Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2910/21.2T8MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: PROCESSO LABORAL
ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
PEDIDO RECONVENCIONAL
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RP202301232910/21.2T8MAI-A.P1
Data do Acordão: 01/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Em processo laboral, comum, atento o disposto no art. 30º, nº 1 do CPT e art. 126º, al. o) da Lei nº 62/2013, de 26/08, a dedução de pedido reconvencional, só é admissível, quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, ou quando tenha com o facto jurídico que serve de fundamento à acção uma relação de conexão por acessoriedade, complementaridade ou dependência, salvo no caso de compensação, em que a conexão é dispensada.
II – As relações de conexão, para que operem, devem estabelecer-se entre as questões reconvencionais e a acção, ou seja quando o pedido reconvencional está relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência.
III - As relações de acessoriedade e dependência pressupõem que haja um pedido principal a que estão objectivamente subordinadas; a diferença está na intensidade do nexo de subordinação: o pedido dependente não subsiste se desligado do pedido principal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 2910/21.2T8MAI-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho da Maia - Juiz 1
Recorrente: F..., Lda.
Recorrido: AA

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
Vem o presente recurso, em separado, interposto nos autos de acção declarativa comum emergente de contrato individual de trabalho, processo nº 2910/21.2T8MAI, intentada por AA, contribuinte n.º ..., residente na Rua ..., ... Maia, contra F..., Lda., NIPC ..., com sede na Rua ..., n.º ..., R/C, ... São João da Madeira, pedindo que deve, “ser julgada procedente por provada e a Ré ser condenada a pagar ao Autor as seguintes quantias:
I. €1.550,88, correspondentes a férias vencidas em 1 de janeiro de 2021, € 1.500,00 respeitantes ao Subsídio de Natal do ano 2020, acrescida de juros à taxa legal até efetivo e integral pagamento;
II. €1.550,88, correspondentes ao subsídio de férias vencido em 1 de janeiro de 2021, acrescida de juros à taxa legal até efetivo e integral pagamento;
III. € 899,60, relativos aos dias trabalhados em janeiro de 2021, acrescida de juros à taxa legal até efetivo e integral pagamento;
IV. € 30,07, correspondentes aos dias trabalhados em janeiro de 2021, dos prémios, bónus, outras análogas de caráter regular mensal, acrescida de juros à taxa legal até efetivo e integral pagamento;
V. € 80,73, relativos aos proporcionais de férias de 2021, acrescida de juros à taxa legal até efetivo e integral pagamento;
VI. € 80,73, relativos aos proporcionais de subsídio de férias de 2021, acrescida de juros à taxa legal até efetivo e integral pagamento;
VII. € 78,08, respeitantes aos proporcionais do subsídio de natal de 2021, acrescida de juros à taxa legal até efetivo e integral pagamento;
VIII. € 2148,00, nos termos dos artigos n.º 131.º e 132.º do C.T..”.
Fundamenta o pedido, alegando a subsistência de créditos salariais que não lhe foram pagos pela Ré, volvidos cinco meses de ter saído da empresa daquela.
Valor: € 7918,97 (sete mil novecentos e dezoito euros e noventa e sete cêntimos)
*
Realizada a audiência de partes, conforme consta da acta datada de 14.09.2021, não se logrou alcançar o acordo entre as mesmas, tendo a Ré sido notificada para contestar, o que fez nos termos do requerimento junto em 23.09.2021, alegando, em síntese, que o A denunciou o contrato de trabalho celebrado com a Ré com efeitos a partir de 20.01.2021 e nunca mais se apresentou na sede da Ré, nem para receber eventuais créditos a que tivesse direito, nem para entregar todos os bens e equipamentos, pertença da Ré, e que se encontravam na sua posse, como era seu dever e obrigação.
Mais, alega que, só com a entrega desses bens era possível fazer a liquidação das contas entre A e Ré.
Em reconvenção, alega que o A. retém em seu poder e abusivamente bens, pertença da Ré, que tem estado impossibilitada, pela falta dos mesmos, de dar a assistência técnica devida, aos equipamentos instalados nos clientes, com prejuízos económicos elevados, os quais por agora ainda não ser possível apurar, relega para liquidar em execução de sentença.
Termina, requerendo que, “deve a presente acção ser julgada não provada e improcedente e provada e procedente a reconvenção.”.
Valor da reconvenção: 7.500,00 €.
*
O A. apresentou réplica, impugnando todo o teor da contestação.
Conclui que, “deverá o pedido reconvencional contra o A. deduzido, ser julgado improcedente, por não provado, com a consequente absolvição daquele, reiterando-se o pedido nos termos da P.I.”.
*
Foi designada a realização de uma tentativa de conciliação e, em sede da mesma, as partes requereram a suspensão da instância, mas não lograram chegar a acordo. Após, nos termos que constam do despacho de 09.05.2022 foi o Autor convidado a corrigir a sua petição inicial, em 10 dias, indicando quais os valores auferidos a título de remuneração, o que fez, nos termos do requerimento junto em 18.05.2022, ao qual a Ré respondeu em 25.05.2022.
*
Oportunamente, foi proferido despacho saneador onde se fixou o valor da presente acção em €15.418,97 e, no que ao presente recurso interessa, em síntese, decidido o seguinte:
«Do pedido reconvencional deduzido pela Ré:
A Ré deduz pedido reconvencional contra o Autor referindo que o Autor retém em seu poder e abusivamente bens pertença da Ré, com valor que fixa em €7.500,00, o que lhe causa prejuízos económicos elevados, os quais por agora ainda não é possível apurar, e que relega para liquidar em execução de sentença.
(…).
Deve ter-se em consideração que, ao contrário do que sucede no regime processual civil - vide o artigo 266.º n.º 2 a) do Código de Processo Civil – o artigo 30.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho apenas permite a dedução de reconvenção quando o respetivo pedido emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação.
Assim, no processo laboral não é admitida reconvenção quando o pedido emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa.
(…).
No caso dos autos, o facto jurídico, a causa de pedir que a Ré invoca no seu pedido reconvencional, consistente na retenção abusiva de bens, não é o mesmo facto jurídico, a mesma causa de pedir invocada pelo Autor, que diz respeito ao cumprimento do contrato de trabalho com o inerente pagamento das contraprestações devidas.
Conclui-se que o pedido formulado pela Ré não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação.
O segundo laço substantivo que legitima o pedido reconvencional é ter por objeto a compensação de créditos. Neste caso, além de invocar um contra-crédito (que satisfaça os requisitos previstos no artigo 847.º do Código Civil), compete ao réu formular na contestação a declaração de compensação (artigo 848.º 1 do Código Civil), o que não ocorre no caso dos autos, não sendo a Ré detentora de qualquer contra-crédito que satisfaça os requisitos previstos no artigo 847.º do Código Civil.
Por último, a reconvenção é ainda admissível quando haja uma especial conexão entre o pedido reconvencional e a ação, através de uma relação de acessoriedade, complementaridade e dependência.
(…).
No caso dos autos, o pedido reconvencional formulado pela Ré tem por fundamento um comportamento ilícito do Autor, não se verificando a apontada relação de acessoriedade, complementaridade e dependência, não bastando para tal que os factos alegados estejam relacionados com a mesma relação de trabalho e que, sem a mesma, não poderiam ter ocorrido. A relação de acessoriedade, complementaridade e dependência exigida pressupõe que haja um pedido principal, relativamente ao qual tanto o pedido acessório como o dependente estejam objetivamente subordinados, ou que o pedido reconvencional seja um complemento daquele, o que no caso dos autos não ocorre.
Termos em que não admito o pedido reconvencional deduzido pela Ré.».
*
Inconformada com esta decisão, a Ré apresentou recurso, nos termos das alegações juntas em 08.07.2022, finalizando com as seguintes Conclusões:
“1. O pedido reconvencional formulado pela Ré tem como fundamento jurídico o contrato de trabalho celebrado com o A, e mais concretamente uma consequência da sua cessação.
2. Tal como o fundamento jurídico do pedido formulado pelo A na acção.
3. Mas se assim não fosse, mas é, sempre estaríamos em presença de relações claras de conexão entre A e R, nascidas com a celebração do contrato de trabalho e emergentes dessa relação.
4. Os bens pertencentes à Ré (identificados nos autos), e que esta entregou ao A, para que desenvolvesse ou prestasse o seu trabalho, e só por isso, deveriam ter sido entregues à Ré, no termo da relação laboral e por consequência da cessação desta relação.
5. Sendo que a Ré até tentou o contacto com o A, mesmo antes da propositura da acção, sempre sem sucesso, visto que este optou por se manter incontactável, como também se referiu na contestação/reconvenção.
6. Estávamos no auge da pandemia.
7. A Ré, entretanto, accionada, exerceu o seu direito e utilizou o procedimento mais comum e óbvio tendo em vista até razões de economia processual.
8. Na verdade, não faz qualquer sentido, que as partes, podendo reunir no mesmo processo, as suas posições e sanar de uma vez a questão, por que razão haveriam de utilizar os serviços do Estado para fazê-lo em 2 processos?
9. Aliás, as partes quanto a isso estiveram de acordo. Não tendo levantado qualquer dúvida sequer.
10. Por isso, o douto despacho, viola claramente, o disposto nos arts 30 do CPT e artº 126 da Lei 62/2013 de 26 de Agosto.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V Exas doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado procedente e por consequência, revogado o douto despacho, sendo admitido o pedido reconvencional.
Assim se fazendo Justiça.”.
*
O A. não apresentou contra-alegações.
*
O recurso foi admitido como apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo e ordenou, após instrução do apenso, a sua remessa a este Tribunal.
*
O Ministério Público emitiu parecer nos termos do art. 87º nº 3, pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, no essencial, considerando, que “…neste caso, o pedido reconvencional não emerge do acto jurídico que serve de fundamento à acção.
O pedido formulado pela Ré, na verdade, resulta do facto de o Autor não entregar os bens que lhe foram entregues para o exercício da actividade na empresa, um incumprimento de um dever laboral.
E, como se disse, o pedido reconvencional só poderá assentar em facto jurídico que serve de fundamento à acção e nunca à defesa.”.
Notificadas deste, as partes nada disseram.
*
Cumpridos, electronicamente, os vistos legais, há que apreciar e decidir.
*
É sabido que, salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, a questão suscitada e a apreciar consiste em saber se, neste caso, é admissível a reconvenção, como defende a recorrente.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a considerar para apreciação da questão, são os que decorrem do relatório que antecede e que se encontram devidamente demonstrados nos autos.
*
Analisando.
A Mª Juíza “a quo” não admitiu a reconvenção por não se encontrarem preenchidos os pressupostos do art. 30º nº 1 do CPT.
Insurge-se a Ré/recorrente, contra esta decisão, por considerar que, “a interpretação dada ao artº 30 do CPT, assim como do artº 126 da Lei 62/2013 é manifestamente infeliz, inapropriada e enviesada”, sob a alegação de que, o facto jurídico que serve de fundamento à acção e o fundamento do pedido reconvencional é “Nem mais nem menos do que o contrato de trabalho, ou melhor também, das consequências da sua cessação.”.
Mais, considera e alega ser, “absolutamente incompreensível que se diga, como diz no douto despacho, que o pedido reconvencional não tenha qualquer relação de conexão, e muito menos ainda que o pedido não emerge de relações conexas com a relação de trabalho, ainda que por acessoriedade, complementaridade ou dependência.”, concluindo que, “É por demais evidente que a causa de pedir em ambas as situações é o contrato de trabalho ou a sua cessação, pois é este que gera quer o direito do A quer o direito da Ré.
Acresce que as relações de conexão são mais que muitas, ou mesmo todas.
As partes são as mesmas, o fundamento é o mesmo, as partes já estão em Juízo, o direito da Ré resulta directamente da relação de trabalho, por inteiro, e nem sequer se trata de uma simples acessoriedade ou até complementaridade.
Absolutamente!”, conclui assim, como se deixou supra transcrito, pela revogação do despacho recorrido e que deve ser admitido o pedido reconvencional.
Em suma, a recorrente, no sentido de justificar a sua pretensão, afirma que o pedido reconvencional, por si deduzido, e o formulado pelo autor, têm o mesmo fundamento jurídico “o contrato de trabalho celebrado com o A. e mais concretamente uma consequência da sua cessação.”.
Mas não tem razão.
Senão, vejamos.
O art. 30º do CPT, sob a epígrafe “Reconvenção”, dispõe o seguinte: “1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 98.º-L, a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação e nos casos referidos na alínea o) do n.º 1 do artigo 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal.
2 - Não é admissível a reconvenção quando ao pedido do réu corresponda espécie de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor.”
Por sua vez, o art. 126º, nº 1, al.s n) e o) da Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário), que corresponde ao anterior (art. 85º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro), sob a epígrafe, “Competência cível”, dispõe:
“1 - Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível:
n) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente;”
o) Das questões reconvencionais que com a ação tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão;”
Da conjugação destes dispositivos, art.s 30º, nº 1 e 126º al. o), decorre que é admissível, em processo laboral, a dedução de pedido reconvencional não, apenas, quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção mas, ainda, quando o mesmo tenha com o facto jurídico que serve de fundamento à acção uma relação de conexão por acessoriedade, complementaridade ou dependência, salvo no caso de compensação, em que a conexão é dispensada.
A al. a) do nº 2 do art. 266 do CPC admite a reconvenção quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa, mas o nº 1 daquele art. 30º do CPT, restringe essa admissibilidade à situação em que o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção. Donde, no domínio do processo comum laboral, não ser admissível reconvenção com base no facto jurídico que serve de fundamento à defesa.
Ou seja, em processo laboral, excluindo a acção especial de despedimento em que a reconvenção é reconduzida aos termos gerais actualmente previstos naquele art. 266º do CPC, a reconvenção só é admissível quando:
- o valor da acção stritu sensu – não releva o valor da reconvenção - é superior ao valor ao valor da alçada do Tribunal;
- o pedido do Réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou
- as questões reconvencionais têm relações de conexão por acessoriedade, complementaridade ou dependência com a acção, com excepção da compensação, em que é dispensada a conexão.
Como refere (Leite Ferreira in Código de Processo do Trabalho Anotado, 4.ª Edição, pág. 167), através desta restrição da admissibilidade da reconvenção no domínio do processo laboral, pretendeu-se “evitar que o réu, normalmente a entidade patronal, se servisse da acção contra si proposta pelo autor, em regra um trabalhador, para, fora do campo da defesa directa ou propriamente dita, passar a atacar este com uma contra-acção ou uma acção de sentido contrário àquela.”.
No caso em apreço, tal como resulta da decisão proferida pela Mª Juíza “a quo”, foi entendido que o pedido da Ré não emergia do facto jurídico que serve de fundamento à acção, “o facto jurídico, a causa de pedir que a Ré invoca no seu pedido reconvencional, consistente na retenção abusiva de bens, não é o mesmo facto jurídico, a mesma causa de pedir invocada pelo Autor, que diz respeito ao cumprimento do contrato de trabalho com o inerente pagamento das contraprestações devidas.”.
E, ao contrário do que considera a recorrente, subscrevemos este entendimento.
Pois, concordando nós que, “o facto jurídico que serve de fundamento à acção é a causa de pedir”, (conforme, neste sentido os - Ac.s do STJ de 03.05.2006, Proc. 06S251 e de 22.11.2006, Proc. 06S1822, in www.dgsi.pt) e, que a causa de pedir é, (como refere, Vaz Serra in RLJ 109º, pág. 313), “(...) o facto jurídico concreto ou específico invocado pelo autor como fundamento da sua pretensão”. Destinando-se esta concretização ou especificidade, além do mais, “a impedir que o demandado seja compelido a defender-se de toda e qualquer possível causa de pedir, só tendo de defender-se da concretamente invocada pelo autor...”, só podemos concordar com a decisão recorrida.
Como bem o refere a Mª Juíza “a quo”, no nosso caso, o facto jurídico, a causa de pedir que a Ré invoca e em que funda o pedido reconvencional não é o mesmo facto jurídico, a mesma causa de pedir invocada pelo Autor na acção. O pedido reconvencional funda-se em causa de pedir autónoma, alegadamente, relacionada com a retenção abusiva de bens por parte do autor que, estarão a causar prejuízos à ré. Ou seja, não emerge de facto jurídico que serve de fundamento à acção. Nesta o A. invoca a cessação do contrato e efectua o pedido de pagamento dos créditos, decorrentes do cumprimento daquele contrato.
Pelo que, por esta via, não temos dúvidas que a reconvenção não é admissível.
E, reiterando o necessário respeito, ao contrário do que defende a recorrente, também, não o é, tendo em conta o disposto no segundo segmento daquele (art. 30º nº 1 do CPT que, remete para o caso referido na al. o) do referido art. 126º da Lei nº 62/2013. Pois, aquela al. o) reporta-se às questões reconvencionais que com a acção tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão, o que, não é o caso, como bem o concluiu e decidiu a Mª Juíza “a quo”.
Aquela, referida, alínea anterior (a al. n), do mesmo artigo), refere-se às questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente.
Ou seja, essas relações de conexão, para que operem, devem estabelecer-se entre as questões reconvencionais e a acção, ou seja quando o pedido reconvencional está relacionado com o pedido do Autor por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência.
Segundo (Leite Ferreira, na obra citada, pág.s 80 e 81) a conexão pode resultar duma relação de acessoriedade, complementaridade ou dependência, pressupondo a conexão objectiva, em qualquer dos casos, uma causa dependente de outra. Na acessoriedade a causa subordinada é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal; na complementariedade, ambas as relações são autónomas pelo seu objecto, mas uma delas é convertida, por vontade das partes, em complemento da outra; na dependência, qualquer das relações é objectivamente autónoma como na complementariedade, simplesmente, o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal.
Revertendo ao nosso caso e tendo presente as considerações expostas, importa concluir, como entendeu e concluiu a Mª Juíza “a quo”, que não existe conexão objectiva entre o pedido do autor e o pedido da ré, ou seja, “o pedido reconvencional formulado pela Ré tem por fundamento um comportamento ilícito do Autor, não se verificando a apontada relação de acessoriedade, complementaridade e dependência, não bastando para tal que os factos alegados estejam relacionados com a mesma relação de trabalho e que, sem a mesma, não poderiam ter ocorrido. A relação de acessoriedade, complementaridade e dependência exigida pressupõe que haja um pedido principal, relativamente ao qual tanto o pedido acessório como o dependente estejam objetivamente subordinados, ou que o pedido reconvencional seja um complemento daquele, o que no caso dos autos não ocorre.”.
Como se verifica, a ré fundamenta o pedido reconvencional em factos relativos a um, alegado, comportamento do Autor que lhe está a causar prejuízos o que, não foi de modo algum mencionado na petição inicial. É claro que, o pedido reconvencional nada tem a ver com o fundamento da acção. E, pese embora, ambos os pedidos, o da acção e o da reconvenção, terem em comum, o contrato de trabalho que vigorou entre as partes, qualquer relação de conexão seria apenas indirecta, porque derivam ambas do facto daquele contrato de trabalho ter existido.
Em suma, qualquer das violações contratuais alegadas, pelo autor e pela ré, têm conteúdo independente, sem dúvida qualquer dessas violações poderia ocorrer sem o concurso da outra. A causa subordinada - a da reconvenção - não é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal (acessoriedade). Nem se pode afirmar que, sendo ambas relações autónomas pelo seu objecto, uma delas teria sido convertida, por vontade das partes, em complemento da outra (complementaridade). Nem que o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal (dependência).
Uma e outra são rigorosamente independentes e um pedido não depende do outro.
E, assim sendo, nenhuma censura merece a decisão recorrida.
A reconvenção como naquela se concluiu, também, não é admissível, tendo em conta o disposto no segundo segmento do art. 30º nº 1 do CPT.
Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
*
III – DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se nesta secção em julgar a apelação improcedente e mantém-se a decisão recorrida.
*
Custas a cargo da recorrente.
*
Porto, 23 de Janeiro de 2023
*
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão