após o incidente de habilitação promovido pela Exequente.
FF - Isto porque ainda que se entendesse que, in casu, estaríamos perante uma situação subsumível à falta de citação do cônjuge do executado, nos termos do art. 786º, nº 1, alínea a) do C.P.C., no que não se concede, não ocorreu ainda a adjudicação a quem quer que seja da herança nestes autos penhorada.
GG - Existe, de facto, um Remidor que manifestou intenção de exercer o direito de remição mas o mesmo não se encontra concretizado, por via da inexistência de qualquer adjudicação da herança penhorada, não tendo ocorrido, em boa verdade, qualquer venda, adjudicação ou remição, uma vez que a herança penhorada não foi ainda legalmente transmitida a quem quer que seja.
HH - E se resulta incontroverso que, a terem ocorrido tais actos, algo que a Recorrente não aceita, a Exequente não seria efectivamente a exclusiva beneficiária dos mesmos, o que é certo é que, a suceder como defendido no Despacho em crise, ocorreria evidente benefício de sucessores habilitados em detrimento dos demais que foram, ou deveriam tê-lo sido, habilitados como sucessores dos primitivos Executados, o que é o resultado de toda uma actuação de má-fé por parte dos aparentes Remidores, que não podiam desconhecer que a sua Prima não havia sido citada nestes autos para exercer os direitos que a Lei lhe confere, mas ainda assim não se coibiram de praticar todos os actos tendentes à adjudicação da herança, pretendendo conscientemente mantê-la na ignorância quanto à existência destes autos e ocultar a existência da Recorrente aos mesmos, o que não pode considerar-se aceitável face a alguns dos princípios estruturantes do nosso ordenamento jurídico, mormente o princípio da boa-fé.
II - Donde, não tendo ainda sido concretizadas nestes autos quaisquer vendas, adjudicações ou remições, sempre teriam que ser anulados todos os actos praticados posteriormente ao incidente de habilitação promovido pela Exequente, nos termos do art. 786º, nº 6 do C.P.C., a contrario sensu.
JJ - Ao decidir diversamente, ocorreu no Despacho sob censura violação do preceituado pelo art. 786º, nº 6 do C.P.C., devendo tal normativo legal ser interpretado no sentido de que devem ser anulados todos os actos praticados após o incidente de habilitação promovido pela Exequente caso não tenham sido ainda concretizadas quaisquer vendas, adjudicações ou remições, no caso de ter ocorrido omissão da citação legalmente prevista do cônjuge do executado, como ocorre in casu, não podendo, consequentemente, manter-se o Despacho posto em crise.
KK - SEM PRESCINDIR- Naufragando tudo quanto se expôs, no que não se concede, sempre a actuação daqueles N… e M…, que assumem as vestes de Remidores, teria que ser considerada ilegítima, constituindo flagrante abuso de Direito, como o descreve o art. 334º do C.C..
LL - A circunstância de as partes não terem alegado o abuso de direito não obsta ao seu conhecimento oficioso (STJ, 09-10-1979: BMJ, 290º - 352; 26-03-1980: BMJ, 295º - 425; 05-02-1987: 364º - 787) mesmo apenas no Tribunal superior (RC, 17-11-1987: CJ, 87, 5º - 34), e ainda que tal matéria não tenha sido decidida pelo Tribunal recorrido (STJ, 07-01-1993: CJ/STJ, 1993, 1º - 5).
MM - É, portanto, o abuso de direito de conhecimento oficioso do Tribunal, pelo que a regra de que nos recursos é vedado decidir problemas novos não pode deixar de ser afastada se houver obrigatoriedade de conhecimento oficioso de determinada questão (RL, 15-03-1988: BMJ, 375º - 435), isto porque está em causa um princípio de interesse e ordem pública (RC, 15-10-1991: BMJ, 410º - 882)
NN - Reza assim o art. 334º do Código Civil vigente “É ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”.
OO - A Doutrina Pátria tem entendido tal normativo legal como uma “válvula de escape” do sistema jurídico, manifestação mais evidente da prevalência da Justiça material sobre a Justiça formal, que permite ao Julgador alcançar a solução mais justa para determinado caso concreto que é colocado à sua consideração, ainda que contrariando o formal e aparentemente regular exercício de um qualquer direito quando se lhe afigure que o mesmo é exercido em termos clamorosamente ofensivos do Direito e assumindo portanto uma forma de antijuricidade ou ilicitude, ocorrendo, em princípio, a nulidade dos actos assim perpetrados.
PP - Essa mesma Doutrina tem entendido existirem diversas modalidades de abuso de direito, cada uma delas com uma matriz distintiva mas em todas ocorrendo a violação do princípio da boa-fé, sendo entre nós a mais reconhecida aquela designada como venire contra factum proprium, pese embora não seja esta a única modalidade abusiva que nos oferece o normativo legal em apreço uma vez que, e não se aludindo aqui sequer à possibilidade do abuso de direito poder resultar de comportamentos omissivos e não sempre de uma determinada acção assumida por quem ilegitimamente pretende exercer certo direito, uma vez que tal controvérsia se encontra há muito resolvida, exemplos do que supra se referiu são designadamente as figuras jurídicas do desequilíbrio, inalegabilidade ou da Supressio e Surrectio, cujo aturado enquadramento e enunciação flui de diversos estudos doutrinais publicados.
QQ - Entre essas figuras ou modalidades de abuso de direito avulta uma que é comummente designada como Tu quoque, que HÖRSTER concebe como um comportamento desleal que resulta do aproveitamento de uma posição jurídica adquirida por dolo ou Abuso do Direito, se daí provier um prejuízo que de outra maneira não se teria verificado. Refere, designadamente, o facto de alguém invocar a prescrição tendo anteriormente obstado, de forma enganadora ou desleal, a que o titular do direito intentasse a tempo acção para evitar o decurso do prazo.
RR - Já MENEZES CORDEIRO entende que a expressão latina exprime a máxima segundo a qual a pessoa que viole o espírito de uma norma jurídica, por acção ou omissão, não pode, depois e sem abuso: ou prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente ou exercer a posição jurídica violada pelo próprio ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada.
SS - O Código de VAZ SERRA tem numerosas consagrações parcelares da regra-mãe do tu quoque, designadamente: o artigo 126º do C.C. (o menor que use de dolo para se fazer passar por maior não pode invocar a anulabilidade do acto), o artigo 342º nº 2 do C.C. (há inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova do onerado) ou o artigo 570º, nº 1 do mesmo corpo de leis (a culpa do lesado pode reduzir ou excluir a indemnização), resultando inequívoco que esta modalidade de abuso de direito consagra a primazia da materialidade subjacente.
TT - Ancorando-nos ao caso sob apreciação, resulta dos autos que foi promovido incidente de habilitação pela Exequente para habilitar os sucessores dos primitivos Executados, incidente de habilitação que foi instruído com o auto de declarações de cabeça-de-casal lavrado nos autos que correm termos sob o nº 940/11.1TBPVZ, do 2º Juízo de competência cível do Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Varzim, conforme se afere destes autos a Fls., tendo nesse auto sido omitida pelo Cabeça-de-Casal a existência da ora Recorrente e dos seus Irmãos, facto que originou igualmente requerimento subscrito pela aqui Recorrente a esses autos em que é invocada a nulidade decorrente dessa falta de citação.
UU - Aqueles que vieram exercer o direito de remição nestes autos sabiam perfeitamente, não podendo alegar desconhecimento face à relação de parentesco próxima que os une à Recorrente, quer da existência e incidências destes autos, o que é notório pois caso contrário não teriam adoptado todas as condutas tendentes à efectivação desse direito, quer que a Recorrente e seus irmãos não haviam sido habilitados ou citados para os termos desta acção, algo igualmente notório pois não podiam ignorar quer o falecimento da Mãe quer o direito que aos mesmos assiste de lhe sucederem por representação.
VV - E o que fizeram estes Remidores? Remeteram-se ao silêncio, estando perfeitamente cientes que a circunstância da Recorrente se encontrar a residir em país estrangeiro seria impeditiva de que tomasse conhecimento destes autos, não lhe comunicando a existência dos mesmos nem informando os autos da existência da Recorrente, de forma a poderem descontraída e solitariamente exercer o direito de remição sem terem de concorrer com quem quer que seja na pretendida aquisição da herança penhorada, fazendo sentido convocar o brocardo latino Turpitudinem suam allegans non auditor, pois que certo é que ninguém pode alegar a sua própria torpeza.
WW - O simples facto dos Remidores exercerem o direito em benefício exclusivo de outra pessoa e não visando qualquer interesse próprio, como sucede claramente in casu uma vez que estamos perante Remidores extremamente jovens e cuja ocupação profissional jamais lhes permitiria angariar a quantia que vieram a depositar nestes autos, configuraria abuso de direito de per si, por tal comportamento constituir ofensa manifesta ao fim social e económico do direito a que se arrogam.
XX - Compulsando os vertentes autos é claríssima a existência de uma disputa entre os sucessores dos primitivos Executados para aquisição da herança penhorada, algo que flui de todas as incidências que os mesmos revelam e, por ser tão notória, toda a sorte de comportamentos assumidos por alguns Sucessores, quer nestes autos quer naqueloutros a que supra se fez referência, têm e tiveram como principais objectivos, por um lado, o afastamento da Recorrente destes autos e, por outro, o benefício que os Remidores pretendem alcançar, o exercício do direito de remição pelo mínimo valor possível ainda que tal implique que parte dos Sucessores nada recebam desta herança.
YY - Os Remidores, e aqueles que os acompanham incognitamente, sabiam da ocorrência do falecimento da Mãe da Recorrente, sabiam que a Recorrente e os seus Irmãos deveriam ter sido citados para estes autos em representação da sua falecida Mãe mas, agindo com rasteira e evidente má-fé, omitiram à Recorrente a existência destes autos e omitiram propositadamente aos autos a existência da Recorrente, tudo para que pudessem adquirir a herança pelo menor valor possível, assegurando-se que, com tal omissão, a mesma fosse vendida por uma valor muito inferior ao somatório dos valores de mercado dos imóveis que a integram e, posteriormente e sem oposição ou concorrência, pudessem exercer o direito de remição por esse diminuto montante, agindo premeditadamente, com manifesta má fé e violando clamorosa e ostensivamente quer o princípio da boa-fé quer o fim social e económico do direito de que se arrogam titulares e pretendem exercer, algo que resulta incontroverso e notório da análise dos vertentes autos.
ZZ - Assim, agiram os Remidores com exuberante abuso de direito, nos termos do art. 334º do C.C., devendo ser declarada a nulidade do direito de remição por estes exercido nos autos e, em consequência, devem os autos baixar à primeira instância para que se possibilite o exercício do direito de remição a todos os eventuais interessados que estejam nas condições legalmente exigidas para o exercer e, eventualmente, para que se abra licitação entre os concorrentes, nos termos do art. 845º do C.P.C., somente desta forma sendo possível assegurar a Justiça material, com as consequências de Lei.
NESTES TERMOS e nos mais de Direito que V.Exas. possam doutamente suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso, julgando-se o mesmo totalmente procedente e, em consequência:
A) Deve ser revogado o Despacho sob censura e substituído por outro que declare a invocada nulidade de falta da citação da Recorrente para estes autos, anulando todos os actos praticados posteriormente à omissão da citação, ou seja, após o incidente de habilitação promovido pela Exequente, subsumindo a questão decidenda no preceituado pelo art. 851º do C.P.C., tudo com as devidas e legais consequências;
B) SEM PRESCINDIR e caso seja o subido entendimento de V.Exas. que a situação sub judice se subsume ao preceituado pelo art. 786º, nº 1, alínea a) do C.P.C., no que não se concede, deve ser revogado o Despacho sob censura e substituído por outro que declare a invocada nulidade de falta da citação da Recorrente para estes autos e determinada a anulação de todos os actos praticados após a omissão da citação, nos termos do nº 6 do mesmo normativo legal, a contrario, por não terem ainda ocorrido quaisquer vendas, adjudicações ou remições nestes autos, tudo com as devidas e legais consequências;
C) AINDA SEM PRESCINDIR, e não sendo esse o entendimento sufragado por V.Exas., no que não se concede, deve o Despacho sob censura ser revogado e substituído por outro que declare o abuso de direito por parte dos nestes autos Remidores, nos termos do art. 334º do C.C., devendo ser declarada a nulidade do direito de remição por estes exercido e, em consequência, devem os autos baixar à primeira instância para que se possibilite o exercício do direito de remição a todos os eventuais interessados que estejam nas condições legalmente exigidas para o exercer e, eventualmente, para que se abra licitação entre os concorrentes, nos termos do art. 845º do C.P.C..

Na resposta à alegação o apelado N… defende o decidido.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é balizado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 3, do C.P.Civil (actualmente arts. 635º, nº 4, e 640º, nºs 1 e 2).
Deve sublinhar-se que a recorrente não cumpre o estatuído no artº nº 1, do artº 685º-A, do CPC (actual artº 639º, nº 1), pois que as conclusões são tudo menos sintéticas, limitando-se a apelante a organizar em dezenas de letras o teor da sua alegação articulada, substituindo os números pelas letras.
Feito o necessário reparo, ultrapassa-se, sem mais, a incorrecção, por uma questão de celeridade.

2.1- OS FACTOS E O DIREITO

A matéria de facto a considerar é, além do mais, a seguinte:
- Os primitivos e falecidos executados, C… e D…, deixaram como únicos e universais herdeiros os seus filhos H…, E…, O…, P…, Q…, S…, T…, U…, os quais foram habilitados como sucessores daqueles e citados, nessa qualidade, para a presente execução.
- Na acção executiva foi penhorado o direito à herança ilíquida e indivisa por óbito de C… e D….
- Nos presentes autos, N… e M… exerceram o direito de remição por requerimento de 06/12/2012, tendo procedido ao depósito do preço no montante devido, no prazo legal.
- Em 31/05/2013, e na sequência de despacho (proferido em 05/03/2013), transitado em julgado, foi emitido o correspondente título de transmissão de bens a favor dos ditos remidores.
- E em 03/07/2013, o agente execução declarou extinta a presente execução por recuperação integral da dívida exequenda e demais despesas inerentes à execução.
- Foi deduzido, em 23/05/2011, pela exequente, o incidente de habilitação de herdeiros, de forma a que a execução passasse a correr contra os sucessores dos primitivos e falecidos executados, C… e D….
- Uma das pessoas habilitadas foi H…, filho dos primitivos executados.
- Esse H… era casado com I…, no regime de comunhão geral de bens.
- A referida I… faleceu no dia 06/02/2011, tendo a ora recorrente nascido na pendência do matrimónio que H… contraiu com aquela, sendo estes, por isso, seus pais, conforme se comprova da certidão do assento de nascimento que igualmente se encontra junta aos autos a Fls., como, de resto, os seus irmãos J…, K… e L….
- Nem a recorrente nem os seus irmãos foram habilitados e citados para os termos destes autos de execução.
- O requerimento de arguição de nulidade em causa é de 02/08/2013.
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As nulidades de processo, importando a anulação do processado, são desvios do formalismo processual: prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei e a realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido (Manuel de Andrade, Noções Elem. Proc. Civil, 1979, p. 176, e A. Varela, Manual Proc. Civil, 1984, p. 373).
No artº 201º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC), actual artº 195º, norma relativa às regras gerais da nulidade dos actos processuais, estabelece-se que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreve, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
A não citação do réu/executado implica a nulidade do processado posteriormente à petição/requerimento executivo (artº 194º, do CPC, actualmente artº 187º).
Como se sabe, existem duas modalidades de nulidade da citação: a falta de citação propriamente dita, prevista no artº 195º, do CPC (actualmente artº 188º), e a nulidade da citação, em sentido estrito, regulada no artº 198º, do mesmo diploma legal (actualmente artº 191º).
Há falta de citação nas situações descritas nas diversas alíneas do nº 1, do artº 195º, do CPC (actualmente artº 188º).
A nulidade (falta) da citação (nulidade principal) deve ser arguida com a primeira intervenção no processo, em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada (artºs 196º e 204º, nº 2, do CPC, actualmente arts. 189º e 198º).
Como refere o Prof. A. dos Reis (Comentário, vol. 2º, pág. 446/447 e CPC Anot., I, 3ª ed., pág. 313), para a arguição da falta de citação não há prazo; enquanto o réu se mantiver em situação de revelia, ou melhor, enquanto se mantiver alheio ao processo, está sempre a tempo de arguir a falta da sua citação, só perdendo o direito de o fazer se intervier no processo e não reagir imediatamente contra ela. J. Rodrigues Bastos (Notas ao Cód. Proc. Civil, 2ª ed., vol. I, pág. 397/398), depois de referir que o réu deve arguir a falta de citação logo que intervenha no processo, isto é, no acto que constitua a sua primeira intervenção, observa que, ainda que o réu tenha conhecimento do processo, desde que não intervenha nele, pode arguir em qualquer altura a falta da sua citação.
Por outro lado, a nulidade da citação existe quando não hajam sido observadas, na sua realização, as formalidades prescritas na lei (artº 198º, do CPC, actualmente artº 191º).
A falta de citação do executado, ou seus sucessores/habilitados, conduz à anulação da execução (artº 921º, do CPC, actual artº 851º).
Na acção executiva, a legitimidade é definida pelo próprio título (artº 55º, do CPC, actual artº 53º): dispõe de legitimidade, como exequente, quem no título figure como credor e, como executado, quem no título tenha a posição de devedor (nº 1). Se o título, no entanto, for ao portador, a legitimidade activa cabe ao respectivo portador (nº 2 do normativo).
Preceitua o art. 56º, nº 1, do mesmo diploma (actual artº 54º), que tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda. No próprio requerimento para a execução, deduzirá o exequente os factos constitutivos da sucessão.
No caso de sucessão ocorrida antes da propositura da acção executiva é dispensado o incidente de habilitação; mas tal não dispensa o exequente de, liminarmente, provar, como nele faria, os factos constitutivos que alega.
Se a transmissão do crédito ou da dívida tiver lugar depois de intentada a acção executiva, o prosseguimento desta contra os sucessores do exequente ou do executado depende do incidente de habilitação regulado nos artigos 371º e seguintes do CPC (habilitação/incidente).
Com efeito, no caso de a sucessão ocorrer na pendência do processo executivo, é o incidente de habilitação o meio adequado para a fazer valer, tendo aplicação os arts. 371º a 377º do CPC (actualmente arts. 351º-356º), com as necessárias adaptações, o mesmo se verificando se o facto constitutivo da sucessão, embora anterior à propositura da acção, só vier a ser conhecido em momento posterior.
O termo sucessão é aqui empregado em sentido lato e abrange todos os modos de transmissão das obrigações, tanto mortis causa como entre vivos, como a cessão e a sub-rogação (arts. 577º a 588º e 589º a 594º do Código Civil(CC), respectivamente (E. Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª ed., 2ª reimp., 99; Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, I, 92 e Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 2ª ed., 80.).
Visa o incidente de habilitação convocar os sucessores da parte ou partes falecidas na pendência da causa (acção ou execução) ou antes da instauração da acção, para que estes, em substituição das partes primitivas, prossigam os termos da demanda.
Na verdade, a habilitação destina-se à «prova da aquisição, por sucessão ou transmissão, da titularidade de um direito ou de um complexo de direitos ou de uma situação jurídica ou complexo de situações jurídicas», pelo que por esse incidente cuida-se de apurar «quem tem a qualidade legitimante da substituição da parte falecida na pendência da causa (…) sendo o direito substantivo que estabelece quem a substitui na relação jurídica substantiva que constitui o objeto do litígio» (Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 4ª ed., 1999, p. 235).
Estando em causa uma situação de transmissão por morte, a habilitação destina-se a chamar só e apenas as pessoas que ― por lei, testamento ou contrato ― devam suceder ao de cujus na titularidade dos seus direitos e obrigações que não devam extinguir-se por morte do respetivo titular, cabendo essa determinação às normas de direito substantivo (sucessório).
A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele (artº 2031º, do CC). À titularidade das relações jurídicas do falecido são chamados aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade (artº 2032º, n.º 1, do CC).
O cônjuge sobrevivo do falecido e os seus filhos são, seguramente, titulares prioritários de vocação sucessória, isto é, são sucessíveis prioritários (artº 2133º, n.º 1, al. a), do CC).
Para que alguém possa ser habilitado como sucessor mortis causa do executado é necessário, pelo menos, que seja titular de uma vocação sucessória prioritária nos termos do direito substantivo (art. 2032º, do Código Civil), qualidade que não têm os cônjuges dos herdeiros (arts. 2132º e 2133º, do CC).
Quer dizer, só podem ser chamados como sucessores do executado falecido os respectivos sucessíveis e não também os respectivos cônjuges, ainda que casados no regime da comunhão geral com algum dos herdeiros prioritários.
O direito de representação opera para a estirpe, em benefício dos descendentes do herdeiro, e não já do cônjuge do herdeiro (artº 2039º, do CC). “Estirpe”, para efeitos sucessórios relevantes, é um grupo familiar composto por um progenitor comum, filho ou irmão do “de cujus”, e pela respectiva descendência (R. Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, I/2ª ed./pg. 322 (nota 481)).
O regime de bens da comunhão geral está regulado nos arts. 1732º a 1734º, do CC.
No caso de penhora de bens comuns do casal, impõe a lei adjectiva a citação do cônjuge do executado (arts. 825º e 864º, do anterior CPC e arts. 740º e 786º, nº 1, al. a), do actual CPC).
Feitas estas considerações de natureza normativa e doutrinal, revertendo ao caso em apreço, constata-se que a referida I…, mãe da ora recorrente, faleceu em 06/02/2011, ou seja, em data anterior à dedução (23/05/2011) do mencionado incidente de habilitação promovido pela exequente, com vista ao prosseguimento da acção executiva contra os sucessores dos primitivos executados.
É ponto assente que I… não foi citada para a presente execução na qualidade de cônjuge do seu marido e executado habilitado H…, nos termos dos indicados normativos da lei processual civil.
A nosso ver, tal omissão não releva, no caso.
Na verdade, o que importa ter presente é que a apelante, e seus irmãos, em consequência da morte da sua mãe, I…, e do regime de bens do casamento desta com o pai da recorrente, o executado/habilitado H…, do direito de representação e do âmbito da penhora efectuada na execução, assume a qualidade de sucessora dos primitivos executados, tendo em vista a necessidade de acautelar, nestes autos, a plena legitimidade processual estabelecida no artº 56º (actual artº 54º), do CPC.
Efectivamente, a recorrente é herdeira da mencionada I… (observe-se que a mãe da apelante, e com a morte daquela, esta e os seus irmãos, comungam no quinhão hereditário dos executados/habilitados) e a herança desta engloba igualmente uma quota parte da herança (direito) que se encontra penhorada à ordem destes autos, pelo que deverá ser habilitada e citada para os termos da acção executiva.
A não citação e habilitação da recorrente, e seus irmãos, origina a anulação da execução, concretamente do processado a partir da dedução do incidente de habilitação promovido pela exequente, face ao estatuído nos artºs 201º, nº 2, e 921º (actualmente artºs 195º, nº 2, e 851º), do CPC.
Procede, deste modo, o concluído, em primeira linha, pela recorrente.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e, em consequência, anula-se o processado na execução posteriormente à dedução do incidente de habilitação promovido pela exequente, em 23/05/2011.
Custas pelos apelados.
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Anexa-se o sumário.

Porto, 29/09/2014
Caimoto Jácome
Macedo Domingues
Oliveira Abreu
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SUMÁRIO (ARTº 713º, nº 7, do CPC, actual artº 663º, nº 7):
I- Estando em causa uma situação de transmissão por morte, a habilitação destina-se a chamar só e apenas as pessoas que, por lei, testamento ou contrato, devam suceder ao de cujus na titularidade dos seus direitos e obrigações que não devam extinguir-se por morte do respetivo titular, cabendo essa determinação às normas de direito substantivo (sucessório).
II- Visa o incidente de habilitação convocar os sucessores da parte ou partes falecidas na pendência da causa (acção ou execução) ou antes da instauração da acção, para que estes, em substituição das partes primitivas, prossigam os termos da demanda.
III- Sendo a recorrente filha e herdeira do ex-cônjuge mulher do executado/habilitando (comunhão geral de bens), neta dos primitivos executados, e a herança daquela engloba igualmente uma quota parte da herança (direito) que se encontra penhorada à ordem dos autos, deverá a apelante ser habilitada e citada para os termos da acção executiva.
IV- A não citação e habilitação da recorrente, e seus irmãos, origina a anulação da execução, concretamente do processado a partir da dedução do incidente de habilitação promovido pela exequente, face ao estatuído nos artºs 201º, nº 2, e 921º (actualmente artºs 195º, nº 2, e 851º), do CPC.

Caimoto Jácome