Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
261/13.5TTPNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
FACTOS ASSENTES
BASE INSTRUTÓRIA
Nº do Documento: RP20170105261/13.5TTPNF.P1
Data do Acordão: 01/05/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 250, FLS.155-168)
Área Temática: .
Sumário: I - Em processo acidente de trabalho devem considerar-se assentes os factos admitidos por acordo em tentativa de conciliação.
II - Improcede a impugnação, efetuada pela ré/seguradora, relativamente à resposta à matéria de facto que, pese embora levada à base instrutória - em violação dos arts. 112.º, n.º 1, e 131.º, n.º 1, al. c), do CT - respeite à ocorrência de acidente de trabalho, por esta aceite em tentativa de conciliação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 261/13.5TTPNF.P1
Origem: Comarca Porto Este. Penafiel. Inst. Central. Sec. Trabalho.
Relator - Domingos Morais – R 630
Adjuntos: Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. – Relatório
1. B…, casado, médico-dentista, trabalhador por conta própria, intentou a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra C… - Companhia de Seguros, S.A., alegando, em síntese, que:
“O presente processo passou da fase conciliatória para a contenciosa, fundamentalmente, por dois motivos:
- Um, restrito a matéria de direito, e que tem a ver com o valor da retribuição anual segura;
- Outro, relativo à fixação das incapacidades temporárias e incapacidade permanente parcial, cuja decisão dependerá do exame por junta médica.
- No dia 23 de abril de 2012, pelas 10H00, dentro do seu horário normal de trabalho, o autor sofreu, no seu consultório, um acidente quando se encontrava a atender uma paciente.
- O acidente aconteceu quando, ao tentar sentar-se no banco de apoio, o mesmo fugiu para trás, uma vez que é de rodas, tendo caído estatelado no chão, ficando, de imediato, com bastantes dores nas costas e vendo-se forçado a suspender a consulta da cliente - cfr. doc. 6 (participação de sinistro).
- A ré aceitou que, em 23/04/2012, o autor foi vítima de um acidente de trabalho indemnizável.
Por contrato de seguro obrigatório, titulado pela apólice n.º ........., válida e eficaz à data do sinistro, o risco de acidentes de trabalho do autor encontrava-se transferido para a ré seguradora - cfr. doc. 1 (condições gerais), doc. 2 (condições particulares) e doc. 3 ("rotina de consultas ao ficheiro").
O valor da remuneração anual segura cifrava-se, em 30/10/2010, data de renovação anual da apólice, em 17.861,00 € (dezassete mil oitocentos e sessenta e um euros) - cfr. doc. 2.
Sucede que o salário mínimo nacional sofreu, depois daquela data, uma alteração através do DL n.º 143/2010, de 31/12, cujo valor mensal passou de 450,00 € para 485,00 €, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2011.
Em consequência, a remuneração segura atualizou-se, de acordo com o coeficiente 1,0778, automaticamente aplicável nos termos do art. 10.º das condições gerais,
Pelo que o valor anual da remuneração segura a considerar à data do sinistro ascende ao montante de 19.250,59€ (17.861,00 x 1.0778).
O autor não aceita a data da alta, os períodos de incapacidade temporária, bem como o grau de desvalorização permanente que lhe foi fixado.”.
Terminou, pedindo:
“Termos em que a presente ação deve ser julgada procedente por provada e, em consequência:
a) Considerado que a retribuição anual transferida para a ré, à data do acidente, é de 19.250,50€;
b) A ré condenada a pagar ao autor as seguintes quantias:
ba) A pensão anual e vitalícia, ou respetivo capital de remição, que vier a ser fixada com base na retribuição anual de 19.250,59 € e de acordo com a IPP que vier a ser atribuída em Junta Médica; bb) As diferenças de indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta que decorreu a partir do dia seguinte ao acidente até 14/11/2012, no montante de 8.063,25 €, ou outras diferenças temporárias se outros valores vierem a resultar da instrução do processo;
bc) As despesas acessórias com intervenções cirúrgicas, assistência médica e hospitalar e exames de diagnóstico, supra discriminadas, no montante de 11.376,25€;
bd) Despesas de deslocações obrigatórias ao Gabinete Médico-Legal e ao tribunal, no total de 70,00 € (20,00€ + 50.00€), conforme acima discriminado; e
be) Juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre todas as prestações e até integral pagamento.”.
2. - Citada, a ré seguradora contestou, impugnando a quase totalidade dos factos alegados pelo autor e concluiu:
Nestes termos, deve a presente acção ser julgada improcedente por não provada, com todas as consequências legais maxime, a isenção da contestante de quaisquer custas da fase contenciosa, à qual não deu azo.”.
3. – Proferido o despacho saneador, fixados os factos assentes e controvertidos, realizado o julgamento e respondidos os quesitos, foi prolatada sentença com a seguinte decisão:
Nesta conformidade, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:
I- considero que a retribuição anual transferida para a Ré “C… – Companhia de Seguros, S.A.”, à data do acidente, é de 18.237,87 euros (dezoito mil duzentos e trinta e sete euros e oitenta e sete cêntimos);
II – condeno a Ré “C… – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, B…:;
a - o capital de remição da pensão anual e vitalícia de 383,00 euros (trezentos e oitenta e três euros), acrescido de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a partir de 16/11/2012 até efetivo e integral pagamentos;
b - a quantia de 3.609,75 euros (três mil seiscentos e nove euros e setenta e cinco cêntimos), a título de diferenças de indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta que sofreu no período de 24/04/2012 até 14/11/2012, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a partir de 15/11/2012 até efetivo e integral pagamento;
c - a quantia de 30,00 (trinta) euros, a título de despesas de deslocações obrigatórias ao Gabinete Médico-Legal e ao Tribunal, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a calcular sobre a quantia de:
c.1 - 20,00 (vinte) euros, a partir de 09/07/2015; e sobre a quantia de
c.2- 10,00 (dez) euros, a partir de 08/09/2015 até integral e efetivo pagamento;
d- a quantia de 11.373,55 euros (onze mil trezentos e setenta e três euros e cinquenta e cinco cêntimos), a título de despesas acessórias com intervenções cirúrgicas, assistência médica e hospitalar e exames de diagnóstico, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a partir de 08/09/2015 até integral e efetivo pagamento;
e- absolvo a Ré do restante pedido.
Custas da ação pela Ré seguradora e pelo Autor na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 10% para o Autor e em 90% para a Ré, fixando a taxa de justiça de acordo com o disposto no art. 6º, n.º 1 do RCP e da tabela I-A a ele anexa.
Nos termos do disposto no artigo 120º, n.º 1 do Cód. Proc. Trab. fixo o valor da acção em 19.799,27 euros.”.
4. - A ré seguradora, inconformada, apresentou recurso de apelação, concluindo:
1. A discordância da ora recorrente com a douta sentença recorrida tem por base a prova que foi produzida sobre os factos relativos ao alegado sinistro (propriamente dito) e, noutro âmbito, sobre a urgência (ou a inexistência da mesma) das intervenções cirúrgicas a que o A. se submeteu sem disso dar conhecimento à R. seguradora.
2. O alegado sinistro que funda os presentes autos de acidente de trabalho é relatado nos autos de três formas distintas.
3. O próprio A. conta duas versões diferentes da forma como terá ocorrido o sinistro, uma na participação que remeteu à R. seguradora, outra na PI.
4. Na participação de sinistro o A. diz que escorregou e caiu ao chão, ao passo que na PI afirma que, ao sentar-se, a cadeira fugiu tendo o mesmo ficado estatelado no chão.
5. A única prova produzida sobre tais factos foi o depoimento da testemunha D…, que contou uma terceira versão, segundo a qual o A. havia caído da cadeira.
6. Em audiência de julgamento não se provou nem a versão vertida na PI nem a versão constante da participação de sinistro.
7. A participação de sinistro não coincide com o doc. de fls. 70 no que diz respeito à prestação do primeiro socorro após o alegado sinistro.
8. O registo do centro de saúde de Q… de fls.70, datado do dia do alegado sinistro, não revela qualquer referência a “traumatismo”, antes sim a sinais/sintomas, que indiciam doença e não evento súbito.
9. Não obstante ter realizado TAC à coluna lombar no dia seguinte ao alegado sinistro, a verdade é que não a apresentou no hospital E… quando a ele se deslocou com os bombeiros na madrugada do dia 26/4/2012.
10. A deslocação para realizar TAC contraria o depoimento da esposa do A. vertido na douta sentença recorrida que afirmou em Tribunal que no dia a seguir ao acidente o marido não saíra de casa.
11. Não existiu uma segunda consulta junto do médico de família após o episódio de urgência de 26/04/2012.
12. O médico de família do A., Dr. F…, só viu o resultado da TAC muito depois de o A. ter sido operado pelo Dr. G….
13. O A. deslocou-se ao centro de saúde para uma consulta no dia 23/4/2016 apresentando queixas nas costas, tendo o seu médico de família prescrito medicação e requisitado TAC, tendo a deslocação ao serviço de urgência do Hospital E… sido não mais do que a repetição de um procedimento que já antes fizera, por padecer de dores nas costas permanentemente, designadamente no dia 31/7/2006.
14. O A. não sofreu, portanto, qualquer sinistro.
15. Pelo que a resposta aos quesitos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da Base Instrutória (pontos L), M), N), O) e P) da matéria de facto dada como provada) deve ser alterada para “não provado”.
16. Em conformidade, uma vez que a (in)existência do acidente alegado pelo A. na PI prejudica as questões relacionadas com as suas respectivas consequências, ter-se-ão que dar igualmente como não provados também os pontos R), S), T), U), V), W), X), Y), Z), AA), AB), AC), AD), AE), AF), AG) e AR), tendo os pontos 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 19º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º e 36º da Base Instrutória que merecer a correspondente resposta negativa.
17. Da mesma forma, e pelas mesmas razões, deve o ponto 47º da Base Instrutória ser dado como provado.
18. O Tribunal a quo andou mal ao considerar urgentes e necessárias as intervenções cirúrgicas e correspectivos tratamentos a que o A. se submeteu sem que deles tivesse dado conta à R. seguradora.
19. Era ao A. que cabia demonstrar a urgência e inevitabilidade desses procedimentos clínicos.
20. As declarações emitidas pela clínica do Dr. G… juntas com a PI não são suficientes para fazer a prova que ao A. cabia sobre essa matéria.
21. Mesmo que se entendesse que o ónus da prova sobre esta matéria impendia sobre a ora recorrente, isto é, que cabia à aqui R. demonstrar que as intervenções cirúrgicas a que o A. se submeteu à revelia da seguradora e cujos montantes de pagamento reclama nos presentes autos, tal ónus da prova seria invertido à luz das regras gerais do art.344º do Código Civil uma vez que, após as operações, deixou de ser possível à R. seguradora demonstrar, seja por que meio for, que o tratamento conservador traria melhoria da condição do A.
22. Foi produzida prova suficiente para alterar os pontos R), T) e U) dos factos dados como provados.
23. Como resulta dos esclarecimentos prestados pelos peritos médicos em audiência de julgamento, o procedimento clínico levado a cabo pelo cirurgião que operou o A. não seguiu a prática normal das legis artis.
24. O alegado agravamento do fenómeno doloroso que terá levado o A. e a sua esposa a recorrerem a uma cirurgia em clínica privada sem que tenham disso dado nota à recorrente não era mais grave do que episódios anteriores sofridos pelo A.
25. Como resulta da comparação entre o relatório de episódio de urgência datado de 26/4/2012 (fls. 48 a 50) e o relatório de episódio de urgência datado de 31/7/2006 (fls.22).
26. O relatório de fls. 48 a 50, datado da véspera da primeira intervenção cirúrgica, regista melhorias na condição do sinistrado, designadamente ao nível da dor.
27. O A. não voltou à unidade hospitalar onde tinha sido assistido no SU, tampouco consultou uma segunda opinião, tendo decidido ser operado sem sequer ter participado o sinistro à R. seguradora.
28. Conjugados os elementos vindos de escalpelizar, devem os pontos 7º, 9º e 10º da Base Instrutória (pontos R), T) e U) dos factos dados como provados) ser alterados, passando a ter a seguinte redacção:
R) No dia 27 de Abril, o Autor foi internado na H… e foi operado a uma hérnia discal lombar.
T) Em 2/8/2012, o Autor voltou a ser operado na H…, tendo estado internado entre esse dia e o dia 4 do mesmo mês e ano.
U) A que se seguiu tratamento de fisioterapia, habitualmente realizado antes deste tipo de intervenção cirúrgica.
29. É forçoso concluir pela total absolvição da R. seguradora dos pedidos contra ela formulados, alterando-se assim a decisão recorrida.
30. Aceitando-se o sinistro, os períodos de incapacidade a pagar pela R. devem ser os constantes do seu boletim de avaliação de incapacidade.
31. Não tendo resultado provada – pelo contrário!! – a urgência nem a necessidade das intervenções cirúrgicas a que o A. foi sujeito sem que disso desse conta à R. seguradora ou mesmo sem que dela as reclamasse, não assiste ao A. o direito a receber qualquer verba a título de indemnização pelas incapacidades temporárias nem, tampouco, o reembolso de quaisquer despesas com deslocações, consultas ou tratamentos efectuados antes ou depois desses períodos.
32. O A. violou, com o seu comportamento, o art. 34º da Lei 98/2009., agindo como se o seguro de acidentes de trabalho fosse um seguro de saúde.
33. Impediu a R. seguradora de lhe prestar qualquer outro tipo de tratamento, designadamente fisioterapia, antes de observar melhorias (ou não) na sua condição e estar em condições de optar por operar o A..
34. Na esteira da nossa posição, o Ac. TRC de 1/12/2006 (Serra Leitão), disponível em www.dgsi.pt.
Nestes termos, e ainda pelo muito que, como sempre, não deixará de ser proficientemente suprido, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que absolva a R. C… de todos os pedidos contra ela formulados ou, em alternativa, que considere não serem devidos ao sinistrado os montantes relativos a indemnização por incapacidade temporária pelos períodos não constantes do boletim de alta e avaliação de incapacidade nem as despesas efectuadas pelo sinistrado com os procedimentos clínicos a que se submeteu em violação do art. 34º da lei 98/2009, por ser de inteira, Justiça!”.
5. – O autor contra-alegou, concluindo:
a) A recorrente não se conforma com a prova de um acidente de acidente de trabalho que por si foi aceite em sede extrajudicial, pagando ao autor a quantia de 732,80€ a título de indemnização por incapacidades temporárias, com a qual concordou na fase conciliatória deste processo, considerando ter havido um acidente de trabalho indemnizável, e que resultou claramente demonstrado na fase contenciosa do processo.
b) Denotando falta de argumentos, a recorrente agarra-se à semântica das palavras para tentar demonstrar algo que não corresponde à verdade material.
c) A cadeira do médico-dentista é de rodas e o que interessa é que o autor sofreu uma queda quando o banco de apoio fugiu para trás, deixando o autor sem esse apoio.
d) É indiferente que o autor tenha respondido no boletim de participação de sinistro que a entidade que prestou os primeiros socorros foi o Hospital E… em vez do Centro de Saúde. O autor nunca negou à ré o acesso à sua documentação clínica, e esta teve a oportunidade, inclusivamente, de a analisar desde tempos remotos.
e) É irrelevante que alegadamente o autor não tenha apresentado, em 26/04/2012, no Hospital E…, a TAC à coluna lombar realizada no dia 24/04/2012. Competia ao hospital solicitar essa TAC ou determinar a realização desse exame, caso entendesse necessário. Por outro lado, desconhece a recorrente se o recorrido ficou de posse do relatório da TAC no dia em que a realizou ou no dia a seguir ao feriado do 25 de abril. São tudo conjeturas e especulações forçadas invocadas pela recorrente.
f) Também o facto da esposa do autor, I…, ter dito que o autor no dia seguinte ao sinistro ficou em casa a descansar não contraria minimamente, ao contrário do que pretende fazer crer a recorrente, o facto do autor nesse dia ter realizado uma TAC. O que seria contraditório era se o autor nesse dia tivesse ido trabalhar! Aí sim, não teria ficado a descansar. Por outro lado, é normal que aquela testemunha não se lembre que o autor realizou a TAC no dia 24/04/2012 uma vez que afirmou em tribunal, por lapso de memória, que a TAC foi realizada na sequência da ida ao hospital no dia 26/04 seguinte.
g) A recorrente chega ao cúmulo de ir buscar a "régua de dor" referida nos documentos clínicos para demonstrar que as dores sofridas pelo autor em 2012 são menos fortes que as de 2006! Numa avaliação tão falível e subjetiva como é a quantificação da dor, como pode a recorrente socorrer-se de um tal mecanismo para extrapolar para uma conclusão a seu gosto?
Pelo contrário, a principal conclusão a retirar é que em seis anos o autor não procurou o Hospital por causa de dores nas costas, o que é significativo e comprovativo de que trabalhava sem essas dores e só algo extraordinário o fez voltar ao hospital.
h) Ao contrário do que alega a recorrente, é irrelevante, para a apreciação dos factos, o autor ter feito ou não prova de que realizou uma segunda consulta no Centro de Saúde, entre o episódio de urgência no Hospital E… e a intervenção cirúrgica de 27/04/2012, apesar dessa segunda consulta ter efetivamente existido, como resultou demonstrado. O autor estava preocupado com o seu estado de saúde e recorreu rapidamente à equipa médica que melhores garantias lhe oferecia, no seguimento do conselho que lhe foi dado pelo seu médico de família, a testemunha Dr. F….
i) Sem prescindir do anteriormente exposto e, portanto, considerando que resultou demonstrada, no decurso da instrução do processo, a verificação do acidente de trabalho, o autor não pode abdicar, nesta sede, de provocar a análise do tribunal ad quem, apenas a título preventivo, do mérito do indeferimento da reclamação que apresentou no que respeita à douta peça de condensação elaborada pelo Mmo. Juiz a quo.
j) Assim, e em sede de ampliação do âmbito do recurso apenas a título de prevenção da necessidade da sua apreciação, conforme art. 636.º do CPC, o autor não pode deixar de impugnar o despacho do Mmo. Juiz a quo com a ref.ª 69913336, de 30/03/2016, e requerer, em consequência, a alteração da peça de condensação nos termos por si reclamados, procedendo-se às seguintes alterações:
- Eliminação dos quesitos 1.º a 5.º da base instrutória, por se mostrarem irrelevantes e supérfluos mediante a aceitação, por parte da ré, da ocorrência de um acidente de trabalho, conforme reclamado pelo autor; e
- Modificação do teor da al. A) da matéria de facto assente, sugerindo-se que a mesma passe a ter a seguinte redação: "O autor sofreu um queda da cadeira no seu consultório quando, por volta das 10H00 do dia 23/04/2012, exercia, dentro do seu horário de trabalho, as funções de dentista, trabalhando por conta própria."
k) É que, o autor, na sequência da participação de sinistro por si efetuada, foi observado, a partir de 4 de maio de 2012, a expensas da ré, pelos "Hospitais Privados J…" (J…), unidade J1… e, por esse hospital, esteve com incapacidade temporária absoluta (ITA) desde 04/05/2012 a 24/05/2012 e com incapacidade temproária parcial (ITP) de 10%, desde 24/05/2012 até 04/06/2012, data em que lhe foi atribuída, por essa unidade hospitalar, alta, curado, sem desvalorização - cfr. als. F), G) e H) dos factos provados.
l) Pelos referidos períodos de incapacidade, a ré pagou ao autor, a título de indemnização, a quantia global de 732,80 € - cfr. al. I) dos factos provados.
m) Nunca a ré, em sede extrajudicial, colocou algum entrave ao reconhecimento de que o autor sofreu um acidente de trabalho.
n) No dia 6 de novembro de 2014 - primeira data designada para a tentativa de conciliação -, a Digna Magistrada do Público adiou a diligência em virtude de se lhe afigurar dever solicitar esclarecimentos ao exame médico ou mesmo a realização de exame complementar para esclarecimento de determinados pontos. Nessa ocasião, pela legal representante da entidade responsável apenas foi dito que assumia a transferência salarial de 17.861,00€ x 1 - cfr. "auto de adiamento" de fls. ... -, não se tendo pronunciado acerca da aceitação do acidente de trabalho.
o) No dia 09/07/2015 - segunda data designada para a tentativa de conciliação - foi referido, pelo sinistrado, nessa diligência, que no dia 23/4/2012, por volta das 10H00, em …, foi vítima de um acidente de trabalho quando exercia as funções de dentista e trabalhava por conta própria. Mais referiu o sinistrado que o acidente ocorreu quando sofreu uma queda da cadeira. Pela representante da ré foi dito que aceitava que o sinistrado tinha sido vítima de um acidente de trabalho indemnizável, reconhecendo o nexo de causalidade entre este e as lesões consignadas na documentação nosológica que apresentou - Cfr. auto de não conciliação de fls. ...
p) O único "acidente de trabalho indemnizável" que o autor sofreu neste processo é o que pelo mesmo vem relatado, ou seja, uma queda da cadeira no seu consultório quando, por volta das 10H00 do dia 23/04/2012, exercia, no seu consultório, as funções de dentista, trabalhando por conta própria.
q) Face a esta atitude da ré, o autor alegou, no art. 1.º da petição inicial, que "o presente processo passou da fase conciliatória para a contenciosa, fundamentalmente, por dois motivos:
1 - Um, restrito a matéria de direito, e que tem a ver com o valor da retribuição anual segura; e
2 - Outro, relativo à fixação das incapacidades temporárias e incapacidade permanente parcial, cuja decisão dependerá do exame por junta médica."
r) Mais à frente, no art. 5.º da p. i., alegou que "a ré aceitou que, em 23/04/2012, o autor foi vítima de um acidente de trabalho indemnizável".
s) A ré, na sua douta contestação, não impugnou os arts. 1.º e 5.º da p. i..
t) Foi devido a esta situação que o autor se surpreendeu com o facto de na douta peça de condensação não se ter levado à matéria de facto assente que o autor sofreu um acidente de trabalho indemnizável nas circunstâncias supra descritas, dando-se essencialmente como provados os factos vertidos nos arts. 1.º a 5.º da base instrutória (BI), o que motivou que tivesse reclamado nos termos do requerimento de 13/11/2015, constante de fls. ...
u) Na verdade, o art. 131.º, n.º 1, al. c) do CPT, dispõe que um dos objetivos do despacho saneador é "considerar assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação e nos articulados".
v) Porém, o Mmo. Juiz a quo indeferiu a reclamação por ter considerado, essencialmente, que não houve aceitação inequívoca da existência de um acidente de trabalho por parte da seguradora - cfr. despacho com a ref.ª 69913336, de 30/03/2016.
w) Com o devido respeito por opinião contrária, afigura-se ao autor que aceitação mais "inequívoca" não existe do que aquela em que assentou todo o comportamento da ré até à apresentação da sua contestação, pelo que entende que o despacho de condensação violou o art. 131.º, n.º 1, al. c) do CPT, devendo o mesmo ser alterado nos termos requeridos na al. j).
x) Em relação à impugnação que a recorrente faz da urgência da operação, há que salientar que a Junta Médica respondeu afirmativamente ao quesito em que se perguntava se, em consequência do sinistro dos autos, o autor foi operado de urgência no dia 27/04/2012 a hérnia discal lombar.
y) Por outro lado, a realização da intervenção cirúrgica logo a seguir a ter efetuado no próprio dia - cfr. fls. 100 a 101 - uma ressonância magnética, só pode indiciar urgência na realização da operação. Como refere o Dr. K… no seu depoimento registado de 1h25m57s a 1h26m09s, "eu acho que dado o resultado dos exames que realizou e dado os antecedentes que tinha, provavelmente ele achava que a fisioterapia não ia provocar as melhorias significativas ao doente."
z) Acresce que "a testemunha I… é perentória em referir que o Sr. Dr. (referindo-se ao Senhor Doutor G…) mal viu a TAC, disse “isto é já para operar”, não colocando sequer a questão do Autor fazer fisioterapia, depoimento este que se mostra concordante com o teor da declaração médica de fls. 26, onde aquele Senhor Prof. Doutor G… declara precisamente que o Autor “por um quadro de lombalgias e lombociática álgica relacionada com um acidente no local de trabalho em 23/04/2012, foi operado de urgência no dia 27/04/2012 a hérnia discal lombar”".
aa) Inexistiu qualquer violação do art. 34.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09.
ab) A não participação tempestiva do acidente à seguradora apenas poderia fazer incorrer o autor em responsabilidade civil pelos eventuais prejuízos causados em consequência desse atraso na participação.
ac) Ora, ficou demonstrado que o autor necessitava de realizar os meios de diagnóstico, tratamentos e intervenções cirúrgicas que realizou, pelo que, caso o Autor tivesse seguido o caminho previsto nos artigos 33.º e 34.º da Lei n.º 98/2009, sempre a Ré teria de suportar aquelas despesas que o Autor realizou.
ad) Como vem referido na douta sentença de que a ré recorre, "a Ré seguradora não questiona o valor do preço cobrado pela assistência prestada ao Autor, mas apenas a sua responsabilidade por esses tratamentos, afirmando que entre as patologias que demandaram essa assistência e o acidente não se afirma o indispensável nexo causal como efetivamente se afirma, assim como questiona da necessidade dessa assistência, necessidade essa que, reafirma-se, se revela inquestionável".
ae) Relembre-se que a ré, na sua douta contestação, não pôs em causa o valor do preço cobrado pela assistência ao autor, sendo certo que nem sequer teria legitimidade para o fazer a partir do momento em que em 04/06/2012 lhe deu alta, curado, sem desvalorização, quando o mesmo ainda se encontrava incapaz para o trabalho e portador de uma sequela permanente.
af) Desta forma, "evidenciando-se que os atos médicos contratados directamente pelo sinistrado foram os adequados, então tem ele direito ao reembolso, até ao valor que a seguradora sempre pagaria, se fossem por si assegurados."
Termos em que:
a) Deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida;
Sem prescindir,
b) E apenas a título de prevenção da necessidade da sua apreciação, requer-se a ampliação do âmbito do recurso, conforme art. 636.º do CPC, no sentido de ser analisada a reclamação apresentada pelo autor contra a peça de condensação, revogando-se o despacho que incidiu sobre essa reclamação, com a ref.ª 69913336, de 30/03/2016, por violação do disposto no art. 131.º, n.º 1, al. c), e nos termos supra expostos na conclusão da al. j), COM O QUE SE FARÁ INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”.
6. - O M. Público emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.
7. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. - Fundamentação de facto.
1. - Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão de facto:
“A- No dia 23 de abril de 2012, o Autor sofreu um acidente.
B- O Autor exerce a atividade de médico-dentista, como trabalhador por conta própria, possuindo consultório de atendimento ao público na Rua …, …, ….-… …, Penafiel.
C- O Autor celebrou com a Ré um contrato de seguro, titulado pela apólice n.º ........., do ramo “acidentes de trabalho”, com data de início em 30/10/2010, renovável por um ano e seguintes, mediante o qual transferiu para a Ré a responsabilidade por acidentes de trabalho que viesse a vitimar o Autor no exercício da atividade referida em B), lendo-se naquela apólice que:
“Valores seguros: 17.861,00 euros.
(…)
Atividade principal: Médico.
Na sequência do ajustamento do respetivo prémio, esta apólice passará a partir da data da sua próxima renovação, a vigorar com as constantes desta ata adicional.
(…)
Esse contrato fica subordinado às condições gerais e especais da apólice uniforme em vigor. Ata adicional: As alterações constantes desta ata derrogam o que em contrário tenha sido estabelecido.” – cfr. doc. de fls. 174, cujo restante teor aqui se dá aqui por integralmente reproduzido.
D- Nas cláusulas gerais aplicáveis ao contrato referido em B), lê-se o seguinte: “Artigo 10º Atualização Automática da Remuneração Segura 1- A remuneração iniciada nos contratos por um ano e seguintes, será sempre obrigatória e automaticamente atualizada na data da entrada em vigor das variações da remuneração mínima mensal garantida, desde que o Tomador de Seguro não tenha, entre as datas de duas modificações sucessivas da remuneração mínima nacional garantida, procedido à atualização da remuneração segura.
2- A atualização a que se refere o número anterior corresponderá ao coeficiente de variação (até 1,10) entre a nova remuneração mínima mensal garantida e a anterior, aplicável sobre a remuneração segura, obrigando-se o Tomador de Seguro a pagar o prémio adicional devido por essa actualização.
3- A atualização prevista nos números anteriores obriga a Seguradora ao pagamento das prestações pecuniárias devidas ao sinistrado com base na remuneração segura efetivamente auferida na data do acidente, sendo todavia a sua responsabilidade limitada ao valor resultante da aplicação do coeficiente de 1,10 à remuneração indicadas nas Condições Particulares.
4- O disposto no número anterior não prejudica a correspondente e imediata atualização das remunerações para valores efetivos, nomeadamente para efeitos de cálculo e cobrança de acerto do prémio correspondente ao total das remunerações consideradas a menos.” – cfr. restante teor das condições gerais e especiais que se encontram juntas aos autos a fls. 6 a 20 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
E- O contrato de seguro referido em C) mantinha-se em vigor à data do acidente referido em B).
F- A partir de 04 de maio de 2012, o Autor foi observado, a expensas da Ré, pelos “Hospitais J…”, unidade J1….
G- Pelo hospital referido em F), o Autor esteve:
- com incapacidade temporária absoluta (ITA) desde 04/05/2012 a 24/05/2012; e
- com incapacidade temporária parcial (ITP) de 10%, desde 25/05/2012 até 04/06/2012.
H- Em 04/06/2012, o hospital referido em F) atribui ao Autor alta, curado, sem desvalorização.
I- Pelos períodos de incapacidade referidos em G), a Ré seguradora pagou ao Autor, a título de indemnização, a quantia global de 732,80 euros.
J- O Centro Distrital do … do Instituto da Segurança Social concedeu ao Autor, L…, pessoa singular n.º ……….., a título de subsídio de doença, no período decorrido de 07/05/2012 a 14/11/2012, a quantia de 2.827,86 euros – cfr. doc. de fls. 224, cujo restante teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
K- O Autor participou à Ré o acidente referido em A) por participação datada de 30/04/2012 e que a Ré recebeu em 02/05/2012 – cfr. doc. de fls. 27, cujo restante teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
*
Realizada a audiência de julgamento, o tribunal julga provados os seguintes factos:
L- O acidente referido em A) ocorreu pelas 10h00m - resposta ao ponto 1º da base instrutória.
M- Esse acidente ocorreu quando o Autor se encontrava, dentro do seu horário de trabalho, no consultório identificado em B), a atender uma paciente – resposta ao ponto 2º da base instrutória.
N- Altura em que, em circunstâncias não concretamente apuradas, o banco de apoio, que é de rodas, fugiu para trás, deixando o Autor sem o apoio proporcionado por esse banco – resposta ao ponto 3º da base instrutória.
O- … tendo o Autor caído, estatelado no chão – resposta ao ponto 4º da base instrutória.
P- … ficando, de imediato, o Autor com bastantes dores nas costas e vendo-se forçado a suspender a consulta – resposta ao ponto 5º da base instrutória.
Q- Na altura em que ocorreu o acidente referido em A), L), M), N), O) e P), o Autor auferia como contrapartida da atividade referida em B), uma remuneração anual não concretamente apurada – resposta ao ponto 6º da base instrutória.
R- No dia 27 de abril de 2012, em consequência do acidente referido em A), L), M), N), O) e P) e das dores fortes que sentia, o Autor foi internado na H… e foi operado, de urgência, pelo Prof. Dr. G…, a uma hérnia discal lombar – resposta ao ponto 7º da base instrutória.
S- Na sequência do relatado em R), o Autor esteve internado na H… dois dias – resposta ao ponto 8º da base instrutória.
T- Em 02/08/2012, por agravamento da sintomatologia (lombalgias e lombociática), o Autor teve que ser operado mais uma vez pelo Prof. G…, por recidiva da hérnia discal lombar com estenose foraminal, tendo estado internado na H… entre os dias 2 e 4 de agosto de 2012 – resposta ao ponto 9º da base instrutória.
U- … A que se seguiu tratamento de fisioterapia – resposta ao ponto 10º da base instrutória.
V- Em consequência do acidente referido em A), L), M), N), O) e P), o Autor sofreu traumatismo lombar e agravamento dos problemas raquidianos referidos em AV), AZ), BA) e BB) – resposta ao ponto 11º da base instrutória.
W- … o que lhe determinou, como consequência direta e necessária que o Autor estivesse de ITA desde 24/04/2012 até 14/11/2012 – resposta ao ponto 12º da base instrutória.
Y- O traumatismo referido em V) e o agravamento dos problemas raquidianos referidos em V) fez com que o Autor tivesse de ser submetido à intervenção cirúrgica referida em R) – resposta ao ponto 13º da base instrutória.
X- … E, por agravamento da sintomatologia (lombalgias e lombociática) fez com que o Autor tivesse de ser reoperado nos termos relatados em T), a recidiva de hérnia discal lombar com estenose foraminal – resposta ao ponto 14º da base instrutória.
Z- O Autor ficou a padecer de tratamento fisiátrico – resposta ao ponto 15º da base instrutória.
AA- Por via do acidente referido em A), L), M), N), O) e P), do traumatismo lombar referido em V) e do agravamento dos problemas raquidianos referidos em V), o Autor tem, presentemente, dificuldade em fazer a flexão dorsal do pé direito – resposta ao ponto 16º da base instrutória.
AB- Por via do acidente referido em A), L), M), N), O) e P), do traumatismo lombar referido em V) e do agravamento dos problemas raquidianos referido em V), o Autor tem dificuldades na marcha em bicos de pé – resposta ao ponto 17º da base instrutória. AC- Por via do acidente referido em A), L), M), N), O) e P), do traumatismo lombar referido em V) e do agravamento dos problemas raquidianos referidos em V), o Autor tem dores lombares esporádicas e sem necessidade de tomar AINEs – resposta ao ponto 19º da base instrutória.
AD - Por via do acidente referido em A), L), M), N), O) e P), do traumatismo lombar referido em V) e do agravamento dos problemas raquidianos referidos em V), a nível da ráquis, o Autor apresenta uma cicatriz, na zona da coluna lombar, com dez centímetros de comprimento – resposta ao ponto 21º da base instrutória.
AE - Por via do acidente referido em A), L), M), N), O) e P), do traumatismo lombar referido em V) e do agravamento dos problemas raquidianos referidos em V), o Autor apresenta à direita diminuição da força muscular de hálux, índice de Schober 10-13 cm. E diminuição dos reflexos rotulianos bilateralmente – resposta aos pontos 22º e 23º da base instrutória.
AF - Por via do acidente referido em A), L), M), N), O) e P), do traumatismo lombar referido em V) e do agravamento dos problemas raquidianos referidos em V), o Autor apresenta as sequelas relatadas em AA), AB), AC), AD) e AE) que o incapacitam para as tarefas diárias em função do grau de IPP com que se encontra afetado – resposta ao ponto 24º da base instrutória.
AG - A consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo Autor em consequência do acidente referido em A), L), M), N), O) e P) ocorreu em 15/11/2012 – resposta ao ponto 25º da base instrutória.
AH - Em consequência daquele acidente o Autor despendeu, na fase conciliatória dos presentes autos, em deslocações obrigatórias ao Gabinete médico e a este tribunal a quantia de 20,00 euros – resposta ao ponto 26º da base instrutória.
AI - E irá despender em deslocações na fase contenciosa do presente processo pelo menos a quantia de 10,00 euros – resposta ao ponto 27º da base instrutória.
AJ - Por via do acidente referido em A), L), M), N), O) e P), o Autor despendeu como internamento referido em R) e S) a quantia de 2.439,72 euros – resposta ao ponto 28º da base instrutória. AK- … Com a realização de RMN, realizada nos Serviços Médicos de Imagem Computorizada (SMIC), a quantia de 299,28 euros – resposta ao ponto 29º da base instrutória.
AL- … Em honorários médicos da Clínica Dr. G…, Lda., a quantia de 5.032,50 euros – resposta ao ponto 30º da base instrutória.
AM- … Com o internamento referido em T), a quantia de 2.767,71 euros – resposta ao ponto 31º da base instrutória.
AN-… Com a realização de duas RMN a quantia de 289,46 euros – resposta ao ponto 32º da base instrutória.
AO- … Com uma infiltração peridural e forominal, a quantia de 262,00 euros – resposta ao ponto 33º da base instrutória.
AP- … Com uma outra infiltração perural e forominal, a quantia de 262,00 euros – resposta ao ponto 34º da base instrutória.
AQ- … E pagou aos M…, S.A., a quantia de 20,88 euros – resposta ao ponto 35º da base instrutória.
AR- A quantia paga pelo Centro Distrital do … do Instituto da Segurança Social e referida em J), foi paga ao Autor em consequência direta e necessária do acidente referido em A), L), M), N), O) e P), lesões e sequelas dele emergentes e do agravamento dos problemas raquidianos referidos em V) para o Autor provocados pelo acidente – resposta ao ponto 36º da base instrutória.
AS- O Autor participou o acidente referido em A), L), M), N), O) e P) à Ré em 02/05/2012, mediante a apresentação da participação de fls. 27 no Centro de Mediadores da Ré de … e, na sequência dessa participação, veio a ser observado, pela primeira vez, nos serviços clínicos da Ré no dia 04/05/2012 – resposta ao ponto 39º da base instrutória.
AT- Até à apresentação, no dia 02/05/2012, da participação referida em AS) à Ré, o Autor, até aí, nada comunicou à Ré e nada da mesma reclamou – resposta ao ponto 40º da base instrutória.
AU- O Autor efetuou as despesas e tratamentos a que se alude em R), S), Y), AJ), AK) e AL), na sequência das fortes dores que sentia e da situação de urgência relatada em R), e efetuou as despesas e os tratamentos a que se alude em T), U), X), Z), AM), AN), AO), AP) e AQ), na sequência de, em 04/06/2012, a Ré lhe ter dado alta, curado, sem desvalorização nostemos relatados em H) quando aquele se encontrava então incapaz, temporária e absolutamente para o trabalho, e na sequência de, entretanto, a sintomatologia referida em X) se ter agravado, efetuando aquelas despesas e tratamentos bastando-se para tanto com o parecer médico do Prof. Doutor G… que lhe comunicou que aquele tinha de ser urgentemente submetido à intervenção cirúrgica referida em R) e que tinha de realizar a intervenção cirúrgica referida em T) por via da recidiva descrita em T), sem requerer qualquer conferência de médicos, sem requerer o parecer do diretor clínico da H… ou de outro hospital ou do médico do Tribunal do Trabalho da sua residência para apurar se os mesmos se justificavam – resposta ao ponto 41º da base instrutória.
AV- O Autor padecia já anteriormente ao acidente referido em A), L), M), N), O) e P) de problemas raquidianos – resposta ao ponto 42º da base instrutória.
AW- O Autor sofreu um acidente em 1977, em que se lesionou – resposta ao ponto 43º da base instrutória.
AY- Na sequência do relatado em AW) o Autor foi operado à coluna lombar em 1977 – resposta ao ponto 44º da base instrutória.
AX- Em 2002, o Autor foi submetido a outra cirurgia à coluna lombar para debelar e/ou minorar as patologias da coluna lombar que então apresentava – resposta ao ponto 45º da base instrutória.
AZ- Não obstante as intervenções cirúrgicas referidas em AY) e AX), o Autor antes do acidente referido em A), L), M), N), O) e P) apresentava patologias degenerativas ao nível da coluna e sinais das cirurgias relatadas em AY) e AX) – resposta ao ponto 46º da base instrutória.
BA- Antes do acidente referido em A), L), M), N), O) e P), o Autor sabia que padecia dos problemas raquidianos relatados em AV) e AZ) e que tinha efetuado as intervenções cirúrgicas referidas em AY) e AX), tendo ocasionalmente padecido de dores de costas – resposta ao ponto 48º da base instrutória.
BB- As dores de costas de que o Autor padecia nos termos relatados em BA), já haviam determinado que o Autor, antes do acidente referido em A), L), M), N), O) e P), tivesse recorrido, respetivamente, em 06/07/2002 e em 31/07/2006, ao Serviço de Urgência do Hospital E…, onde lhe foi prestado tratamento e onde lhe foi prescrita medicação, designadamente, analgésicos – resposta ao ponto 49º da base instrutória.
*
Não se apuraram outros factos para além dos que antecedem e, designadamente a matéria vertida nos pontos 18º, 20º, 37º, 38º, 47º e 50º da base instrutória e, bem assim que na sequência da intervenção cirúrgica referida em AY), o Autor tivesse ficado afetado por problemas dorsais.”.

III. – Fundamentação de direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões dos recorrentes, supra transcritas.

2. - Objecto do recurso:
- A modificabilidade da decisão de facto
- A (in)existência do acidente de trabalho, a indemnização pela incapacidade temporária e as despesas efectuadas pelo sinistrado com os procedimentos clínicos.

3. - A modificabilidade da decisão de facto.
3.1. - Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil (CPC), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Para o efeito da alteração da decisão de facto, o artigo 640.º, do novo CPC, dispõe:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”.
No presente caso, a recorrente cumpriu o ónus que sobre si impendia, por força do citado normativo.
3.2. - A ré apelante considera incorrectamente julgados os factos vertidos “nos pontos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da base instrutória”, cuja redacção era:
“1º - O acidente referido em A) ocorreu pelas 10h00?
2º - Esse acidente ocorreu quando o Autor se encontrava, dentro do seu horário de trabalho, no consultório identificado em B), a atender um paciente?
3º - Altura em que ao sentar-se no banco de apoio, que é de rodas, o mesmo fugiu para trás?
4º … Tendo o Autor caído, estatelado no chão?
5º … Ficando, de imediato, o Autor com bastante dores nas costas e vendo-se forçado a suspender a consulta?”.
Tais pontos correspondem às alíneas L, M, N, O e P da matéria de facto dada como provada na sentença.
A ré apelante, para prova da alteração pretendida, indicou o depoimento da testemunha D….
3.3. – Sobre esta questão, o autor alegou nas suas conclusões de recurso:
b) E apenas a título de prevenção da necessidade da sua apreciação, requer-se a ampliação do âmbito do recurso, conforme art. 636.º do CPC, no sentido de ser analisada a reclamação apresentada pelo autor contra a peça de condensação, revogando-se o despacho que incidiu sobre essa reclamação, com a ref.ª 69913336, de 30/03/2016, por violação do disposto no art. 131.º, n.º 1, al. c), e nos termos supra expostos na conclusão da al. j),”.
Proferido o despacho saneador, em 30 de Outubro de 2015, o autor reclamou, requerendo a eliminação dos quesitos 1.º a 5.º da base instrutória, atenta a posição tomada pela ré, sobre essa matéria, no auto de não conciliação na fase conciliatória do processo.
Tal reclamação foi indeferida, por despacho de 30 de Março de 2016.
Vejamos.
No “Auto de não conciliação” realizado na fase conciliatória do processo, ficou consignado:
O SINISTRADO:- Que no dia vinte e três de Abril de dois mil e doze por volta das 10:00 horas em …, foi vítima de um acidente de trabalho, quando exercia as funções de dentista e trabalhava por conta própria. Reclama da companhia de seguros a transferência salarial de 19.250,59 Euros/ano por entender dever a mesma efectuar actualização automática do valor de acordo com percentagem do salário mínimo nacional, conforme artigos 4º,5º e 6º da participação. O acidente ocorreu quando sofreu uma queda da cadeira, submetido a perícia médica no Gabinete Médico Legal foi-lhe atribuído o grau de desvalorização de 3,00% cujo resultado declara não aceitar, não concordando com a data da alta e os períodos de incapacidade temporária, por entender que esteve em ITA desde o acidente até 14/11/2012.
Não lhe foram pagas todas as indemnizações e demais despesas acessórias que eram devidas até à data da alta.
De a acordo com a IPP atribuída pelo perito médico da gabinete médico legal e o salário reclamado, o sinistrado teria direito ao capital de remição da pensão anual de 404,26 Euros devida a partir de 05/06/2012, calculada com base na retribuição anual x 70% x IPP de 3,00%, nos termos do disposto no artigo 48º, nº3, alinea c), da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, bem como a quantia de 20,00 Euros relativa a despesas de deslocações obrigatórias ao Gabinete Médico Legal e a este tribunal.
Bem como reclama a quantia de 415,41 Euros de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidades temporárias fixados no relatório médico, diferenças que serão superiores caso venha a ser atribuída a data da alta que acima referiu.
Pelo legal representante da Companhia de Seguros foi dito: Aceita que o sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho indemnizável em 23/12/2014; que reconhece o nexo de causalidade entre este e as lesões consignadas na documentação nosológica que apresentou; que a responsabilidade da entidade empregadora estava transferida pelo salário anual de 17.861,00 Euros.
Aceita as despesas de deslocação a tribunal caso em sede de junta médica se venha a atribuir IPP ao sinistrado.
Não aceita a incapacidade fixada pelo perito médico do tribunal, em virtude de os seus serviços clínicos considerarem o sinistrado curado sem qualquer grau de desvalorização desde 04/06/2012; pelo que não se concilia.”.
[A nosso ver, atentos todos os elementos constantes dos autos, a referência à data de “23/12/2014” trata-se de uma gralha, como, de igual modo, a data de “23/04/2015” no despacho que indeferiu a reclamação do autor].
Ou seja, os autos apenas passaram à fase contenciosa – artigo 117.º. n.º 1, alínea a) do CPT -, por divergências quanto ao valor da retribuição anual segura; quanto ao período das incapacidades temporárias (e indemnização associada) e quanto ao coeficiente da incapacidade permanente parcial de que o autor é portador. E nada mais.
Sobre o conteúdo do auto, na falta de acordo, o artigo 112.º do CPT, dispõe:
1 - Se se frustrar a tentativa de conciliação, no respectivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída.”. (negrito nosso).
Ora, tendo a ré declarado, expressamente, no “Auto de não conciliação” que “Aceita que o sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho indemnizável”, – isto é, aceita a existência e caracterização do acidente como de trabalho - e “que reconhece o nexo de causalidade entre este e as lesões consignadas na documentação nosológica que (o autor) apresentou”, nada mais restava ao Tribunal da 1.ª instância do que dar cumprimento ao disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 131.º do CPT, que dispõe:
1 — Findos os articulados, o juiz profere, no prazo de 15 dias, despacho saneador destinado a:
a) e b) – (…).
c) Considerar assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação (…);”. (negrito nosso).
Na verdade, o que resulta do “Auto de não conciliação” é que a ré seguradora declarou, expressamente, que “Aceita que o sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho indemnizável”, isto é, aceita que o autor, “no dia vinte e três de Abril de dois mil e doze, por volta das 10:00 horas, em …, foi vítima de um acidente de trabalho, quando exercia as funções de dentista e trabalhava por conta própria”, e “que reconhece o nexo de causalidade entre este (acidente de trabalho) e as lesões consignadas na documentação nosológica que (o autor) apresentou”.
Deste modo, estando aceite, por acordo, a factualidade inserida nas alíneas L, M, N, O e P da matéria de facto, não opera o princípio da livre apreciação da prova (tanto na 1.ª como na 2.ª instância, dado que ambas as instâncias conhecem da matéria de facto), atento o disposto no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, que dispõe;
“5 — O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.” (negrito nosso).
Por todo o exposto, julga-se improcedente a impugnação sobre a matéria de facto, pretendida pela ré recorrente, no que reporta às alíneas L, M, N, O e P da matéria de facto dada como provada na sentença.
Como consequência de tal improcedência, fica prejudicado o conhecimento da questão suscitada na ampliação do recurso do autor.
3.3. - A ré apelante considera, ainda, incorrectamente julgados os factos vertidos “nos quesitos 7.º, 9.º e 10.º (pontos R), T) e U) dos factos dados como provados)”, propondo a seguinte redacção:
R) No dia 27 de Abril, o Autor foi internado na H… e foi operado a uma hérnia discal lombar.
T) Em 2/8/2012, o Autor voltou a ser operado na H…, tendo estado internado entre esse dia e o dia 4 do mesmo mês e ano.
U) A que se seguiu tratamento de fisioterapia, habitualmente realizado antes deste tipo de intervenção cirúrgica.”.
A redacção dos quesitos era:
“7º No dia 27 de abril de 2012, em consequência do acidente referido em A) e 1º a 5º, e das dores insuportáveis que sentia, o Autor foi internado na H… e foi operado, de urgência, pelo Prof. Dr. G…, a uma hérnia discal lombar?
9º Em 02/08/2012, o Autor teve que ser operado mais uma vez pelo Prof. G…, tendo estado internado na H… entre os dias 2 e 4 de agosto de 2012?
10º … A que se seguiu tratamento de fisioterapia?”.
E a resposta foi:
“R- No dia 27 de abril de 2012, em consequência do acidente referido em A), L), M), N), O) e P) e das dores fortes que sentia, o Autor foi internado na H… e foi operado, de urgência, pelo Prof. Dr. G…, a uma hérnia discal lombar – resposta ao ponto 7º da base instrutória.
T- Em 02/08/2012, por agravamento da sintomatologia (lombalgias e lombociática), o Autor teve que ser operado mais uma vez pelo Prof. G…, por recidiva da hérnia discal lombar com estenose foraminal, tendo estado internado na H… entre os dias 2 e 4 de agosto de 2012 – resposta ao ponto 9º da base instrutória.
U- … A que se seguiu tratamento de fisioterapia – resposta ao ponto 10º da base instrutória.”
Em síntese: o que a ré seguradora questiona é a urgência das operações ocorridas nos dias 27 de Abril de 2012 e 02 de Maio de 2012, realizadas “à revelia” dos seus serviços clínicos.
No despacho de fundamentação da matéria de facto consta:
“Pontos 7º, 8º, 9º e 10º - a matéria dada como provada, ainda que restritiva e explicativamente, assentou nos fundamentos probatórios que acima já se teve ensejo de explanar, designadamente no depoimento prestado por I…, bem como no teor dos documentos juntos aos autos a fls. 26, 30 a 44, que comprovam a matéria que se deu como provada, a qual é igualmente corroborada pelo relatório de exame por junta médica de fls. 76 a 79 do apenso para fixação de incapacidade em que os senhores peritos médicos concluem, por maioria, pela verificação da matéria dada como provada. (…).Cotejados os depoimentos dos identificados I… e F…, que refere que como as dores do Autor “estavam cada vez pior, aconselhou este a arranjar alguém para resolver o problema”, com o teor dos documentos juntos aos autos principais a fls. 26 e 100 a 101, onde se vê que o Autor, no dia 27/04/2012, pelas 13h46m, realizou uma RM (1,5T) da coluna lombo-sagrada a pedido do Prof. Doutor G… (cfr.fls.100), tendo sido operado de urgência nesse dia 27/04/2012 a hérnia discal lombar por esse clínico (cfr. fls. 26), na H…, onde esteve internado de 27/04/2012 a 29/04/2012 (cfr. fls. 30 a 33), forçoso é concluir que o Autor foi procurar o Prof. Doutor G…, na sequência do agravamento das dores de costas que sentia, a conselho do seu médico de família, Dr. F…, conselho este que este lhe deu nessa segunda consulta ocorrida ao longo do dia 26/04/2012.
Termos em que, perante os fundamentos probatórios que se acabam de explanar, forçoso é concluir pela prova da matéria dada como provada nos precisos termos dados como assentes.”.
A ré apelante, para prova da alteração pretendida, indicou o depoimento dos peritos médicos, Dr. K…, Dr. N… e Dr. O….
3.4. - Ouvida toda a prova pessoal gravada e analisados os documentos, juntos aos autos, reportados à matéria ora impugnada, nada a objectar quanto ao decidido na 1.ª instância sobre os factos vertidos “nos quesitos 7.º, 9.º e 10.º (pontos R), T) e U) dos factos dados como provados)”.
Na verdade, os três peritos médicos indicados pela ré recorrente são os mesmos que subscreveram o “Auto de Exame por Junta Médica” junto a fls. 76-78 dos autos, o qual serviu de suporte ao Tribunal da 1.ª instância, além do mais, para prova dos factos inseridos nos pontos R), T) e U) e fixar o grau de desvalorização profissional do sinistrado.
E dos seus depoimentos prestados em audiência de julgamento resulta uma clara divergência sobre a questão da urgência da operação realizada no dia 27 de abril de 2012, na H….
Se é certo que o Dr. K… declarou que “Também não compreendo como é que este senhor foi operado de urgência. Nestes 30 anos de ortopedia nunca vi nenhum caso de urgência de operar uma hérnia discal e passado um mês ou um mês e meio ser operado novamente também nunca vi”, também é verdade que o Dr. O… afirmou: “Se (o autor) foi operado é porque tinha indicação cirúrgica do médico assistente para o ser”, (…); “ninguém vai a uma urgência hospitalar se não sentir dores”.
Além disso, como é que um perito médico, em 2016.05.27 (data da audiência de julgamento) pode avaliar, de forma consistente e segura, sobre a urgência, ou não, de uma operação realizada em 27 de abril de 2012 (ou seja, quatro anos antes), sem a observação clínica do doente, à data da referida urgência?
Pela ordem natural das coisas, obviamente, que não pode! Pode é hipotizar ou dar “palpites”, mas o direito não se satisfaz com “ses”, mas sim com factos concretos e credíveis.
Assim sendo, o elemento de prova indicado pela ré, para a alteração dos pontos R), T) e U) dos factos provados, não é suficientemente convincente para contrariar, não só os elementos de prova que fundamentaram a convicção do Mmo Juiz da 1.ª instância (mormente, os depoimentos das testemunhas I… e F… que descreveram as condições – o estado de dores que afectavam o autor - que levaram o autor à urgência do hospital, no dia 26 de Abril de 2012), como a “Declaração” da “Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários P…”, junta a fls. 25, do I volume, no sentido de que no dia 26 de Abril de 2012, cerca das 02.20h, o autor “foi transportado de ambulância ao Centro Hospitalar E…, tendo-lhe sido atribuído o episódio de urgência hospitalar n.º ……..” e a “Declaração Médica”, junta a fls. 26, do I volume, subscrita pelo Prof. Doutor G…: “O Sr. Dr. L… por um quadro de lombalgias e lombociática relacionada um acidente no local de trabalho em 23/4/12, foi operado de urgência no dia 27/04/12 a hérnia discal lombar. Por agravamento da sintomatologia (lombalgias e lombociática) foi operado a recidiva de hérnia discal lombar com estenose foraminal em 02/08/12. Dada a situação clínica, necessita de fazer tratamento fisiátrico”.
É consabido que a decisão de operar, de urgência, não é do doente, mas do médico assistente. O doente pode ou não concordar em ser operado, mas essa é outra questão que aqui não se discute.
Deste modo, também neste particular, improcede a impugnação pretendida pela ré recorrente, no que reporta às alíneas R), T) e U) da matéria de facto dada como provada na sentença.

4.A (in)existência e caracterização do acidente como de trabalho, a indemnização por incapacidade temporária e as despesas efectuadas pelo sinistrado com os procedimentos clínicos.
No que concerne à decisão de mérito, sobre a (in)existência e caracterização do acidente como de trabalho, a indemnização por incapacidade temporária e as despesas efectuadas pelo sinistrado com os procedimentos clínicos, o êxito do recurso passava pela alteração da decisão sobre a matéria de facto, como a própria ré reconhece nas suas alegações de recurso:
6. Como é bom de ver, procedendo a alteração da matéria de facto nos termos acima peticionados, forçoso será concluir pela total absolvição da ora Recorrente do pagamento das quantias as quais foi condenada pagar na sentença recorrida.
Na verdade, não se provando o sinistro, falha a condição para a procedência de todos os pedidos formulados pelo Autor, razão pela qual deve a sentença proferida ser alterada e substituída por outra que absolva a R. C….
7. Caso assim não se entenda, o que só por hipótese meramente académica se coloca, na parte da matéria de facto referente aos procedimentos médicos a que o A. se submeteu, bem como à sua urgência e necessidade, deve sempre a sentença ser alterada em conformidade com o supra reclamado.”.
Assim, mantida a decisão de facto da 1.ª instância, nada mais há a considerar, perante o acerto da decisão recorrida, atenta a matéria de facto provada, a qual permite concluir pela existência e caracterização do acidente como de trabalho e, consequentemente, pelo direito do autor/sinistrado às prestações, em espécie e em dinheiro, previstas no artigo 23.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, e reconhecidas na sentença recorrida.
Deste modo, mais não resta do que julgar improcedente o recurso apresentado pela ré recorrente.

IV.A decisão
Atento o exposto, julga-se a apelação improcedente, e em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
As custas do recurso de apelação são a cargo ré.

Porto, 5 de Janeiro de 2017
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator)
Descritores : acidente de trabalho, tentativa de conciliação, factos admitidos por acordo, base instrutória, impugnação da matéria de facto
I - Em processo acidente de trabalho devem considerar-se assentes os factos admitidos por acordo em tentativa de conciliação.
II - Improcede a impugnação, efetuada pela ré/seguradora, relativamente à resposta à matéria de facto que, pese embora levada à base instrutória - em violação dos arts. 112.º, n.º 1, e 131.º, n.º 1, al. c), do CT - respeite à ocorrência de acidente de trabalho, por esta aceite em tentativa de conciliação.

Domingos Morais