Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1525/12.0TBPRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: CUSTAS DA INSOLVÊNCIA
DEFERIMENTO DO PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
APOIO JUDICIÁRIO
Nº do Documento: RP201806131525/12.0TBPRD.P1
Data do Acordão: 06/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 138, FLS.112-122 VRS.)
Área Temática: .
Sumário: I - O regime do art.º 248º do CIRE estabelece um benefício automático de diferimento do pagamento da taxa de justiça, afastando o regime da LADT até à decisão final de exoneração do passivo restante.
II - Todavia, nada obsta a que o devedor possa beneficiar do regime geral do apoio judiciário depois daquela decisão final, sob pena de grave atropelo ao princípio constitucional da igualdade no acesso ao direito e aos tribunais.
III - A proteção do apoio judiciário pode abranger encargos cuja obrigação de pagamento recai sobre o beneficiário, ainda que não constituam custas processuais nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1525/12.0TBPRD.P1 (apelação)
Comarca do Porto Este – Juízo do Comércio de Amarante

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
B…, …, residente na Rua …, nº …., …. - … …, Paredes, requereu, a 27.4.2012, a declaração a sua insolvência, com pedido de exoneração do passivo restante.
Por sentença de 4.5.2012, foi declarada a insolvência da requerente, tendo sido fixadas custas a cargo da falida.
Teve lugar a Assembleia de Credores, onde foi apreciado o relatório do Administrador da Insolvência.
Foi proferido despacho liminar de deferimento do pedido de exoneração do passivo restante com os seguintes dois momentos de decisão:
(…)
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 239.º, n.º 2 do CIRE, determino que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível – até ao montante da dívida – que a devedora aufira se considere cedido ao fiduciário que será, in casu, por razões de economia processual, o Sr. Administrador da Insolvência.
Durante o período de cessão, a requerente deverá cumprir integralmente o estatuído no n.º 4 do artigo 239.º do CIRE.
Notifique.
(…)
Assim, e volvendo ao caso dos autos, recorrendo à ‘cláusula do razoável’ pressuposta no art. 239º, nº 3, b), i) do C.I.R.E., face às despesas devidamente comprovadas e presentes da insolvente – que não as futuras ou projectadas -, decido fixar como sustento minimamente digno desta e do seu agregado o valor de dois salários mínimos nacionais.

Pelo mesmo despacho, declarou-se encerrado o processo com o seguinte dispositivo:
(…)
Assim, dando razão ao Sr. Administrador e tendo em conta a manifesta ausência de bens a liquidar, deverá, no caso dos autos, decretar-se o encerramento do presente processo, enquanto execução universal, prosseguindo apenas para efeitos da exoneração do passivo restante, nos termos dos arts. 239º e segs..
Pelo exposto, declaro encerrado o processo de insolvência, por insuficiência da massa insolvente nos termos do art. 232º do CIRE, sem prejuízo do prosseguimento do incidente de exoneração do passivo restante ainda pendente.
Custas pela massa insolvente.
Dê cumprimento ao disposto no art. 230º, nº 2, do CIRE.

Decorrido o período de cessão do rendimento disponível, foi proferida decisão final da exoneração do passivo restante, de onde se colhem os seguintes fundamentos e dispositivo, ipsis verbis:
(…)
O artigo 244º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas estabelece que não tendo havido lugar a cessão[1] antecipada, o juiz decide nos 10 dias subsequentes ao termo do período da cessão sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante ao devedor, ouvido este, o fiduciário e os credores da insolvência, devendo ser recusada a exoneração pelos mesmos fundamentos e com subordinação aos mesmos requisitos por que o poderia ter sido antecipadamente, nos termos do que dispõe o artigo 243º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Ora, tendo em conta que a devedora demonstrou não poder ceder qualquer rendimento durante o período da cessão e que não ocorreu qualquer uma das circunstâncias previstas no artigo 243º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, inexistem motivos para a recusa da exoneração.
*
Pelo exposto, e sem necessidade de quaisquer outros considerandos, decide-se conceder a exoneração do passivo restante à devedora B…, declarando-se extintos todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam nesta data, sem exceção dos que não tenham sido reclamados e verificados, sem prejuízo do disposto no artigo 217º, nº 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas aplicável por força do disposto no artigo 245º, nº 1 do mesmo diploma legal, sem prejuízo dos créditos previstos no artigo 245º, nº 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que, por não abrangidos pela exoneração, não se extinguem.
Custas pela massa Insolvente.
Registe e notifique.
Tendo em conta o trabalho realizado e referido pela Sra. Fiduciária, a complexidade do caso e o n.º de credores, afigura-se-nos adequado e justo fixar a remuneração anual do Sr. Fiduciário em 1,5 UC, sendo esse valor a suportar e adiantar pelos cofres do Estado - IGFEJ.
Notifique.
Oportunamente arquive.

Foi elaborada a conta de custas da insolvência, identificando a insolvente como responsável pelo seu pagamento, no valor de €3.337,61.
Notificada a da conta, a insolvente apresentou reclamação, por requerimento de 5.3.2018, onde, invocando o benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido relativamente ao pagamento de taxas de justiça, demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de honorários de patrono oficioso, defende que não é responsável pelo valor da referida liquidação, sendo-o a massa insolvente. Pede, por isso, que se dê sem efeito a nota de custas que lhe foi dirigida.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de que a insolvente é responsável pela conta de custas, promovendo o seguinte:
1. que a secretaria informe se a conta de custas elabora nos autos inclui alguma quantia respeitante ao pagamento de honorários ao advogado nomeado no âmbito do apoio judiciário e, na afirmativa, qual o seu montante; e
2. se notifique a devedora para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento do valor de custas em dívida, com desconto do valor relativo ao pagamento de honorários ao advogado nomeado no âmbito do apoio judiciário, ou requerer o seu pagamento em prestações, apresentando, neste caso, plano de pagamento para o efeito.

Ato contínuo, o tribunal proferiu o seguinte despacho, com data de 20.3.2018:
Proceda nos exatos termos promovidos.
Notifique a devedora para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento do valor de custas em dívida.

No dia seguinte a secretaria informou que a conta de custas não inclui qualquer quantia relativa a pagamento de honorários ao advogado nomeado e que apenas contabiliza €150,00 decorrentes da concessão de apoio judiciário, nos termos do nº 1 do art.º 8º da portaria nº 10/2008, de 3 janeiro.

Inconformada com aquela decisão de 20.3.2018, a insolvente apelou dela, alegando com formulação das seguintes CONCLUSÕES:
«1) Em 08 de Janeiro de 2018 foi proferida sentença de exoneração final do passivo restante à devedora B…, com custas a cargo da massa insolvente.
2) Em 24 de Fevereiro de 2018 foi a recorrente notificada da elaboração da conta de custas, da sua responsabilidade no valor global de 3.337,61 Euros (três mil trezentos e trinta e sete euros e sessenta e um cêntimos).
3) A insolvente reclamou da conta de custas.
4) O Senhor Procurador do Ministério Público promoveu que a massa insolvente e os rendimentos cedidos durante o período da cessão não foram suficientes para pagar as custas do processo e reembolsar o IGFEJ das quantias suportadas com o pagamento de remunerações e despesas do administrador da insolvência e do fiduciário, e que tais montantes são da responsabilidade da devedora........”
“Considerando que a devedora beneficiou do diferimento do pagamento das custas e do reembolso ao IGFEJ até à decisão final do procedimento de exoneração do passivo restante, mostra-se afastada a concessão à mesma de qualquer outra forma de apoio judiciário, salvo quanto à nomeação e pagamento de honorários de patrono......”
5) Seguidamente a Meritíssimo Juiz a quo decidiu:
“Proceda nos exactos termos promovidos.”
“ Notifique a devedora para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento do valor de custas em dívida.”
6) Ora tal decisão não se mostra fundamentada, nem de facto nem de direito, uma vez que se limita a remeter para a promoção do Ministério Público.
7) A falta fundamentação de facto ou de direito, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório.
8) Assim, o despacho recorrido é, desde logo, nulo, por carência de fundamentação (art.º 154.º nº 1 C.P.C. e 18.ºnº 3, 205.ºnº2 C.R.P.).
MAS SEMPRE:
9) O despacho recorrido, traduz uma redutora interpretação literal do artigo 248º do C.I.R.E., sem atentar em princípios elementares constitucionais, nomeadamente: o princípio da igualdade (artº 13º da C.R.P.) e o princípio da Universalidade (artº 12º da C.R.P.).
10) No dia 30 de Abril de 2012 foi proferida sentença de declaração de Insolvência da recorrente, onde se decidiu que as custas do processo seriam suportadas pela massa falida ao abrigo do artº 304º do C.I.R.E.,
11) Em 26 de Novembro de 2012, foi proferido despacho inicial de concessão de benefício de exoneração do passivo restante, nos termos do artº 239 nº 1 e 2 do C.I.R.E., fixando-se como sustento minimamente digno para a insolvente e agregado familiar o valor de dois salários mínimos nacionais,.
12) Mais foi declarado o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente, e uma vez mais, que as custas seriam suportadas pela massa insolvente.
13) No dia 8 de Janeiro de 2018, por decisão transitada em julgado, foi concedida a exoneração do passivo restante à devedora B…, mais uma vez se decidindo que as custas serão suportadas pela massa insolvente.
14) Apesar destas decisões, foi a insolvente notificada em 24 de Fevereiro de 2018, da conta de custas da sua responsabilidade no valor global de 3.337,61 Euros (três mil trezentos e trinta e sete euros e sessenta e um cêntimos).
15) A ora recorrente reclamou da conta de custas, uma vez que as custas processuais do processo de insolvência pertencem à massa insolvente nos termos do disposto no artº 304º do C.I.R.E., e, por outro lado, que a mesma beneficiou sempre da concessão de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono e ainda atribuição de agente de execução.
16) Notificado desta reclamação, promoveu o Senhor Procurador do Ministério Público que eram devidas exceptuando quanto à nomeação e pagamento de honorários de patrono oficioso.
17) A Meritíssima Juiz a quo limitou-se a aderir nos termos promovidos pelo Digno magistrado do Ministério Público.
18) Este entendimento do julgador viola também o princípio da Igualdade previsto no artigo 13º C.R.P., porquanto, ao longo dos anos, quer ao abrigo do actual C.I.R.E. quer da anterior legislação aplicável aos processos de insolvência, os Insolventes, no regime da concessão do apoio judiciário, sempre beneficiaram da isenção do pagamento de custas.
19) Do próprio preâmbulo do DL nº 53/2004 de 18 de Março resulta que o C.I.R.E. conjuga o princípio fundamental do ressarcimento dos credores, com a possibilidade de os insolventes singulares se libertarem de algumas das suas dívidas, permitindo assim a sua reabilitação económica, pois, que “aprendida a lição” se consigam libertar das dívidas e possam começar de novo.
20) No caso concreto, ficou demonstrado que a incapacidade económica da insolvente era total, entendendo o meritíssimo juiz a quo, que para fazer face as suas despesas, a Insolvente deveria beneficiar de 2 salários mínimos nacionais, impondo-se que não lhe fosse retirado qualquer valor até aquele limite.
21) A insolvente não entregou qualquer valor, pelo que, não será de questionar, se a necessidade económica da insolvente, no decurso do prazo da exoneração do passivo restante, e que levou a que não fosse entregue qualquer montante ao fiduciário, deixou de fazer sentido findo o período da exoneração?
22) Não obstante, apesar de lhe ter sido fixada a cessão para 2 salários mínimos, a insolvente sempre auferiu apenas o valor correspondente a um salário mínimo nacional( atualmente 580,00€ quinhentos e oitenta euros) pelo que o pagamento de uma eventual mensalidade prestacional de 278,13€ limitaria o rendimento disponível apenas a (580,00€ - 278,13€) ou seja 301,87€ (trezentos e um euro e oitenta e sete cêntimos) , quando a mesma necessita só para o pagamento da renda de casa do valor de 300,00€.
23) O entendimento consagrado na decisão de que se recorre, traduz-se assim numa violação de um dos mais elementares princípios da dignidade da vida humana.
24) A aplicação da lei não pode resultar da interpretação pessoal, caso a caso, mas tem de ser geral e abstrata e igual para todos, de contrário estamos perante uma violação do princípio da igualdade.
25) Se o facto de a massa insolvente não ter capital suficiente para ressarcir os credores reclamantes, não implica o incumprimento dos pressupostos para ser concedido o beneficio da exoneração do passivo restante, também não poderá justificar que o pagamento das custas do processo recaiam na responsabilidade singular e directa da devedora.
26) O processo de Insolvência resulta para a insolvente num “começar de novo” já onerado com um montante de 3.337,61 Euros (três mil trezentos e trinta e sete euros e sessenta e um cêntimos) a pagar, sob pena de processo de execução por custas, com novas custas e encargos.
27) O despacho recorrido viola assim o artº 304º do C.I.R.E, uma vez que, no caso em apreço, há decisão transitada em julgado, datada de 08/01/2018, onde consta que as custas serão a suportar pela massa Insolvente.
28) Como viola também o despacho recorrido princípios elementares previstos na Constituição da Republica Portuguesa, nomeadamente princípio da igualdade- artigo 13º da C.R.P.
29) A recorrente não pode também concordar com a interpretação dada ao artº 248º do C.I.R.E., que o apresentante à insolvência apenas beneficia de um diferimento do pagamento das custas e reembolso ao IGFEJ até à decisão final do procedimento de exoneração do passivo restante, mostrando-se afastada a concessão à mesma de qualquer outra forma de apoio judiciário que não o pagamento de honorários de patrono.
30) Compreende-se que este entendimento do deferimento para o futuro, ou seja a decisão final da exoneração do passivo restante, se aplique apenas aos casos em que efectivamente a massa insolvente venha a conseguir dinheiro para pagamento dos credores.
31) No entanto, no presente caso não aconteceu, e o diferimento para o futuro não constitui qualquer vantagem patrimonial ou outra para o insolvente, para que se possa esgotar em si a aplicabilidade do apoio judiciário.
32) É princípio de um Estado de Direito que o acesso aos tribunais seja uma obrigação que se impõe ao Estado, o dever de assegurar meios tendentes a evitar a denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, nomeadamente permitindo o acesso ao mecanismo de Apoio Judiciário.
33) Assim, se questiona como pode o apoio judiciário, nas modalidades previstas no presente caso, cobrir todas as despesas com o todo o tipo/espécie de processo, e não se aplicar apenas e só aos processos de insolvência?
34) Aliás, processo que tem como especial objectivo a reabilitação económica do insolvente.
35) O legislador no art 248º nº1do CIRE apenas pretende dizer que as custas são a cargo do insolvente quando liquidado o seu património, a massa insolvente lhe for obrigada a restituir o excedente, que, no caso já acontece descontado o valor das custas que ficaram a cargo da massa insolvente, recebendo este o resultado liquido, pagas todas as despesas.
36) Os tribunais não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na C.R.P. e sejam redutores da aplicabilidade do direito democrático, em respeito do artº 204º da C.R.P.
37) O despacho que se recorre, viola assim claramente, o princípio da Universalidade- artigo 12º da C.R.P., o princípio da Igualdade – artigo 13º da C.R.P., o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva - artigo 20º da C.R.P., o direito a segurança social e solidariedade- artigo 63º da C.R.P.» (sic)
Entende, assim, a recorrente que se deverá
a) Julgar o despacho recorrido nulo, por falta de fundamentação de facto e de direito nos termos no disposto no art.º 154.º nº 1, 613º nº3, 615º, C.P.C. e 18.º nº 3, 205.º nº2 C.R.P.
MAS SEMPRE
b) Revogar o despacho que indeferiu a sua pretensão, “por violação das normas constantes no artigo 304º do C.I.R.E., e por violação de normas Constitucionais previstas nos artigos - 12º da C.R.P. princípio da Universalidade, o princípio da Igualdade – artigo 13º da C.R.P., o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva - artigo 20º da C.R.P., e o direito a segurança social e solidariedade- artigo 63º da C.R.P, e ainda 204º da C.R.P., sendo substituído por outro que defira a Reclamação apresentada pela Insolvente quanto à Conta de Custa”.

O Ministério Público ofereceu contra-alegações que sintetizou assim:
«1. tal como defendido pela recorrente, o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação, nos termos dos artigos 154.º, nºs 1 e 2, primeira parte e 615.º, n.º1, al. b), ambos do CPC (aplicável aos despachos por força do disposto no artigo 613.º, n.º3, do CPC);
2. CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA OU CASO SEJA SUPRIDA A NULIDADE (CFR. ARTIGO 617.º, N.º2, DO CPC), MAS MANTIDO O SENTIDO DA DECISÃO, ENTENDEMOS QUE NÃO ASSISTE RAZÃO À RECORRENTE, PELAS RAZÕES QUE SE SEGUEM:
a) Nos termos do artigo 233.º, n.º1, al. d), do CIRE, encerrado o processo, e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 217.º quanto aos concretos efeitos imediatos da decisão de homologação do plano de insolvência, os credores da massa insolvente podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos.
b) Ou seja, no presente caso, com o encerramento do processo de insolvência sem que tenha sido apreendida qualquer quantia para a massa insolvente, o montante de custas da responsabilidade da massa insolvente passou a ser uma dívida da devedora/recorrente.
c) Por outro lado, também a remuneração do fiduciário e o reembolso das suas despesas constitui encargo da devedora, nos termos do artigo 240.º, n.º1, do CIRE.
d) Por passarem a ser uma dívida dos devedores, as custas do processo e os reembolsos ao IGFEJ das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do fiduciário que tenha suportado, figuram no artigo 241.º, n.º1, do CIRE (antes dos credores da insolvência), para pagamento com os rendimentos entregues ao fiduciário no período da cessão.
e) a devedora, por ter apresentado pedido de exoneração do passivo restante, beneficiou do diferimento do pagamento das custas e do reembolso ao IGFEJ até à decisão final desse pedido, nos termos do artigo 248.º, n.º1, do CIRE.
f) Porém, por essa razão, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, ficou afastada a concessão à mesma de qualquer outra forma de apoio judiciário, salvo quanto à nomeação e pagamento de honorários de patrono, nos termos do artigo 248.º, n.º4, do CIRE.
g) Ou seja, deixou à mesma de beneficiar do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo que lhes tinha sido concedido, mantendo-se apenas o apoio nas modalidades de pagamento da compensação de patrono e atribuição de agente de execução.
h) Na verdade, o regime de apoio judiciário previsto no artigo 248.º do CIRE é especial e prevalece sobre o regime geral previsto na lei geral do apoio judiciário (Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho) - Cfr. Acórdão do STJ de 15- 11-2012, publicado em www.dgsi.pt.
i) Ou seja, o legislador criou com o artigo 248.º do CIRE um regime especial de apoio judiciário que afasta a aplicação do regime geral previsto na Lei do Apoio Judiciário, retirando-se do disposto no referido artigo que o devedor que apresente um pedido de exoneração do passivo restante fica impedido de beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, sendo que se já for beneficiário desse apoio no momento em que apresenta o pedido de exoneração do passivo restante, tal apoio deixa de ser eficaz no processo onde foi apresentado o pedido de exoneração, só voltando a produzir efeitos se existir indeferimento liminar do pedido de exoneração ou revogação da exoneração.
j) Foi neste sentido que decidiu o Acórdão do TRP de 06-02-2018, publicado em www.dgsi.pt, ao dizer que “No entanto, há que conjugar este regime geral da oportunidade do pedido de apoio judiciário com o regime especial introduzido no CIRE, designadamente na situação de pedido de exoneração do passivo restante. Isto é, estando o devedor, nesta situação específica, impedido de apresentar incidente do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, ter-se-á que lhe conceder essa possibilidade no momento em que essa impossibilidade desaparece. Ou seja, no momento de indeferimento liminar do incidente ou no momento da revogação da exoneração.”
k) No caso em apreço, a devedora apresentou-se à insolvência e pediu a exoneração do passivo restante num momento em que já beneficiava de apoio judiciário, entre outras, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
l) Assim, tal apoio, nessa modalidade, deixou de ser eficaz no processo de insolvência no momento em que foi apresentado tal pedido e não voltou a ter eficácia no processo, porquanto o pedido de exoneração foi admitido e, no termo dos cinco anos da cessão, foi concedida a exoneração do passivo restante dos devedores.
m) O artigo 248.º, n.º 4, do CIRE, não padece de qualquer inconstitucionalidade, nomeadamente por violação dos artigos 12.º (princípio da universalidade), 13.º (princípio da igualdade), 20.º (acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) e 63.º (direito à segurança social), todos da Constituição da República Portuguesa, indicados pela recorrente.
n) Desde logo, a aplicação do regime especial de apoio judiciário prevista no artigo 248.º não afasta o apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono, prevista na Lei Geral do Apoio Judiciário.
o) Por outro lado, o espírito do artigo 20.º, n.º1, da CRP, ao dizer que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”, não é o de dispensar as pessoas de pagar custas em termos genéricos ou de lhes perdoar, mas apenas garantir que ninguém, por carência de meios se veja impedido de exercer ou defender os seus direitos.
p) Ora, no caso do regime especial previsto no artigo 248.º do CIRE, o devedor não fica impedido de beneficiar de apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono e não é obrigado a pagar custas até existir decisão final do pedido de exoneração do passivo restante, ou seja, só é chamado a pagar custas num momento em que já exerceu e/ou defendeu todos os seus direitos, quer no âmbito do processo de insolvência quer no âmbito do procedimento de exoneração do passivo restante, pelo que a dívida de custas será apenas mais uma dívida a par das dívidas previstas no artigo 245.º ,n.º 2, do CIRE, que não foram extintas com a concessão da exoneração do passivo restante.
q) Contrariamente ao que defende a recorrente, também não vislumbramos qualquer violação daquele regime ao princípio da universalidade (todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição) e o direito à segurança social, previstos nos artigos 12.º e 63.º da CRP.
r) Diga-se que o pagamento das custas ao abrigo do referido regime tem sempre como contrapartida a extinção de outras dívidas da responsabilidade do devedor, em que não raras vezes os seus credores são seriamente sacrificados.
s) Ou seja, o legislador entendeu que tal como os créditos por alimentos, os créditos tributários, os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações, e as indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos, também as dívidas de custas na parte em que não foram pagas pela massa insolvente e pelo rendimento disponível durante o período da cessão deveriam ser suportadas pelo devedor beneficiário da exoneração do passivo restante.
t) Acresce que o artigo 248.º, n.º 2, do CIRE, permite o pagamento das custas em prestações, nos termos previstos no RCP e, caso não tenha possibilidades de pagamento e se veja confrontado com uma acção executiva o devedor poderá ainda beneficiar das regras de impenhorabilidade previstas no Código de Processo Civil, nas mesmas circunstâncias em que o poderá fazer em caso de execução instaurada por falta de pagamento de qualquer um dos créditos que não se extinguiram com a exoneração do passivo restante.
u) Tal regime especial também não viola o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, porquanto está previsto apenas para situações em que o insolvente beneficiou da exoneração do passivo restante, ou seja, este regime especial de apoio judiciário aplica-se apenas a quem se viu liberto de parte das suas dívidas que estavam pendentes de pagamento.
v) Face ao exposto, deve improceder o presente recurso e ser mantida a decisão recorrida.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
Questões a apreciar
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido, e não matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil).
Assim, está para decidir:
1. Nulidade da decisão por falta de fundamentação; e
2. Se a recorrente é responsável pelo pagamento das custas da insolvência[2] e, assim, pelo saldo apurado da conta de custas.
*
III.
Os factos relevantes são de índole processual e constam do relatório.
*
IV.
1. Nulidade da decisão
O tribunal a quo tomou posição sobre a nulidade no despacho em que admitiu o recurso, ao abrigo do art.º 641º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Assumindo a nulidade cometida, supriu-a nos seguintes termos:
«Requer a devedora que seja dado sem efeito a nota de custas da responsabilidade da Insolvente, por considerar que as custas são a cargo da massa insolvente e por estar delas isenta atento o apoio judiciário de que beneficia.
Vejamos.
Com o encerramento do processo de insolvência sem que tenha sido apreendida qualquer quantia para a massa insolvente, o montante de custas da responsabilidade da massa insolvente passou a ser uma dívida da devedora/recorrente.
Por outro lado, também a remuneração do fiduciário e o reembolso das suas despesas constitui encargo da devedora, nos termos do artigo 240.º, n.º1, do CIRE.
Por passarem a ser uma dívida da devedora, as custas do processo e os reembolsos ao IGFEJ das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do fiduciário que tenha suportado, figuram no artigo 241.º, n.º1, do CIRE (antes dos credores da insolvência), para pagamento com os rendimentos entregues ao fiduciário no período da cessão.
Atento o teor do art. 248º CIRE, afigura-se-nos que o regime previsto no artigo 248.º do CIRE é especial e prevalece sobre o regime geral previsto na lei geral do apoio judiciário (Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho), ficando assim afastada a aplicação do regime geral previsto na Lei do Apoio Judiciário, retirando-se do disposto no referido artigo que o devedor que apresente um pedido de exoneração do passivo restante fica impedido de beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Assim, a devedora, por ter apresentado pedido de exoneração do passivo restante, beneficiou do diferimento do pagamento das custas e do reembolso ao IGFEJ até à decisão final desse pedido, nos termos do artigo 248.º, n.º1, do CIRE. Por essa razão, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, ficou afastada a concessão à mesma de qualquer outra forma de apoio judiciário, salvo quanto à nomeação e pagamento de honorários de patrono, nos termos do artigo 248.º, n.º4, do CIRE.
Consequentemente, deixou a devedora de beneficiar do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo que lhes tinha sido concedido, mantendo-se apenas o apoio nas modalidades de pagamento da compensação de patrono e atribuição de agente de execução.
É, assim, a devedora responsável pelo pagamento da conta de custas, não estando tal crédito da conta de custas abrangido pelo incidente de exoneração do passivo.
Nestes termos, mantém-se o indeferimento da pretensão da devedora de 5.03.2018 e o despacho ora recorrido. Após trânsito, e sendo confirmado o despacho recorrido com o presente complemento, proceda nos exatos termos promovidos a 17.03.2018 e notifique a devedora para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento do valor de custas em dívida.
Notifique as partes.
Decorrido o prazo a que alude o art. 617.º, n.º 3, CPC, subam os autos de recurso ao Venerando Tribunal da Relação do Porto.» (sic)
Suprida que foi a nulidade pelo tribunal recorrido, passamos necessariamente à segunda questão da apelação.
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2. A recorrente é responsável pelo pagamento das custas da insolvência e, assim, pelo saldo apurado da conta de custas?
A atividade jurisdicional não é exercida gratuitamente, impendendo sobre os litigantes o ónus de pagar determinadas «taxas» para que possam por em marcha a máquina da justiça e têm de satisfazer, no final do processo, todas as quantias de que o tribunal se não haja embolsado por meio daquele adiantamento.[3]
Para tal efeito, o art.º 527º do Código de Processo Civil estabelece:
1- A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
2- Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
3-…”.
O art.º 1º, nº 1, do RCP estabelece que “todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento”.
Prevê, no entanto, o art.º 4 do mesmo regulamento situações de isenção objetiva e subjetiva de custas, ou seja, os casos que, tendo em conta a qualidade da pessoa do devedor ou o objeto do processo, delas fica aquele definitivamente dispensado do respetivo pagamento.
Diferente é o regime legal do Acesso ao Direito e aos Tribunais[4], atualmente sustentado na Lei nº 34/2004, de 29 de julho[5], destinado a cumprir o imperativo constitucional de igualdade no acesso ao Direito e aos Tribunais através de um sistema destinado a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos (art.º 1º, nº 1, da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais[6]), através da informação jurídica e da proteção jurídica (art.ºs 1º, nº 2 e 2º, da mesma lei). No âmbito da proteção jurídica, releva aqui o apoio judiciário (art.º 6º da LADT).
É considerado em situação de insuficiência económica, em ordem à atribuição do apoio judiciário, aquele que, tendo em conta o rendimento, o património e a despesa permanente do seu agregado familiar, não tem condições objetivas para suportar pontualmente os custos de um processo (art.º 8º, nº 1, da LADT).
O art.º 10º da LADT prevê as situações em que a proteção jurídica deve ser cancelada.
O apoio judiciário compreende as seguintes modalidades (art.º 16º, nº 1, da LADT):
a) Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
b) Nomeação e pagamento da compensação de patrono;
c) Pagamento da compensação de defensor oficioso;
d) Pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
f) Pagamento faseado da compensação de defensor oficioso;
g) Atribuição de agente de execução.
O regime de apoio judiciário aplica-se em todos os tribunais, qualquer que seja a forma do processo (art.º 17º da LADT).
Justamente, por não se tratar de uma isenção e custas, mas de uma dispensa de pagamento de taxas de justiça e encargos processuais, a proteção jurídica, designadamente o apoio judiciário, pode ser cancelada, pode caducar e pode ser retirada em virtude de aquisição, pelo beneficiário, de meios económicos suficientes (respetivamente, art.ºs 10º, 11º e 13º da LADT).
A aquisição de meios económicos suficientes verifica-se caso se constate que o requerente de proteção jurídica possuía, à data do pedido, ou adquiriu no decurso da causa ou no prazo de quatro anos após o seu termo, meios económicos suficientes para pagar honorários, despesas, custas, imposto, emolumentos, taxas e quaisquer outros encargos de cujo pagamento haja sido dispensado[7] (nº 1 do citado art.º 13º).
Comprova-se nos autos que a insolvente requereu e foi-lhe concedido apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono e atribuição de agente de execução. Assim decidiu o organismo próprio da Segurança Social, com competência para o efeito, sem impugnação.
O processo foi declarado encerrado no despacho liminar relativo ao pedido de exoneração do passivo restante, dada a manifesta ausência de bens a liquidar, tendo os autos prosseguido apenas com o incidente de exoneração.
Decorreu o período de cessão e a exoneração foi concedida à devedora.
A exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem exceção dos que não tenham sido reclamados e verificados, sendo aplicável o disposto no n.° 4 do artigo 217.° (art.º 245º do CIRE). Entre esses créditos não se incluem os créditos por custas ou os créditos do IGFEJ por adiantamentos efetuados a favor do Administrador da Insolvência ou do Fiduciário a título de remuneração e despesas.
O CIRE contém uma disposição própria relativa a “apoio judiciário”[8], inserida no capítulo relativo à exoneração do passivo restante:
1 - O devedor que apresente um pedido de exoneração do passivo restante beneficia do diferimento do pagamento das custas até à decisão final desse pedido, na parte em que a massa insolvente e o seu rendimento disponível durante o período da cessão sejam insuficientes para o respetivo pagamento integral, o mesmo se aplicando à obrigação de reembolsar o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do fiduciário que o organismo tenha suportado.
2 - Sendo concedida a exoneração do passivo restante, o disposto no artigo 33.º do Regulamento das Custas Processuais é aplicável ao pagamento das custas e à obrigação de reembolso referida no número anterior.
3 - Se a exoneração for posteriormente revogada, caduca a autorização do pagamento em prestações, e aos montantes em dívida acrescem juros de mora calculados como se o benefício previsto no n.° 1 não tivesse sido concedido, à taxa prevista no n.° 1 do artigo 33.° do Regulamento das Custas Processuais.
4 - O benefício previsto no n.° 1 afasta a concessão de qualquer outra forma de apoio judiciário ao devedor, salvo quanto à nomeação e pagamento de honorários de patrono.
Da conjugação do nº 1 com o nº 4 daquele preceito legal resulta que está aqui previsto um regime especial de apoio judiciário no incidente de exoneração do passivo restante. Quanto às custas (incluindo taxas de justiça), ocorre o diferimento do respetivo pagamento até que seja proferida decisão final sobre o pedido. Tal diferimento diz respeito à parte das custas que não seja suportada, quer pela massa insolvente, quer pelo rendimento disponível cedido, durante o período da cessão. O mesmo se passa relativamente aos reembolso das remunerações e das despesas, sejam as relativas ao Fiduciário, sejam as pagas ao Administrador da Insolvência.
Como referem L. Carvalho Fernandes e João Labareda[9], “por força do n.° 4, da obtenção do benefício de diferimento previsto no n.° 1 resulta que ao devedor não pode, em regra, ser concedida qualquer outra modalidade de apoio judiciário, com ressalva, apenas, dos benefícios de nomeação de patrono e de pagamento dos seus honorários”.
O regime do art.º 248º do CIRE estabelece um benefício automático de diferimento do pagamento da taxa de justiça, afastando o regime da LADT.[10]
Com a declaração de insolvência o devedor fica numa situação de inibição relativamente à prática de atos de natureza patrimonial (art.º 81.º, nº 1, do CIRE), sendo o património gerido, em primeira linha, pelo Administrador de Insolvência e, numa fase subsequente, em casos de deferimento liminar da exoneração do passivo restante, pelo Fiduciário, cabendo a cada um deles, na respetiva fase, efetuar o pagamento de dívidas, principalmente de dívidas resultante de custas processuais (art.ºs 55.º, nº 1, al. a), e 241.º, n.º 1, al. a), do CIRE).[11]
O diferimento do momento de pagamento das custas devidas no processo de insolvência, sem discriminação --- no que se inclui a taxa de justiça devida com a apresentação à insolvência, em cujo requerimento o pedido de exoneração é deduzido ---, é o que melhor se compagina com o escopo de proteção do devedor, tanto mais que, com a declaração de insolvência, o devedor fica numa situação de inabilidade legal para a prática de atos que atinjam o seu património, passando este, com o seu ativo e passivo, a ser gerido pelo Administrador de Insolvência, nos termos do art.º 81º do CIRE, a quem competirá, além do mais, proceder ao pagamento das dívidas (artº 55º nº 1, al. a)).[12]
O que a lei, manifestamente, visou, e este constitui o elemento teleológico na interpretação da norma, foi não dificultar ou agravar de forma alguma com o pagamento de encargos tributários, durante o lapso de tempo mais ou menos alargado que se julgou adequado, a pressuposta delicada situação do devedor que vem procurar que seja reconhecido o seu merecimento ao favor da exoneração do passivo restante.
Na realidade, perante a filosofia subjacente ao novel instituto da exoneração do passivo restante, a lei pretendeu que não havia que sobrecarregar o devedor com o encargo adicional de quaisquer custas se e enquanto estas pudessem ou devessem ser cumpridas pela massa e pelo rendimento disponibilizado ao fiduciário com a cessão.[13]
Assim, não sendo o regime do art.º 248º do CIRE um fenómeno de apoio judiciários propriamente dito, na aceção constante da legislação específica, o efeito visado com a citada norma é em tudo semelhante àquele que pode produzir o apoio judiciário; isto é, visa-se em qualquer dos casos postergar no tempo o pagamento das custas. Trata-se de um benefício que ainda pode ser considerado como representando um apoio judiciário específico e exclusivo, isto é, um benefício que visa permitir que a parte insolvente que quer ver-se exonerada do passivo restante, goze do benefício de se ver liberta de assumir o pagamento imediato de custas. É por essa razão que o benefício previsto no citado n.º 1 artigo art.º 248º do CIRE afasta a concessão de qualquer outra forma de apoio judiciário ao devedor, salvo quanto à nomeação e pagamento de honorários de patrono, como refere o nº 4 do mesmo artigo. Trata-se de uma dispensa temporária de suportar os encargos tributários inerentes ao processo.
Contudo, ultrapassadas as razões que justificam o diferimento do pagamento das custas até à decisão final do pedido de exoneração, deixa de fazer sentido a aplicação do regime dos nºs 1 e 4 do art.º 248º, não estando o devedor impossibilitado de fazer valer o apoio judiciário que tenha requerido e que lhe tenha sido concedido, caso seja responsável pelo pagamento de custas e deva responder pela remuneração e pelas despesas pagas ao Administrador da Insolvência e ao Fiduciário. É este o sentido da que julgamos ser a melhor jurisprudência, espelhada nos acórdãos já citados.

A devedora beneficia de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono e atribuição de agente de execução. Assim decidiu o organismo próprio da Segurança Social, com competência para o efeito, sem impugnação, portanto, definitivamente.
O art.º 304º do CIRE estabelece o princípio de que as custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com trânsito em julgado.
Na sentença que declarou a insolvência, foi a massa insolvente condenada nas custas processuais.
De igual modo, foi a massa condenada na decisão final relativa à exoneração do passivo restante, que concedeu a exoneração do pagamento de créditos à devedora.
Não tendo sido a insolvente condenada em custas no processo, não tem que as pagar, sendo, nessa medida, irrelevante o apoio judiciário de que beneficia.
As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (art.º 3º do Regulamento das Custas Processuais). Os encargos são, por regra, aqueles a que se referem os art.ºs 16º e seg.s do mesmo regulamento, podendo acrescer-lhes outros como tal classificados em legislação especial.
O art.º 17º não é claro quanto a abranger, ou não, a remuneração do Administrador da Insolvência. O nº 2 refere-se apenas a remuneração de administradores. Não se referem aqueles artigos à remuneração do Fiduciário nem às despesas deste e do Administrador da Insolvência.
O nº 3 do art.º 32º do CIRE considera a remuneração do administrador judicial provisório e as despesas em que incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, na medida em que, sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta.
Não há no CIRE nem no Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei nº 22/2013, de 26 de fevereiro, qualquer norma que, à semelhança do Administrador Judicial Provisório, considere custas processuais a remuneração e as despesas do Administrador da Insolvência.
No que respeita ao Fiduciário, o art.º 240º, nº 1, do CIRE considera a sua remuneração e o reembolso das suas despesas um encargo do devedor.
Não sendo, assim, na nossa perspetiva, de considerar custas processuais as remunerações e despesas efetuadas pelo Administrador da Insolvência e pelo Fiduciário, são elas encargos que não são englobados na condenação em custas. Devem ser suportados pelo devedor, independentemente daquela condenação, na medida em que não forem cobertos pela massa insolvente (art.º 51º, nº 1, al. b), do CIRE) ou pelo rendimento da cessão (art.º 241º, nº 1, al. c), do CIRE).
Todavia, não é por não serem considerados custas que deixam de ser encargos processuais, da responsabilidade do devedor.
Uma das modalidades do apoio judiciário, como vimos, é a “dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo” (art.º 16º, nº 1, al. a), da LADT). Esta norma não pode ser interpretada restritivamente, como considerando apenas os encargos previstos no Regulamento das Custas Processuais. Deve entender-se que se reporta a todos os encargos do processo pelos quais seja responsável o beneficiário do apoio judiciário, sob pena de atropelo intolerável ao princípio constitucional da igualdade no acesso ao direito e aos tribunais (art.ºs 13º e 20º da Constituição da República). Não sendo assim, estar-se-ia a denegar justiça por insuficiência de meios económicos.
Beneficiando a insolvente de apoio judiciário na modalidade referida, a conclusão óbvia é a de que não deve responder por custas do processo nem pelos encargos relativos à remuneração e às despesas do Administrador da Insolvência e do Fiduciário.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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IV.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, proferida por despacho de 23 de abril de 2018 (que substituiu decisão anterior, de 20.3.2018, considerada nula) e determina-se que por força do apoio judiciário de que beneficia, a insolvente não responde pela conta de custas.
Custas da apelação pela massa insolvente.
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Porto, 13 de junho de 2018
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Por certo, quis dizer-se cessação.
[2] Com exceção dos honorários devidos ao advogado nomeado.
[3] José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol II, pág. 199.
[4] Antigas “assistência judiciária” e Lei do Apoio Judiciário.
[5] Sucessivamente alterada.
[6] Adiante LADT.
[7] Não nos parece rigorosa esta norma legal ao utilizar o termo isento.
[8] É esta a sua epígrafe.
[9] CIRE anotado, Quid Juris, 2009, pág. 804.
[10] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.11.2012, proc. 1617/11.3TBFLG.G1.S1, in www.dgsi.pt.
[11] Idem, citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.11.2012.
[12] Luís Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, vol. I, págs. 169 a 173, citado no referido acórdão do STJ e no acórdão da Relação de Guimarães de 4.12.2014, proc. 685/14.0TBPTL.G1, in www.dgsi.pt.
[13] Acórdão da Relação de Guimarães de 17.5.2012, proc. 1617/11.3TBFLG.G1 e acórdão da Relação de Lisboa de 28.11.2013, proc. 2645/13.0TBBRR.L1-6, in www.dgsi.pt.