Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
283/18.0PTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLA OLIVEIRA
Descritores: SENTENÇA
LEITURA
DEPÓSITO
PRAZO DE LEITURA DA SENTENÇA
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
IRREGULARIDADE
Nº do Documento: RP20230419283/18.0PTPRT.P1
Data do Acordão: 04/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (AUDIÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA ARGUIDA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I – A sentença lida em determinada data, ainda que apenas assinada dois meses e dois dias depois, não padece de nulidade, constituindo a omissão de tal formalidade apenas uma irregularidade que pode ser corrigida com a mera aposição da assinatura.
II – Decorre do artigo 372º, nº 5, do Código de Processo Penal que logo após a leitura da sentença o presidente procede ao seu depósito na secretaria, mas o não cumprimento deste prazo não é cominado pela lei como nulidade, pelo que constitui uma mera irregularidade que não afeta a validade do acto praticado.
III – O depósito tardio da sentença em nada afecta as garantias de defesa do arguido, pois que o prazo para recurso inicia-se com o seu depósito, uma vez que só a partir do momento em que tal peça processual é fisicamente disponibilizada se verificam as condições adequadas à sua análise e estudo, o que se mostra essencial à interposição e motivação de qualquer recurso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo Comum Singular nº 283/18.0PTPRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Criminal do Porto - Juiz 2


Acórdão deliberado em Audiência


1. Relatório

1.1 Decisão recorrida
Por sentença lida a 5 de maio de 2022 e depositada a 8 de julho do mesmo ano, a arguida foi condenada, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º nº1, do C. Penal, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 9,00 €, no montante global de 720,00 € e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 5 meses. Foi absolvida da prática do crime de dano qualificado pelo qual se mostrava acusada.
1.2 Recurso
A arguida interpôs recurso da sentença no qual, em súmula, sustenta:
- a inexistência e nulidade insanável da sentença – por a mesma ter sido lida, por súmula, a 5 de maio e apenas ter sido elaborada a 7 de julho (e depositada no dia 8 de julho). Assim na data da suposta leitura não existia sentença e, depois da sua elaboração, a mesma não foi lida publicamente o que viola o princípio da publicidade da audiência nos termos previstos nos arts. 321º, nº1 e 87º, nº5, do Cód. Proc. Penal e constitui nulidade insanável;
- a inconstitucionalidade do art. 372º, nº5, do Cód. Proc. Penal, se interpretada no sentido de que o juiz pode proceder ao depósito da sentença 2 meses e 2 dias após a sua leitura – já que o depósito tem que ser imediato sob pena de se mostrarem violadas as mais elementares garantias de defesa do arguido e constitucionalmente consagradas nos arts. 20º, nº4, e 32º, nº2, da Constituição da República Portuguesa.
Termina pedindo a anulação da sessão de julgamento que teve lugar no dia 05 de maio de 2022, e os termos subsequentes do processo que dela dependem (nomeadamente a Sentença elaborada e assinada a 07 de julho de 2022, e depositada a 08 desse mês e subsequente notificação), ordenando-se a sua repetição, com leitura pública da Sentença.

O Ministério Público junto do tribunal recorrido apresentou resposta na qual se pronunciou pelo não provimento do recurso por entender que os vícios suscitados pelo recorrente não se verificam, tratando-se antes de uma mera irregularidade que não afeta a validade de qualquer ato.
Em sede de audiência o Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal da Relação reafirmou a posição expressa pelo Ministério Público em 1ª instância.
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2. Questões a decidir no recurso
A única questão a decidir no presente recurso é a de saber se o depósito da sentença dois meses e dois dias depois da sua leitura importa a sua nulidade e/ou inexistência.
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3. Fundamentação
3.1 – De facto
Com relevo para a apreciação da questão em causa mostra-se informaticamente demonstrado que:
- Nos autos consta “Acta de leitura de sentença” datada de 5/5/22, cujo teor, na parte que nos interessa, é o seguinte “(…) pela Mmª Juiz foi declarada aberta a presente audiência tendo de seguida procedido à leitura da sentença, o que fez em voz alta (…)”.
- Da parte final da sentença consta o seguinte:
Porto, d.s. (sentença elaborada em computador e revista pela signatária - art.º 94º, n.º2, do C.P.P.)
(disponível nesta data por acum. de serviço após saída da Srª Juiz Auxiliar e constrangimentos de saúde da signatária)”.
- A disponibilização da sentença no sistema informático “Citius” ocorreu em 7/7/22, na sequência de “conclusão” aberta a 5/5/2022. - O depósito da mencionada sentença ocorreu em 8/7/22.
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3.2. Da nulidade/inexistência da sentença
Como resulta dos factos ora indicados, designadamente da ata constante dos autos, a sentença aqui em causa foi lida no dia 5 de maio de 2023. Não foi suscitado o incidente de falsidade da referida ata nem a mesma foi impugnada por qualquer meio.
A alegação de que a sentença em causa não se encontrava elaborada à data da respetiva leitura não passa disso mesmo, uma mera alegação que não se mostra demonstrada.
Vejamos.
É certo que a sentença foi lida no dia 5 de maio. E que apenas foi disponibilizada no sistema “citius” no dia 7 de julho. Mas tal não significa, por si só, que apenas tenha sido elaborada nesta última data. Significa apenas, e com toda a certeza, que antes dessa data não se mostrava disponível no sistema informático.
Ao contrário do que é sustentado pela recorrente não é certo que a sentença tenha sido datada de 7 de julho. Com efeito, da própria decisão consta, na sua parte final “Porto, d.s.” e não “Porto, 7 de julho”. Ora, tal expressão (d.s., ou seja, data supra) refere-se por regra à data da conclusão e não à data da inserção do despacho/decisão no sistema informático. E, recorde-se, como é bem claro, da mera consulta informática do processo, os autos foram conclusos à Sra. juíza no dia 5 de maio de 2023.
Porém, não temos dúvidas que foi em 7 de julho que a sentença foi disponibilizada no citius e que se verificou a sua assinatura digital. Pode-se assim afirmar que, ainda que elaborada em data anterior, a sentença apenas foi assinada a 7 de julho.
O art. 374º, do Cód. Proc. Penal, sob a epígrafe “Requisitos da sentença” estabelece no seu nº3, al.e):
“3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém:
(…)
e) a data e a assinatura dos membros do tribunal.”
Que dizer então da falta de assinatura do juiz na sentença?
Atento o disposto no art. 379º, nº1, do Cód. Proc. Penal, apenas é nula a sentença que não contiver os elementos a que respeitam o nº2 e a al.b), do nº3, do citado art.374º (na parte que ora releva), do que se conclui que a falta de assinatura não é uma dessas situações. E, em conformidade com o disposto no art. 118º, nº1, do mesmo diploma, “a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determinam a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei”. Mais, nos casos em que a lei não cominar a irregularidade o ato ilegal é irregular – nº2, do mesmo preceito.
Acresce que, no caso concreto da ausência de assinatura do tribunal, prevê o art. 380º, nº1, al.a), a possibilidade de correção da sentença.
Temos assim, em conclusão, que a sentença aqui em causa, lida a 5 de maio, ainda que apenas assinada a 7 de julho, não padece de nulidade. A omissão de tal formalidade constitui apenas uma irregularidade que pode ser corrigida com a mera aposição da assinatura.
No que respeita ao depósito da sentença, ocorrido a 8 de julho de 2022, cerca de 2 meses depois da sua leitura, valem aqui as mesmas considerações.
Com efeito, dispõe o art. 372º, nº5, do Cód. Proc. Penal, que logo após a leitura da sentença o presidente procede ao seu depósito na secretaria. O não cumprimento deste prazo não é cominado pela lei como nulidade pelo que constitui uma mera irregularidade que não afeta a validade do ato praticado (já citado art. 118º).
É certo que o depósito da sentença decorrido um lapso de tempo já relevante (como ocorre no caso concreto) constitui uma má prática, censurável e que deve ser evitada a todo o custo. Porém, isso não torna o ato inválido.
E, ao contrário do invocado pela recorrente, o “depósito tardio” em nada afeta as garantias de defesa do arguido.
Desde logo, o prazo para recurso inicia-se, e muito bem, com o depósito da sentença (art. 411º, nº1, al.b), pois só a partir do momento em que tal peça processual é fisicamente disponibilizada se verificam as condições adequadas à sua análise e estudo, o que se mostra essencial à interposição e motivação de qualquer recurso.
No caso concreto, a recorrente conheceu e pôde analisar, pormenorizadamente, todos os fundamentos da decisão que afeta, a partir do dia 8 de julho. Não se entende assim porque motivo continua a invocar desconhecer os seus fundamentos e a razão de ser da condenação.
E, além do mais, em momento algum é invocada a desconformidade entre o que foi lido e o que consta da sentença depositada.
Não se vislumbra assim qualquer violação constitucional do direito de defesa da recorrente – como bem resulta da interposição, em tempo, e com conhecimento da decisão integral, do presente recurso.
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4 - Decisão
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (arts. 513º, nº1, do Cód. Proc. Penal e art.8º, nº9, do Reg. Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).
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Porto, 19 de abril de 2023
Carla Oliveira
Paula Pires
José Piedade
Borges Martins